Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 379/2020-T
Data da decisão: 2021-01-18  IRS  
Valor do pedido: € 45.674,96
Tema: IRS - Valor de aquisição de imóveis adquiridos por permuta para efeitos de determinação de mais-valias ou de menos-valias na sua posterior alienação onerosa.
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SUMÁRIO: I. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei (artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

II. O contrato de permuta ou troca é, atualmente, um contrato, se não inominado, pelo menos atípico, uma vez que o seu regime específico não consta do Livro do Direito das Obrigações no Código Civil Português.

III. É entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência civis que ao contrato de permuta ou troca se devem aplicar as regras do contrato de compra e venda, nos termos do disposto no artigo 939.º do Código Civil, isto é, considerar que tal contrato se traduz em duas compras e duas vendas recíprocas.

IV. O Código do IMT utiliza um conceito de permuta muito específico, uma vez que partindo da unificação contratual e do pressuposto de que a permuta de bens imóveis, aqui em caus, é um contrato que visa a mera substituição de um imóvel por outro, apenas tributa o contraente que receber os bens de maior valor, e pela diferença de valores, havendo-a. Na tributação em IMT da permuta apenas há um sujeito passivo, ou pode mesmo inexistir sujeito passivo.

V. O Código do IRS tributa, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, "as alienações onerosas de direitos reais sobre bens imóveis", isto é, e referindo-nos à permuta, tributa os eventuais ganhos obtidos com a alienação onerosa de cada um dos imóveis permutados, pelo que tributa ambos os permutantes. Na tributação da permuta em IRS há sempre dois sujeitos passivos, exceto se algum beneficiar da delimitação negativa da incidência consagrada no artigo 5.º do Decreto-Lei que aprova o Código.

VI. O valor de aquisição na permuta, para efeitos de tributação da alienação onerosa dos imóveis permutados em IRS, deve ser encontrado por aplicação da regra geral de determinação do valor sobre que incide o IMT no caso de um contrato de compra e venda (artigo 12.º, n.º 1, do Código do IMT), solução a que não só se não opõem nem a letra nem o espírito do legislador nos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do Código do IRS, como, pelo contrário, a contemplam expressamente.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

1.            A..., NIF..., casado, residente no ..., n.º..., ..., em Luanda, Angola, apresentou em 20.07.2020, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2.            O requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2016, com o consequente reembolso do imposto pago.

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-07-2020.

3.1.        Os requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

3.2.        Em 09-09-2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

3.3.        Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 12-10-2020.

3.4.        Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

4.            A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral os requerentes alegaram, em síntese, o seguinte:

O Requerente é residente em Angola e em 2016 não entregou declaração de rendimentos em sede de IRS, apesar de, já após a alteração da sua residência fiscal para Angola, ter sido notificado para o fazer.

 

Em 2016 não teve qualquer rendimento, e, por isso, não entregou a referida declaração.

 

Em Março de 2020 a Fazenda Pública, ora Requerida, enviou através do serviço ViaCTT a liquidação (oficiosa) n.º 2020..., no valor de € 41.582,83 (quarenta e um mil quinhentos e oitenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), relativa a alegados rendimentos do ano de 2016, no montante de € 89.0000,00 (oitenta e nove mil euros), bem como a respetiva demonstração de liquidação de juros FFCC-..., no montante de € 4.092,13 (quatro mil e noventa e dois euros e treze cêntimos).

 

No dia 25 de Junho de 2020, o Requerente obteve, junto do Serviço de Finanças ... Lisboa, a informação de que os rendimentos apurados pela Fazenda Pública diziam respeito a mais-valias resultantes da alienação de imóveis.

 

No dia 8 de Julho de 2020 o requerente apresentou uma declaração de IRS, acompanhada do anexo G, para substituição da liquidação oficiosa efetuada pela AT.

 

Em 27 de Maio de 2016, por escritura pública, o Requerente alienou os seguintes bens imóveis:

 

a)            Fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao piso dois A – direito, sito na Rua ..., n.º ... e Rua Dr. ..., n.º  ... e ..., em ..., Concelho de Oeiras, descrito na ... Conservatória do registo Comercial de ... sob o número ..., da Freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., (antigo artigo ... da Freguesia de ..., adquirida em 2007 por permuta, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros), na permuta com a fração autónoma designada pelas letras "AL" correspondente ao décimo segundo andar, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de..., ... e ...-... sob o artigo ..., a que foi atribuído o valor de €330.000,00 (trezentos e trinta mil euros).

 

A fração "I" tinha o valor patrimonial tributário de €257.939,23 (duzentos e cinquenta e sete mil novecentos e trinta e nove euros e vinte e três cêntimos). A fração "AL" tinha o valor patrimonial tributário de €152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros).

 

b)           Fração autónoma designada pelas letras "AL" correspondente ao décimo segundo andar, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ...-... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 152.000,00, que, no mesmo dia, havia adquirido por permuta, e alienou pelo preço de € 330.000,00.

 

c)            Com as referidas alienações o Requerente não obteve quaisquer mais-valias, não havendo, consequentemente qualquer rendimento tributável em sede de IRS.

 

Quanto à primeira alienação onerosa de imóvel mediante permuta:

 

a)            A fração autónoma designada pela letra "I", atualmente inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., foi adquirida em 2007, por permuta com a fração autónoma designada pela letra “E”, de que era proprietário o ora Requerente, correspondente ao 3.º andar esquerdo, sito na Rua ..., n.º ..., Freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ... com o valor patrimonial de € 76.503,38 

 

b)           Nessa data, o Requerente e a contraparte permutante atribuíram ao prédio urbano designado pela letra "E" e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., o valor de €360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros) e ao prédio urbano, designado pela letra "I", inscrito na matriz predial sob o artigo ..., o valor de €110.000,00 (cento e dez mil euros).

 

c)            O requerente efetuou a declaração para efeitos de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e pagou o imposto no valor de € 9.933,00.

 

d)           Em 27 de Maio de 2016, o Requerente adquiriu, por permuta com a fração "E" de que era proprietário desde 2007 e a que foi atribuído o valor de €380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros), a propriedade da fração autónoma designada pelas letras "AL" e inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros), tendo-lhe sido atribuído o valor € 330.000,00 (trezentos e trinta mil euros).

 

Quanto à segunda alienação de imóvel por escritura de compra e venda:

 

a)            O Requerente, em 27 de maio de 2016, celebrou no Cartório Notarial de ... escritura de compra e venda, pela qual alienou a fração autónoma designada pelas letras "AL", correspondente ao ...º andar direito do prédio inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo...;

 

b)           O preço de venda foi de €330.000,00 (trezentos e trinta mil euros);

 

c)            A fração autónoma alienada tinha num VPT de €152.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

 

Entende o Requerente que a alienação onerosa dos bens imóveis - a fração "I" por permuta e a fração "AL" por contrato de compra e venda - antes identificados, não originou quaisquer ganhos suscetíveis de gerar mais-valias tributáveis em sede de IRS, Argumenta, para o efeito que:

 

a)            O valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis é calculado nos termos do artigo 46.º do CIRS e o valor de realização calculado nos termos do artigo 44.º do CIRS.

 

b)           O contrato de permuta é um contrato oneroso, pelo que o valor de aquisição deve ser calculado, nos termos do n.º 1 do artigo 46 CIRS (cfr. Ac. STA de 06/03/2013, Proc. 0746/12)

 

c)            Dispõe o n.º 1 do artigo 46.º CIRS que se considera como valor de aquisição o que tiver servido de base para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) (Neste sentido cfr. Ac. STA de 21/11/2019, Processo n.º 0284/09.9BECTB 0517/17).

 

d)           O valor que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ... foi € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros).

 

e)           Nos termos da al. b) do n.º 5 do artigo 2.º Código IMT (CIMT), no caso de permutas, o IMT incide sobre a diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante o que for maior.

 

f)            E, do artigo 12.º, n.º 4.º, regra 4ª do CIMT “nas permutas de imóveis, toma-se para base de liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre valores patrimoniais tributários.”

 

g)            Do n.º 1 do artigo 46.º do CIRS não resulta que o valor de aquisição tenha de corresponder ao valor tributável em sede de IMT. Pelo contrário, o que aí se exige é que seja tido em consideração o valor do imóvel que serviu de base para determinação do valor tributável sujeito a IMT e de que resultou a respetiva liquidação (cfr. decisão CAAD Processo n.º 106/2017-T; Ac. STA de 21/11/2019, Processo n.º 0284/09.9BECTB 0517/17; e Ac. Tribunal Central Administrativo Sul de 11/05/2004, Processo n.º 01088/03).

i.            

h)           Assim, nos termos do artigo 43.º e n.º 1 do artigo 46.º do CIRS, o valor de aquisição do imóvel, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., adquirido pelo Requerente no dia 10 de Agosto de 2007 foi € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros).

 

i)             Para efeito de cálculo das mais-valias, ao valor de aquisição é corrigido pela aplicação dos coeficientes de correção monetária, nos termos do artigo 50.º CIRS, sendo na sequência disso o valor de aquisição € 396.000,00 (trezentos e noventa e seis mil euros).

 

j)             Para além disso, para o cálculo da mais-valia há ainda a considerar, nos termos da al. b) do artigo 51.º CIRS as despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição do imóvel, no caso o pagamento do IMT no valor de € 9.933,00 (nove mil novecentos e trinta e três euros).

 

k)            Sendo, termos do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, o ganho sujeito a IRS constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (…)”, importa calcular o valor de realização.

 

l)             Nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 44.º CIRS Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização "no caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar.”

 

m)          Conforme escritura de permuta celebrada em 27 de Maio de 2016, o valor atribuído a este bem foi de € 380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros).

 

n)           Da aplicação das regras tributárias para determinação de eventual mais valia, resulta que o Requerente não teve qualquer ganho com a alienação do imóvel, mas antes uma perda de € 25.933,00 (vinte e cinco mil novecentos e trinta e três euros)

 

o)           Relativamente à fração autónoma designada pelas letras AL correspondente ao décimo segundo andar, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 152.000,00, adquirida por permuta em 27 de Maio de 2016 e vendida por escrituras celebradas no mesmo dia,

 

p)           O seu valor de aquisição foi € 330.000,00 (trezentos e trinta mil euros), nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS.

 

q)           Nos termos do n.º 1 do artigo 44 o valor de realização foi igualmente € 330.000,00 (trezentos e trinta mil euros), pelo que, para efeitos do artigo 10.º CIRS, não há lugar a qualquer mais-valia geradora de ganho tributável em sede de IRS.

 

r)            Consequentemente, no ano de 2016, o sujeito passivo Requerente não teve qualquer rendimento tributável em sede de IRS.

 

s)            Apesar Autoridade Tributária ter acesso aos elementos constantes das três escrituras públicas que titularam as aquisições e alienações dos imóveis da propriedade do Requerente em 2016, ficcionou-lhe um rendimento fantasma, agindo em violação do artigo 76.º do CIRS, bem como do princípio da legalidade tributária e do princípio da capacidade contributiva.

 

t)            Na verdade, o artigo 49.º CIMT, sob a epígrafe “obrigação de cooperação dos notários e de outras entidades”, prevê na al. a) do n.º 4, a submissão até ao dia 15 de cada mês, em suporte eletrónico, de uma relação discriminada dos atos e contratos, sujeitos a IMT (titulados ou isentos, efetuados no mês anterior.

 

u)           O ato de liquidação em causa é assim anulável por violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto em que se fundou.

5.            Por seu turno, a Requerida respondeu nos termos seguintes:

O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a liquidação oficiosa de IRS n.º 2020...no valor de € 41.582,83 e de juros compensatórios no valor de € 4.092,13, referente a IRS de 2016.

 

O Requerente vem pedir a anulação daquela liquidação, bem como da demonstração de juros compensatórios, com fundamento em ilegalidade por vício de violação de lei.

 

A AT pugna pela manutenção dos atos controvertidos na ordem jurídica por entender que os mesmos consubstanciam uma correta aplicação do direito aos factos.

 

Em causa nos presentes autos está a interpretação do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS, para efeitos de determinação do valor de aquisição a considerar no cálculo da mais-valia obtida com a alienação a título oneroso de bens imóveis.

 

Quantos aos factos com interesse para a boa decisão da causa, considerando o alegado pelas partes e a prova documental junta, maxime o processo administrativo, será de considerar assente no probatório o seguinte:

 

a)            Em 2007-08-10, o Requerente celebrou PERMUTA, nos seguintes termos: recebeu a fração autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de União das freguesias de ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 239.630,00, a que atribuíram o valor de € 360.000,00; e deu em troca a fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 76.503,38, à qual atribuíram o valor de € 110.000,00. Para igualação de valores, pagou ainda a quantia de € 250.000,00;

 

b)           Em 2016-05-27, o Requerente celebrou outra PERMUTA: recebeu a fração autónoma designada pelas letras “AL” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da União das freguesias de ..., ... e ... sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário correspondente a €152.000,00, à qual atribuíram o valor de € 330.000,00 e deu em troca a fração autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da União das freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 257.939,23, à qual atribuíram o valor de € 380.000,00. Para igualação de valores, recebeu ainda a quantia de € 50.000,00.

 

c)            Na mesma data, vendeu aquela fração autónoma designada pelas letras “AL” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da União das freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., por € 330.000,00.

 

d)           No âmbito das listagens sobre faltosos, tendo-se constatado que o Requerente não procedeu à entrega da modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2016, foi elaborado um Documento de Correção (DC), tratado pelo SF de Cascais ... .

 

e)           O sujeito passivo, ora Requerente, foi notificado centralmente para proceder à entrega da declaração em falta, não o tendo feito. (PA em anexo).

 

f)            Visto tratar-se da falta de entrega da declaração pelo motivo de constar na modelo n.º 11, como alienante de bem imóvel, este serviço socorreu-se dos valores declarados no IMT na alienação e na aquisição.

 

g)            Não tendo o SF os elementos necessários para aferir dos valores permutados, foi elaborado um   DC com base nos elementos disponíveis em sistema, neste caso o valor patrimonial, conforme consta do IMT da Aquisição.

Na declaração de rendimentos do ano 2016, o anexo G reflete apenas a alienação onerosa do direito de propriedade da fração “AL” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da União das freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., considerando-se adquirido em 2016-05 por €152.000,00 e alienado em 2016-05, por €330.000,00.

 

Aquela declaração originou a liquidação de IRS n.º 2020..., de 2020-02-28, que apurou um valor (a pagar) de 41.582,83.

 

Sendo que, a questão decidenda nos autos é uma questão de direito referente ao cálculo da mais-valia em discussão atento o disposto no n.º 1 do art. 46.º do CIRS, conjugado com a al. b) do n.º 5 do art. 2.º do CIMT, vejamos, agora, os argumentos quanto ao direito aduzidos pelos Requerentes:

 

 

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

 

O ato tributário propriamente dito tem sempre na sua génese uma situação de facto concreta, prevista na lei fiscal de forma típica e abstrata como geradora do direito ao imposto. Daqui retiramos que o ato tributário só passará a existir quando se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real ou objetiva, as quais definem os seus elementos objetivos. No nosso CIRS, as situações que podem gerar mais-valias encontram-se especificadas de forma taxativa e a tributação “surge na medida em que a alienação de um bem por valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual o princípio da capacidade contributiva reclama a existência de uma norma de incidência objectiva”. (VIEIRA DE ALMEIDA & ASSOCIADOS, Reinvestimento das Mais-Valias Provenientes da Alienação de um Imóvel Destinado à Habitação – Análise de Jurisprudência, Fiscalidade- Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 18, Edição do Instituto Superior de Gestão, Abril 2004).

 

Dispõe o artigo 9.º do CIRS que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras Categorias, as mais-valias, tal como definidas no artigo 10.º do mesmo diploma.

 

Ora, o artigo 10.º do CIRS enumera as situações mais frequentes, cujos valores em causa são controláveis facilmente. Este normativo encerra em si uma espécie de “numerus clausus”.

 

O ganho de mais-valia obtido com a alienação onerosa de bens imóveis, sujeito a IRS, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos da al. a) do n.º 4 do artigo. 10.º do CIRS.

 

O artigo 10.º, sistematicamente inserido nas normas de incidência real, traduz-se afinal numa norma de delimitação negativa de incidência, porquanto afasta da Categoria G os ganhos que, pese embora decorrentes dos factos enunciados no artigo, forem considerados rendimentos empresariais e profissionais (Categoria B) de capitais (Categoria E) ou prediais (Categoria F).

 

É igualmente relevante, averiguar quando é que esse ganho se torna objeto de tributação.

 

Assim, consagra o n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, o momento a partir do qual, a mais-valia enquadrável na Categoria G, passa a ser tributada. Regra geral, o ganho considera-se obtido no momento em que são praticados os atos previstos no n.º 1 do artigo 10.º.

 

No caso de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, o ganho tem-se como obtido quando ocorrer a alienação do bem.

 

No caso de troca ou permuta, caso dos presentes autos, a determinação do ganho sujeito a IRS, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS, tem em conta um de dois valores: o valor de realização (que será o valor atribuído no contrato aos bens recebidos) ou o valor de mercado, quando o primeiro não exista ou este for mais elevado. Deve ser tida em conta, em ambos os casos, a importância em dinheiro a receber ou a pagar.

 

Por sua vez o n.º 1 do art. 46.º do CIRS determina que o valor de aquisição a considerar no cálculo da mais-valia é o valor que serviu para efeitos de liquidação de IMT, mais se determinando no n.º 2 daquele normativo legal que, não havendo liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devido, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

 

O valor de IMT foi apurado nos termos da al. b) do n.º 5 do art. 2.º do CIMT, de harmonia com o qual “são sujeitas a IMT as permutas pela diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante o que for maior”.

 

Analisada a liquidação de IMT, verifica-se que o sujeito passivo, que recebeu a fração de maior valor (“I”, VPT € 257.939,23) pagou IMT sobre a diferença de valores de € 105.939,23 (€ 257.939,23- € 152.000,00). Ora, pare efeitos de liquidação de IMT foram considerados os VPT’s dos imóveis (e não os valores atribuídos no contrato, respetivamente, € 380.000,00 e € 330.000,00).

 

Pelo que o valor de aquisição considerado na liquidação objeto do presente procedimento relativamente à aquisição da fração “AL” se mostra correto, por ter sido considerado na liquidação e IMT, o VPT do imóvel no montante de € 152.000,00.

 

Quanto ao valor de realização, estabelece o n.º 1 e 2 do artigo 44.º que se considera o valor da contraprestação, prevalecendo, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

 

Verificando-se que a contraprestação acordada pela venda da referida fração foi de € 330.000,00, valor que serviu de base à liquidação de IMT, afigura-se correto o valor de realização considerado na liquidação objeto do presente pedido arbitral.

 

Donde resulta forçoso concluir que é este o valor a considerar para efeitos de aquisição do referido prédio na determinação dos ganhos de mais-valias nos termos do n.º 1 e 2 do art. 46.º do CIRS.

 

Resulta, pois, inequívoco, da conjugação do n.º 2 do artigo 46.º do CIRS com a alínea b) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que a intenção do legislador foi a de eleger, para o que aos presentes autos interessa, a diferença de valores patrimoniais como o valor de aquisição a considerar para efeitos de cálculo da mais-valia obtida com a alienação do imóvel recebido na permuta.

 

Resulta claro da letra da lei aquela que é a intenção do legislador relativamente à matéria em apreciação.

 

É ainda de salientar que os serviços da AT limitaram-se a cumprir o estipulado na lei, quanto aos procedimentos e forma das liquidações, nomeadamente, o estabelecido no n.º 1, al. b) e no n.º 3 do artigo 76.º do CIRS.

 

Nos termos supra expostos será de julgar improcedente a pretensão do Requerente quanto ao valor de aquisição a considerar para efeitos do cálculo ora em discussão, mantendo-se a decisão impugnada.

 

 

Da apresentação da declaração posterior à liquidação

 

Por ser um contribuinte faltoso, dado se encontrar em incumprimento face ao disposto no artigo 57.º do CIRS, foi emitida em 28/02/2020, a liquidação oficiosa n.º 2020... emitida em 28/02/2020, correspondente ao IRS do ano de 2016 com imposto e juros a pagar no montante de 41.582,83.

 

Apenas em 08/07/2020, após a emissão da liquidação oficiosa ora contestada, o Requerente enviou declaração de rendimentos Mod. 3 para os serviços da administração fiscal, constando apenas no sistema informático da AT, a declaração oficiosa, de que viria a resultar a liquidação oficiosa acima impugnada.

 

A AT considera que a emissão da liquidação contestada cumpriu com o estipulado no artigo 76.º do CIRS, conforme já referido anteriormente.

 

6.            Por despacho de 26-07-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT e, sem que as partes se tivessem oposto, foi igualmente dispensada a apresentação de alegações.

 

II – Saneamento

7.            Sinteticamente:

7.1.        O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2.        As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3.        O pedido é tempestivo.

7.4.        O processo não enferma de nulidades.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

8.            Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos - tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada como a não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT) - consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

8.1.        A liquidação cuja legalidade vem invocada pelo Requerente, com o reconhecimento expresso da Requerida e se mostra documentalmente provado pela cópia da declaração oficiosa incluída no PA e que àquela deu origem, respeita, exclusivamente, à alienação onerosa da fração designada pelas letras "AL", do prédio urbano inscrito na matriz urbana da União das freguesias de ..., ... e ...– ...sob o artigo ...  (de ora em diante designada apenas por "Fração AL", por tal se não prestar a dúvidas).

8.2.        A liquidação em causa teve origem numa Declaração Oficiosa (DO) submetida pelos serviços competentes da Autoridade Tributária com referência ao ano fiscal de 2016, por ter conhecimento, em virtude de informação fornecida por terceiros, dos termos da escritura de compra e venda e mútuo celebrada em 27 de maio de 2016 no Cartório Notarial de ... .

8.3.        A declaração foi submetida pelos Serviços antes mencionados em virtude de o Requerente, embora para o efeito notificado, não ter apresentado até então qualquer declaração de anual de rendimentos mod. 3, com anexo G, nelas declarando as alienações onerosas de imóveis efetuadas em 2016.

8.4.        A liquidação foi notificada ao Requerente dentro do prazo de caducidade, dela resultando um imposto a pagar no montante total (imposto + sobretaxa + juros compensatórios) de €41.582,83 /quarenta e um mil quinhentos e oitenta e dois euros e oitenta e três cêntimos).

8.5.        Os serviços da AT consideram a fração "AL" adquirida em 2016-05-27 por €152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros) e alienada em 2016-05-27, por €330.000,00 (trezentos e trinta mil euros).

8.6.        Na escritura de permuta celebrada em 27 de maio de 2016 e mediante a qual o Requerente adquiriu a fração "AL", foi a esta atribuído o preço de €330.000,00.

8.7.        O Requerente recebeu ainda, além da fração "AL", a importância em dinheiro de €50.000,00, uma vez que à fração por ele dada em troca - a referida Fração "I" - foi atribuído o valor de €380.000,00

8.8.        O VPT da fração "AL", no momento da alienação, era de €152.000,00.

8.9.        Quando notificado da liquidação de IRS respeitante a 2016 e depois de ter sido informado de que a mesma resultara da realização de operações de alienação onerosa de imóveis, apresentou uma declaração de rendimentos, que ficou registada na base de dados das declarações apresentadas em IRS, embora "com anomalias".

8.10.      Os competentes serviços da AT não incluíram na DO que deu origem à liquidação aqui contestada qualquer outra alienação onerosa de imóveis, designadamente a alienação da fração autónoma designada pela letra "I", no âmbito do contrato de permuta celebrado para a compra da fração designada pelas letras "AL".

 

III.2. Fundamentação da matéria de facto

 

9.            A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental, não impugnada, bem como do processo administrativo junto aos autos.

10.          Não se deram como provados outros factos suscetíveis de interferirem na decisão da causa.

11.          Não há factos que tenham sido dados como não provados.

 

III.3. Matéria de direito

 

12.          Conforme resulta do pedido arbitral e da resposta apresentada, a questão submetida a apreciação do tribunal cinge-se aos valores a ter em conta na determinação da mais valia resultante da alienação do imóvel designado por «Fração "AL"» pelos requerentes em 26 de maio de 2016 que adquiriram, por permuta, no ano no mesmo dia.

13.          Não se ignora que a alienação onerosa, por permuta, da «Fração "I"», de que o Requerente era proprietário, operada no mesmo dia com a «Fração "AL"», constitui um facto tributário em sede de incidência objetiva do IRS que deveria ter tido tradução na DO submetida pelos competentes serviços da AT, mas não teve.

14.          A declaração de substituição apresentada pelo Requerente em 08-07-2016, de cujo conteúdo não foi dado conhecimento ao Tribunal, nem pelo Requerente, nem pela Requerida, tem suporte legal no disposto no artigo 59.º, n.º 3, al. b), n.º ii) do CPPT, devendo, face à situação concreta, ser aplicado o disposto no n.º 5 do mesmo preceito - a sua convolação em reclamação graciosa, porque face aos dados alegados pelo Requerente a sua liquidação produziria um imposto inferior ao anteriormente liquidado, o que os serviços competentes da AT não fizeram.

15.          A liquidação impugnada teve exclusivamente por base os valores de realização e de aquisição relativos a alienação onerosa da «Fração "AL"», neste caso por contrato de compra e venda e é essa liquidação que o Requerente considera ilegal e que, por seu turno, a Requerida considera dever ser mantida. E são os elementos que serviram de base a esta liquidação, e só estes, os que aqui serão analisados, designadamente:

15.1.      Valor de aquisição da «Fração "AL"», adquirida por permuta em 26 de maio de 2016.

15.2.      Valor da alienação.

 

Vejamos.

 

16.          O IRS, cujo Código (CIRS) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989, não obstante as inúmeras modificações de que, entretanto, foi objeto, mantém inalterada uma conceção originária da tributação do rendimento pessoal, a conceção do acréscimo patrimonial, correspondendo-lhe uma conceção extensiva de rendimento, que no respetivo preâmbulo, no seu n.º 5, assim é justificada: "Acolheu-se assim com maior nitidez do que na anterior reforma (na qual as mais-valias, objecto de uma categoria fiscal autónoma, eram excluídas do âmbito da incidência do imposto complementar) uma concepção tendencialmente ampla do rendimento, incluindo, à semelhança do que sucede na maioria dos países da CEE, os aumentos inesperados do valor dos bens no quadro das categorias abrangidas pelo imposto único - sem embargo de se lhes conferir um tratamento específico e particularmente benévolo, em atenção à sua não recorrência, e à circunstância de constituir novidade a sua inclusão na globalização".

17.          Apesar de o Requerente ser um sujeito passivo não residente em território português, o elemento subjetivo da incidência verifica-se quanto a ele, uma vez que se consideram obtidos em território português, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do CIRS "os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão", hipótese que não é afastada pela Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Angola (putativo país da residência do sujeito passivo) - cfr. n.º 1 do artigo 13.º da Convenção, pelo que, independentemente da existência ou inexistência de matéria coletável, estava obrigado à apresentação da declaração anual modelo 3 de rendimentos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º do CIRS, por não lhe aproveitar qualquer dispensa de cumprimento desta obrigação declarativa.

18.          Os aspetos material e temporal do elemento objetivo da incidência, e, em termos muito sintéticos que não prescindem das regras de determinação do rendimento coletável relativas às mais-valias, hoje constituindo uma subcategoria da Categoria dos Incrementos Patrimoniais (cfr. artigos 9.º e 10.º do CIRS) estão consagrados, de forma exaustiva, no n.º 1 do artigo 10.º e, entre eles, logo no n.º 1, al a) do artigo 10.º do CIRS, os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

18.1.      Note-se, desde já, que o legislador incluiu na conceção de "alienação de direitos reais sobre bens imóveis" a permuta ou troca, pelas referências específicas que lhe efetua nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS.

18.2.      Fixa igualmente, para determinação do valor de realização no caso de troca, regras específicas no artigo 44.º, n.º 1, al. a) e no n.º 2.

18.3.      Não fixa, no artigo 46.º, para efeitos de determinação do valor de aquisição no caso de troca ou permuta, quaisquer regras específicas.

19.          O ganho sujeito a IRS é constituído, de acordo com o disposto na alínea a) no n.º 4 do mesmo preceito, grosso modo, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição. Esta enunciação simples não pode deixar de ser completada com as regras de determinação da matéria coletável, constantes do Capítulo II, Secção VI, artigos 42.º a 52.º do CIRS.

20.          Quanto ao valor de realização não se suscitam dúvidas: o princípio geral está consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS: No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar, sem prejuízo da prevalência dos valores patrimoniais tributários, quando superiores, conforme regra do n.º 2 do mesmo artigo.

21.          E não se verifica quanto ao valor da contraprestação (€330.000,00) a exceção prevista no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, a suscetibilidade de substituição pelo valor patrimonial tributário do imóvel (€ 152.000,00) uma vez que é inferior ao valor declarado e não poderia servir de base à liquidação do IMT, de conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT (CIMT): o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o caso.

22.          Aliás, existe uniformidade de entendimento do Requerente e da Requerida quanto a este elemento estruturante para a determinação de mais-valias ou menos-valias numa operação de transmissão onerosa de imóveis.

23.          Em causa está, pois, exclusivamente a determinação do valor de aquisição, uma vez que a «Fração "AL"» foi adquirida por permuta. E aqui confrontam-se, segundo Requerente e Requerida, na determinação do valor de aquisição de um imóvel adquirido a título oneroso, interpretações diferentes do disposto no n.º 1 do artigo 46.º do CIRS: No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação a título do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis. Com efeito,

23.1.      O Requerente defende que o valor de aquisição da «Fração "AL"» é o valor que lhe foi atribuído no contrato de permuta realizado em 26-05-2016, ou seja, €330.000,00.

23.2.      Já a Requerida, considerando que, na permuta realizada em 26-05-2016, e tendo em conta que, nos termos do artigo 2.º, n.º 5. al. b) do CIMT, as permutas estão sujeitas a imposto pela "diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante a que for maior", defende a legalidade da atuação dos Serviços da AT nos seguintes e exatos termos: Analisada a liquidação de IMT, verifica-se que o sujeito passivo, que recebeu a fração de maior valor (“I”, VPT € 257.939,23) pagou IMT sobre a diferença de valores de € 105.939,23 (€ 257.939,23 - € 152.000,00). Ora, para efeitos de liquidação de IMT foram considerados os VPT’s dos imóveis (e não os valores atribuídos no contrato, respetivamente, € 380.000,00 e € 330.000,00).

24.          O contrato de troca ou permuta, hoje um contrato atípico ou inominado, é o sucedâneo do contrato de "escambo ou troca" que o Código Civil de 1867 (Código de Seabra) tipificava no seu artigo 1592.º, devendo a sua disciplina procurar-se atualmente por aproximação ao contrato de compra e venda, justificando-se a sua não tipificação no atual Código Civil por inutilidade .

25.          Daí que a doutrina civilista se pronuncie, a propósito da permuta, nos termos seguintes:

25.1.      Para J. A. MOUTEIRO GUERREIRO - "Deste modo quando falamos hoje de permuta estamos a referir-nos à compra e venda, ou melhor, a duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário em que a contraprestação não é dinheiro, mas sim o bem alienado pela contraparte e que, apesar dessa dualidade de transmissões, de harmonia com a concepção que se afigura mais adequada e realista, tais compras e vendas integram um só contrato, já que consubstanciam um único acordo de vontades, cujo efeito negocial unitário envolvem duas adquisições e duas transmissões que se contrapõem. É ainda pacífico o carácter sinalagmático deste contrato, constituindo o sinalagma de cada uma das transmissões a inversa aquisição que deriva precisamente da alienação feita pelo outro contraente" .

25.2.      Para LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, A troca ou permuta consiste no contrato que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes. ... A troca apresenta grandes similitudes com a compra e venda e daí que apresente grande parte das suas características. Uma vez que a lei reconhece a categoria no Código Comercial (art. 480.º) podemos qualificá-la como um contrato nominado. É, no entanto, um contrato atípico, uma vez que o seu regime não se encontra tipificado na lei, sendo construído por mera remissão para o contrato de compra e venda (arts. 939.º do CC e 480.º do CCom.). À semelhança da venda, a troca é apenas sujeita a forma especial quando estiverem em causa bens imóveis (cfr. art. 875) ... é um contrato consensual ... é um contrato obrigacional .... é um contrato oneroso .... é um contrato sinalagmático ... é normalmente um contrato comutativo ...e é um contrato de execução instantânea .

25.3.      Ainda para o mesmo autor : É controvertida a qualificação do contrato pelo qual as partes apesar de continuarem a efetuar a troca de bens, dado que eles têm valores diferentes, uma delas inclui ainda uma prestação em dinheiro. Para alguma doutrina este contrato deve ser qualificado como troca, se o dinheiro se destina apenas a colmatar modestas diferenças de valor entre os bens trocados, e como venda, quando a soma de dinheiro seja de valor superior ao valor do bem que a acompanha. Para outra, deve-se antes atender, para a qualificação como venda ou troca, se as partes em termos subjectivos considerarem mais relevante o bem trocado ou o dinheiro. A posição que parece defensável é, porém, aquela que qualifica esta situação como um contrato misto de venda e permuta, determinando, de acordo com a teoria da combinação, a aplicação a cada atribuição económica do regime que a regula.

25.4.      Para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA: Seguindo esta linha (contratos de troca sem preço), o elemento característico do contrato de permuta consiste na ausência de qualquer objeto monetário que no contrato desempenhe a função de meio de pagamento, isto é, na ausência de qualquer objeto que se possa qualificar como preço, como, explícita ou implicitamente, se reconhece em textos legais e doutrinários. Assim se distingue este tipo contratual da compra e venda e de outros contratos com função de troca, desde que o preço entendido em sentido amplo abrange também o juro, a comissão, a tarifa, a renda, o aluguer, o salário e os honorários. Se a contrapartida for mista (dinheiro e bens diferentes de dinheiro) misto é o contrato (de compra e venda e de permuta). Se a componente monetária for menor em valor, o contrato toma o nome de permuta com tornas .

26.          No Parecer da PGR n.º 20/2019, in DR, II Série, parte D, de 15 de novembro de 2020, a pp. 183, encontramos a seguinte abordagem ao contrato de permuta:

O contrato de permuta, troca ou escambo era um contrato legalmente típico regulado nos artigos 1592.º e seg. do Código Civil de 1867, não tendo sido selecionado para o elenco dos contratos tipificados no Código Civil de 1966, embora o seu homólogo comercial se mantenha previsto no artigo 480.º do Código Comercial, com remissão para as regras do contrato de compra e venda, com exceção das relativas ao preço. No Código Civil essa remissão também existe  por força do disposto no seu artigo 939.º

Na troca ocorre uma permuta de uma coisa por outra de valor presumivelmente equivalente, caraterizando-se este contrato pela ausência de um objeto monetário que, desempenhando a função de meio de pagamento, funcione como um preço. Se uma das prestações for mista (dinheiro e bens em espécie), ou o contrato deve também ser qualificado como misto ou sendo a componente monetária consideravelmente menor, esta pode ser encarada como sendo tornas num contrato de troca.

27.          Na jurisprudência civilista, e apenas como mero exemplo, no Acórdão do STJ n.º 6998/13.1TBBRE.S1, de 08-10-2015, conceptualiza-se a permuta nos termos seguintes:

27.1.      A permuta é um contrato oneroso pelo qual se transmite uma coisa ou direito mediante a aquisição de uma outra coisa ou direito. Há, pois, na permuta uma transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos (sublinhado nosso).

27.2.      Também chamado de troca ou escambo, é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei, desde o Código Civil de 1966. Aplicam-se por isso a este negócio jurídico, por força do disposto no art. 939.º do Cód. Civil, as normas do contrato de compra e venda, desde que não sejam incompatíveis com o mesmo.

27.3.      Tratando-se, ainda, de um contrato com eficácia real, de acordo com o preceituado no art. 408.º n.º 1 do Cód. Civil a transferência da propriedade ocorre, em regra, por mero efeito do contrato, ou seja, no momento da sua celebração.

28.          Estamos, pois, em condições de concluir sobre a noção civilista de permuta ou troca que tenha por objeto bens imóveis com LUÍS MENEZES LEITÃO, adotando a sua posição: a permuta ou troca é um contrato a que se aplica essencialmente o regime de venda, por força do artigo 939.º, já que constitui um negócio de alienação a título oneroso . E, considerando que há na permuta uma transferência recíproca de coisas ou outros direitos, torna-se evidente que, no seu quadro, se constituem duas relações jurídicas de sentido inverso, onde o sujeito ativo de uma é o sujeito passivo da outra e vice-versa. E, assim sendo, não pode deixar de se concluir que na permuta ou troca, na perspetiva civilista, coexistem ou acomodam-se duas compras e vendas de bens imóveis, independentemente da qualificação (misto ou com tornas) que se faça do respetivo contrato.

29.          Importa agora partir para outra indagação: a de saber se existe ou não um conceito omnicompreensivo de permuta para efeitos fiscais (perspetiva sistémica). O que não decorre, expressamente, do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS, dadas a natureza das remissões que aí se fazem para o CIMT, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o disposto no n.º 4 do artigo 9.º do Código do Imposto de Selo . É o que nos impõe o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, em cujos termos "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei".

30.          Teremos naturalmente de começar pelo IMT. Aí, de acordo com o ensinamento de JOSÉ MARIA PIRES , falando, ademais, com a autoridade que lhe advém do facto de ter sido um dos principais intervenientes, quer no quadro da ECORFI, quer no quadro que posteriormente veio a dar execução às suas propostas, a Reforma da Tributação do Património (2004), distinguir-se-ia entre permuta simples e permutas compostas.

30.1.      A permuta simples é uma permuta de imóveis de igual valor patrimonial, que se limita à mera transferência da propriedade de imóveis entre duas partes contraentes, não existindo quaisquer outras contrapartidas. O CIMT assenta no princípio da não sujeição a tributação das permutas simples de imóveis, invocando-se, para o efeito, o disposto na alínea na al. b) do n.º 5 do artigo 2.º, numa interpretação a contrario.

Na verdade, naquele preceito prevê-se apenas a sujeição a IMT das permutas, "pela diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante a que for maior". Donde se conclui que, na hipótese em que não exista diferença declarada de valores e os valores patrimoniais sejam iguais, a permuta não está sujeita a tributação. Esta delimitação negativa tem por fundamento a presunção de que a permuta simples é uma mera substituição de um imóvel por outro de igual valor no património de outra pessoa, sem qualquer outra contraprestação e que, portanto, essa substituição não tem a virtualidade de revelar qualquer capacidade contributiva dos permutantes, pelo que não deve ser sujeita a imposto. A correspondente capacidade contributiva foi revelada antes, na anterior aquisição dos imóveis.

30.2.      De facto, no § 1.º do artigo 7.º do Código da Sisa, prescrevia-se que "Nos contratos de permuta de bens imobiliários, qualquer que seja a sua natureza, a sisa será paga pelo permutante que receber os bens de maior valor". E, interpretando esta norma, em entendimento geral e abstrato, o ofício-circular n.º A-2/60, de 18 de maio de 1960, foi esclarecido que "não existindo matéria coletável, por não haver diferença declarada de valores e os «imóveis» permutados terem valores matriciais iguais, não há «sujeito passivo», como é óbvio, devendo lavrar-se o termo de declaração modelo 2, sempre necessário, e proceder-se seguidamente nos termos estabelecidos no ofício-circular n.º 1469-A, de 7 de abril de 1961 (1941), in Boletim do mesmo ano, pág. 374, ou seja, os interessados terão de munir-se da certidão passada tal como ali se indica, que substituirá o conhecimento a que se refere o artigo 131.º deste Código" .

Ora, a inexistência de "sujeito passivo de imposto", enquanto elemento subjetivo da relação jurídica tributária, determina que esta pura e simplesmente se não constitua e que, consequentemente, não se possa verificar qualquer tributação.

30.3.      Discorda, porém, o autor a que nos vimos referindo desta não tributação, considerando que no enquadramento constitucional atual não existirá razão relevante para manter o regime que diz remontar ao Código da Sisa. Invoca em favor da sua posição que "o que está subjacente à intencionalidade do imposto, ancorada nos princípios constitucionais, é a tributação da riqueza que é revelada ou utilizada pelo adquirente na aquisição dos bens imóveis. E essa riqueza deve ser sujeita a imposto independentemente do suporte em que esteja materializada, pelo que a utilização de um imóvel para adquirir outro revela o mesmo índice de riqueza que resultaria da utilização de dinheiro ou de qualquer outro bem". E acrescenta o mesmo Autor: "Foi essa a filosofia que foi consagrada no ante-projeto da Reforma da Tributação do Património de 2004. Aí se previa, na verdade, a eliminação do regime das permutas, propondo-se a sujeição a IMT das permutas, nos mesmos termos das restantes transmissões. Não foi esse, porém, o entendimento da maioria parlamentar de então, que decidiu manter o regime que atualmente vigora e que é o mesmo do Código da Sisa".

31.          As permutas compostas distinguem-se da simples porque, além da transferência recíproca da propriedade dos bens imóveis, integram a atribuição de contrapartida em bens não imóveis, a que acrescia a situação em que, com ou sem contrapartidas, os valores patrimoniais dos imóveis permutados seriam os considerados. Consagrava-se para elas, já no Código da Sisa, a sujeição da tributação, mas ainda na mesma perspetiva: a perspetiva da "unificação" da operação da permuta e a tributação pela diferença. Apenas haveria nesta operação um sujeito passivo, "aquele que recebesse os bens de maior valor", utilizando-se, para o efeito, regras próprias.

32.          Importa, no entanto, sublinhar o conceito de permuta que consta do enunciado completo da alínea c) do artigo 4.º do CIMT, nos seguintes termos: "Nos contratos de troca ou permuta de imóveis, qualquer que seja o título por que se opere, o imposto é devido pelo permutante que receber os bens de maior valor , entendendo-se como de troca ou permuta o contrato em que as prestações de ambos os permutantes compreendem bens imóveis, ainda que futuros" (bold nosso).

33.          Na conjugação de ambos os segmentos da norma não pode deixar de se relevar a especificidade tributária do conceito tributário de permuta aqui utilizado e que nos leva a considerar que é um conceito exclusivo elaborado para efeitos de CIMT, de resto na tradição do Imposto Municipal da Sisa, porque, embora reconhecendo que as prestações de ambos os permutantes compreendem bens imóveis, ainda que futuros, transmitindo-se, consequentemente, a respetiva propriedade por força do próprio contrato, apenas elege um sujeito passivo, estabelecendo que será aquele que receber os bens de maior valor, seja qual for o método da sua determinação e, nos termos da alínea b) do n.º 5.º do artigo 2.º do mesmo Código a tributação incide sobre a diferença, e não, como numa compra e venda normal, sobre o preço, como se prevê no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT. Ou seja, na permuta de bens imóveis na aceção do CIMT, o imposto não é devido por cada uma das compras, nem é devido pelo "valor constante do ato ou trato ou o valor patrimonial tributário, se superior".

34.          Sendo assim, a última questão a decidir antes de se proferir a decisão, é a de saber se o conceito de permuta ou troca estabelecido no CIMT é aplicável em IRS, quando se trate de apurar as mais-valias suscetíveis de serem geradas pela alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, como se estabelece na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS. E a resposta antecipada é a de é insuscetível de aplicação. Com efeito,

35.          No Código do IRS são suscetíveis de gerar mais-valias sujeitas a imposto as transmissões onerosas de direitos reais, mormente do direito de propriedade pleno, de imóveis. E é indubitável que, no Código do IRS, numa permuta (e nem sequer a este raciocínio se opõe a noção antes vista consagrada no Código do IMT que compreende "as prestações de ambos os premutantes") há duas transmissões onerosas tributáveis: designando os sujeitos da permuta como A e B, nela existe uma transmissão onerosa de um direito real sobre bem imóvel de A para B e outra de A para B. E ambos são sujeitos passivos de IRS, cada um deles pela alienação onerosa que praticou.

36.          Ora, para efeitos de IRS a permuta não é um negócio "unificado" como o é para efeitos de IMT, mas antes se configura como dois contratos de compra e venda recíprocos, apresentando cada um deles a correspondente autonomia negocial, adotando, nesta matéria o conceito civilista de permuta. Dito de outro modo: no IRS não se tributa a permuta (como se faz no IMT), mas cada uma das operações de alienação onerosa de bens imóveis que a constituem ou integram.

37.          E, nesta configuração da permuta, os dois contratos de compra e venda recíprocos, o IMT não é devido pelas razões antes apontadas (nela se considera que apenas o permutante que receber os bens de maior valor é o sujeito passivo do imposto) embora, como também se deixou clarificado, já tenha havido, em preparação de projeto legislativo, uma proposta para que a permuta deixasse de ter o regime que mantém e fosse sujeita a IMT nos mesmos termos das restantes transmissões.

38.          Deste modo, consideramos que, o disposto no artigo 46.º do CIRS, relativamente ao valor de aquisição, tem de ser interpretado de acordo com o princípio da capacidade contributiva relevado pelo permutante vendedor pela diferença positiva entre o preço por que alienou e o valor por que adquiriu. A não ser assim, cair-se-ia na anómala e inaceitável, do ponto de vista do princípio da justiça tributária, situação de o adquirente que não pagou IMT (ou que não tenha pagado sisa) na operação de permuta pela qual adquiriu o imóvel venha a ver considerado, para efeitos de valor de aquisição, o valor 0 (zero), pelo que todo o valor de realização seria "mais-valia".

39.          O objetivo do legislador ao fixar as regras próprias de determinação da matéria coletável para efeitos de IMT foi o de tributar a permuta ou, no limite, de a não tributar. Tais regras, como parece evidente, não seriam, por si mesmas, apropriadas para serem aplicadas num outro imposto, o IRS, que se propõe, na pessoa de cada um dos permutantes, tributar o ganho eventualmente obtido ou reconhecer as perdas realizadas. 

40.          Ora, o artigo 46.º do CIRS, nos seus n.ºs 1 e 2, dispõe o seguinte:

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

41.          No caso que aqui se discute, está em causa, exclusivamente, a alienação onerosa da «Fração AL", adquirida por permuta, tendo ambas as operações ocorrido na mesma data. Não cumpre ao Tribunal pronunciar-se sobre a questão da sujeição a tributação, por suscetibilidade de gerar ganhos sujeitos a imposto, da alienação onerosa da «Fração "I"» que o Requerente deu de troca, na permuta realizada, pela «Fração "AL"», uma vez que ela não se encontra refletida na liquidação aqui em juizo.

42.          O que há, pois, que averiguar é que "valor serviria de base à liquidação do IMT" (n.º 2 do artigo 46.º) na aquisição, pelo Requerente, da «fração "AL"» no contexto de uma transmissão onerosa de imóveis realizada por contrato de compra e venda.

43.          Donde, em primeiro lugar, se acompanha o decidido no Processo do CAAD 106/2017-T: Posto isto, há que aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do CIRS quando determina que, não tendo havido liquidação de IMT, se tem de considerar “o valor que lhe serviria de base, caso fosse devido, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto”. Porém, em segundo lugar, não se acompanha a referida decisão, face a tudo quanto se expôs, quando nela se conclui pelo recurso ao disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 2.º CIMT. A determinação do valor aquisição, embora feita por permuta, não pode deixar de se reger pelas regras de liquidação do IMT aplicáveis à mera transmissão de imóveis, uma vez que, em IRS, como já se referiu, para efeitos de mais-valias não se tributa a permuta, mas cada uma das alienações onerosas dos imóveis permutados em que aquela se traduz. Porque, em IRS, não é apenas o permutante que recebe os bens de maior valor que preenche a previsão do elemento subjetivo da incidência. São ambos os permutantes.

44.          A este propósito, e uma vez que a «Fração "AL"» foi adquirida em 27 de maio de 2016, ainda que por permuta, o requerente considera que o seu valor de aquisição corresponde ao valor que lhe foi atribuído de €330.000,00 nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS.

45.          Já a Requerida, trazendo à colação, sem qualquer fundamento, a permuta que havia sido realizada em 207-08-10, acaba por reconhecer que a «Fração "AL"» tinha, em 2016-05-27 o valor patrimonial tributário de €152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros) e que lhe foi atribuído, na permuta naquela data realizada, o valor de  €330.000,00. No artigo 20.º da Resposta, A AT "recupera " a aquisição da fração "I" e o IMT que aí foi liquidado, quando, relativamente à alienação onerosa desta mesma fração a liquidação oficiosa efetuada pela AT é completamente omissa. Parece-nos, pois, inconsequente o raciocínio/fundamento que no referido artigo foi plasmado.

46.          E não se vê qualquer relação de "causa-efeito" entre a operação referida no artigo 20.º da Resposta e a referida no seu artigo 21.º, uma vez que o que estava em causa era, tão só, o valor que devia ser atribuído, "segundo as regras aplicáveis" do Código do IMT, à aquisição da «Fração "AL"».

47.          E mesmo que se acolhesse o argumento da Requerida, há nele um erro sobre os pressupostos de facto que o inquina de invalidade.

48.          Na verdade, o Requerente pagou IMT na permuta em que adquiriu a «fração "I", mas foi o adquirente, na permuta, desta mesma «fração "I"», quem pagou IMT, segundo as regras aplicáveis à permuta, repete-se, como se colhe dos DUC emitidos em 2016-05-25 - o emitido ao adquirente da «Fração I», com pagamento de €14.440,00, referência de pagamento n.º ... e o emitido ao Requerente, enquanto adquirente da «Fração "AL"», com pagamento de 0,0 euros.

49.          O nosso posicionamento, tal como exposto, não é consentâneo com a vinda à colação disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 2.º CIMT, aplicável exclusivamente ao contrato de permuta no âmbito daquele imposto, pelo que também exclui qualquer tomada de posição sobre a discussão travada em torno das noções de "diferença declarada de valores" que não é a mesma coisa que "diferença de valores declarados", uma discussão que remonta ao Código da Sisa e, porque existe identidade de hipótese normativa, se estendeu ao CIMT  aderindo-se, pois, à tese de que, para efeitos de determinação da matéria coletável que servirá de base à liquidação de IMT na permuta de bens imóveis, não há que por em causa a doutrina do Oficio-Circular n.º A-2/60, de 18 de maio.

50.          De resto, a regra específica prevista no n.º 1 do artigo 44.º do CIRS para a determinação do "valor de realização" é suficientemente esclarecedora sobre o tratamento individual que o legislador pretendeu dar a cada uma das transmissões de bens efetuadas por permuta. Não se compreenderia que, para determinação do valor de aquisição, pretendesse prescrever critério diverso.

51.          Assim, numa interpretação conforme com a Constituição e os princípios que dela emanam, nomeadamente o princípio da justiça na tributação e o princípio da capacidade contributiva, determinada, no IRS, pelo rendimento líquido objetivo obtido durante o ano fiscal, consideramos, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 46.º do CIRS, que o valor de aquisição da «Fração "AL"» é de €330.000,00 (trezentos e trinta mil euros), o valor que no contrato lhe foi atribuído, e não o seu valor patrimonial tributário de €152.000,00 (cento e cinquenta e dois mil euros), uma vez que na aquisição do mesmo imóvel por mero contrato de compra e venda seriam nestes os valores que estariam em confronto para determinação do IMT que seria devido, de acordo com o n.º 1 do artigo 12.º do CIMT.

 

IV - Da declaração de substituição apresentada pelo Requerente

52.          A declaração de substituição apresentada pelo Requerente após ter sido notificado da liquidação de IRS que lhe foi efetuada, registada no sistema informático de receção das declarações anuais de rendimentos modelo 3 com a indicação de "Com Anomalias", cujo conteúdo declarativo se desconhece, provavelmente não será automaticamente liquidada, por da liquidação se supor a origem de um imposto inferior ao liquidado - n.º ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT.

53.          De harmonia com o disposto no n.º 5 do mesmo preceito do CPCT, "A declaração de substituição entregue no prazo legal para a reclamação graciosa, quando a administração tributária não proceder à sua liquidação, é convolada em reclamação graciosa, de tal se notificando o sujeito passivo".

54.          A opção pela dedução do presente pedido de decisão arbitrar determina a inutilidade superveniente para os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 45.º do CPPT (convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa).

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, decide-se neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2016, sendo de admitir como valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia tributável o valor de €330.000 (trezentos e trinta mil euros);

b)           Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a reembolsar os requerentes do montante do correspondente imposto e juros compensatórios relativamente à referida liquidação.

c)            Declarar a inutilidade superveniente da convolação em reclamação graciosa da declaração de substituição apresentada;

d)           Condenar a Requerida no pagamento das custas devidas.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €45.674,94, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, 18 de janeiro de 2021

 

O Árbitro Singular

(Manuel Faustino)