Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 50/2020-T
Data da decisão: 2020-12-02  IMT  
Valor do pedido: € 4.950,00
Tema: IMT- Isenção do artigo 9º do CIMT; taxa do artigo 17º, nº 1, alínea a); caducidade da isenção.
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SUMÁRIO:

Tendo o sujeito passivo beneficiado de uma isenção de IMT de forma indevida, é lícito à Autoridade Tributária e Aduaneira proceder, em data posterior ao facto tributário que esteve na sua origem, à liquidação do imposto devido.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1. A..., divorciada, contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Guimarães (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em  2020-01-27 pedido de pronúncia arbitral nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, nº 3, alínea a) e 10º, nºs 1 e 2 todos do Decreto- Lei nº 20/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT) tendo em vista a anulação do acto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2019..., e consequente anulação do acto de liquidação de  IMT  e juros compensatórios no valor global de 6.328,90 € , dirigido  à Requerente em 06/09/2019.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2020-01-28.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho em 2020-02-20 a aceitação dos encargos no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Nessa mesma data foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) na redacção  que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5.O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2020-07-06, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2020-07-06 a Requerida apresentou em 2020-10-09 a sua resposta, conjuntamente com o processo administrativo (PA).

7. Através do despacho arbitral de 2020-10-12, e pelas razões que do mesmo constam, foi, para além do mais dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, facultada às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, e indicado como termo do prazo para a prolação da decisão e sua notificação às partes, o fixado no nº 1 do artigo 21º do RJAT.

8. As partes não apresentaram alegações.

9. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

11. O processo não enferma de nulidades.

12. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

A fundamentar o seu pedido a Requerente, invoca, em breve síntese e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

 

i -Em 23 de Agosto de 2017 a Recorrente adquiriu o prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, sob o artº..., pelo valor de € 90 000,00 (cfr. artigo 1 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);

ii -(…) trata-se de um prédio em propriedade total sem andares ou divisões de utilização independente e inscrito na matriz urbana no ano de 1937, com o VPT de € 61 750 (cfr, artigo 2 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 2 com o mesmo junto);

iii -prédio que, à data em que foi adquirido, estava em ruínas, conforme consta da própria escritura de compra e venda em que, nos documentos em arquivo, é dito que é arquivado “Declaração de ruína emitida em 31/1/2017 pelo técnico B... PQ..., comprovativo de que o mencionado imóvel urbano com o artº ... está excluído do Sistema de Certificação Energética de acordo com a alínea f) do artº 48º do D.L. nº 118/2013, de 20 de Agosto (cfr. artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 1 com o mesmo junto);

iv -por lapso, na escrita de compra e venda, ficou a constar que tal prédio se destinava a habitação própria e permanente, tendo, por tal facto, beneficiado de isenção de IMT por força do disposto no artº 9º do CIMT (cfr. artigo 7 do pedido de pronúncia arbitral);

v -em 2019 a Requerente, porque considerava, face à situação de ruínas de tal prédio, que o VPT do mesmo estava desatualizado, para mais, pediu, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 130 do CIMI, a avaliação do mesmo (cfr. artigo 12 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 5 com o mesmo junto);

vi- pois, conforme determina o nº 4 do artº 46º do CIMI, o valor patrimonial dos prédios em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com a deliberação da câmara municipal (cfr. artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral);

vii- (…) o prédio foi avaliado com base no artº 46º, nº 4 do CIMI, ou seja, como terreno para construção (cfr. artigo 15 do pedido de pronúncia arbitral);

viii- com data de 6 de Setembro de 2019 a Requerente recebeu o ofício nº ... dos serviços de finanças de Guimarães-..., em que foi notificada para, o prazo de 30 dias, pagar o IMT de € 5 850,00, acrescido dos juros compensatórios de € 478,00, tudo na valor global de € 6 328,00 (cfr. artigo 17 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 7 com o mesmo junto);

ix- pois, segundo consta de tal notificação, o prédio que tinha sido adquirido em 23/8/2017, já havia sido considerado desde 1/9/2017 como sendo um prédio urbano composto de terreno para construção (cfr, artigo 18 do pedido de pronúncia arbitral);

x- tendo a Requerente reclamado de tal liquidação uma vez que entendia que, quando muito, os serviços deveriam fazer a liquidação do IMT pelas taxas previstas na alínea b) do nº 1 do artº 17º do CIMT, pela facto de, à data de aquisição e nos seis meses posteriores, o prédio não ser habitável (cfr. artigo 20 do pedido de pronúncia arbitral);

xi- tendo os serviços indeferido tal reclamação considerando que o que a Requerente tinha adquirido tinha sido um lote de terreno para construção urbana. (cfr. artigo 21 do pedido de pronúncia arbitral):

xii- o imposto foi liquidado em 27/12/2019 (cfr. artigo 22 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 8 com o mesmo junto):

xiii- conclui a Requerente pugnando pela procedência do seu o pedido de pronúncia arbitral na  consequência do qual deverá “ser devolvido o IMT pago no valor de € 4950,00 e respectivos juros compensatórios, com os juros indemnizatórios devidos desde a data de pagamento até à data da restituição de tal valor.”

 

Por seu turno, a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua resposta pugna, na parte útil, e por impugnação, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, sustentando, fundamentalmente, e em brevíssima síntese para o que aqui importa o seguinte, que de igual modo se menciona, maioritariamente por transcrição;

 

- que a Requerente sustenta em suma, a anulação da liquidação impugnada por ser ilegal, atendendo a que tratando-se de um imóvel destinado exclusivamente a habitação, mas não tendo direito à isenção, deveria ter tido direito à redução de taxa, devendo o imposto ser liquidado pela taxa referida na alínea b) do nº 1 do artº 17º do CIMT (cfr. artigo 5º da resposta;

- [A Requerente] defende que a menção na escritura pública de que o imóvel se destinava exclusivamente a habitação própria e permanente foi um lapso, porque não reunia condições de habitabilidade (cfr. artigo 6º da resposta);

- Já em 2019, declara que o imóvel estava em ruínas na data da aquisição e que por isso devia ter sido considerado para efeitos de liquidação de IMT, devendo por isso ser integrado na alínea b) do nº 2 do artigo 17º do CIMT, e deveria ter sido utilizada a taxa reduzida dessa alínea (cfr. artigo 7º da resposta);

- “(…) o documento nº 6 junto com o ppa, refere-se ao artigo ..., que teve origem no imóvel em causa nos autos, mas nada interessa aos presentes autos, pois já reflete as alterações que a Requerente introduziu com a nova declaração mod 1 entregue (cfr. artigo 8º da resposta);

- (…) a intenção da Requerente ficou logo definida na apresentação da declaração mod. 1 tendo mantido a mesma opção logicamente na escritura pública, não podendo ter acolhimento o argumento de que existiu um lapso na escritura pública (cfr. artigo 11º da resposta);

- (…) a Requerente também não promoveu a rectificação desse alegado lapso, como poderia e deveria ter feito e optou agora por recorrer agora ao argumento de que o imóvel se encontrava em ruínas, e que, não reunia as condições para poder se enquadrado na isenção do artigo 9º do CIMT. (cfr. artigo 12º da resposta);

- (…) quer a situação da Requerente se enquadrasse na alínea a) ou b) do nº 1 do artigo 17º do CIMT, sempre deixaria de beneficiar da isenção quer da redução das taxas, porque o imóvel não foi afeto à habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data de aquisição. (cfr. artigo 18º da resposta);

 

II-FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados.

Com relevo para a apreciação da questão suscitada, dão-se com provados e assentes os seguintes factos:

 

1-A Requerente em 22/08/2017, entregou no Serviço de Finanças de Guimarães..., declaração modelo 1 do IMT, respeitante à aquisição, pelo valor de 90.000,00 €, do imóvel sito na Rua ..., da freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz predial sob o artigo ...º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... (cfr. processo administrativo anexo).

2- No referido modelo 1 do IMT e no local para tanto indicado foi declarado que o identificado prédio se destinava “exclusivamente para habitação própria e permanente”.

3-A Requerente celebrou em 23/08/2017 escritura de compra e venda sobre o imóvel sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, a que corresponde o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ...º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número ... .

4- Na escritura em questão, foi declarado pela Requerente que o imóvel por si adquirido “se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”.

5- A dita escritura de compra e venda, foi para além do mais, instruída com o DUC número..., objecto de arquivo notarial, relativo ao Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, com data de liquidação de 22/08/2017, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, liquidado a zero.

6 -Com data de 10/10/2017 a Requerente deu entrada nos competentes serviços do Município de Guimarães a um pedido de alvará de obras de alteração/ ampliação, tendo por objecto o prédio aqui em questão,

7- Por ofício do Serviço de Finanças de Guimarães ..., foi a Requerente notificada no sentido de apresentar documento onde conste que o prédio, aqui em análise estava em ruínas,

8- Através do ofício nº ... de 06/09/2019 foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento adicional de IMT, no montante de 6.328,90 €,

9- A Requerente, com data de 30/09/2019 apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional em causa nos seguintes termos, que para aqui relevam:

“5.(…) tratando-se de uma liquidação oficiosa, foi violado o disposto na alínea b) do nº2 do artº 21º do CIMT em que é determinado que, “nos casos em que a liquidação é promovida oficiosamente considera-se competente para a liquidação do IMT, o serviço de finanças da área da situação dos prédios,…),

6.Ora a Rua ... faz parte duma freguesia que não faz parte da área desse serviço de finanças,

7.Por outro lado, por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 60º da LGT, o sujeito passivo tinha direito de participação das decisões que lhe dizia respeito, direito esse a exercer mediante o exercício do direito de audição antes da liquidação.

8. Sem que se verifique quaisquer das situações em que está prevista a dispensa de tal audição consignada nas alíneas a) e b) do já citado artigo 60º,

9.Por outro lado da leitura do nº 3 do artº 6º do CIMI, resulta claro que aquilo que adquiriu foi um prédio em ruínas e não um terreno para construção, conforme consta da escritura de compra e venda,

10.Ora, da leitura do nº 4 do artº 46º do CIMI, inserido na Capítulo VI- Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, o que é determinado é que o valor patrimonial dos prédios urbanos em ruínas, é determinado como se terreno para construção de tratasse, de acordo com a deliberação da câmara municipal,

11.Não se dizendo em nenhum ponto que os prédios em ruínas são considerados terrenos para construção, mas antes que são avaliados como tal em função daquilo que a autarquia lá permite construir,

12. A reclamante bem sabe que as avaliações dos prédios urbanos a que se procedeu em 2012 de todos os prédios que ainda não tinham sido avaliados nos termos do CIMI o não foram mediante avaliação directa, mas antes em função dos dados que constam da matriz,

13. Porque se o fossem certamente que quem procedeu a tal avaliação já teria procedido à avaliação do mesmo como terreno para construção, não alterando no entanto a classificação do prédio,

14. Daí que, tendo a reclamante adquirido um prédio em ruínas que, por imposição legal, tinha de ser avaliado como terreno para construção, padece de vício de ilegalidade a liquidação efectuada por esses serviços, conforme atrás foi demonstrado”

 

10- A reclamação graciosa a que veio a caber o nº ...2019..., foi objecto de decisão de indeferimento, da mesma constando, para além do mais, o seguinte:

 

“A liquidação em crise não é uma liquidação oficiosa, mas sim uma liquidação adicional à primeira liquidação, efetuada por este Serviços de Finanças em 23-08-2017, com base nos elementos constantes na declaração modelo 1 do IMT sob o registo ..., apresentada em 22-08-2017 pela reclamante.”

“ À data de aquisição declarou que o imóvel adquirido e supra identificado, se destinava exclusivamente à sua habitação própria e permanente. No entanto, para além de nunca residir no local, declarou que o mesmo imóvel se encontrava e, “ruína”, conforme modelo 1 do IMI com o registo nº ..., de 16-07-2019”.

“Assim, em cumprimento do determinado pelo nº 2 do artigo 31º do Código do IMT (CIMT) foi elaborada a liquidação adicional em crise nos presentes autos.”

“A referida liquidação adicional não carece de audição prévia, porquanto, de harmonia com a alínea a) do nº 2 do artigo 60º da LGT a mesma é dispensada “No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte”.

“A reclamante alegada ainda que o prédio em causa é um prédio em ruínas e como tal deveria ser avaliado como terreno para construção”.

“Ora, a liquidação contestada visa precisamente repor a verdade dos factos, ou seja, à data da aquisição foi declarado que o imóvel se destinava a habitação própria e permanente tendo por isso beneficiado de isenção da IMT. Não se verificando os pressupostos legais para a referida isenção, foi liquidado o respetivo IMT.”

“Nos termos do nº 1 do artigo 12º do CIMT “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”.

“Desse modo, mesmo que o valor atribuído ao imóvel, a título de terreno para construção seja inferior, para efeitos do IMT o valor a tributar é o constante do ato, ou seja, € 90.000.00”.

 

11- Em 27/12/2019 a Requerente procedeu ao pagamento da liquidação controvertida, acrescida de juros compensatórios e “acrescidos”.

12- Em 2020-01-27, a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema de gestão processual do CAAD).

 

A.2. Factos dados como não provados.

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria dado como provada e não provada.

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e determinar a matéria provada da não provada (cfr., artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da questão (ões) de Direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua  decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção , formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr., artigo 670º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (vg., força probatório dos documentos autênticos) (cfr. artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provadas, nem como não provadas, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.

 

B.DO DIREITO

 

A questão que cabe apreciar e decidir afigura-se de fácil percepção e reconduzir-se-á, no nosso entender, em saber se o sujeito passivo beneficiário da isenção do pagamento de IMT a coberto do disposto no artigo 9º do CIMT, pode vir a ser objecto de liquidação adicional de imposto por ter destinado o prédio a fim diverso do previsto no indicado normativo, ou não ter sido afeto à habitação própria e permanente no prazo previsto na alínea b) do nº 7 do artigo 11º do CIMT.

 

Ao tempo da prática do facto tributário aqui em causa (aquisição) determinava o artigo 9º do CIMT;

 

“ARTIGO 9º

Isenção pela aquisição de prédios destinados exclusivamente a habitação

 

São isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente cujo valor que serviria de base à liquidação não exceda € 92.407.”, isenção esta de que a Requerente beneficiou.

 

Vistas as coisas sob este prisma, e como resulta do probatório, a Requerente ao ter adquirido o prédio subjacente pelo valor declarado escrituralmente de noventa mil euros, viu-se isenta do pagamento do IMT, isenção essa prevista como referido no artigo 9º do CIMT, e alínea a) do nº 1 do artigo 17º do mesmo compêndio normativo ao fixar em zero a taxa de imposto aplicável à “aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente”.

 

A taxa aplicável, nos termos do disposto no artigo 17º do CIMT, varia em função de dois aspectos essências, sendo o primeiro o tipo de prédio ou fração autónoma objecto de aquisição, e o segundo dos aspectos relativos ao destino dado a esse prédio ou fração autónoma.

Relativamente ao destino dado ao prédio urbano adquirido pela Requerente, dúvidas não poderão subsistir que o mesmo, segundo declarado por esta, na respectiva escritura  “se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”, circunstância de resto reafirmada pela circunstância de o DUC número ..., relativo ao Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, com data de liquidação de 22/08/2017 (data anterior à escritura de compra e venda) ter sido liquidado a zero euros, pelos motivos expostos, de valor e destino.

Realça-se que não obstante a Requerente ter declarado na escritura de compra e venda que o prédio urbano em causa se destinada a sua habitação própria e permanente, veio em 2019 declarar que o mesmo estava em ruínas, circunstância esta, ao que se supõe, afastaria desde logo a possibilidade de habitação.

 

Por outro lado, haverá que ter em consideração o disposto no nº 7 do artigo 11º do CIMIT, que determina a caducidade da isenção, com assento no artigo 9º e alínea a) do artigo 17º, que vimos analisando, que expressamente prevê:

“Deixam de beneficiar igualmente de isenção e redução de taxas previstas no artigo 9º, e nas alíneas a) e b) do artigo 17º as seguintes situações:

a)            Quando aos bens for dado destina diferente daquele em que assentou o benefício, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo no caso de venda,

b)           Quando os imóveis não forem afetos à habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data de aquisição”.

 

A isenção em causa, bem assim como a redução de taxas, face ao disposto na alínea b) do nº 8 do artigo 10º, em conjugação com o disposto no nº 1 do artigo 19º, ambos do CIMT  assumem reconhecimento automático, ou seja resultam directa e imediatamente  da lei, nos termos preconizados no nº 1 do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

ARTIGO 5º

Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento

 

1-            Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento: os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.

 

Segundo a AT “um prédio em ruínas não tem capacidade para ser afeto, de imediato, a habitação, pelo que, não poderia beneficiar da redução de taxas a que alude  o nº 1 do artigo 17º do CIMT”, e do mesmo modo tendo-se em conta que o mesmo não foi afeto, no prazo de seis meses, ao fim para que foi indicado, deixou, igualmente de poder beneficias da isenção a que se reporta o artigo 9º do mesmo diploma.

 

A AT, em resultado da caducidade da isenção de que beneficiou a Requerente e tendo  em conta que o prédio adquirido “não tem capacidade para ser afeto, de imediato, a habitação veio a proceder a liquidação adicional de IMT à taxa residual de 6,5% de conformidade ao estatuído na alínea b) do nº 1 do artigo 17º do CIMT, em resultado da qual o valor de tal liquidação se situa em 5.850,00 € (90.000,00 € x 6,5%).

 

Com efeito, o regime temporal das taxas está previsto no artigo 18º do CMT, nos seguintes termos:

 

ARTIGO 18º

Aplicação temporal das taxas

1.            O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário.

2.            Se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data da liquidação.

3.            Quando, no caso referido no número anterior e após a aquisição dos bens, tenham ocorrido factos que alterem a sua natureza, o imposto será liquidado com base nas taxas e valores vigentes à data da transmissão.

 

O IMT incide sobre as transmissões a título oneroso (artigos 1º e 2º, nº 1 do CIMT) e a incidência de imposto regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, que é no momento em que ocorrer a transmissão (artigo 5º, nºs 1 e 2 do CIMT).

 

Isto posto, parece não subsistirem dúvidas quanto ao facto de a Requerente ter declarado que a aquisição do imóvel aqui em causa, se destinar exclusivamente a sua habitação própria e permanente e noutro cenário ter declarado que o mesmo se encontrava em ruínas.

 

Como quer que seja, a verdade é que, no prazo legalmente fixado de seis meses não o afetou à sua habitação própria e permanente, circunstância essa bastante para se verificar a caducidade da isenção de conformidade à previsão do nº 7 do artigo 11º do CIMT, e a legitimar o procedimento de liquidação adicional por parte da AT, em consonância com o disposto no artigo 31º do mesmo diploma.

 

Sempre se dirá que é absolutamente irrelevante para a questão que aqui subjaz, que o valor patrimonial dos prédios urbanos em ruínas seja determinado como de terreno para construção se tratasse à luz do disposto no nº 4 ao artigo 46º do CIMI.

O que aqui se trata, reitera-se, é para além de um destino diferente, a não afetação ao fim indicado no prazo e condições previstas na alínea b) do nº 7 do artigo11º do CIMT.

 

Face ao que vem de expor-se, e sem necessidade de mais quaisquer outras considerações adicionais, tem de improceder o pedido de anulação da Requerente.

 

III-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios previstos no artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela inexistência de pagamentos indevidos, nem a restituição da quantia paga, referente quer à liquidação impugnada, quer aos juros compensatórios, nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43º da Lei Geral Tributária.

 

IV- DECISÃO

 

Face ao exposto, decide o Tribunal Arbitral Singular, em,

 

a-            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, absolvendo-se do mesmo a Requerida,

b-           Manter na ordem jurídica os actos tributários objecto do presente processo,

c-            Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais, no montante infra indicado.

 

V- VALOR DO PROCESSO (CORRIGIDO)

 

Estatui o artigo 296º, nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho que “ a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o que representa a utilidade económica imediata do pedido” prescrevendo por seu turno a alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são as seguintes; a) Quando seja impugnada a liquidação o da importância cuja anulação se pretende”.

Não subsistirão dúvidas que subjacente ao pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente está a impugnação da liquidação de IMT no valor de 5.850,00 €, acrescido do montante de 478,90 € a título de juros compensatórios, (e ainda o valor de 155,36 €, respeitante a “acrescidos”) no montante global de 6.484,26 € (cfr. documentos nºs 7 e 8).

Atendendo ao montante da referida liquidação o valor do processo de acordo com o que vem de dizer-se, será de 6.484,26 €, e não o valor indicado pela Requerente de 4.950,00 €-

Destarte, e de conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 6.484,26 €.

 

VI-CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a esta anexo, fixa-se o montante de custas em 612.00 € (seiscentos e doze euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas em que manteve a ortografia original].

 

Dois de Dezembro de dois mil e vinte

(J. Coutinho Pires)