Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 528/2023-T
Data da decisão: 2023-10-30  IRS  
Valor do pedido: € 16.917,87
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:


A revogação do ato de liquidação pela AT[1], através da qual a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido, resulta a impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC[2], aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT[3].

Quando a Requerida comunicar a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal, Arbitral, como é o caso, as custas são da sua responsabilidade, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância (cfr. artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

DECISÃO ARBITRAL

I RELATÓRIO

 

A..., NIF[4] ..., residente na rua do...–...– ..., área do Serviço de Finanças de ..., notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada contra as liquidações de IRS[5] e juros compensatórios de 2021 nº. 2022... 2022..., respetivamente, no montante global de € 30 309,15, veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade do despacho que indeferiu a reclamação graciosa e consequentemente a anulação parcial das liquidações já referidas, com a restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos no montante de € 16 917,87, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º,nº 1 da LGT[6]

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD[7] em 20/07/2023, e notificado à AT na mesma data.

Em 06/09/2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da nomeação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do referido Regime, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do seu artigo 11.º sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26/09/2023 o que foi, na mesma data, notificado às Partes e ao Tribunal que logo proferiu despacho nos termos e efeitos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

A Requerente suporta o seu pedido, em síntese, no facto de não concordar com o procedimento da AT de não considerar que o imóvel que adquiriu no ... foi afeto à sua habitação própria e permanente no prazo legalmente estipulado, desconsiderando a amortização do empréstimo e a utilização de parte do valor da realização da venda da fração “ O” na sua aquisição para efeitos de exclusão de tributação em IRS, prevista  no nº5 do artigo 10º do CIRS[8].

 

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Em 20/10/2023, a Requerida, vem aos autos dizer que as liquidações impugnadas foram revogadas por despacho da Senhora Subdiretora-Geral ..., datado de 13/10/2023, conforme documento junto.

Em 20/10/2023, face ao documento junto pela Requerida o Tribunal proferiu o seguinte Despacho: “Notifique-se a Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre o conteúdo do requerimento hoje junto aos autos pela Requerida  e se mantem ou não interesse no prosseguimento dos autos.

No mesmo prazo deverá dar cumprimento ao disposto no nº 4 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pagamento da taxa de justiça subsequente”.

Em 27/10/2023, juntou a Requerente aos autos informação dizendo que tendo em conta a revogação total do ato objeto do pedido dos presentes autos, bem como da consideração dos correspondentes juros indemnizatórios não mantém interesse no prosseguimento dos mesmos.

O processo não enferma de nulidades cumpre decidir.

 III- EXTINÇÃO DO PROCESSO POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

 

Tendo em conta que a AT informou, que havia procedido à revogação dos atos tributários aqui em crise, conforme Despacho da Senhora Subdiretora-Geral ..., datado de 13/10/2023,apoiado na informação prestada pela Senhora Técnica Superior ..., que contempla, entre outras, as situações a seguir transcritas: “…Atento ao exposto supra e ao peticionado nos presentes autos CAAD, concretamente a consideração de que o pressuposto legal previsto no art.º 10, nº 6 CIRS se encontra preenchido em virtude da ilisão da presunção de que o domicilio fiscal tem de coincidir com a realidade efetiva, i.é, a afetação a HPP ocorreu dentro do prazo legal de 12 meses desde o reinvestimento (29.06.2021), embora a alteração de domicilio apenas tenha ocorrido em Agosto de 2022.

 Igualmente parece assistir razão no pedido de constituição do direito a juros indemnizatórios…”.

A Requerente veio aos autos informar que, considerando a revogação total do ato objeto do pedido de pronúncia arbitral, bem como da consideração dos correspondentes juros indemnizatórios, não mantém interesse no seu prosseguimento.

Tendo em conta o disposto no nº. 1 do artigo 100º da LGT que se transcreve: “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que obriga a AT à reposição integral da legalidade, concluímos pela inexistência de objeto da pretensão deduzida em Tribunal, uma vez que  os atos tributários controvertidos foram integralmente revogados na pendência dos presentes autos de ação arbitral e, estando a pretensão da Requerente totalmente satisfeita, uma vez que a AT também reconheceu o seu direito a juros indemnizatórios nos termos peticionados pela Requerente, deverá a presente ação ser extinta com fundamento em inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277º alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alínea e) do RJAT, encontrando-se satisfeita a pretensão da Requerente que, aliás, no seu requerimento de 27/10/2023, veio declarar que não tinha interesse no seu prosseguimento por reconhecer satisfeitas as suas pretensões.

Neste sentido aponta o Acórdão do STA[9] de 30/07/2014, proferido no Pº 0875/14 que com a devida vénia reproduzimos na parte que se entende aplicável: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.”

 

Destarte cumpre ainda ao Tribunal apreciar e decidir a repercussão da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, na responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

 

IV – DAS CUSTAS ARBITRAIS

 

Ao Tribunal compete-lhe fixar o montante das custas finais do processo e determinar a responsabilidade das partes no seu pagamento.

Deste modo e tendo em conta o disposto no artigo 536º nº 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, nas situações de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu requerido, caso em que é este o responsável pela sua totalidade.

 

No caso dos presentes autos a Requerida, comunicou a revogação dos atos tributários de liquidação objeto do procedimento arbitral após ter sido notificada para a resposta o que implica que foi a Requerida que deu causa à inutilidade superveniente da lide, pelo que é ela que fica responsável pelo pagamento total das custas processuais, nos termos do já citado nº 3 do artigo 536º do CPC.

 

V- DECISÃO

 

Face ao exposto este Tribunal declara:

 

  1. A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos
    termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do
    RJAT.
  2. Fixar o valor da causa, nos termos dos artigos 306º nº 2 do CPC, 97º-A nº 1 alínea a) do CPPT[10] e 3º,nº2 do RCPAT[11], no montante de € 16 917,87
  3. Fixar as custas no montante de € 1 224,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam na sua totalidade a cargo do Requerida AT, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 536º nº 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT.

 

 

Lisboa, 30 de outubro de 2023

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O Árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco

 



[1] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[2] Acrónimo de Código de Processo Civil

[3] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária

[4] Acrónimo de Número de Identificação Fiscal

[5] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares

[6] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[7] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[8] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares

[9] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[11] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem tributária