Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 347/2020-T
Data da decisão: 2020-11-11  ISV  
Valor do pedido: € 18.794,04
Tema: ISV – Admissão de veículo usado. Incidência sobre a componente ambiental. Agravamento por emissão de partículas.
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Sumário

1. Na medida em que sujeita os veículos usados admitidos de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, mostra-se incompatível com o direito comunitário, por violação do artigo 110.º do TFUE. Consequentemente, encontra-se ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da citada norma.

2. Verificados os pressupostos nela enunciados, a norma do artigo 7.º, n.º 3, do referido Código, é indistintamente aplicável ao fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos automóveis tributáveis que estejam obrigados a matrícula em Portugal.

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

I. Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Tamel, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 06-07-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) n.º 2020/..., da Alfândega de Braga, de 23-04-2019, no montante de € 18 794,04, sendo € 18 294,04 correspondente à componente cilindrada e € 500,00 ao agravamento por emissão de partículas.

 

3. O Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado, no referido valor, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais

 

4. Como fundamento do pedido de pronúncia arbitral, argumenta o Requerente, em síntese, que a liquidação impugnada, efetuada ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), enferma de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental e, ainda, ao agravamento por emissão de partículas, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) juntou o processo administrativo, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, ter o ato impugnado sido efetuado de acordo com o direito nacional e comunitário, pelo que o mesmo não enferma de qualquer vício, e deve, consequentemente, manter-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as partes.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 28-09-2020.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a junção de alegações.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

13. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e nº 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

14. Com base no acervo documental que integra o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

14.1. Em 19-05-2020, na sequência de indeferimento de pedido de isenção formulado ao abrigo do artigo 58.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), o Requerente solicitou junto da Alfândega de Braga, que o pedido de admissão do veículo fosse alterado para o regime geral (Doc. 8).

 

14.2. Com base na Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) n.º 2019/..., para introdução no consumo, oportunamente apresentada, foi, nos termos do regime geral, efetuada a liquidação de ISV com referência ao veículo ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., movido a gasóleo, com o n.º de motor ..., cilindrada ... cc e com a matrícula definitiva ... (Docs. 8 e 9).

 

14.3. Da referida DAV, consta, ainda, que ao veículo em causa, usado, proveniente da França, com 141 514 kms percorridos, foi atribuída a primeira matrícula em 05-02-2009.

 

14.4. No que concerne às características do veículo, consta da referida DAV o valor de 0,004 g/Km relativo à emissão de partículas e o valor de 200 g/Km relativo à emissão de gases.

 

14.5. Com base nos elementos constantes da DAV foi efetuado o cálculo do ISV, em conformidade com as disposições constantes dos artigos 7.º e 11.º do respetivo Código, sendo apurado o valor de € 20 696,88 pela seguinte forma (Doc. 9):

 

 

14.6. O pagamento foi efetuado em 01-06-2020 (Doc. 10)

 

15. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Matéria de direito

 

16. O presente pedido de pronúncia arbitral fundamenta-se na ilegalidade da norma do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, relevante na liquidação ora impugnada, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).

 

17. Alega, assim, o Requerente que a referida norma, aplicável aos veículos portadores de matrículas comunitárias com vista a contemplar no cálculo do imposto devido a desvalorização comercial média dos veículos usados no mercado nacional prevê uma redução percentual pelo número de anos de uso do veículo, mas apenas na componente cilindrada, deixando de lado a componente ambiental.

 

18. Segundo o Requerente, a norma aplicada na liquidação que contesta conduz a que seja cobrado sobre os veículos admitidos (“importados”) de outros Estados Membros da União Europeia um imposto determinado com base em valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.

 

19. Com base na fundamentação acima sumariada, conclui o Requerente que deve a presente impugnação ser julgada procedente devendo o ato de liquidação ser parcialmente anulado na parte referente à componente ambiental, bem como ao agravamento por emissão de partículas e, em consequência, ser a Requerida condenada a pagar ao Requerente a importância € 18 794,04 que considera cobrada em excesso, sendo € 18 294,04 correspondente à componente ambiental e € 500,00 ao agravamento por emissão de partículas, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

20. Respondendo ao pedido formulado, argumenta a Requerida (AT) que no caso em análise “33. ... o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º. do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental (sic) nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontra prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.”

 

21. Depois de traçar um quadro geral da legislação nacional aplicável na área da incidência, objetiva e subjetiva, determinação da base tributável, taxas, facto gerador e exigibilidade do tributo, a Requerida, no tocante à compatibilidade daquela norma do artigo 11.º do CISV com o direito comunitário, alega, no essencial,   que: ”40. O atual modelo de fiscalidade automóvel visa assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente, constituindo estes objetivos da prossecução da política fiscal a que se encontra adstrito o Estado Português.”

 

22. Invocando as normas dos artigos 110.º, proibição de sujeição de produtos provenientes de outros Estados membros a imposições internas superiores às que incidem sobre produtos nacionais e 191.º do mesmo Tratado (TFUE), relativa à preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, sustenta a querida que: “ 41. Efetivamente, o modelo de tributação do ISV resultante da aprovação do CISV pela Lei 22-A/2007, de 29 de Junho, foi norteado por preocupações ambientais com respeito pelas orientações emanadas pelas instâncias comunitárias e pelos compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto e, mais tarde, pelo Acordo de Paris.

42. Sendo que, o Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Estado Português, estabeleceu compromissos muito rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como as causas do aquecimento global, passando, por conseguinte, a componente ambiental a ser determinante no cálculo do imposto, incidindo sobre os veículos novos e usados (estes com emissões mais elevadas, superiores às dos veículos novos), em obediência ao princípio do poluidor pagador, consagrado no CISV e no TFUE, procurando levar os consumidores a optar por automóveis com menores emissões de dióxido de carbono.

43. Por isso, não pode deixar de se referir o estabelecido no artigo 191.º do TFUE, o qual tendo surgido depois do artigo 90.º do TCE (anterior 110.º do TFUE), exige que se proceda a uma interpretação atualista, no que concerne ao enquadramento da questão sub judice, que deve atender aos elementos sistemático e teleológico, porquanto, naquele dispositivo, afirma-se, expressamente, no n.º 1, que a política da União, no domínio do ambiente, contribuirá para a prossecução, entre outros, da preservação, da proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, não podendo o artigo 110.º do TFUE ser interpretado nos termos defendidos pelo Requerente. 44. Devendo, pois, a interpretação do artigo 110.º do TFUE ser efetuada à luz do disposto no artigo 191.º do mesmo tratado, sob pena de conflitualidade e desarmonia entre as duas normas, a não ser que o TJUE, em sede de interpretação, venha defender a existência de tal violação e que a norma do artigo 110.º do TFUE tem valor superior ao previsto no artigo 191.º quanto à proteção e a melhoria da qualidade ambiental.”

 

23. Acentuando esta vertente, adianta a Requerida que “ 46. Face ao previsto no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, constata-se que o legislador teve em consideração que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, também suportada pelos veículos novos, devendo a mesma ser entendida como um montante que os sujeitos passivos pagam ao Estado, destinado a compensar os efeitos nefastos que o veículo automóvel causa ao ambiente, sendo que esse montante é progressivo em função das emissões de dióxido de carbono.

Constatando-se que, no âmbito da tributação automóvel, relativamente aos elementos sobre os quais assenta tal tributação, existe uma confusão de conceitos, que são, por natureza, distintos, não podendo estabelecer-se uma equiparação entre a componente cilindrada e a componente ambiental, nem, por isso, consequentemente, ver-lhe aplicados os mesmos critérios e as mesmas percentagens de redução, até porque no caso da vertente ambiental, as razões que lhe estão subjacentes não coincidem com as que determinam a tributação que atende à cilindrada do veículo.

48. Até porque, quanto maior for o nível de emissões de dióxido de carbono do veículo, maior será o montante de imposto relativo à componente ambiental, no estrito cumprimento do princípio do poluidor pagador, como já se aludiu, estando esta filosofia do imposto em conformidade com o referido princípio da equivalência, consagrado no artigo 1.º do Código do Imposto Sobre Veículos.

“49. Pelo que, em nome da unidade e da coerência do modelo de tributação automóvel vigente em Portugal, a não aplicação da totalidade da componente ambiental aos veículos usados violaria os princípios suprarreferidos, tornando-se fonte de graves injustiças, já que beneficiaria claramente os veículos usados em detrimento dos novos, sem que, para tal, se encontrem razões válidas.

50. No que concerne aos automóveis usados, não existem dúvidas que o potencial poluidor do automóvel se agrava com a idade, tornando-se mais poluentes e, consequentemente, mais nefastos para o meio ambiente, destinando-se a componente ambiental a orientar os consumidores na escolha de veículos com menores emissões de dióxido de carbono.

Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE não poderá deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.

 

24. Em conclusão, sustenta a Requerida que “ 56. A aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV não obsta à admissão de veículos usados em território nacional, nem tampouco visa impedir a realização de negócios jurídicos de compra e venda de veículos automóveis pois são processadas, diariamente, inúmeras declarações aduaneiras de veículos, de regularização fiscal de veículos em território nacional, provenientes de outros Estados-membros, conforme resulta dos dados atinentes ao número de matrículas atribuídas nos últimos anos.

57. Concluindo-se, sem quaisquer dúvidas, que o mercado dos veículos usados está a crescer face ao mercado dos veículos novos, no qual se verifica uma estagnação, não podendo, pois, por esta via, afirmar-se que existe uma “imposição interna que proteja indiretamente outras produções”, pois, de acordo com os dados estatísticos, não existe tal discriminação, não se verificando, consequentemente, a invocada violação do artigo 110.º do TFUE.

58. Em suma, não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.”

 

25. Relativamente ao agravamento por emissão de partículas, considera a Requerida que “74. …importa reiterar que esta questão não se enquadra na problemática decorrente da não aplicação de uma redução à componente ambiental dos veículos usados admitidos de outros Estados-membros nem, concomitantemente, da eventual violação do artigo 11.º do CISV do artigo 110.º do TFUE.

75. De facto, o agravamento do imposto por emissões de partículas decorre, como se referiu, do previsto no n.º 3 do artigo 7.º do CISV, aplicando-se a todos os veículos, novos ou usados, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, norma que nunca foi posta em causa face ao direito da União Europeia, mormente face ao artigo 110.º do TFUE.

76. Resultando evidente a aplicação deste agravamento ao caso sub judice porquanto, estando em causa a tributação de um veículo ligeiro com sistema de propulsão a gasóleo que apresenta um valor de partículas de 0,004 g/km, há lugar ao pagamento do montante de 500 € que acresce ao total do montante de imposto a pagar, sendo, pois, tributado em sede de agravamento de partículas em conformidade com o artigo 7.º do CISV, devendo concluir-se que, também, nesta parte, deve o ato impugnado manter-se na ordem jurídica.”

 

26. Considera, ainda, a Requerida que da interpretação do artigo 11.º do CISV no sentido preconizado pelo Requerente “78. …resulta, desde logo, uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2)

 

27. Pelo que conclui a Requerida, “101. Em face do exposto, a interpretação do Requerente do artigo 11.º do CISV quando interpretado da forma em que o faz, viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.”

 

28. Equacionadas, nas suas linhas essenciais, as posições das Partes, importa, antes de mais, uma breve incursão pela legislação relevante.

 

29. Desde logo, é invocado, como fundamento da alegada ilegalidade da liquidação impugnada, o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida em que a tributação em causa seria mais gravosa para os veículos introduzidos no consumo em Portugal provenientes de outros Estados Membros de União Europeia do que a que recai sobre veículos usados transacionados no mercado nacional.

 

30. Com efeito, estabelece aquele preceito - correspondente ao anterior artigo 90.º do TCE – que "Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções."

 

31. A legislação nacional que, segundo o Requerente, viola a norma comunitária, são as normas constantes dos artigos 7.º e 11.º do CISV, em particular esta última, cuja redação, à data da ocorrência do facto tributário e no que concerne a veículos ligeiros de passageiros, movidos a gasóleo, é a seguinte:

 

“Artigo 7.º

Taxas normais – automóveis

1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;ii

b) (...)

TABELA A

Componente cilindrada 

Escalão de Cilindrada

(centímetros cúbicos)    Taxas por centímetros cúbicos

(Euros) Parcela a abater

(euros)

Até 1 000             0,99        767,50

Entre 1 001 e 1 250         1,07       769

Mais de 1 250    5,06        5 600,00

...

Componente ambiental

Veículos a Gasóleo iii

 

Escalão de C02

(gramas por quilómetro)              Taxas

(euros) Parcela a abater

(euros)

                              

Até 79   5,22       396,88

De 80 a 95           21,20     1 671,07

De 96 a 120        71,62     6 504,65

De 121 a 140      158,85   17 107,60

De 141 a 160     176,66   19 635,10

Mais de 160        242,65   30 235,96

 

Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA Div

 Tempo de uso  Percentagem de redução

               

Até 1 ano                            10

Mais de 1 a 2 anos          20

Mais de 2 a 3 anos          28

Mais de 3 a 4 anos          35

Mais de 4 a 5 anos          43

Mais de 5 a 6 anos          52

Mais de 6 a 7 anos          60

Mais de 7 a 8 anos          65

Mais de 8 a 9 anos          70

Mais de 9 a 10 anos        75

Mais de 10 anos               80

 

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.

 

3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:iv

ISV=((V/VR) x Y) + C

em que:

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.iv

4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume-se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.v

 

32. Na situação em análise, a liquidação do ISV sobre viatura proveniente de outro Estado Membro da União Europeia foi efetuada com observância da norma do artigo 11.º do CISV, sendo considerada uma redução de 80% na componente cilindrada. Na componente ambiental não foi considerada qualquer redução em função do número de anos de uso do veículo, em conformidade com o disposto naquele preceito.

 

33. Está, assim, em causa determinar-se se a referida norma do artigo 11.º do CISV, na medida em que não considera qualquer redução de imposto em função do número de anos de uso do veículo na componente ambiental viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110.º do TFUE e, consequentemente, se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.

 

34. A questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados admitidos ("importados") de outro Estado Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

 

35. Desde logo, ainda na vigência do revogado imposto automóvel, que precedeu o atual ISV, aquele Tribunal não teve dúvida em declarar que "A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional." (Ac. de 09-03-1995, proc. C-345/03, Nunes Tadeu).

 

36. Sobre a mesma matéria, e com referência aquele mesmo tributo, voltaria o Tribunal de Justiça a pronunciar-se, no sentido de que "A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95.° do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional" (Ac. de 22-02-2001, proc. C-393/98, Gomes Valente).

 

37. É, pois, constante orientação do Tribunal de Justiça sobre a incompatibilidade de normas nacionais que tributem mais gravosamente os veículos admitidos ("importados") de outros Estados Membros, como se extrai tanto das decisões referidas como de tributações de similares contornos vigentes noutros países da União Europeia: "O artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efectivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstracto, com base em critérios ou tabelas fixas determinados por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem susceptíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional" (Ac. de 20-09-2007, proc. C-74/06, Comissão das Comunidades Europeias vs República Helénica).

 

38. Abordando a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro, o Tribunal de Justiça viria a considerar que: "52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. Daí poderem ser utilizados num regime desses. Em compensação, não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.

53. Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados Membros do que os produtos nacionais similares.

54. Ora, um veículo novo relativamente ao qual o imposto automóvel foi pago na Hungria perde, com o decorrer do tempo, uma parte do seu valor de mercado. Assim, diminui, na mesma medida, o montante do imposto automóvel compreendido no valor residual do veículo. Sendo um veículo usado, só pode ser vendido por uma percentagem do valor inicial, percentagem que engloba o montante residual do imposto automóvel.

55. Ora, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio que um veículo do mesmo modelo e de antiguidade, quilometragem e outras características idênticas, comprado em segunda mão noutro Estado Membro e registado na Hungria será, contudo, sujeito a 100% do imposto automóvel aplicável a um veículo dessa categoria. Por conseguinte, o referido imposto onera mais os veículos usados importados do que os veículos usados similares já registados na Hungria e sujeitos ao mesmo imposto. 56. Assim, não obstante o carácter ambiental do objectivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objecto de tributação, visto que esse imposto se caracteriza por ser apenas cobrado uma vez quando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no Estado Membro em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor." Com base neste considerandos, o Tribunal viria a declarar que "2 - O artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida – em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado Membro e –  em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado Membro de importação." (Ac. de 05-10-2006, processos pensos C-290/05 e C-33/05, Akos Nadasdi).

 

39. Debruçando-se sobre o sistema nacional de tributação automóvel e já sobre a norma do artigo 11.º do CISV, na redação em vigor até à alteração introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, o Tribunal de Justiça viria a tecer as seguintes considerações:

"26 Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20-09-2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

"27 No caso em apreço, o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Imposto sobre Veículos prevê, para efeitos do cálculo do imposto aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros, a tomada em consideração de uma desvalorização em função de uma tabela de percentagens fixas que estabelece, designadamente, em 20% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado durante um período de um a dois anos e em 52% a desvalorização de um veículo automóvel utilizado há mais de cinco anos.

 

"28 Daqui resulta que a República Portuguesa aplica aos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação no qual, por um lado, o imposto devido por um veículo utilizado há menos de um ano é igual ao imposto que incide sobre um veículo novo similar posto em circulação em Portugal e, por outro, a desvalorização dos veículos automóveis utilizados há mais de cinco anos é limitada a 52%, para efeitos do cálculo do montante deste imposto, independentemente do estado geral real desses veículos.

 

"29 Ora, é facto assente que o valor de mercado de um veículo automóvel começa a diminuir a partir da data da sua compra ou da sua entrada em circulação e que esta diminuição continua para além do quinto ano da sua utilização (v., neste sentido, acórdão de 19-09-2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 78).

 

"30 Deste modo, a regulamentação nacional em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo a pagar pelos veículos automóveis usados importados de outros Estados-Membros para Portugal e utilizados há menos de um ano ou há mais de cinco anos é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos.

 

"31 Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa não garante que, nos casos referidos no número anterior do presente acórdão, os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, o que é contrário ao artigo 110.° TFUE". Em conclusão, viria o Tribunal a declarar que "1) A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE."(Ac. de 16-06-2016, proc. C-200/15, Comissão Europeia vs República Portuguesa).

 

40. No sentido de acolher a decisão do Tribunal de Justiça, foi, através da Lei n.º 42/2016, de 28/12, alterada a redação do citado artigo 11.º, passando a ser considerada a desvalorização do veículo a que a mesma se refere mas tão-somente quanto à componente cilindrada, ficando agora, de todo, excluída qualquer redução no tocante à componente ambiental.

 

41. É, pois, nesta exclusão que se centra a questão que opõe o Requerente à AT: enquanto esta considera que a atual redação da norma está conforme ao direito comunitário, invocando razões que têm a ver com a proteção do ambiente e qualidade de vida, entende aquele que o que está em causa é tão-somente a descriminação negativa dos veículos usados admitidos no território nacional, relativamente aos comercializados em Portugal, proibida pelo artigo 110.º do TFUE.

 

42. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado, a tributação automóvel pode assentar em critérios objetivos, como sejam o tipo de motor, a cilindrada e, inclusivamente, uma classificação assente em considerações ambientais. Porém, quando aplicados a veículos usados provenientes (admitidos) de outros Estados-Membros, o montante de imposto cobrado não pode exceder o montante que se contém no valor residual de veículos usados similares já registados no Estado-Membro de admissão. É, pois, constante a orientação do Tribunal de Justiça, no que concerne à interpretação daquele artigo 110.º quando referido a tributação automóvel: um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados Membros do que os produtos nacionais similares.

 

43. Refira-se que a desconformidade do direito nacional, na sua atual redação, com a norma comunitária conduziu já ao início de procedimento de infração  . Com efeito, conforme comunicado de 24-01-2019, a Comissão Europeia deu início a ação judicial contra o Estado Português "por este Estado-Membro não ter em conta a componente ambiental do imposto de matrícula aplicável aos veículos usados importados de outros Estados-Membros para fins de depreciação. A Comissão considera que a legislação portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que os veículos usados importados de outros Estados-Membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado português, uma vez que a sua depreciação não é plenamente tida em conta. Se Portugal não atuar no prazo de dois meses, a Comissão poderá enviar um parecer fundamentado sobre esta matéria às autoridades portuguesas."

 

44. Observa-se, ainda, que esta matéria foi já objeto de detalhada análise em decisão arbitral de 30-04-2019, proferida no processo 572/2019-T, tendo-se no mesmo concluído que "(...) o artigo 11º do Código do ISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110º do TFUE porquanto aquele artigo não pode, em conformidade com o que este artigo dispõe, calcular o imposto sobre veículos usados oriundos de outro EM sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, neste caso, o imposto calculado ultrapasse o montante de ISV contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no EM de importação, ou seja, dos veículos usados nacionais." Esta posição tem vindo invariavelmente a ser assumida em, sucessivas decisões arbitrais proferidas, designadamente, nos processos 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 466/2019-T, 498/2019-T, 600/2019-T, 776/2019-T, 833/2019-T e 13/2020-T.

 

45. Acompanhando, sem reservas, a decisão acima referida, considera este Tribunal que, face à reiterada e constante posição do Tribunal de Justiça a que acima se fez referência, se não suscitam dúvidas quanto a incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada à liquidação impugnada, concluindo-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.

 

46. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do artigo 11.º do Código do ISV, na medida em que sujeita os veículos usados admitidos (“importados”) de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional.

 

47. Consequentemente, o ato de liquidação em causa, desconsiderando a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV, encontra-se ferido de ilegalidade devendo ser anulado. Restringindo-se, porém, a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse ato ser parcialmente anulado. 

 

48. O Requerente impugna, ainda, a liquidação do “agravamento partículas”, a que se refere o artigo 7.º, n.º 3 do CISV, também com o mesmo fundamento de violação do direito comunitário.

 

49. A norma referida, com a seguinte redação, “3 - Os veículos ligeiros, equipados com sistema de propulsão a gasóleo ficam sujeitos a um agravamento de € 500 no total do montante do imposto a pagar, sendo esse valor reduzido para € 250 relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias referidos no n.º 2 do artigo 9.º, com exceção dos veículos que apresentarem nos respetivos certificados de conformidade ou, na sua inexistência, nas homologações técnicas, um valor de emissão de partículas inferior a 0,001 g/km.”  é indistintamente aplicável ao fabrico, montagem, admissão ou importação de veículos automóveis tributáveis que estejam obrigados a matrícula em Portugal.

 

50. Da letra da lei, bem como da sua inserção sistemática, não decorre a leitura subjacente ao entendimento do Requerente, sendo aplicável, como bem assinala a Requerida, a todos os veículos, novos ou usados, fabricados, montados, admitidos ou importados em território nacional.

 

51. Não tendo a interpretação proposta pelo Requerente um mínimo de correspondência no texto da lei, improcede, neste segmento, o pedido formulado

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

52. A par da anulação parcial do ato de liquidação, e consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

53. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

54. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

55. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importância manifestamente indevida.

 

49. Todavia, entende a Requerida que, “105. E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária.

106. É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, o que nem sequer é posto em causa pelo Requerente.

107. E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT, posição que já foi sufragada em sede arbitral, conforme resulta das decisões proferidas nos Processos n.º 348/2019-T e n.º 34/2020-T.

108. Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.”

 

56. Não colhe, porém, tal entendimento, face ao que dispõe o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), aditada pela Lei n.º 9/2019, de 01/02, no sentido de que: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: ... d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”

 

57. Julgando-se, assim, a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação impugnada, reconhece-se ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

V. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação parcial do ato de liquidação impugnado, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da desconsideração da redução imposto correspondente à componente ambiental do ISV, no valor de € 14 635,23, com o consequente reembolso da importância indevidamente cobrada, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

b)           Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação na parte relativa ao agravamento por emissão de partículas na importância de € 500,00

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 18 794,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerida e da Requerente, na proporção do respetivo vencimento, sendo € 953,13 a cargo da Requerida (AT) e € 270,87, a cargo da Requerente (SP).

 

Lisboa, 11 de novembro de 2020,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.