Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 369/2020-T
Data da decisão: 2021-02-10  IRS  
Valor do pedido: € 32.343,60
Tema: IRS (Mais-valias imobiliárias) – Residente em Estado terceiro; Incompatibilidade com o Direito da União Europeia; Artigo 43.º, n.º 2 do CIRS vs. Artigo 63.º do TFUE
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DECISÃO ARBITRAL

 

1 - Relatório

1.1          – A..., contribuinte n.º..., e B..., contribuinte n.º..., casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., n.º..., na cidade de Braga, doravante designados por «Requerentes», vêm, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

1.2          - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 15 de julho de 2020, tem por objeto a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., efetuada pela “AT” em 04 de junho de 2020, com referência ao ano de 2018, no montante 31 889,92€ (trinta e um mil, oitocentos e oitenta e nove euros e noventa e dois cêntimos), e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no montante de 453,68€, correspondendo ao valor global de 32 343,60€ (trinta e dois mil, trezentos e quarenta e três euros e sessenta cêntimos), com data limite de pagamento de 25 de maio de 2020. 

 

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes juntaram oito documentos, além da procuração forense e do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral inicial.

 

1.4 - Os Requerentes optaram por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 22 de julho de 2020.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 3 de setembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 6 de outubro de 2020.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 11 de novembro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação, com a consequente absolvição do pedido, optando por não juntar o PA.

1.12 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 13 de novembro de 2020, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, simultâneas, a apresentar pelas Partes, querendo, no prazo de 10 dias.

1.13 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

1.14 – Os Requerentes alegaram em 3 de dezembro de 2020, concluindo pela integral procedência do peticionado com as devidas consequências legais.

1.15 – A Requerida também alegou, em 4 de janeiro de 2021, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e consequente absolvição da mesma.

 

Posição das Partes

Dos Requerentes -

Sustentam o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

No ano de 2018, os Requerentes residiam na África do Sul, mais precisamente em ..., ..., ..., África do Sul, tendo mudado a residência para Portugal em 18 de agosto de 2019.

Em 14 de dezembro de 2018, os Requerentes venderam a fração autónoma identificada pela letra “Z” do prédio constituído no regime de propriedade horizontal, inscrita na matriz urbana da freguesia de ..., sob o artigo ..., pelo preço de 470 000,00€.

Este imóvel havia sido comprado pelos Requerentes em novembro de 2017, pelo preço de 360 000,00€.

Em 17 de março de 2020, os Requerentes submeteram a declaração de substituição, modelo 3 de IRS do ano de 2018, identificada com o n.º..., na qualidade de não residentes, tendo optado pela tributação conjunta.

No anexo “G”, destinado às mais-valias e outros incrementos patrimoniais, declararam a venda da referida fração, sendo os valores de realização de 235 000,00€ e o de aquisição de 180 000,00€, com referência a cada um dos sujeitos passivos, ora Requerentes, na quota-parte de 50%.

Foi ainda declarado o montante de 12 300,00€, respeitante a despesas e encargos suportados pelo Requerente A... .  

Os Requerentes foram notificados da demonstração de liquidação de IRS, da demonstração de liquidação de juros e da demonstração de acerto, com valor a pagar de 16.315,26 € e data limite de pagamento de 25-05-2020, pago pelos Requerentes.

Na demonstração de liquidação de IRS constata-se que, na determinação do rendimento coletável, foi considerada a totalidade do saldo das mais-valias realizadas no ano em questão (2018), nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, sendo apurado imposto a pagar, no montante de 27.356 €, resultante da tributação autónoma à taxa de 28%.

Os Requerentes alegam que a liquidação enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% do valor das mais-valias realizadas, atento o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, por constituir uma discriminação injustificada entre residentes e não residentes.

O método utilizado para o cálculo do imposto viola o artigo 63.º do TFUE que consagra o princípio da livre circulação de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros, constituindo uma discriminação injustificada entre os residentes em território português e os residentes em países terceiros.

Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e por via disso pela anulação parcial do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2018, na parte em que não considera a mais-valia tributada em apenas 50% do seu valor, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Que o apuramento do IRS a pagar segue as regras do direito interno português aplicadas aos contribuintes não residentes em território português, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pelo que as mais-valias auferidas nesse território por não residentes, que não sejam imputáveis a um estabelecimento estável nele situado, são tributadas à taxa autónoma de 28%, em conformidade com o plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

Assim, apenas o saldo relativo às transmissões efetuadas por residentes é considerado em 50 % do seu valor, cfr. n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

Deste modo aos não residentes é aplicada uma taxa de 28% sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, enquanto que para os residentes o rendimento é tributado de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 48%

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

               

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)            Os Requerentes são casados sob o regime da comunhão de adquiridos e no ano de 2018 residiam na África do Sul, mais precisamente em ..., ..., ..., ..., África do Sul, tendo mudado a residência para Portugal em 18 de agosto de 2019, cfr. ponto 17 do pedido de pronúncia arbitral (ppa), ponto 17 da Resposta e documento n.º 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

b)           Em 14 de dezembro de 2018, os Requerentes venderam a fração autónoma identificada pela letra “Z” do prédio constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs ... a ... e na ..., n.º..., inscrita na matriz urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., de que eram proprietários, pelo preço de 470 000,00€, cfr. documento n.º 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

c)            Esta fração havia sido adquirida em novembro de 2017, pelo preço de 360 000,00€.

d)           Em 17 de março de 2020, os Requerentes procederam à entrega, em conjunto, da declaração de substituição modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, com a identificação..., bem como do anexo “G” relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais, cfr. documento n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

e)           A declaração foi entregue pelos Requerentes no estado civil de “casado” (quadro 4, campo 01), com opção pela tributação conjunta dos rendimentos (quadro 5A, campo 01) e na condição de não residentes em território português (quadro 8-B, campo 04), com indicação do representante com o NIF ... . Mais declararam pretender ser tributados pelo regime geral (quadro 8-B, campo 07), cfr. declaração supra referida;

f)            No quadro 4 do anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) fizeram constar nos campos 4001 e 4002, relativamente a cada um dos sujeitos passivos, ora Requerentes, na quota-parte de 50% para cada:

Que o bem imóvel, inscrito sob o artigo ... na freguesia com o código ..., a que corresponde o distrito de Lisboa, concelho de Lisboa, freguesia de ..., conforme consulta em https://sites.google.com/site/codigosdasfreguesiasdeportugal/lista, foi adquirido em novembro de 2017 pelo preço de 180 000,00€ (360 000,00€ no total), e alienado em dezembro de 2018 pelo preço de 235 000,00€ (470 000,00€ no total). Foi ainda declarado o montante de 12 300,00€ correspondente a despesas e encargos suportados pelo Requerente A... (campo 4001).

g)            Em 04 de junho de 2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS com o n.º 2020..., com referência ao ano de 2018, no montante 31 889,92€ e à liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no montante de 453,68€, no valor global de 32 343,60€, cujas demonstrações foram notificadas aos Requerentes por carta registada com os n.ºs RY...PT e RY...PT, cfr. documentos n.ºs 3 e 2, respetivamente, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

h)           Também por carta registada com o n.º RY...PT, foram os Requerentes notificados da demonstração de acerto de contas, com o valor a pagar até 25 de maio de 2020, no montante de 16 315,26€, correspondendo 15 861,58€ a IRS (diferença entre as liquidações respeitantes à declaração de substituição, no montante de 31 889,92€ e à primeira declaração submetida, no montante de 16 028,34€) e 453,68€ a juros compensatórios, cfr. documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

i)             Na determinação do rendimento coletável foi considerada a totalidade do saldo das mais-valias realizadas, no montante de 97 700,00€ (correspondendo à diferença entre o valor de realização de 470 000,00 e o de aquisição de 360 000,00€, este acrescido das despesas e encargos suportados no montante de 12 300,00€), sendo apurado o imposto de 27 356,00€ resultante da tributação autónoma à taxa de 28%, cfr. documento n.º 3;

j)             O imposto e juros compensatórios liquidados, no montante de 16 315,26€, foi pago em 12 de junho de 2020, cfr. documento n.º 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

k)            Em 15 de julho de 2020 os Requerentes apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação parcial da liquidação antes referida, na parte em que não considera a mais-valia tributada em apenas 50% do seu valor, com a consequente anulação no montante de 14 131,68€, correspondendo 13 678,00€ a IRS e 453,68€ a juros compensatórios, segundo a seguinte expressão: [(Mais-valias 97 700,00€ x 50% x taxa 28%) + 453,68 juros compensatórios)]

l)             Em 3 de dezembro de 2020, foram apresentadas alegações pelos Requerentes, concluindo pela procedência do peticionado e consequente anulação parcial do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2018, na parte em que não considera a mais-valia tributada em apenas 50% do seu valor, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

m)          Em 04 de janeiro de 2021, a Requerida apresentou as suas alegações, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e absolvição da mesma.

 

3.2 Factos não provados             

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

**

4.1 - Da (i)legalidade parcial da liquidação impugnada –

No ano de 2018, os Requerentes, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residiam na África do Sul, mais precisamente em ..., ..., ..., ....

Em 14 de dezembro de 2018, venderam a fração autónoma identificada pela letra “Z” do prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs ... a ... e na ..., n.º ..., inscrita na matriz urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., de que eram proprietários, pelo preço de 470 000,00€.

Tal fração autónoma havia sido adquirida em novembro de 2017 pelo preço de 360 000,00€.

Nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

O ganho sujeito a IRS é constituído, nos termos da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 10.º do referido código, pela diferença entre os valores de realização e o de aquisição, previstos, respetivamente, nos artigos 44.º e 45.º a 49.º do mesmo código, sendo que este valor é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação, conforme n.º 1 do artigo 50.º do CIRS.

Assim, considerando a existência de rendimentos de fonte portuguesa (mais-valias resultantes da transmissão de imóveis situados em território português), os Requerentes submeteram, em conjunto, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 13.º e n.º 2 do artigo 59.º, ambos do Código do IRS, a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, da qual, uma vez liquidada, resultou o imposto (IRS) no montante de 16 028,34€.

Em 17 de março de 2020, foi submetida uma declaração de substituição modelo 3 de IRS, com a identificação ..., bem como do anexo “G” relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais.

A declaração foi entregue pelos Requerentes no estado civil de “casado”, com opção pela tributação conjunta dos rendimentos e na condição de não residentes em território português, com indicação do representante, declarando ainda pretenderem ser tributados pelo regime geral.

No anexo “G”, destinado a declarar a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS) fizeram constar, relativamente a cada um dos sujeitos passivos, ora Requerentes, e com base na quota-parte de 50% para cada, que o referido imóvel foi adquirido em novembro de 2017 pelo preço de 360 000,00€, e alienado em dezembro de 2018 pelo preço de 470 000,00€, sendo ainda declarado o montante de 12 300,00€ correspondente a despesas e encargos, previstos no artigo 51.º do Código do IRS, suportados pelo Requerente A... .

Em 04 de junho de 2020 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à liquidação do IRS com o n.º 2020..., com referência ao ano de 2018, no montante 31 889,92€ e à liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no montante de 453,68€, no valor global de 32 343,60€.

Na determinação do rendimento coletável foi considerada a totalidade do saldo das mais-valias realizadas, no montante de 97 700,00€ (correspondendo à diferença entre o valor de realização de 470 000,00 e o de aquisição de 360 000,00€, este acrescido das despesas e encargos suportados no montante de 12 300,00€), sendo apurado o imposto de 27 356,00€ resultante da tributação autónoma à taxa de 28%.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

Porém no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, o referido saldo, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

No caso de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, cfr. preceitua o n.º 2 do artigo 15.º do mesmo código, considerando-se rendimentos de fonte portuguesa, nos termos da alínea h), do n.º 1 do artigo 18.º deste código, os respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão.

  Os sujeitos passivos residentes em território português estão sujeitos às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, enquanto os sujeitos passivos não residentes estão sujeitos a tributação à taxa autónoma especial de 28%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.

Quanto às taxas especiais dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, o artigo 43.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, aditou ao artigo 72.º do Código do IRS os n.ºs 7 e 8, posteriormente renumerados em 9 e 10, com o seguinte teor: 

“N.º 9 – Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (…) podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) (...), (esta alínea refere-se às mais-valias), pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 – Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.    

Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:

– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;

– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;

– para os não residentes em território português nem em qualquer Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.

No caso sub judice, os Requerentes residiam na África do Sul, ou seja, não residiam em território português nem em território de um Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, sem possibilidade de opção por qualquer outro.

Deste modo os Requerentes defendem que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros», por não ser aplicável a exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.

No acórdão do TJUE de 11-10-2007, proferido no caso Erika Waltraud Ilse HOLLMANN vs Fazenda Pública, (Processo C-443/06), foi decidido que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

 

Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, Processo C-632/13 (Skatteverket vs Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua».

 

Bem como no acórdão de 18-03-2010, Processo C-440/08 (F. Gielen vs Staatssecretaris van Financiën) que «O artigo 49.º TFUE opõe-se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes».

 

Esta jurisprudência foi reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, Processo C-184/18 (Fazenda Pública vs Carlos Manuel Patrício Teixeira e Maria Madalena da Silva Moreira Patrício Teixeira), residentes em Angola, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

 

No mesmo sentido foram proferidas decisões, entre outros, nos processos arbitrais do CAAD n.ºs 548/2018-T, de 08-04-2019; 583/2018-T, de 15-04-20119; 596/2018-T, de 11-06-2019; 63/2019-T, de 18-06-20119; 67/2019-T, de 27-08-2019; 332/2019-T, de 13-12-2019; 838/2019-T, de 06-07-2020; e 849/2019-T, de 06-06-2020. 

 

Bem como, entre outros, nos seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), sumariados como se refere:

- de 30-04-2013 (Proc. n.º 01374/12):

“III – Julgada incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE, o acto de liquidação que a desaplicou encontra-se ferido de ilegalidade na medida do excesso, devendo ser anulado apenas nessa parte, num caso, como o dos autos, em que a matéria colectável do imposto é constituída exclusivamente pela mais-valia e a taxa aplicável é fixa (25%)”.

 

- de 03-02-2016 (Proc. n.º 01172/14):

“- As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

II - É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional”.

 

- de 20-02-2019 (Proc. n.º 0901/11.0BEALM 0691/17):

“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo)”.  

 

- de 09-12-2020 (Proc. n.º 075/20.6BALSB):

“ III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros”.

 

Por acompanharmos a decisão de 06-07-2020, proferida no Processo Arbitral n.º 838/2019-T do CAAD, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos, passamos a transcrever o seguinte excerto da mesma:

« (…) Mas, aplicando-se as alterações referidas  apenas aos residentes num Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu, a eventual compatibilidade desse regime com o Direito da União não tem qualquer relevo para a decisão do presente processo, pois o Requerente não é residente num Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu.

Assim, a questão da compatibilidade ou não desse novo regime com o Direito da União é indiferente para a decisão do presente processo, pois esse regime não é aplicável ao Requerente, sendo-lhe aplicável apenas o regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º sem qualquer possibilidade de opção.

Isto é, o regime que é aplicável ao Requerente é o que foi considerado incompatível com o Direito da União no referido caso Hollmann, que se reconduz a sujeição de não residentes «a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».

(…) Assim, a questão que fica para resolver, quanto ao Direito da União é apenas a de saber se a incompatibilidade afirmada no caso Hollmann, em relação a um residente num Estado-Membro, também existe em relação a um residente num país terceiro, como sucede com o Requerente.

Ora, como defende o Requerente, o TJUE, no Despacho do Tribunal de Justiça de 06-09-2018, processo C-184/18, caso Patrício Teixeira, já deu resposta afirmativa no sentido da incompatibilidade com o Direito da União desse regime previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, quando aplicável a um residente num Estado terceiro.

Na verdade, no caso apreciado neste processo do TJUE estava em causa a aplicação do regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS a residentes em Angola, que também é Estado terceiro.

O TJUE decidiu aí que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE».

(…) No caso em apreço, a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta que nunca é atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.

Pelo exposto, tem de se concluir que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que limita a residentes a tributação em IRS considerando apenas 50% do valor das mais-valias, é incompatível com o Direito da União, pelo que, em face da supremacia deste sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes.

Assim, a liquidação impugnada, ao não aplicar ao Requerente a redução do valor das mais-valias que se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei».

 

Também por acompanharmos o acórdão uniformizador de jurisprudência supra referido, prolatado em 09-12-2020, no Processo n.º 075/20.6BALSB, do Pleno da Secção do CT do STA, respeitante a matéria idêntica à dos presentes autos em que o sujeito passivo residia no Brasil, passamos a transcrever o seguinte excerto do mesmo:

«(…) 2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO DOS NÃO RESIDENTES POR MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS EM SEDE DE IRS

A nosso ver, a melhor interpretação é a que foi efectuada na decisão recorrida e que vem sendo adoptada pela maioria das decisões proferidas pelo CAAD e pela totalidade dos acórdãos deste Supremo Tribunal. Vamos, por isso, seguir de perto a exposição que aí foi efectuada. Vejamos: Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS. Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS). O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art. 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável. Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art. 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art. 68.º o CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável). A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art. 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art. 43.º do CIRS. Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06

(Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=EN.),   em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE:- de 28 de Setembro de 2006, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5b7c4837b616cebc802571fd003c0cec; - de 16 de Janeiro de 2008, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1827bec1e1931004802573d800503721.), julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».

É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art. 72.º do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes. Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal». Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62008CJ0440.), após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência(...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal(...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes». Ou seja, o regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art. 63.º do TFUE que dela resulta. Finalmente, porque o caso respeita a um sujeito passivo residente, não num outro Estado-membro da União Europeia ou no EEE, mas num País terceiro, poderia questionar-se a validade das proposições acima formuladas. Mas não há motivo para tanto. Desde logo, porque o regime de abolição de restrições à livre circulação de capitais vigorar, não só entre Estados-membros da Comunidade Europeia, mas também entre estes e Estados terceiros, sendo o seu conteúdo o mesmo para as duas situações, conforme decorre do n.º 1 do art. 63.º do TFUE (Cf. Manuel Lopes Porto e Gonçalo anastácio (coord.), Tratado de Lisboa Anotado e Comentado, Almedina, 2012, anotação aos arts. 63.º a 66.º, do TFUE, pág. 368 e João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Almedina, 2018, pág. 56.). Como bem ficou dito na decisão recorrida, a esse propósito «é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin). Aí se refere que o artigo 63.º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende-se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21). No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63.º TFUE, embora o Tratado não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na acepção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado-Membro. Pelo que as imposições efectuadas nos termos de uma legislação nacional que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais-valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, adquirido num Estado Membro por uma pessoa singular que reside num Estado terceiro, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na acepção do artigo 63.º TFUE (parágrafos 22 e 23)». Mas, se alguma dúvida subsistisse relativamente à aplicação do entendimento anteriormente expresso quando a discriminação operada pelo art. 43.º, n.º 2, do CIRS, incide sobre um residente em País terceiro, ela deve ter-se por expressamente afastada pelo TJUE, que, por despacho da 7.ª Secção proferido em 6 de Setembro de 2018, no processo C-184/18 (Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62018CO0184&from=PT.) – em pedido de reenvio prejudicial formulado pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 1358/08.9BESNT (Vide os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul nesse processo n.º 1358/08.9BESNT (6021/12), o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJUE:- de 19 de Setembro de 2017, disponível em

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/5a8ed864080e522 d802581a200533e1c;- de 8 de Maio de 2019, disponível em

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/bca5ceb1b80d357f802583f40058bb8b.) -, se pronunciou no sentido de que «[u]ma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efectuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE». Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.

2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível como art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros».

 

Como antes referido, os Requerentes residiam na África do Sul, ou seja, não residiam em território português nem em território de um Estado-Membro ou do Espaço Económico Europeu, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, sem possibilidade de opção por qualquer outro.

Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado na liquidação impugnada.

Com efeito, a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta nunca atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.

Pelo exposto, considerando que, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efetuada na liquidação impugnada, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias, devendo o pedido de pronúncia arbitral proceder, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

**

4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

Os Requerentes pedem ainda que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado por este preceito, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

 Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito dos Requerentes a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Em qualquer caso considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA , sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T) .

Tendo ficado demonstrada a errada aplicação da norma que justifica a anulação parcial da liquidação impugnada, reconhece-se o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado (12-06-2020) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

***

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a)            Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 04 de junho de 2020, com referência ao ano de 2018, no montante de 32 343,60€, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias;

b)           Condenar a Requerida no reembolso das importâncias indevidamente cobradas, no montante de 14 131,68 €, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios vencidos ou vincendos, desde a data do efetivo pagamento do montante indevidamente liquidado até à data do processamento da respetiva nota de crédito; e

c)            Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

Valor do Processo

n)           De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 14 131,68€ (catorze euros, cento e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos), por corresponder ao valor económico, assim determinado:

[(Mais-valias 97 700,00€ x taxa 28%) + 453,68 juros compensatórios)] = 27 809,68€

[(Mais-valias 97 700,00€ x 50% x taxa 28%) …………………………. = 13 678,00€

Montante a anular -------------------------------------------------------------      14 131,68€

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 10 de fevereiro de 2021.

 

O Árbitro,

(Rui Ferreira Rodrigues)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.