Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2012-T
Data da decisão: 2012-07-19  IRC  
Valor do pedido: € 8.350,00
Tema: Dedutibilidade de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital
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Processo n.º 21/2012-T

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório:

 

1. …, pessoa colectiva n.º …, com sede na …, em …, requereu, em 25.1.2012, a constituição de tribunal arbitral nos termos do disposto no art.º 30º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) tendo em vista declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. Em ….3.2005, a Requerente deduziu impugnação judicial do acto de indeferimento tácito da reclamação da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003.

 

3. Em ….5.2006, foi notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada juntando aos autos de impugnação o Ofício n.º … da Direcção de Finanças de ….

 

4. O aludido processo de impugnação correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sob o n.º ….

 

5. Por terem decorrido mais de 6 anos desde a apresentação da referida impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada sem que tivesse havido decisão judicial que lhe pusesse termo, a Requerente solicitou, em 25.1.2012, nos termos e em conformidade com o estatuído no n.º 1 do art.º 30º do RJAT, a submissão do processo à jurisdição arbitral, requerendo a constituição de tribunal arbitral.

 

6. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

7. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular.

 

8. A reunião prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, teve lugar no dia 28 de Março de 2012, que é assim a data a partir da qual o Tribunal Arbitral se considera constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

9. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2003, com a consequente anulação, nessa parte, integrando-se o montante de 8.350,80 € correspondente a encargos financeiros suportados nos custos dedutíveis para efeitos fiscais, com o consequente reembolso à Requerente, na parte em que esse valor viesse a influenciar a liquidação de 2003, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal.

 

10. Em 3.5.2012 teve lugar a primeira reunião de Tribunal Arbitral constituído, prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

11. Nos termos do n.º 2 do art.º 18º do RJAT, o Tribunal designou data para a alegações orais, entretanto produzidas.

 

12. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou e peticionou, em brevíssima síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações da Requerente no pedido de pronúncia arbitral

 

12.1. A Requerente está sujeita ao regime fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, constante do art.º 31º do EBF (actualmente art.º 32º).

 

12.2 No apuramento do lucro tributável, relativo ao exercício de 2003, a Requerente acresceu ao resultado contabilístico apurado encargo financeiro, no montante de 8.350,80 €, suportado com a aquisição de partes de capital, uma vez que, de acordo com certa interpretação administrativa do n.º 2 do art.º 31º do EBF, esses encargos não concorrem desde a primeira hora para o apuramento do lucro tributável das SGPS´s.

 

12.3 A Requerente não se conforma com a liquidação efectuada nem com os fundamentos invocados pela AT na Circular n.º 7/2004 para afastar a dedutibilidade daqueles encargos financeiros, razão pela qual apresentou reclamação graciosa e impugnou a autoliquidação referente ao exercício de 2003 e pretende agora que esses encargos sejam considerados no apuramento da sua base tributável.

 

12.4 Sustenta a Requerente que a ilegalidade do acto de liquidação assenta, essencialmente, na inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do art.º 31º do EBF, interpretada nos termos da Circular n.º 7/2004.

 

12.5 Termina peticionando seja declarada a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação do IRC de 2003, com a consequente anulação, nessa parte, integrando-se o montante de 8.350,80 €, correspondente a encargos financeiros suportados, nos custos dedutíveis para efeitos fiscais, com o consequente reembolso à Requerente (dizendo nós, na parte em que esse valor viesse a influenciar a liquidação de 2003), acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, em caso de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

13. A Requerida apresentou resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) Alegações da Requerida na resposta:

 

13.1. Segundo a CRP a validade das leis e dos demais actos do Estado depende da sua conformidade com a mesma.

 

13.2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

 

13.3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva e a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

 

13.4. Por seu turno a Lei Geral Tributária regula as relações jurídico-tributárias (art.º 1º, n.º 1), sendo-lhes aplicadas, sucessivamente, a LGT, o CPPT (…) e o Estatuto dos benefícios Fiscais, o CPA (…) o Código Civil e o CPC (art.º 2º). 13.4.1. Os benefícios fiscais estão sujeitos ao princípio da legalidade (art.º 8º, n.º 1); 13.4.2. A determinação do sentido nas regras tributárias, bem como a qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam estão subordinadas às regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes dos art.ºs 5º a 13º do Código Civil (art.º 11º, n.º 1) e não são susceptíveis de interpretação analógica as normas tributárias cuja competência legislativa compita à Assembleia da República (art.º 11º, n.º 1); 13.4.3. As normas fiscais aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos (art.º 12º, n.º 1).

 

13.5. Porque a LGT a ele faz apelo, realça-se que o Código Civil estipula não poder ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 9º, n.º 2) e ainda que a lei só dispõe para o futuro (art.º 12º, n.º 1).

 

13.6. O art.º 38º, n.º 1, da Lei do Orçamento de Estado para 2003, aprovado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, deu nova redação ao art.º 31º do EBF. Por seu turno o seu n.º 5 estabelece que a alteração introduzida no art.º 31º do EBF, se aplica às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003.

 

13.7. Em consequência, a AT produziu e colocou em vigor a Circular n.º 7/2004, de 30/3, da Direcção de Serviços do IRC.

 

13.8. Sustenta a Requerida que apesar daquela Circular ser uma interpretação oficial de normas jurídicas, vinculadora dos serviços e funcionários da AT, jamais pretendeu aquela alterar, adulterar ou violar as regras jurídicas que lhe deram origem. Para além disso ressalta da mesma um esforço de análise coerente, isenta e objectiva das normas jurídicas que lhe subjazem, por forma a cumprir o mais rigorosamente possível a mens legis, concatenada com as demais regras jurídicas directamente aplicáveis.

 

13.9. A alteração legislativa provocada pelo n.º 1 do art.º 38º da Lei n.º 32-B/2002, dispõe apenas para o futuro e não tem eficácia retroactiva expressa.

 

13.10. Em consequência, os encargos financeiros alegadamente suportados pela Requerente devem ser acrescidos ao lucro tributável referente ao mesmo exercício, porque as mais-valias e menos-valias obtidas na transmissão das participações sociais detidas por mais de um ano (foram adquiridas em 1994), não estão sujeitas a IRC e isso tem como consequência que aqueles encargos financeiros suportados com a sua aquisição não podem ser tidos como custos e, necessariamente, acrescerão ao lucro tributável.

 

13.11. Uma vez que aquela não prevê expressamente os métodos de cálculo para se alcançar o seu desidrato e perante a impossibilidade física de afectação directa, cumprindo os princípios básicos de Direito Tributário, naturalmente que a AT, interpretando e aplicando a lei, teria de se socorrer do disposto no n.º 2 do art.º 9º do CC, ou seja, utilizar um método de rateio.

 

13.12. Por interpretação teleológica, a aplicação da lei teria de ser, necessariamente, a constante da Circular n.º 7/2004, de 30.3, da DSIRC.

 

13.13. Logo e ao contrário do pretendido pela Requerente, inexiste qualquer “intenção legislativa” por parte do Fisco.

 

13.14. E isto não implica qualquer violação do princípio da legalidade tributária, nem de qualquer outro e muito menos o da segurança, segundo o qual os particulares necessitam de planear a sua actividade conhecendo antecipada e objectivamente os direitos e deveres tributários que irão surgir futuramente com base, in casu, no Orçamento de Estado para 2003; assim, tudo ficou regulado para o futuro e com início em 1.1.2003, jamais possuindo a possibilidade de ser eficaz retroactivamente e nem sequer incluiu qualquer norma de carácter transitório.

 

13.15. Em face do exposto, sustenta a Requerida, é lógico e decorre da lei que os custos relevantes para efeitos fiscais sejam os que estão relacionados com a obtenção de rendimentos.

 

13.16. Ora, havendo uma categoria de rendimentos que ficam de fora da alçada de tributação em sede de IRC, os custos suportados com a obtenção dos mesmos necessariamente terão de acrescer à matéria colectável, jamais podendo ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis, dado não terem qualquer contrapartida relevante ao nível de qualquer eventual acréscimo patrimonial.

 

13.17. Por outras palavras, estando os custos em questão relacionados intimamente com as mais-valias e não sendo estas consideradas como proveitos, resulta que os custos inerentes, porque não conexos com actividade tributada, tenham de acrescer necessariamente aos proveitos/rendimentos.

 

13.18. O facto das mais-valias originadas com a venda de participações sociais detidas há mais de um ano não estarem sujeitas a IRC, obriga a que, em contrapartida, os custos suportados com a sua aquisição originária não possam ser tidos como tal, pelo que devem acrescer aos rendimentos; em consequência, a Circular n.º 7/2004 mais não fez do que interpretar oficialmente as novas regras jurídicas decorrentes do Orçamento do Estado de 2003 na área em que alterou o art.º 31º do EBF, emitindo normas e exemplos práticos aplicáveis.

 

13.19. Logo o art.º 31º do EBF está em consonância com o art.º 23º do CIRC, pois exclui a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros de operações não sujeitas a IRC, porque não concorrem para a formação do lucro tributável.

 

13.20. Termina a Requerida peticionando seja negado total provimento ao pedido de pronúncia arbitral, por carecer, em absoluto, de qualquer apoio legal, mantendo-se, em consequência, o acto de liquidação objecto da presente lide.

 

II. SANEAMENTO:

 

14. O tribunal arbitral foi legalmente constituído e é materialmente competente nos termos da alínea a) do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 da Janeiro.

 

15. O processo não contém nulidades e não foram levantados incidentes processuais sobre os quais a presente decisão se deva pronunciar.

 

16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

17. Adequado se mostrando discorrer e decidir sobre a questão prévia do valor da causa.

 

18. Como resulta do disposto o art.º 305º do C.P.C. o valor da acção deve representar a utilidade imediata do pedido.

 

19. Por outro lado, o art.º 97º-A do CPPT, diz: “Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes : a) quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende.”  

 

20. Segundo dispõe o art. 315º n.º 1 do CPC, compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

 

21. O n.º 2 do mesmo normativo estatui no sentido de que O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 3 do artigo 308º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.”

 

22. Do quadro normativo vindo de enunciar se retira a vigência da regra da fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz.

 

23. Atribuiu-se assim ao juiz o poder/dever de fixar o valor da causa, mesmo quando o valor aceite pelas partes, tácita ou expressamente, não esteja em flagrante oposição com a realidade, como in casu.

 

24. O uso pelo juiz do referido poder/dever não é assim excepcional e não ocorre apenas em caso de manifesta desconformidade entre o valor acordado pelas partes e o valor real, bastando que ele se não mostre correcto para que se fixe novo valor da causa.


 

25. In casu, indicou a Requerente como valor da acção o valor económico de 8.350,80 €.


 

26. Sucede porém que, esse valor, corresponde ao dos encargos financeiros suportados, sendo que o valor da causa, nos termos do acima referido art.º 97.º-A do CPPT, é o da importância cuja anulação se pretende e que resultará da desconsideração daquele montante na matéria colectável da aqui Requerente, que, para apuramento do lucro tributável, relativo ao exercício de 2003, foi acrescido ao resultado contabilístico apurado, resultando daí prejuízo fiscal menor que o apurado e que se poderia vir a materializar em IRC que se cifraria em 8.350,80 € multiplicados pela taxa do IRC no ano da utilização do prejuízos, ou seja, 25%, já que necessariamente utilizados posteriormente a 2004. Pelo que,


 

27. Pretendendo a Requerente seja declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2003, com a consequente anulação, nessa parte, integrando-se o montante de 8.350,80 €, correspondente a encargos financeiros suportados, nos custos dedutíveis para efeitos fiscais, caso a sua pretensão fosse acolhida, resultaria daí um aumento do prejuízo fiscal apurado de 125.718,78 € (Cfr. Doc. n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral) para 134.069,38 €, donde, o valor da causa deve reflectir o valor acima determinado do IRC, como resulta do disposto no art. 97.º-A do CPPT, ou seja, 8.350,80 € x 25% = 2.087,70€.


 

28. Assim sendo e visando o pedido de pronúncia arbitral a anulação parcial da autoliquidação de IRC, de 2003, em valor que se determinou em 2.087,70 €, altera-se e fixa-se o valor da causa neste montante com as legais consequências em matéria de taxa de arbitragem.

 

29. Não existem quaisquer outras questões prévias que cumpra conhecer ou que obstem ao prosseguimento da lide.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. DECISÃO:

 

III.A) Fundamentação fáctica:

 

30. Antes de entrar na apreciação do mérito, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

30.1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, doravante SGPS.

 

30.2. Em … de Maio de 2004, cumprindo a Requerente a respectiva obrigação declarativa, entregou a declaração Modelo 22 do IRC, reportada ao exercício de 2003, tendo-lhe sido atribuída a seguinte identificação: … (cfr. Doc. n.º 4 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral e fls. 109 a 112 do Processo Administrativo Tributário).

 

30.3. Da autoliquidação empreendida pela Requerente resultou prejuízo fiscal de 125.718,78 € (cfr. Doc. n.º 4 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral e fls. 110 a 112 do Processo Administrativo Tributário).

 

30.4. Em ….8.2004, a Requerente apresentou reclamação graciosa do aludido acto de autoliquidação do IRC, de 2003 (cfr. Doc. n.º 2 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral).

 

30.5. Com essa reclamação pretendia que fosse considerado como custo fiscal o montante de 8.350,80 €, suportado com a aquisição de partes de capital (cfr. mapa de identificação dos encargos financeiros não aceites, junto como Doc. n.º 5 ao pedido de Pronúncia Arbitral).

 

30.6. A reclamação graciosa foi indeferida. Tal decisão de indeferimento foi comunicada à Requerente através do Ofício n.º …, (cfr. Doc. n.º 3 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral e fls. 118 a 122 do Processo Administrativo Tributário).

 

30.7. No exercício de 2003, a Requerente suportou encargos financeiros decorrentes de financiamentos obtidos tendo em vista a aquisição de participações sociais, ocorridas no ano de 1994 (cfr. Doc. n.º 6 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral).

 

30.8. A Requerente resulta de uma fusão-cisão ocorrida em … de Novembro de 2002, com destaque das participações sociais detidas pelas sociedades... e ..., as quais passaram a constituir património da Requerente em conjunto com os passivos a elas associados (cfr. Doc. n.º 7 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral).

 

30.9. Entre os referidos passivos constava um empréstimo obtido pela …, em 7.6.1994, junto de um sindicato bancário liderado pela …, no montante de 2 milhões de escudos equivalentes a 9.975.957,94 €.

 

30.10. Esse montante foi utilizado para subscrição e realização de 2 milhões de acções da..., as quais após a redenominação do capital para Euros, correspondem a 10 milhões de acções com valor unitário de 1 Euro por acção.

 

30.11. Em face da referida fusão-cisão, o contrato de financiamento foi objecto de um aditamento celebrado entre as partes (cfr. Doc. n.º 8 junto ao pedido de Pronúncia Arbitral).

 

30.12. No apuramento do lucro tributável, referente ao exercício de 2003, a Requerente, ao seu lucro tributável fez acrescer o montante de 8.350,80 € correspondentes a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais.

 

30.13. A convicção sobre os factos assim dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pela Requerente (Documentos 1 a 8 juntos ao pedido de pronúncia arbitral) e nos documentos incluídos no processo administrativo tributário junto – fls. 1 a 263.

 

30.14. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

III.B) Fundamentação de Direito. Interpretação do direto aplicável:

 

§ 1º

Enunciação do normativo aplicável à questão sub judice

 

31. O art.º 38º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003) introduziu alteração significativa ao regime fiscal aplicável a mais-valias e menos-valias realizadas por SGPS´s por via da alteração que introduziu no art.º 31 do EBF.

 

32. O n.º 2 do aludido art.º 31º do EBF passou a dispor no sentido de que “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.” Dispunha ainda o n.º 3 daquele normativo que “O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou entidades com domicilio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.”

 

33. No que tange ao direito transitório, dispõe o n.º 5 do art.º 38º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que “A alteração introduzida no artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, dada pelo n.º 1 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro.

 

34. É este o quadro normativo com que nos confrontamos, tendo em vista a dilucidação e subsequente decisão da questão submetida a julgamento.

 

34. Dele se infere, com meridiana clareza, que a partir de 1.1.2003, entrou a vigorar, no que diz respeito às mais-valias e menos-valias realizadas por SGPS´s e verificados os condicionalismos impostos pelo n.º 2 do art.º 31º do EBF e pressuposta a inaplicabilidade dalguma das excepções previstas no seu n.º 3, um regime de exclusão de tributação com desconsideração dos encargos financeiros suportados com a aquisição das respectivas participações sociais.

 

36. Ainda assim, emergiram relevantes dúvidas na tarefa interpretativa do transcrito regime legal.

 

37. Numa tentativa de esclarecimento das emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no art.º 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003), sancionou a AT o entendimento constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

 

38. Considerando a Requerente que interpretado o n.º 2 do art.º 31º do EBF (na sua redacção à data dos factos) da forma proposta pela AT na referida Circular n.º 7/2004, revela-se inconstitucional e violador dos princípios da neutralidade fiscal e da capacidade contributiva, elegendo, na aplicação prática da Circular, os seguintes pontos especialmente sensíveis: i) a aplicação da lei no tempo; ii) o momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados para efeitos de determinação do lucro tributável; iii) a forma de cálculo dos encargos financeiros que não concorrem para a formação do lucro tributável.

 

§ 2º

Aplicação no tempo do n.º 2 do art.º 31º do EBF que consubstancia a regra da não dedutibilidade dos juros incorridos por SGPS para aquisição de participações sociais detidas por período superior a um ano

 

39. Desde logo importa a este propósito trazer à colação o disposto no acima transcrito n.º 5 do art.º 38º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.

 

40. Dali se infere que o regime previsto naquele normativo deve ser aplicado a mais-valias e menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1.1.2003.

 

41. E, em termos de disposições transitórias, cala a lei que colocou a vigorar o art.º 31 do EBF na sua redacção à data dos factos.

 

42. Nada disse o legislador quanto à questão da não dedutibilidade dos juros incorridos pelas SGPS´s para aquisição de participações sociais, ou seja, não esclareceu sobre se a desconsideração fiscal daqueles encargos financeiros se aplicava aos que emergiriam de financiamentos que já haviam sido contratados antes de 1.1.2003, ou, ao invés, tão-só, aos que viessem a emergir de financiamentos outorgados só após aquela data.

 

43. E uma vez que no caso sub judice estão em causa encargos financeiros que respeitam a contratos de mútuo celebrados em data anterior a 1.1.2003 e incorridos para aquisição de participações sociais adquiridas antes daquela data, tomaremos posição sobre se tal desconsideração dos referidos custos incorridos no exercício de 2003 se mostra ou não correcta; sendo certo que a Requerente advoga que tal desconsideração não deve operar em obediência ao princípio da segurança e certeza jurídica e em respeito pelas fundadas expectativas que decorriam da anterior vigência do regime aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas por SGPS´s1.

 

44. Julgamos, no entanto, que não assiste razão à Requerente.

 

45. Efectivamente, sustenta-se que, do acima transcrito n.º 5 do art.º 38º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, se pode retirar que a adequada interpretação é a que advoga que estão abrangidas as mais-valias e menos-valias realizadas depois de 1.1.2003, mas respeitantes a participações sociais adquiridas antes e depois de 1.1.2003.

 

46. Ora, se assim é e tendo o legislador concebido o regime colocado a vigorar com a Lei do Orçamento do estado para 2003 que exclui totalmente de tributação as mais-valias realizadas por SGPS´s (respeitados determinados condicionalismos e pressupondo a inaplicabilidade do n.º 3 do art.º 31º do EBF), mas, contrabalançado, com tal exclusão, impondo o legislador a desconsideração dos encargos financeiros suportados para efeitos de apuramento do lucro tributável, mister é concluir que todos os custos incorridos a partir de 1.1.2003, independentemente dos contratos de mútuo (para aquisição de participações sociais que potencialmente venham a beneficiar da exclusão de tributação) a que estão ligados, haverem sido outorgados antes da entrada em vigor do n.º 2 do art.º 31º do EBF, irrelevam para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS´s.

 

47. Nas palavras de Luís Graça Moura, in “A “nova” tributação do rendimento das SGPS: Reflecções acerca da tributação de Mais-Valias no quadro do princípio da segurança jurídica”, Revista Jurídica da Universidade Portucalense, n.º 10, Março de 2003, pág. 122, “(…) criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações sociais. A construção subjacente seria a de que a contracção de tais empréstimos representava, em potência, elemento capaz de colocar a SGPS na posição de realizar mais-valias que excluiu de tributação (…).”

 

48. Assim sendo, se, a partir de 1.1.2003, as mais-valias realizadas não concorriam para a formação do lucro tributável das SGPS´s, então, atenta a aludida característica da neutralidade de que falava Luís Graça Moura, os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam, potencialmente, vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, independentemente do financiamento que lhes deu origem haver sido contratado antes de 1.1.2003, também não podem influenciar a determinação do lucro tributável da SGPS´s. Ou seja,

 

49. Se os ganhos não são tributados; os correspondentes custos que estão incontornavelmente ligados a tais rendimentos e incorridos a partir de 1.1.2003, não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS´s.

 

50. Face ao exposto e bem ao invés do que sustenta a Requerente, decide-se no sentido de que o regime instituído pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, mais propriamente quanto à questão da desconsideração dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, tem aplicabilidade (tal desconsideração) a encargos financeiros incorridos a partir de 1.1.2003, independentemente dos financiamentos que lhes estão subjacentes haverem sido contratados antes daquela data.

 

§ 3º

O momento em que os encargos financeiros devem ser desconsiderados para efeitos de determinação do lucro tributável das SGPS´s

 

51. Tal como diz a Requerente no art.º 74º do pedido de pronúncia arbitral, a questão é saber se os encargos financeiros devem ser (des)considerados no exercício a que dizem respeito ou apenas no exercício em que é realizada a mais-valia excluída de tributação.

 

52. Ancorada nos ensinamentos de Rui Camacho Palma, sustenta a Requerente que a desconsideração dos encargos financeiros só se materializará aquando do preenchimento dos critérios temporais consagrados nos n.ºs 2 e 3 do art.º 31º do EBF, ou no momento da realização da mais-valia que virá a beneficiar da exclusão da tributação prevista naquele normativo, ou seja, advoga, os encargos financeiros só não serão custo fiscal em caso de realização de mais-valias com transmissão onerosa da participação social adquirida com recuso a capitais alheios e que originou os referidos encargos, sustentando, por isso, que eles devem ser reconhecidos e aceites fiscalmente à medida que vão sendo incorridos, operando-se, a posteriori, e caso a SGPS viesse a beneficiar da aplicabilidade da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, as necessárias correcções, anulando-se o efeito que os aludidos custos foram tendo no apuramento do lucro tributável da SGPS ao longo do tempo em que a sua consideração para efeitos fiscais foi sendo concretizada.

 

53. Defende a Requerida, em consonância, aliás, com o referido na Circular n.º 7/2004, que a desconsideração dos encargos financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações sociais e da realização de mais-valias.

 

54. Por nós consideramos que a Requerente não tem razão.

 

55. Feita a ligação dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam, potencialmente, vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, a desconsideração dos encargos financeiros é imediata e opera à medida da sua incorrência ao longo dos vários exercícios posteriores a 2003, independentemente da alienação das participações sociais e, por isso, da realização de mais-valias, bastando-se o normativo em vigor com a mera potencialidade conferida à SGPS tendente ao uso do benefício fiscal da exclusão da tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, i.e, com a mera susceptibilidade das SGPS´s virem a beneficiar do regime especial estabelecido naquele normativo.

 

56. Tal como bem nota Luís Graça Moura, obra citada, pág. 119, importa não olvidar que as SGPS´s, nos termos do regime previsto no DL n.º 495/88, devem sobretudo deter participações sociais por prazo não inferior a um ano, o que certamente justificou a opção pelo critério da não consideração dos encargos financeiros como custo fiscal à priori e por defeito.

 

57. Tanto assim que decorre do regime Jurídico das SGPS´s, previsto no DL nº 495/88, de 30.12, que o objecto típico de tais sociedades não é o exercício da actividade especulativa, consubstanciado na compra e venda de participações sociais com o fito da realização e obtenção de mais-valias, mas antes “a gestão de participações sociais como forma indirecta do exercício da actividade económica (cfr. artº 1º daquele normativo). Acrescendo dizer que nos termos do nº 2 do referido artº 1º: “A participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos 10% do capital com direito de voto (…)”, estatuindo o nº 3 do artº 1º do DL 495/88 que “a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período não inferior a um ano.”. Ora, assim sendo, o artº 31º do EBF e até, diga-se, o artº 46º do CIRC que, em conjunto, prevêem a não tributação das SGPS´s pelos lucros distribuídos pelas sociedades detidas nas referidas condições (cfr. alínea c) do nº 1 do artº 46º do CIRC) e a não sujeição das mais-valias por participações sociais detidas por mais de um ano, estão perfeita sintonia com as sobreditas normas do Regime Jurídico das SGPS´s e o respectivo objecto social deste tipo de sociedades.

 

58. Isto dito, acolhe-se, a tal propósito, o que está sancionado na Circular n.º 7/2004, ou seja, os encargos devem ser imediatamente desconsiderados no exercício a que digam respeito independente de se haver já realizado ou não a mais-valia associada à alienação onerosa das participações sociais subjacentes ao financiamento cujo custo incorrido foi desconsiderado.

 

59. É que partindo da letra do n.º 2 do art.º 32º acima transcrita, parece-nos claro que ela não impõe o reconhecimento permanente e concomitante à medida da sua incorrência, se bem que, reconheça-se, também o não afasta.

 

60. Ancoramos esta nossa hermenêutica também nos ensinamentos de Luís Graça Moura, obra citada, pág. 123 quando aduz: “Parece-nos, portanto, quer com base no elemento literal quer com base no elemento lógico, que o n.º 2 do art.º 31º do EBF não faz depender a não consideração de determinados encargos financeiros da realização das mencionadas mais-valias ou menos-valias. Simplesmente desconsidera, em permanência, a relevância fiscal (enquanto custo) de tais encargos financeiros em que a SGPS incorreu.”

 

61. Assim sendo, a desconsideração dos encargos financeiros deve operar de imediato, não dependendo da alienação das participações sociais e da realização de mais-valias, o que implica não considerar, ab initio, os custos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam vir a beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, corrigindo-se essa desconsideração inicial se se constatar, a posteriori, que o requisito temporal previsto naquele normativo se não verificou.

 

§ 4º

Forma de cálculo dos encargos financeiros que não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS´s

 

62. Antes de mais diga-se que em face do quadro factual acima descrito parece resultar incontroversa a afectação dos encargos financeiros que aqui estão em causa às participações sociais que a Requerente detém e que podem vir a beneficiar da exclusão da tributação nos termos do que estatui o n.º 2 do art.º 31º do EBF, ou seja, para a resolução da questão sub judice não se mostra sequer necessário discorrer sobre o método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, que consiste numa afectação pro rata dos encargos financeiros suportados aos diferentes activos detidos pela SGPS.

 

63. Ainda assim, sempre se dirá que, concordando com a hermenêutica defendida pela Requerente, nada na letra do n.º 2 do art.º 31º do EBF permite retirar a vigência e, por isso, necessária aplicação, do método indirecto de afectação de tais encargos financeiros.

 

64. Considera-se que nos casos em que há possibilidade de afectação directa, ela não deve ser afastada, já que se a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, passa por acautelar a vigência de um regime de neutralidade dos proveitos e custos associado às mais-valias excluídas de tributação, garantindo-se que a rendimento não relevante fiscalmente deve corresponder, correspectivamente, custo que lhe esteja associado também ele irrelevante fiscalmente, então, assim sendo, para se alcançar tal desidrato, qualquer método (directo ou indirecto) é bom uma vez garantia a salvaguarda da aludida ratio legis.

 

§ 5º

Desenvolvimentos2 quanto aos vícios que são assacados ao acto de autoliquidação submetido a julgamento

 

65. Desde logo começa a Requerente por imputar o vício da inconstitucionalidade à norma contida no n.º 2 do art.º 31º do EBF quando interpretada nos termos da Circular 7/2004, comunicando-se, tal vício, necessariamente, ao acto de liquidação submetido a julgamento.

 

66. Especificando aquela posição de princípio, advoga a Requerente a ilegalidade decorrente da interpretação do n.º 2 do art.º 31º do EBF defendida na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, na medida em que se estabelece uma presunção inilidível desfavorável ao sujeito passivo. E prossegue dizendo que “Esta norma legal interpretada (ou melhor, completada administrativamente) no sentido de criar presunções inilidíveis de custos não dedutíveis, desproporcionadas e injustificadas, viola o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que ficciona rendimento tributável onde não existe, violando ainda o princípio da tributação do lucro real.”

 

67. Não podemos acompanhar as asserções acima transcritas da Requerente.

 

68. Efectivamente, consideramos que a adequada hermenêutica do regime especial aplicável às SGPS´s, previsto no n.º 2 do art.º 31º do EBF, acima explicitada com desenvolvimento, nos leva a considerar que o propósito do legislador quando colocou a vigorar aquele regime foi o de, efectivamente, obstar a que (no pressuposto de que potencialmente a SGPS pode vir a beneficiar da exclusão de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais) os custos relevantes que estejam relacionados com a obtenção de tais rendimentos possam ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os obteve.

 

69. Donde se infere que não é a Circular n.º 7/2004 que cria presunções inilidíveis de custos não dedutíveis, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos3, que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros (incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam mais-valias excluídas de tributação) para efeitos de apuramento da lucro tributável do exercício em que são incorridos, mesmo que anteriores ao da realização4.

 

70. Salvo no que diz respeito à imposição, no n.º 7 da Circular n.º 7/2004, da utilização do método indirecto de afectação dos encargos financeiros (considerámos acima que nada obstava, no pressuposto de que a afectação directa fosse possível, que ela se pudesse empreender, contrariando, assim, a imposição do método indirecto de afectação dos encargos financeiros), não vislumbramos em que medida aquela doutrina administrativa possa conter verdadeiras normas de incidência, de determinação de taxa e de liquidação, violando, por isso, o princípio da legalidade fiscal previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 103º da CRP.

 

71. Ademais, o acto tributário de autoliquidação que aqui está em causa não traz especiais dificuldades práticas relativamente à questão da afectação, já que é inequívoco que os custos incorridos e aqui em causa estão ligados a participações sociais que têm a potencialidade de lhes vir a ser aplicada a exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF (na sua redação à data dos factos), donde, não se colocam aqui questões práticas de afectação, ficando assim prejudicada a explicitação de quaisquer outros considerandos que a tal propósito se mostrasse adequado expender.

 

72. O que importa daqui retirar é que o acto tributário de autoliquidação aqui em causa não está viciado ou enfermado de qualquer ilegalidade (por violação de qualquer princípio constitucional5) que lhe possa ser assacada com base nesta questão da afectação dos encargos financeiros, tanto assim que, tal como aduz a Requerida na sua resposta, associada à emanação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, inexiste qualquer intenção legislativa por parte da AT, ou, pelo menos, não a conseguimos descortinar.

 

73. Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva operada pelo n.º 2 do art.º 31º do EBF, quando interpretado em conformidade com o disposto na Circular n.º 7/2004, também não pode colher tal argumentário, já que se é certo que em exercícios posteriores a 2003 a desconsideração dos encargos financeiros e o seu acréscimo ao Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, pode levar a que o lucro tributável da SGPS aumente na razão directa do acréscimo dos custos desconsiderados e, por essa via, a que possa aumentar a tributação efectiva daquela6, tal consequência não advém do facto da Circular n.º 7/2004 o estatuir, mas sim do facto de, seguindo-se adequada hermenêutica, termos de chegar a idêntica interpretação à que é sustentada naquela doutrina administrativa, ou seja, tendo de se interpretar a lei, como dito, no sentido de que os encargos devem ser imediatamente desconsiderados no exercício a que digam respeito independente de se haver já realizado ou não a mais-valia associada à alienação onerosa das participações sociais subjacentes ao financiamento cujo custo incorrido foi desconsiderado.

 

74. O que pode levar a que tal encargo fiscal adicional possa emergir para SGPS que num concreto exercício apure lucro tributável que adicionado dos valores associados à desconsideração dos encargos financeiros produzirá imposto acrescido, mas que resulta do quadro normativo em vigor e não da vigência da aludida Circular nº 7/2004.

 

75. Ademais, quanto à pretensa violação do princípio da tributação pelo lucro real, entendo que não poderá ser assacada ao acto tributário impugnado qualquer tipo de ilegalidade ou inconstitucionalidade pois a própria Constituição da República Portuguesa legitima a aplicabilidade do regime especial aplicável às SGPS´s, erigido com base na ideia da aplicabilidade às SGPS´s de um regime fiscal especialmente favorável, não obrigando a exclusividade da tributação segundo o rendimento real, quando o art.º 104º, n.º 2 da CRP dispõe no sentido de que “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.” Assim, o acto tributário aqui sindicado não parece afrontar o princípio constitucionalmente consagrado de que a tributação deve incidir sobre o rendimento real, porquanto, como visto, o princípio consagrado no n.º 2 do art.º 104º da CRP é o regime regra, que admite excepções, quais sejam, entre muitos outros, o regime especial de tributação aplicável às SGPS´s e previsto no art.º 31º do EBF.

 

76. Sustenta ainda a Requerente que a aplicação do n.º 2 do art.º 31º do EBF, nos termos em que a Circular n.º 7/2004 o interpreta (e que, no essencial, se acolhe), a uma relação constituída antes da entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, constitui uma aplicação retroactiva da lei fiscal proibida pelo nosso ordenamento, em clara violação do princípio da não retroactividade da norma fiscal disposto no n.º 3 do art.º 103º da CRP e do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica.

 

77. Vejamos se assim é...

 

78. Afirma Luís Graça Moura, obra acima citada, pág. 125, que o momento relevante para a determinação do carácter retroactivo da norma fiscal à luz da regra constitucional é o da verificação do facto tributário, sendo retroactiva aquela que atinja esse facto retrospectivamente ao momento da sua entrada em vigor, constituindo facto tributário de um imposto, o facto jurídico de que depende o aparecimento da obrigação de imposto, o que, no caso do IRC, se reconduz à percepção do rendimento.

 

79. Dito isto e mais alguns considerandos que não importa aqui trazer, sustenta, aquele, que a redacção do art.º 31º do EBF, colocada a vigorar com a publicação da Lei n.º 32-B/2002, não padece daquele vício, porquanto apenas se aplica a mais-valias ou menos-valias realizadas após a respectiva entrada em vigor e bem assim a encargos financeiros suportados igualmente após a data dessa entrada em vigor.

 

80. Acompanha-se aqui, in totum, a posição interpretativa vinda de explicitar, pelo que, igualmente se considera que a alteração legislativa acima referida não está enfermada por violação do n.º 3 do art.º 103º da CRP e até por violação do n.º 1 do art.º 12º da LGT.

 

81. Já quanto à questão da violação do princípio tutela da confiança e segurança jurídica7, importa trazer aqui à colação o afirmado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 128/09 (que pode ser consultado in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que a dado passo diz: “(...) foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. Explicitou-se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da protecção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1092 e ss). Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroactivas) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão «retroactividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.

E ainda “(...) Quer isto dizer que, actualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroactividade da lei fiscal, a mera natureza retroactiva de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária.
(…) A retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova)”.
E acrescenta-se: “(…) questão diferente da que se deixou resolvida é a de saber se a decisão recorrida deve ser mantida quanto ao outro fundamento de inconstitucionalidade
(violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição). O tema da protecção da confiança tem sido abundantemente tratado pelo Tribunal Constitucional. Contudo – e em matéria tributária – a jurisprudência do Tribunal sobre o que queira dizer «a necessária protecção da confiança legítima» não pode deixar de ser olhada com cautela, consoante a sua produção tenha ocorrido antes ou depois da revisão Constitucional de 1997. Na verdade – e como o tem dito a doutrina –, com a formulação actual do n.º 3 do artigo 103º da CRP alterou-se o lugar constitucional que o princípio decorrente do artigo 2º ocupa em matérias de natureza fiscal: a aprovação, em 1997, de um princípio geral de irretroactividade da lei fiscal veio modificar (e não diminuir ou aumentar) a relevância do princípio. Quer isto dizer exactamente o seguinte. A proibição expressa da retroactividade da lei fiscal não tornou inútil a eventual aplicação, a matérias de natureza tributária, do parâmetro da protecção da confiança. Como diz Casalta Nabais (Cfr. “Direito Fiscal”, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 149), a protecção da confiança não foi absorvida pelo novo preceito constitucional. Ao textualizar a proibição de normas fiscais retroactivas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos [de leis tributárias] que sejam retroactivas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente – não há lugar a ponderações: a norma retroactiva é, por força do n.º 3 do artigo 103º, inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado ou exaurido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributária. Pode haver outras situações – de retroactividade imprópria, ou até de não retroactividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela tutela da confiança”.
[...]
“No Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, retrospectiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroactividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroactividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção. Por isso, disse-se ainda no Acórdão n.º 287/90 – e importa ter este dito presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, «não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados»”.

 

82. Tal como já acima se afirmava, da transcrição acima empreendida parece resultar com meridiana clareza que, in casu, não há aplicação retroactiva do disposto no n.º 2 do art.º 31º do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002.

 

83. No que tange agora à alegada violação da protecção da confiança e da segurança jurídica, diga-se que só caso os requisitos acima explicitados de protecção da confiança se mostrassem verificados poderia a Requerente lograr obter vencimento da sua tese.

 

84. Sucede porém que, sustenta-se, não estão.

 

85. Tanto assim que não é possível afirmar que o legislador ao colocar a vigorar (antes da entrada em vigor do n.º 2 do art.º 31º do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002) regime aplicáveis às SGPS que admitia a relevância fiscal dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais, possa ter criado, na Requerente ou em qualquer outra SGPS, uma firme expectativa de manutenção de tal regime (ou até de idêntico regime) para o futuro.

 

86. O legislador, ressalvados os limites constitucionais e legais que lhe são impostos, tinha, obviamente, toda a liberdade para alterar o regime legal aplicável às SGPS´s, sendo que, não o admitir, seria aceitar a vigência de princípio de imutabilidade das leis, que obviamente não vigora.

 

87. Parece aliás ser esse o iter interpretativo seguido pela Requerente, o que não pode deixar de se rejeitar.

 

88. Partindo da aludida e ilimitada possibilidade conferida ao legislador para alterar o regime legal aplicável às SGPS´s, não foram dados sinais aos respectivos destinatários daquele normativo geradores de fundadas expectativas de continuidade do regime que se mostrava a vigorar anteriormente à vigência da Lei 32-B/2002.

 

89. Por outro lado, no dizer dos acima transcritos requisitos do princípio da confiança, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões e devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual. Partindo do conhecimento da ocorrência de uma fusão-cisão que envolveu a aqui Requerente e em resultado da qual esta assumiu a dívida resultante de um contrato de financiamento celebrado em 1994 e ainda que, no momento dessa assunção, a lei reconhecia para efeitos de determinação do resultado fiscalmente relevante os encargos financeiros suportados, mostram-se-nos legítimas e até fundadas e justificadas as expectativas da Requerente, já que foi nesse pressuposto que aquela tomou decisões de carácter financeiro e económico que até se poderiam considerar desaconselháveis caso houvesse conhecimento de que os encargos financeiros passariam (a partir do exercício seguinte) a ser desconsiderados para efeitos de apuramento do lucro tributável da SGPS, contudo, a verificação deste requisito não é bastante para se afirmar a violação do princípio da confiança.

 

90. Por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

 

91. A este propósito traga-se aqui o seguinte excerto do artigo já citado de Luís Graça Moura, constante da pág. 120 e 121 da obra citada, que a dado passo diz: “A ratio legis corresponde ao fim visado pela norma; para o alcançar, devemos conhecer o contexto (designadamente político, social e económico) em que a norma foi elaborada, isto é, a chamada occasio legis. O que pretendeu o legislador? Admitimos que, basicamente, “relançar” as SGPS, depois do insólito processo legislativo que as vinha, sucessivamente, elegendo como “alvo”, particularmente após 2000. Dispomos de duas referências relevantes no âmbito dessa occasio legis. Por um lado, a referência inserta na LGOP 2003, onde se afirma, no contexto da segunda opção elegida (“sanear as finanças públicas e desenvolver a economia), citamos, “Em 2003 adoptar-se-á um novo conjunto de medidas: tributação das SGPS em moldes próximos daqueles que vigoravam antes das medidas legislativas adoptadas em 2000…” Por outro lado, e sobretudo, a referência mais desenvolvida contida no “Relatório do Orçamento de Estado para 2003”, elaborado pelo Ministério das Finanças (Direcção Geral do Orçamento) em Outubro de 2002. Aí se dispõe (pp. 53-54) que constituem “Principais alterações em sede de IRC”, em primeiro lugar, o “alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade”, nelas se enquadrando, citamos de novo, “estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS”. Apenas mais à frente, já a propósito doutro ponto, que aparece no mesmo plano do mencionado objectivo de alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade, se aborda o “Regime das mais-valias”, para, nesse âmbito, se referir “Isentam-se de IRC as mais-valias realizadas pela SGPS com a alienação de partes de capital, seguindo-se, neste particular, o regime holandês.”

 

92. Ora, da extensa transcrição operada, parece resultar com meridiana clareza existirem razões de interesse público subjacentes à alteração legislativa em causa: o relançamento, obviamente em benefício dos destinatários da norma, do regime das SGPS´s, com a adopção de um regime de neutralidade.


93. Tudo visto e ponderado não é, assim, possível concluir, como pretende a Requerente, pela violação do princípio da segurança jurídica, estabelecido no art° 2° da Constituição da República Portuguesa.

 

94. No ponto B.3.2) do pedido de pronúncia arbitral, sustenta a Requerente a violação do princípio da igualdade fiscal enquanto critério ou parâmetro da tributação do rendimento real das empresas e ainda a tributação desproporcionada e injustificada da Requerente em violação do princípio da capacidade contributiva.

 

95. Com fundamento no que vem de ser aduzido e ainda no que em aditamento se enunciará, se renova a impossibilidade de conclusão pela violação de tais princípios. Vejamos.

 

96. A Requerente diz a dado passo do seu pedido de pronúncia arbitral (art.º 160 e 161º) que “(…) um acto tributário que desconsidere, sem mais, os encargos financeiros sem que se compreenda a realização simultânea de mais-valias isentas ou não tributadas constitui uma clara violação do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 103º e do n.º 2 do art.º 104 da CRP. Efectivamente, não usufruindo a Requerente do benefício fiscal constante no artigo 31º do EBF (actualmente artigo 32º), estará numa situação equivalente às demais sociedades. Nesta circunstância estaria a tratar-se de modo distinto situações equivalentes, sem que se compreenda o critério e a justiça de tal procedimento. Rejeitamos o argumento, fundando tal rejeição na hermenêutica acima empreendida e que advogava que uma vez feita a ligação dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que possam, potencialmente, vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, ou seja, bastando a mera susceptibilidade das SGPS´s virem a beneficiar do regime especial estabelecido naquele normativo, a desconsideração dos encargos financeiros era imediata e operava à medida da sua incorrência ao longo dos vários exercícios posteriores a 2003. Ou seja,

 

97. Tendo a Requerente a potencialidade de vir a beneficiar na exclusão de tributação logo que realize mais-valias com a alienação das participações sociais a cujos encargos financeiros desconsiderados estão ligadas, não está numa posição equivalente às das demais sociedades, já que, essas, realizando ganhos de mais-valias com a alienação de participações sociais não beneficiam da aludida exclusão de tributação.

 

98. Acolhendo o que é afirmado pela Requerida a fls. 10 da sua resposta, sempre se dirá que estando os custos em questão relacionados intimamente com as mais-valias (rectius, diríamos, com a realização expectável e potencial de mais-valias) e, não sendo estas consideradas como proveitos no momento da realização, é forçoso que os custos inerentes (diremos nós, independentemente de neles se incorrer ao longo dos vários exercícios posteriores a 2003 e da realização da mais-valia - potencial - só vir a ocorrer, por hipótese, vários anos depois), porque não conexos com a actividade tributada, tenham de acrescer necessariamente aos proveitos/ganhos /rendimentos.

 

99. Nos art.ºs 171º a 175º do pedido de pronúncia arbitral aduz a Requerente com a violação do princípio da igualdade fiscal, advogando ainda a verificação de tributação desproporcionada e injustificada em comparação com outras situações economicamente equivalentes.

 

100. Começa a Requerente por dizer que em igualdade de condições com outras realidades societárias, a lei nega às SGPS´s a possibilidade de deduzirem fiscalmente os juros suportados para aquisição de participações financeiras.

 

101. Em face do que acima se afirmou as SGPS´s não estão em igualdade de condições com outras realidades societárias, já que a desconsideração dos encargos financeiros é contrabalançada com a aplicabilidade da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do art.º 31º do EBF, sendo que, aplicando-se este regime, tão-só, às SGPS´s não se vislumbra a afirmada igualdade de condições.

 

102. A não consideração dos custos associados a encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais que potencialmente podem vir a gerar mais-valias, resulta da lei e ela advém na sequência do legislador haver entendido que se deviam tratar diferentemente realidades que, obviamente, se nos afiguram igualmente diferentes.

 

103. Nem mesmo pode colher o argumento de que “esse efeito fiscal adverso não se verificaria se a Requerente, em vez de revestir a qualidade de SGPS, fosse antes uma holding “impura”, ou seja uma entidade que (também) prosseguindo uma actividade de gestão de participações sociais, não houvesse assumido a configuração jurídica de SGPS (…)”. É que, bem o sabendo, poderia a Requerente ter alterado a sua configuração societária logo após a entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002 (obstando assim a que a incorrência dos referidos custos fosse considerada para efeitos fiscais irrelevante), perdendo, também e concomitantemente, uma vez empreendida tal alteração, a possibilidade de vir a beneficiar da exclusão de tributação no momento em que viesse (e caso isso viesse a ocorrer) a realizar ganhos de mais-valias associados à alienação das referidas participações sociais.

 

104. Diz ainda a Requerente que no apuramento do respectivo resultado fiscal de 2003 perdeu, por efeito da aplicabilidade do n.º 2 do art.º 31º do EBF, duas ordens de custos: um custo e uma perda. O custo, materializado na não consideração fiscal dos referidos encargos financeiros; a perda, materializada na desconsideração fiscal da própria menos-valia em que eventualmente tenha incorrido. Por nós diremos que, no custo, certamente incorreu na medida em que ele teve de ser acrescido ao lucro tributável, ainda que em resultado desse acréscimo e atenta a circunstância da Requerente haver apurado prejuízo para efeitos fiscais, não tenha resultado para a Requerente qualquer encargo fiscal adicional, mas, tão-só, prejuízo fiscal menor a reportar para o exercício de 2004 e eventualmente seguintes. Já quanto à aludida perda simplesmente inexistiu na medida em que não ocorreu, aqui, em 2003, a realização de qualquer menos-valia associada à alienação das participações sociais ligadas à incorrência dos custos desconsiderados.

 

105. Em face do exposto, improcede também o argumentário do tratamento desigual para uma situação equivalente, julgando-se não violado o princípio da igualdade constante do art.º 18º da CRP.

 

106. Finalmente, quanto à invocada violação do principio da legalidade acolhem-se os argumentos esgrimidos pela requerida no sentido de que não se consegue vislumbrar que tal violação tenha ocorrido, tanto mais que, como já afirmado, salvo quanto à questão da imposição do método indirecto de afectação dos encargos financeiros, a interpretatio juris constante da Circular n.º 7/2004, está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral da interpretação da lei e quadro normativo que a conforma, pelo que, julga-se, nessa conformidade, também não violado tal princípio constitucionalmente consagrado.

 

IV. DECISÃO:

 

Face ao exposto, não sendo declarada a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação do IRC de 2003, julga-se improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o acto tributário impugnado; negando-se, por isso, igualmente, provimento ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Custas, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem tributária em função do valor do pedido, a cargo da Requerente nos termos do art.º 4º, n.º 1 do mesmo Regulamento e dos art.ºs 6º, n.º 2 alínea a) e 22º, n.º 4 do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Julho de 2012.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 138º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art.º 29º, do RJAT, com versos em branco e por min revisto.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

O árbitro

 

 

Fernando Marques Simões

1 A propósito daquele princípio há adiante desenvolvimentos, para onde se remete.

2 Para além do argumentário que vem sendo esgrimido e em sua continuação.

3 Coincidindo tal hermenêutica, por sinal, com a que é explicitada na referida Circular n.º 7/2004.

4 Conquanto incorridos despois da entrada em vigor do sub studi regime especial aplicável às SGPS´s, o que ocorreu em 1.1.2003.

5 Sobre tal temática continuaremos a discorrer nos pontos que se seguem desta decisão.

6 De notar que no ano em causa isso não ocorre já que a aqui Requerente apurou prejuízos fiscais e nem por isso viu aumentado o seu encargo fiscal, pelo que, no que tange ao concreto acto tributário de autoliquidação aqui em causa, cai o fundamento vindo de explicitar.

7 Continuando a aflorar, a talhe de foice, a questão da aplicação retroactiva da lei colocada também pela Requerente.