Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 362/2020-T
Data da decisão: 2021-01-09  ISV  
Valor do pedido: € 6.593,90
Tema: ISV – Admissão de veículos usados – Incidência sobre a componente ambiental.
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SUMÁRIO

 

Não tendo como objeto a decisão de indeferimento liminar por extemporaneidade de pedido de revisão oficiosa do ato tributário, antes questionando a legalidade da liquidação que impugna, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal conta-se a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo em causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente em ... n.º ..., ...-... ..., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 14-07-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2017/..., de 16-08-2017, da Alfândega de Leixões, no montante de € 23.543,51, sendo € 8.208,87 correspondente à componente cilindrada e € 15.334,64 à componente ambiental.

 

3. A Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado, no valor de € 6.593,90, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta o Requerente, em síntese, que a liquidação impugnada, efetuada ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), enferma de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado,

- por exceção, invocando a caducidade do direito de ação relativamente à liquidação impugnada;

- por impugnação, sustentando a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, e deve, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 02-10-2020.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável na jurisdição arbitral por remissão expressa do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a junção de alegações e produção de prova testemunhal, por desnecessárias.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

14. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. O Requerente introduziu em Portugal o veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca..., modelo ..., movido a gasolina, a que foi atribuída a matrícula ... .

 

14.2. Com base na DAV apresentada em 16-08-2017 foi efetuada a seguinte liquidação de ISV relativa ao veículo acima identificado:

 

O imposto apurado nesta liquidação, tendo como data limite de pagamento o dia 26-08-2017, foi oportunamente pago.

 

14.3. Todavia, em 09-06-2020 o ora Requerente apresentou na Alfândega de Leixões pedido de revisão oficiosa da liquidação em causa, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

14.4. O referido pedido de revisão fundamenta-se na alegada ilegalidade daquela liquidação em virtude de na mesma não ter sido considerada no cálculo do imposto, a dedução relativa à componente ambiental determinada em função do número de anos de uso do veículo, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).

 

14.5. Após exercício do direito de audição, o pedido de revisão oficiosa da liquidação foi indeferido, por despacho do diretor da Alfândega de Leixões de 19-06-2020, proferido em concordância com a seguinte informação técnica: “1. Pelo ofício n.º 2020... de 15.6.2020, a requerente foi notificada do projeto de decisão da revisão oficiosa, para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos do art.60.º da LGT.

2 . Pelo requerimento em referência, veio apresentar resposta relativamente à revisão que se pretende indeferir, no exercício do referido direito, e dentro do prazo fixado.

3. Manifesta a sua discordância em relação à proposta de decisão bem como sobre a fundamentação que lhe serve de base, que, como refere, para além de fazer uma interpretação errada do disposto no art. 78.º da LGT está em contradição com a jurisprudência do STA nesta matéria.

- Analisada a argumentação apresentada pela requerente, entende-se que a mesma não merece provimento atentos os seguintes fundamentos:

- O prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT só será aplicável se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

- Ora, no que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de ISV sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro).

- Sem embargo, acresce referir que, o erro que vem imputado às liquidações de ISV reconduz-se a uma questão de direito.

- Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, será de afastar, desde logo, a imputabilidade aos serviços da AT do imputado “erro” porquanto o ato tributário de liquidação visado foi praticado nos termos do art. 11.º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num “julgamento” de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no art.110.º do TFUE.

4 - Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 226.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP).              

- Assim, atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT.

- Efetivamente, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que por si tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita a princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT.

5 – Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT.

Informação

Nestes termos, propõe-se superiormente o indeferimento da presente revisão oficiosa.”

 

14.6. A decisão de indeferimento do pedido foi notificada ao Requente em 20-06-2020, através do ofício n.º 2020..., da Alfândega de Leixões.

 

15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

16. É estritamente de direito a questão que o Requerente suscita no seu pedido de pronúncia arbitral e prende-se com a alegada incompatibilidade com o direito comunitário de norma do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) aplicada nas liquidações impugnadas.

 

17. Todavia, a Requerida, na sua resposta, invoca a exceção de caducidade do direito de ação, nos seguintes termos:

“4 - Entende a Requerida que, no caso dos autos, procede a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação efetuada cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Alfândega de Leixões por ter decidido nesse sentido.

5. Com efeito, constata-se que o Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral, em 15.07.2020, do despacho de indeferimento, de 19.06.2020, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 12.06.2020, ao abrigo do artigo 78º da LGT (cfr. PA).

6. Não pode proceder a pretensa tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão do ato de liquidação em crise, extemporaneamente apresentado à administração aduaneira, pois, deste modo estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de impugnação graciosa ou contenciosa.

7. Assim, para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão.

...

9. O Requerente apresentou, em 15.7.2020, o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do despacho de indeferimento, datado de 19.06.2020, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 12.06.2020, da liquidação de ISV constante da DAV..., (cfr. P.A.), apresentada em de 16.08.2017, junto da Alfândega de Leixões, cujo termo do prazo de pagamento do imposto ocorreu em 26.08.2017. 10.

Tal pedido de revisão foi indeferido, depois de ter sido analisado pela administração aduaneira, face ao disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

...

11. Efetivamente, conforme o nº 1 do artigo 78º da LGT (…)

Artigo 78º

Revisão dos atos tributários

” 1.A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)”

 No que concerne ao prazo previsto na 1ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT (prazo da reclamação administrativa), o mesmo já se encontra precludido, uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 26.08.2017 e o prazo para apresentação da reclamação graciosa terminou em novembro de 2017, face ao estatuído no nº 1 do artigo 78º da LGT, conjugado com a alínea a) do nº 1 do artigo 102º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo DL 433/99, de 26 de Outubro. Relativamente ao prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT só é aplicável se o fundamento de revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

 

18. Reportando-se à decisão proferida pelo Diretor da Alfândega de Leixões, em sede de procedimento de revisão oficiosa, prossegue a Requerida: 13. Com efeito, o ato tributário de liquidação visado foi praticado nos termos do artigo 11º do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num “julgamento de não conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE.

14. É que, na prossecução dos seus objetivos, a AT, na sua qualidade de organismo da Administração Pública, encontra-se vinculada ao Princípio da Legalidade, que em matéria tributária se configura com uma reserva absoluta de lei formal, que deverá nortear todos os procedimentos, não havendo qualquer margem de discricionariedade, pelo que face às características do veículo em causa e ao enquadramento da lei vigente, a AT nada mais pode fazer do que liquidar o ISV de acordo com o disposto no artigo 11º do CISV.

15. De facto, a AT está sujeita ao Princípio da Legalidade (cfr.nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e artigo 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP).

16. Neste sentido, tem sido pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência, que “a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias, ( cfr. artigo 18º nº 1 da CRP), a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (…) a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artigo 281 da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas , como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 18º nº 1, da CRP), o que não é o caso.

17. Assim sendo, perante a norma em vigor, a Administração Tributária e Aduaneira (AT), em obediência ao Princípio da Legalidade, não poderia ter atuado de modo diferente, sob pena de estar ela a violar essa legalidade, e, nessa conformidade entende a Requerida que, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.

18. Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pelo Requerente, em 15.06.2020, na sequência do indeferimento, pelo Diretor da Alfândega de Leixões do pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e consequentemente ser a Requerida absolvida do pedido. “

 

19. Pronunciando-se sobre a invocada exceção de caducidade do direito de ação, alega o Requerente não ser correta a interpretação que a AT faz da norma do artigo 78,º da LGT, sustentando que constitui entendimento pacífico do STA que o erro nela referido, “8. ... para além de englobar o lapso, o erro material ou de facto, engloba também o erro de direito, desde que essa errada aplicação da lei não decorra de qualquer informação ou declaração do contribuinte – Ver Ac. STA, proc. 886/14, de 19.11.2014. Interpretação que, ainda de acordo com o referido acórdão, resulta da aplicação do disposto no n.º 2 do art. 266.º da CRP e do art. 55.º da LGT, que impõem à administração tributária uma atuação conforme à lei.”

 

20. Referindo jurisprudência arbitral no sentido de que o pedido de revisão do ato tributário no prazo de quatro anos previsto no art. 78.º da LGT pode ter por base o erro de direito, considera o Requerente que “13. ... no caso dos autos a impugnação da liquidação do ISV em causa tem exclusivamente por base a aplicação de uma norma ilegal por violação de uma norma de direito europeu, logo de valor reforçado. 14. Não tendo o requerente, obviamente, contribuído por qualquer forma para essa liquidação ilegal do imposto.”

 

21. Nestes termos, conclui o Requerente, que “15. Assim, sendo indiscutível que o Requerente se pode socorrer do disposto no n,º 1 do art. 78.º da LGT – requerer a revisão do ato tributário no prazo de quatro anos da respetiva liquidação – e que o fundamento desse pedido pode ter como fundamento a ilegalidade do ato, é manifesto não se verificar a exceção invocada, devendo, em consequência, a mesma ser julgada improcedente.”

 

22. Em sede de alegações, o Requerente, além de reafirmar a posição expressa na petição inicial e em resposta à exceção invocada pela Requerida, vem salientar que a desconformidade da norma do artigo 11.º do CISV com o direito comunitário seria já aceite pelo legislador nacional conforme decorre de alteração daquele preceito constante da proposta de lei do orçamento do Estado para 2021. Este facto, segundo entende, justificaria a desistência de oposição manifestada pela AT.

 

23. Expostas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, pode constatar-se que o litígio que as opõe se centra no âmbito de aplicação do regime de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, mormente no que concerne a prazos de apresentação do pedido de revisão pelo interessado.

 

24. De acordo com o referido preceito, “1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

 

25. Para além de outros meios de reação contra atos tributários, ou em matéria tributária, este preceito estabelece, pois, o dever de a Administração Tributária concretizar a revisão do ato a favor do contribuinte sempre que constate uma situação de erro de que tenha resultado pagamento de imposto por montante superior ao que seria devido.

 

26. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo de reclamação administrativa, com fundamento em qualquer ilegalidade, é ainda facultado ao contribuinte a possibilidade de requerer essa revisão dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efetuar, ou seja, dentro dos quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago. Porém, conforme prevê a parte final desta norma, o pedido de revisão não pode fundamentar-se em qualquer ilegalidade, mas tão-somente em “erro imputável aos serviços.

 

27. Conforme jurisprudência pacífica, o contribuinte tem legitimidade para solicitar à Administração Tributária a revisão oficiosa dos atos tributários ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmos nos casos em que não é formulado dentro do prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do citado artigo, é passível de recurso judicial. 

 

28. Porém, no presente caso, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário foi indeferido por extemporâneo face ao disposto na primeira parte do n.º 1 daquele artigo 78.º e por não se mostrarem verificados os pressupostos da 2ª parte do mesmo preceito, isto é, por se não verificar a existência de erro imputável aos serviços.

 

29. E é precisamente neste ponto que se situa a discordância das Partes: para a AT, alegando o princípio da legalidade a que se encontra legalmente vinculada, o ato questionado não enferma de erro que lhe seja imputável já que não estava na sua disponibilidade proceder de forma diferente daquela que procedeu. Face aquele princípio, não podia deixar de aplicar uma norma do direito interno com fundamento na sua eventual incompatibilidade com o direito comunitário; em sentido diverso, conforme se poderá extrair do entendimento do Requerente, a aplicação de uma norma que considera ilegal, integraria o conceito de erro imputável aos serviços.

 

30. Não pode, porém, acompanhar-se a posição do Requerente,

 

31. Com efeito, a vinculação da AT ao princípio da legalidade (cfr, CRP, art. 66.º, n.º 2 e LGT, art. 55.º) impede que possa desaplicar uma norma com fundamento na sua incompatibilidade com o direito comunitário. Sobre esta matéria - embora com referência ao direito a juros indemnizatórios e à eventual inconstitucionalidade das normas - é pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores, como, de resto, refere a Requerida. 

 

32. Assim, ao proceder como procedeu no ato de liquidação em causa, a AT não incorreu em erro que lhe fosse imputável, pelo que o pedido de revisão apresentado pelo contribuinte, com o fundamento dele constante, só produziria efeitos se tivesse sido deduzido no prazo previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o que não aconteceu.

 

33. Salienta-se que, no presente caso, o pedido de pronúncia arbitral não se centra sobre a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, questionando antes a legalidade do ato de liquidação que impugna, peticionando a respetiva anulação.

 

34. Assim, não sendo invocado qualquer vício da decisão de indeferimento liminar, por extemporaneidade do pedido de revisão, o prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral conta-se a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo em causa.

 

35. Tendo esse prazo ocorrido em 26-08-2017 e o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 14-07-2020, mostra-se largamente excedido o prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. Sendo, assim, manifesta a intempestividade do pedido, não pode deixar de proceder a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

36. Fica, assim, prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões suscitadas pelo Requerente.

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 6.593,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 9 de janeiro de 2021,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.