Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 39/2013-T
Data da decisão: 2013-10-14  IRC  
Valor do pedido: € 412.927,68
Tema: Prestações suplementares; menos-valias
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 39/2013

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Prof. Dr. António Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-5-2013, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, S.A., pessoa colectiva …, doravante identificada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), em conjugação com o n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

A Requerente apresentou os seguintes pedidos:

– anulação do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.° (…);

– anulação dos actos de liquidação de Juros Compensatórios (…) e n.° (…);

– anulação da liquidação de Juros de Mora n.° (…);

– anulação da correspondente Demonstração de Acerto de Contas n.° (…) (compensação n.° (…) do exercício de 2009,

– anulação do Despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (…);

–ser ressarcida dos custos incorridos com a prestação de garantia que, a final, se demonstrou indevida.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

Em 3-5-2013 as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.° 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.2 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-05-2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

No dia 11-9-2013, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sendo nela acordado haver lugar a produção de prova testemunhal para prova dos factos referidos nos artigos 384.º, 394.º a 398.º, 400.º, 401.º e 404.º do pedido de pronúncia arbitral.

Porém, em 21-9-2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio declarar «inexistir qualquer controvérsia quanto aos mesmos, inexistindo, igualmente, qualquer dissídio quanto à configuração factual das operações em causa», pelo que, por despacho da mesma data foi declarada sem efeito a inquirição das testemunhas, fixando-se prazo de 10 dias para alegações escritas simultâneas.

Em 7-10-2013, a Requerente apresentou alegação escrita.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, que tem por objecto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, actuando como Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) (artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral);

b) A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral do IRC, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil (artigo 11.º do pedido de pronúncia arbitral);

c) Com referência ao exercício de 2009, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) (Grupo fiscal), de que faziam parte integrante as seguintes sociedades: (artigos 12.º e 13.º do pedido de pronúncia arbitral)

i. B…, S.A., titular do número de identificação fiscal (…);

ii. C…, S.A. (adiante designada por "…"), titular do número de identificação fiscal (…).

d) Por forma a financiar as suas participadas, a Requerente obteve financiamentos, os quais se destinaram à realização de prestações suplementares, ou de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, em favor daquelas entidades (artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral);

e) Em virtude dos capitais alheios necessários aos financiamentos concedidos, a Requerente passou a suportar os respectivos encargos financeiros, contabilizando-os, nomeadamente no exercício de 2009, como custos do exercício fiscalmente relevantes, por ter o entendimento de que os mesmos se destinavam ao indispensável financiamento das suas participadas, enquanto (únicos) activos geradores de rendimentos tributáveis da Requerente (artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral);

f) Adicionalmente, também no exercício de 2009, a Requerente deduziu ao lucro tributável, o montante de € 546.497,50, correspondentes a 50% da menos-valia realizada com a alienação, à D…, S.A., da participação que detinha na E…, correspondente a 35% do capital social desta (artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral);

g) Em Junho de 2009, foi deliberado, em Assembleia Geral da E…, um aumento do capital social, mediante conversão de suprimentos existentes que, no que à Requerente respeita, ascendiam a € 1.092.995 (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral);

h) Nessa mesma Assembleia Geral, foi ainda acordada a venda das participações sociais detidas, na E…, pela Requerente, no total de 3.500 acções presentes e 218,599 acções futuras (resultantes da conversão dos suprimentos em capital social), à D … (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral);

i) O valor total da transacção referida na alínea anterior foi de € 200.000,00 correspondendo € 1,00 às acções transmitidas, e € 199.999,00 aos demais créditos (artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral);

j) A operação em causa resultou numa menos-valia de € 1.380.245 sendo que o montante de € 1.092.995 corresponde ao aumento de capital realizado por meio de conversão dos suprimentos em capital social (artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral);

k) A operação de aumento de capital teve como único objectivo e motivação, a viabilização económica da E…, que apresentava capitais próprios negativos em valor em excesso do legalmente permitido (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral);

l) O referido saneamento financeiro foi essencial à concretização do negócio em causa, uma vez que já anteriormente a Requerente tinha pretendido alienar a E…, por forma a obstar ao agravamento do investimento financeiro por si levado a cabo, sem qualquer sucesso (artigo 22.º do pedido de pronúncia arbitral);

m) As tentativas de alienação da E… não foram concretizadas com sucesso devido às dificuldades por ela sentidas, que tinham com efeito vir a apresentar resultados negativos ao longo dos anos, assim se posicionando como uma empresa economicamente pouco viável (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral);

n) Sem a operação de aumento de capital por conversão dos suprimentos, nunca a operação em causa - alienação da participação social - teria, sido sequer, realizada (artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral);

 

o) Caso o saneamento financeiro da E… não fosse requisito essencial para a realização do negócio, a Requerente teria, ao invés, alienado directamente os créditos em apreço à D… o que seria até mais vantajoso (artigos 26.º e 27.º do pedido de pronúncia arbitral);

p) A operação de conversão dos suprimentos em capital apenas foi levada a cabo enquanto requisito necessário para a viabilização do negócio projectado, sem que essa operação tivesse qualquer desígnio ou motivação fiscal (artigos 28.º e 29.º do pedido de pronúncia arbitral);

q) As condições estabelecidas na operação de conversão dos suprimentos foram aquelas ditadas pelo próprio mercado (artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral);

r) O preço determinado naquela operação de conversão decorre, única e necessariamente, do valor contabilístico dos bens e direitos transmitidos, sendo o mesmo fixado em 200.000 (correspondendo € 1 às participações sociais), por impossibilidade legal de o ser por valor inferior, caso em que configuraria uma doação, incompatível com o objecto social da Requerente (artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral);

s) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º (…) da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, realizou-se procedimento de inspecção interna ao exercício de 2009 da sociedade A…, S.A, tendo por base os elementos declarados na declaração modelo 22 de IRC apresentada com referência a esse exercício (artigo 6.º da resposta e Relatório da Inspecção, ponto III.1.1);

t) Por ofício de 7-12-2011, a Requerente foi notificada, na qualidade de sociedade dominante, do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária relativo ao Grupo fiscal, elaborado na sequência da acção de inspecção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, a qual teve por objecto a verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS no período de tributação de 2009 (artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral);

u) No referido Projecto os Serviços de Inspecção propuseram uma correcção ao resultado fiscal de IRC do Grupo, no montante total de €1.375.677,97, passando o lucro tributável do Grupo a ascender a € 23.000.406$95 (artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral);

v) A correcção proposta resulta, entre outros, do seguinte: (artigo 34.º do pedido de pronúncia arbitral):

i) correcção efectuada ao lucro tributável da sociedade dominada B…, relativa a amortizações, no montante de C 4.913,98, não aceites em sede de IRC;

ii) não aceitação como custo fiscal, para efeitos de apuramento do lucro tributável individual da Requerente dos encargos financeiros (alegadamente) suportados com a aquisição de partes de capital, no montante de € 824.266.49, nos termos do número 2 do artigo 32° (antigo artigo 31.°) do artigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante “EBF”); e

iii) não aceitação como custo fiscal de 50% da menos-valia, na esfera da Requerente, decorrente da transmissão onerosa das acções detidas na sociedade E…, S.A. (adiante designada por (…) à sociedade D…, S.A. (adiante designada por (…), no montante de € 546.497,50, com fundamento nos artigos 23.º e 41.°, ambos do Código do IRC.

w) No que concerne à correcção referida no ponto i) acima, efectuada ao lucro tributável da B…, a mesma foi aceite, tendo a B… efectuado a regularização voluntária ao lucro tributável, no montante de € 4.913,98, através da entrega da respectiva declaração Modelo 22 de substituição (artigo 35.º do pedido de pronúncia arbitral);

x) A correcção derivada de não-aceitação como custo do exercício de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, de acordo com o referido no ponto III.1.1 a) do relatório inspectivo (cujo teor se dá como reproduzido), sintetiza-se no seguinte:

«O sujeito passivo acresceu ao lucro tributável o montante de € 1.077.937,02 relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, de acordo com o n.º 2 do artigo 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não concorrem para o apuramento do Lucro Tributável. Assim procedeu-se à correcção do lucro tributável da A, SA no montante de € 824.266,49 correspondente à diferença entre o valor apurado pela Administração Fiscal e o valor apurado pelo sujeito passivo»;

Considerou-se também no relatório da inspecção que, mesmo que não procedesse a equiparação efectuada entre “prestações suplementares” e “partes de capital” sempre a correcção seria de efectuar na medida em que «A desconsideração dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consagrada no n.º 2 do art.º 32º do EBF consubstancia um corolário do principio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto e, do qual resulta que “se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto não são fiscalmente dedutíveis”, princípio estatuído no disposto no n.º 1 do art.º 23º do CIRC, no qual se estabelece que se consideram “custos ou perdas os que forem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”»

y) A correcção relativa à não-aceitação como custo fiscal da menos-valia, correspondente a acções detidas há menos de um ano, foi baseada neste termos no Relatório da Inspecção:

«o sujeito passivo deduziu indevidamente ao lucro tributável o montante de € 546.497,50, correspondente a 50% de parte da menos valia fiscal obtida na alienação à D… da participação financeira detida na E… . Face ao exposto foi infringida a norma constante do art. 23° conjugada com o art. 39°, ambos do CIRC. Desta forma, procedeu-se à correcção do lucro tributável da A… SGPS, SA no montante de € 546.497,50 [ponto III,1,1,b) do Relatório da Inspecção].

z) A Requerente discordou das correcções referidas nos pontos ii) e iii) acima indicados, relativas à não-aceitação como custo do exercício de encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e não-aceitação como custo da menos-valia;

aa) Em 2-1-2012, foi efectuada a liquidação de IRC n.º (…), relativa ao exercício de 2009, no valor de € 279.544,99, que se baseou nas correcções referidas (documento n.º 2 , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

bb) Foram também liquidados juros compensatórios (liquidação n.º …) no montante de € 16.094,87, calculados sobre a quantia de € 258.566,45 e a taxa de 4%, relativos ao período de 1-1-2009 a 31-12-2009 (documento n.º 2 , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

cc) Foram ainda liquidados juros compensatórios por recebimento indevido (liquidação n.º …) no montante de € 102,43, calculados sobre o valor base de € 1.862,04, o período de 6-8-2012 a 20-12-2011 e a taxa de 4% (documento n.º 2 , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

dd) Foram também liquidados juros de mora no montante de € 93,75 (liquidação n.º …) tendo por base a quantia de € 4.687,49, o período de cálculo de Junho de 2010 a Julho de 2010 e a taxa de 1% (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

ee) A Requerente não foi ouvida antes das liquidações de juros compensatórios;

ff) Em 29-6-2012, a requerimento apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas nas alíneas anteriores (processo administrativo 1.ª parte);

gg) Em 28-12-2012, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

hh) Em 13-3-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

ii) A Requerente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal n.º …, instaurada para cobrança das quantias liquidadas, em consequência das correcções ao lucro tributável de IRC de 2009 (documento n.º 5, , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos e em acordo das Partes, designadamente a concordância com os factos alegados que a Autoridade Tributária e Aduaneira manifestou no requerimento de 21-9-2013.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questões a decidir

 

São colocadas pela Requerente as seguintes questões:

 

– saber se devem ser aceites como custo fiscal, para efeitos de apuramento do lucro tributável individual da Requerente do ano de 2009, os encargos financeiros suportados para efectuar prestações suplementares, ou de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, no montante de € 824.266.49, nos termos do número 2 do artigo 32° (antigo artigo 31.°) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante “EBF”); e

– saber se deve ser considerado como custo fiscal 50% da menos-valia, na esfera da Requerente, decorrente da transmissão onerosa das acções detidas na sociedade E…, S.A. (adiante designada por (…) à sociedade D…, S.A. (adiante designada por "…”), no montante de € 546.497,50, com fundamento nos artigos 23.º e 39.° (actual artigo 41.º), ambos do Código do IRC;

– saber se está suficientemente fundamentada a correcção no montante de € 546.497,50;

– saber se a liquidação de juros compensatórios está devidamente fundamentada e devia ser precedida de audição da Requerente;

– saber se deve ser paga à Requerente uma indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

 

 

3.2. Questão do enquadramento no artigo 32.º, n.º 2, do EBF dos encargos financeiros suportados para efectuar prestações suplementares a participadas

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2009, estabelecia que «as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».

Apesar de esta norma estar incluída no EBF, só no caso de mais-valias ela estabelece um benefício para os contribuintes, pois, nas outras situações (menos-valias realizadas de partes de capital e encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital), o não concurso para a formação do lucro tributável que nesta norma se estatui, em nada beneficia o contribuinte, antes pelo contrário.

A Requerente é uma SGPS que suportou encargos financeiros para efectuar prestações suplementares a participadas, estando em causa a dedução desses encargos para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC.

Se as prestações suplementares efectuadas se enquadrarem no conceito de «partes de capital», a situação será abrangida pela parte final daquele n.º 2 do artigo 32.º, estando afastada a sua relevância para a formação do lucro tributável da Requerente.

As Partes discutem se aquele conceito de «partes de capital» se reporta apenas a participações sociais, não abrangendo as prestações suplementares, defendendo a Requerente que aquele conceito não as abrange, e propugnando a Autoridade Tributária e Aduaneira o contrário.

O conceito de «partes de capital» é utilizado no Código das Sociedades Comerciais e Plano Oficial de Contabilidade (em vigor no ano de 2009).

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 1 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei» (artigo 11.º, n.º 2, da LGT).

Desta norma resulta que, embora, em regra, os termos utilizados nas normas fiscais devam ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma excepção, que é decorrer directamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

Aliás, é uma excepção que está em sintonia com outra regra interpretativa geral, que é a de que a lei especial prefere à lei geral no seu específico domínio de aplicação. Isto é, se decorre directamente de uma norma fiscal, especial para a situação que regula, o sentido de um determinado termo, nem interessará saber se esse sentido corresponde ou não ao que é utilizado na lei geral, pois esse sentido directamente decorrente da lei para uma específica situação terá de ser forçosamente o que se tem de adoptar e não o sentido com que é utilizado em qualquer norma que não tenha natureza de lei especial para a referida situação.

De qualquer forma, do n.º 2 do artigo 11.º do EBF resulta que a primeira tarefa do intérprete da lei fiscal para apurar o alcance de um termo nela utilizado é apurar se da lei fiscal decorre directamente o sentido desse termo. Só se não se estiver perante uma situação deste tipo, se poderá fazer apelo ao sentido dos termos utilizados noutros ramos de direito.

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 2 do artigo 45.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro.

Estabelece-se neste artigo 45.º, n.º 2, o seguinte:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aliás, aquela referência às prestações suplementares não existia antes da redacção daquele artigo 45.º do CIRC introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 ( 1 ), pelo que, sendo aquela referência introduzida com evidente alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio»

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º definição é feita para efeitos de determinação de menos valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, neste termos:

 

em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um activo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos valias.”

 

Por isso, ao aplicar o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF aos encargos financeiros suportados pela Requerente com prestações suplementares, a correcção efectuada ao lucro tributável, no montante de € 824.266.49, enferma de vício de violação de lei.

 

3.3. Questão da indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da Requerente

 

A não consideração pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos referidos encargos financeiros com as prestações suplementares a participadas para a formação do lucro tributável da Requerente baseou-se também no entendimento de que essas despesas não podem considerar-se indispensáveis para a formação do lucro tributável da Requerente, pelo que a sua relevância como custo será de afastar, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

Por isso, a constatação de que a correcção viola o artigo 32.º, n.º 2, do EBF não basta para a anular, pois, quando um acto tem dois fundamentos autónomos, basta que um deles tenha suporte legal para ficar assegurada a sua manutenção na ordem jurídica.


 

3.3.1. A interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos ou perdas


 

A interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.

Para o primeiro destes autores: “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.”

E continua: “ (…)A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”.

O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:

 

A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objecto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei”.

 

Estas obras sustentam pois que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objecto societário, seja incorrido no âmbito da actividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.

No plano da jurisprudência, e em especial no que respeita à dedutibilidade de gastos relativos a juros suportados por sociedades que aplicam os capitais tomados de empréstimo no financiamento de participadas, merece destaque o Acórdão do STA de 7 de Fevereiro de 2007, no qual se afirma:

 

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

 

Também aqui a noção de actividade ou de interesse social se revela o traço marcante na admissibilidade fiscal dos gastos, quando aferida pelo artigo 23.º do CIRC. E na jurisprudência adicional, citada pela requente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, predomina, como era de esperar, a questão de ligação da admissibilidade fiscal dos gastos financeiros em função de se considerar que a entidade financiadora realiza ou não, nessas operações, actividade própria.

Ora, em face do que se referiu, é claro que, tanto no plano doutrinal como na esfera jurisprudencial, a ligação à actividade será o elemento nuclear da chave interpretativa do conceito de indispensabilidade. Assim, e para o caso em apreço, a análise do que se entende por “actividade” das sociedades, em particular de uma SGPS, revela-se essencial.

Vejamos então, num plano geral, o que entendemos por actividade dos entes societários; e depois, no caso em apreço, o que se deve entender por actividade própria de uma SGPS.

 

 3.3.2. A actividade das sociedades

 

A actividade de um ente societário consiste nas operações decorrentes do uso e gestão dos seus recursos. Tais recursos são, em primeira linha, os activos que constam do respectivo património.

A partir da noção de “activo” que o normativo contabilístico estabelece, pode concluir-se que tanto será actividade a gestão de um activo físico, como a de um intangível, com a de um activo não corrente detido para venda, como a de um activo financeiro.

Assim, suponha-se que a sociedade ALFA participa na sociedade BETA na proporção de 100%. A primeira é pois titular de um activo financeiro. Que “actividade” resulta na esfera de ALFA da participação que esta detém em BETA?

A primeira pode intervir na segunda, determinando a produção de novos bens ou serviços, a minimização de gastos, ou outras medidas que aumentem o lucro operacional. Mas é também claro que ALFA poderá intervir em BETA no plano das operações financeiras. Quer aumentando o capital de BETA a fim de incrementar a respectiva capacidade de investimento, ou dotá-la de meios financeiros que reforcem a tesouraria.

A entidade ALFA, no exercício da sua actividade própria, administra e toma decisões referentes a um activo financeiro, que decorre da dita participação. Tal constitui actividade de ALFA e não de BETA. Esta beneficia dessa actividade, sofre os efeitos das decisões de ALFA, mas não desenvolve a actividade de gestão da participação.

Caso os gestores de ALFA executem operações que afectem o financiamento de BETA não estão a desenvolver actividade de terceiros. Estão a desenvolver actividade própria de ALFA, derivada directamente da gestão do activo financeiro traduzido na participação em BETA. A empresa BETA tem a natureza de entidade participada, o que confere às decisões da participante o qualificativo de uma actividade própria, inerente ao seu escopo: a gestão de tal participação. E essa gestão pode envolver operações de financiamento que fazem parte da actividade da participante.

A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos, e posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento.

 

3.3.3. A actividade das SGPS e a dedutibilidade dos encargos financeiros em causa

 

 De harmonia com o disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( 2 ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. ( 3 )

A participação numa sociedade considera-se forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Em face do exposto, revela-se claro que a actividade das SGPS - conceito essencial para aferir da indispensabilidade dos gastos por estas incorridos no âmbito da aplicação do artigo 23º do CIRC – não só engloba a gestão de participações sociais, como é este o seu único objecto contratual.

Ora, a gestão de participações sociais envolverá, naturalmente, a sua aquisição, as operações de administração levadas a cabo pela participante necessárias à valorização do activo financeiro adquirido, o financiamento de tal activo e a eventual posterior alienação. Tudo isto se pode subsumir na actividade de uma SGPS.

Assim sendo, o financiamento de uma participada decorre do interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do activo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora de rendimento.

Em tal caso, os encargos financeiros que resultem de financiamentos contraídos para, posteriormente, reforçar o capital próprio de uma participada, incluem-se, fazem parte do âmbito, da actividade de uma SGPS. Disso não restam dúvidas face ao disposto na norma, acima mencionada, que regula a sua actividade.

Conclui-se pois que, estando esses encargos relacionados com a actividade própria da SGPS, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, e devem ser admitidos como gastos fiscalmente dedutíveis.

Pelo exposto, falece também o segundo fundamento da correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro tributável da Requerente, relativo aos encargos financeiros com as referidas prestações suplementares.

Assim, conclui-se que a correcção efectuada não tem fundamento legal, pelo que enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação (artigo 135.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

 

3.4. Questão da correcção efectuada por não aceitação como custo fiscal de 50% da menos-valia, na esfera da Requerente, decorrente da transmissão onerosa das acções detidas na sociedade E… à D…

 

A não-aceitação como custo fiscal de 50% da menos-valia, na esfera da Requerente, decorrente da transmissão onerosa das acções detidas há menos de um ano na sociedade E… à D…, no montante de € 546.497,50, baseou-se nos artigos 23.º e 41.°, ambos do Código do IRC).

Como se refere na página 33 da 2.ª parte do processo administrativo, a Requerente «efectuou uma dedução ao lucro tributável de € 546.497,50, correspondente a 50% de parte da menos valia fiscal obtida na alienação da participação financeira detida na E e não abrangida pelo art.° 32° do EBF, por corresponder a acções detidas há menos de um ano, conforme dispõe o n.º 2 do predito normativo legal»

Entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira que a «operação de aumento de capital, através da qual os suprimentos, no montante de € 1.092.995, foram convertidos em 218.599 acções do mesmo valor, alienadas em simultâneo, por € 1, mais não foi que um perdão de dívida, verificada que estava a dificuldade de cobrança do crédito, pois no momento da conversão as novas acções estavam já vendidas pelo preço de € 1, o que na prática equivale ao perdão da dívida da E…» (Relatório da Inspecção, página 43 da 2.ª parte do processo administrativo).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu ser de aplicar a esta situação o princípio da prevalência da substância sob a forma, que aflora no artigo 36.º, n.º 4, da LGT, em que se estabelece que «a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária».

Foi nesta linha que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «esta operação de aumento de capital, no montante de € 1.092.995 por incorporação de suprimentos, de montante equivalente, coincidente com a alienação por €1 das acções assim obtidas configurando um perdão de dívida, o custo fiscal associado, declarado em 50% pelo sujeito passivo, a título de menos valia fiscal não concorre para o apuramento do lucro tributável por não ser dedutível face ao disposto no art.º 23º tendo em conta o disposto no art.º 39°, ambos do Código do IRC».

No entanto, não se está perante uma mera situação de alteração da qualificação de um negócio jurídico, que são as que são abrangidas pelo n.º 4 do artigo 36.º da LGT, mas sim perante a desconsideração de toda uma operação complexa, integrada por mais do que um negócio jurídico (aumento de capital, através da conversão de suprimentos, no valor de € 1.092.995, em acções, e alienação destas por € 1).

É certo, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que esta operação, integrada por dois negócios, tem os mesmos efeitos que um perdão da dívida subjacente aos suprimentos. Mas, também é certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não se limitou a atribuir qualquer outra qualificação jurídica aos negócios que integram esta operação (a conversão dos suprimentos em acções não tem outra qualificação e a alienação das acções também não deixa de ser uma alienação), pelo que se está perante uma situação não enquadrável no artigo 36.º, n.º 4, da LGT.

Numa situação deste tipo, integrada por mais do que um negócio jurídico, seria de aventar a aplicação da cláusula geral antiabuso, que consta do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, em que se estabelece que «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

Porém, para além de a Autoridade Tributária e Aduaneira não ter utilizado esta via para desconsiderar os negócios jurídicos realmente efectuados, a aplicação da cláusula geral antiabuso, para além da verificação da generalidade dos requisitos objectivos e subjectivos indicados naquele n.º 2 do artigo 38.º está sempre dependente do prévio uso do procedimento próprio previsto no artigo 63.º do CPPT, o que, no presente caso, não ocorreu.

A aplicação do princípio da prevalência da substância sobre a forma, num Estado de Direito em que a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 55.º da LGT), apenas pode ter lugar nos casos previstos na lei e com observância dos procedimentos nela previstos.

Na verdade, o princípio da legalidade, definido no artigo 3.º, n.º 1,do Código do Procedimento Administrativo em termos de que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos», tem formulação positiva, que tem como corolário que a lei é fundamento, o critério e o limite de todas as actuações da administração ( 4 ):

 

Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna.

A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.

Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.» ( 5 )

 

Por isso, é ilegal qualquer acto desta que afecte a esfera jurídica dos particulares e não tenha suporte legal quer a nível substantivo quer a nível procedimental.

No caso em apreço, não havendo norma que dê suporte à aplicação do princípio da prevalência da substância sobre a forma, nos termos em que foi concretizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tem de se concluir que a correcção efectuada é ilegal, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação no sermos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo.

 

3.6. Questões cujo conhecimento fica prejudicado

 

Resultando do exposto a anulação, na totalidade, da liquidação de IRC que é objecto do presente processo, por vícios que impedem a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à liquidação de IRC.

 

3.7. Liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios e juros de mora têm como pressuposto as correcções ao lucro tributável da Requerente, pelo que, tendo-se concluído pela ilegalidade destas, aquelas liquidações enfermam dos mesmos vícios que enferma a liquidação de IRC, pelo que também têm de ser anuladas.

 

  1. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros das correcções que estão subjacentes na base da liquidação de IRC e às liquidações de juros compensatórios e juros de mora são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções que efectuou foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Assim, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da prestação de garantia para suspender a execução fiscal n.º (…), instaurada para cobrança das quantias liquidadas, referida na alínea ii) da matéria de facto fixada.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 661.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 609.º no Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil).

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação e anular a liquidação de IRC n.º( …) relativa ao exercício de 2009, no valor de € 279.544,99;

  2. Julgar procedentes os pedidos de anulação e anular as liquidações de juros compensatórios n.º( …), no montante de € 16.094,87, e n.º 2012 00000006189, no montante de € 102,43;

  3. Julgar procedente o pedido de anulação e anular a liquidação de juros de mora n.º (…), no montante de € 97,75;

  4. Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução fiscal n.º (…)

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 412.927,68.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.372,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 14 de Outubro de 2013

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

(António Martins)

1(  ) A redacção anterior da norma correspondente, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, era a seguinte:

3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

2(  ) Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

3(  ) No entanto, apesar de o único objecto contratual das SGPS ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

4(  ) FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1.ª edição, página 32.

5(  ) MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, I, página 102.

Em sentido concordante se pronunciam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, em Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, 1.ª edição página 138, em que referem que

«As fórmulas usadas parecem manifestações inequívocas de que, para o legislador do Código, a actuação da Administração Pública é comandada pela lei, sendo ilegais não apenas os actos (regulamentos ou contratos) administrativos produzidos contra proibição legal, como também aqueles que não tenham previsão ou habilitação legal, ainda que genérica (ou até orçamental)».

Em sentido semelhante, a propósito deste princípio da legalidade refere também ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, página 56:

«Ora, este princípio não admite, contrariamente ao que sucede com os particulares, que seja possível à Administração tudo o que a lei não proíbe, antes impõe que apenas lhe seja possível aquilo que positivamente lhe seja permitido.»