Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 595/2023-T
Data da decisão: 2024-01-10  IRC  
Valor do pedido: € 107.801,66
Tema: IRC. Retenção na fonte. Organismo de investimento colectivo. Violação do Direito da União Europeia.
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Prof. Doutor Miguel Patrício (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-10-2023, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., organismo de investimento colectivo (“OIC”) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier desde 24 de Abril de 2014, contribuinte fiscal português n.º..., com sede em ..., Grão-Ducado do Luxemburgo, representado por B..., S.A., sociedade de direito luxemburguês com sede em ..., Rue..., ..., Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023... e das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) por retenção na fonte de Dezembro de 2020 e de Junho e Dezembro de 2021, que incidiram sobre os juros colocados à disposição do Requerente por sociedades residentes em território português.

O Requerente formula pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 21-08-20213

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-10-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30-10-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou uma excepção, que referiu como sendo de incompetência do tribunal arbitral (mas que se baseia em alegada intempestividade da reclamação graciosa) e, caso assim, não se entenda, defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 11-12-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, mas podendo o Sujeito Passivo pronunciar-se sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pronunciou-se sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, defendendo que ela não deve proceder.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Colectivo (OIC) com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar de leis luxemburguesas (documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O Requerente é administrado pela sociedade B..., S.A., entidade também com sede no Grão-Ducado do Luxemburgo (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em Dezembro de 2020, o Requerente auferiu juros pagos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 146.595,07, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

(documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. A quantia de € 36.648,77 retida na fonte, foi entregue ao Estado em 20-01-2021, com base na guia n.º..., pelo C..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal português ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários (documento n.º 6);
  2. Em Junho e Dezembro de 2021, o Requerente auferiu juros pagos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 284.611,54, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

(documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. As quantias de € 35.420,34 e € 35.732,55 retidas na fonte, foram entregues ao Estado, respectivamente, em 19-07-2021 e 20-01-2022, com base nas guias n.ºs ... e ..., pelo C..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários (documento n.º 7);
  2. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto da presente reclamação graciosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo (declaração da entidade gestora do Requerente, que consta do documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. No dia 20-01-2023, o Requerente apresentou, através de carta registada nessa data, reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, que deu entrada em 24-01-2023 e veio a ter o n.º ...2023... (documento n.º 8 e página 8 da parte 9 do processo administrativo);
  4. Na reclamação graciosa, o ora Requerente invocou a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Interno, ínsito no artigo 8.º, n.º 4 da CRP;
  5. Não foi proferida decisão sobre a reclamação graciosa até 17-08-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita uma excepção, que qualifica como de incompetência do tribunal arbitral, mas que se baseia em alagação da intempestividade da reclamação graciosa.

O Requerente defende que não se verifica a incompetência do tribunal arbitral nem a intempestividade da reclamação graciosa.

 

3.1. Questão da incompetência

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de actos de retenção na fonte está expressamente prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Por isso, é manifesto que este Tribunal Arbitral tem competência para apreciar o pedido de pronúncia arbitral.

 

3.2. Questão da intempestividade da reclamação graciosa

 

A questão da intempestividade da reclamação graciosa suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira reporta-se apenas à retenção na fonte efectuada em 31-12-2020.

Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «considera-se o facto gerador de imposto verificado na data em que ocorre a obrigação de efetuar a retenção, conforme dispõe da alínea b), do n.º 10, do artigo 8.° do CIRC conjugado com o n.º 6 do art.º 94.º do CIRC».

O Requerente defende que, nos termos do artigo 137.º, n.º 3, do CIRC, «a reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias total ou parcialmente indevidas só tem lugar quando essa retenção tenha carácter definitivo e deve ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido a fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior».

O artigo 94.º, n.º 6, do CIRC estabelece que «a obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar».

O artigo 8.º, n.º 10, alínea b), do CIRC estabelece que, relativamente a rendimentos objecto de retenção na fonte a título definitivo, o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.

Mas, relativamente ao prazo para apresentação de reclamação graciosa, vale a regra específica do n.º 3 do artigo 137.º do CIRC, que estabelece o prazo «de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido a fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior».

Assim, tendo ocorrido em 20-01-2021 a entrega do imposto retido na fonte pago em 31-12-2020, é a partir daquela data que se conta o prazo de dois anos para reclamação graciosa.

Por isso, o prazo para reclamação graciosa terminou em 20-01-2023, que foi a data em que o Requerente enviou a reclamação graciosa por correio registado e é a data a considerar por força do preceituado no artigo 26.º, n.º 2, do CPPT.

Pelo exposto, a reclamação graciosa foi apresentada tempestivamente quanto a todas as retenções na fonte.

Improcede, assim, a excepção de intempestividade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4. Matéria de direito

 

O Requerente é uma é uma pessoa coletiva de direito luxemburguês, que está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente fiscal no Luxemburgo em 2020 e 2021.

Em 31-12-2020, 30-06-2021 e 31-12-2021, o Requerente recebeu juros pagos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, nos montantes de € 146.595,07, € 142.930,19 e € 141.681,35, respectivamente.

Relativamente aos rendimentos referidos obtidos pelo Requerente foi efectuada em Portugal retenção na fonte a título liberatório, nos montantes de € 36.648,77, € 35.732,55 e € 35.420,34.

O Requerente apresentou, em 20-01-2023, uma reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte, que não foi decidida até 20-05-2023, pelo que se formou indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2020 e 2021, estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

A Requerente é constituída ao abrigo da luxemburguesa e não da lei nacional e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.

O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 

 

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no citado acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

No texto do acórdão, para cuja fundamentação se remete, abordam-se as questões relevantes para atingir esta conclusão. Este Acórdão abordou a temática da retenção na fonte sobre dividendos pagos a OIC não residentes em Portugal porém, tais conclusões aplicam-se, igualmente, aos juros de empréstimos pagos a OIC não residentes, pois, por um lado, são aplicáveis as mesmas normas (artigos 22.º, n.º 1 do EBF, 5.º do CIRS ex vi n.º 3 do artigo 22.º do EBF e 94.º, n.º 1, alínea c) e n.os 3 e 4 do CIRC) e, por outro lado, em ambos os casos (dividendos e juros) estamos perante rendimentos de capitais.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

Consequentemente, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento tácito da reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

5. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios       

 

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

          No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

          O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

          Como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ( [1] );

   

    – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

           Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [2] );

 

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ( [3] );

 

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43.º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [4] ).

         

          À luz desta jurisprudência, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira.

O facto de se tratar de actos de retenção na fonte não praticados directamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não afasta essa imputabilidade, pois, ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» ( [5] ), devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto ( [6] ).

          O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

 

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.

 

          Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito da reclamação graciosa.

          A reclamação graciosa foi apresentada em 20-01-2021, pelo que o indeferimento tácito se formou em 20-5-2021, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

          Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada.

          Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data de 21-05-2021, até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

           

 

            6. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efectuadas através das guias n.º..., ... e ..., nos montantes de € 36.648,77, € 35.420,34 e € 35.732,55, respectivamente, bem como o pedido de anulação do indeferimento tácito a reclamação graciosa n.º ...2023...;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 107.801,66 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão e condenar a Administração Tributária a pagá-los a Requerente.

 

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 107.801,66, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 10-01-2024

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)

 

 

(Miguel Patrício)

 

 



[1] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765.

[4] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.

[5] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[6] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação».

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional».