Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 44/2020-T
Data da decisão: 2020-11-09  IRC IRS IVA  
Valor do pedido: € 560.459,86
Tema: Procedimento de inspecção; Direito de audição. Falta de notificação de ex-sócio responsável pelas dívidas fiscais após liquidação da sociedade.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Leonardo Marques dos Santos e Dr.ª Maria da Graça Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-07-2020, acordam no seguinte:

             

                1. Relatório

 

A..., contribuinte n.º..., residente em ..., Angola, (doravante, "Requerente"), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IRC, IRS e IVA, objecto dos processos de execução fiscal .º ...2018... e ...2018..., ordenando-se a restituição ao Requerente das quantias objeto de penhora em tais processos de execução ou que, entretanto, o venham a ser, acrescidas dos devidos juros indemnizatórios

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-01-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-03-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-07-2020 (considerando a suspensão de prazos prevista no artigo 7.º da Lei n.º 1-A/20202, de 19 de Março).

A AT apresentou resposta, em que suscitou excepções de erro na forma de processo, incompetência, intempestividade e cumulação ilegal de pedidos   a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 23-10-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de o Requerente responder às excepções.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           O Requerente foi citado nos processos de execução fiscal com os n.ºs ...2018... Ap. e ...2018... Ap., por depósito postal das respetivas notas de citação (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

B)           As citações resultam do facto de terem sido proferidos, contra o Requerente, despachos de reversão naqueles processos de execução fiscal, instaurados contra a sociedade “B..., Lda”, que teve o NIPC...;

C)           As notas de citação têm subjacentes as liquidações que são indicadas nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral cujos teores se dão como reproduzidos que se resumem nos quadros que seguem:

 

D)           As liquidações tem por fundamento o Relatório da Inspecção Tributária efectuada à sociedade B..., Lda, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

E)            No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

II. OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

II.1. Credencial e período em que decorreu a ação

A ação inspetiva externa efetuada aos anos de 2014 e 2015 foi iniciada em 2017/04/11, nos termos do art.º 51º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), conforme assinaturas das ordens de serviço n.º O12017... e O12017... pela representante da cessação H..., doravante também designada por H... .

O prazo do procedimento inspetivo foi ampliado por mais dois períodos de três meses, ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 36" do RCPITA, conforme despachos de autorização de 2017/09/25 e de 2017/12/21, tendo sido notificado o SP, através dos ofícios 2017... de 2017/10/09 e 2017... de 2017/12/28, respetivamente.

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Motivo: Ações especiais: "Controlo dos fluxos de pagamento com cartões de débito e crédito" -Comprovação e verificação das obrigações declarativas dos SP que, relativamente aos anos de 2014 e 2015, foram indicados na modelo 40 como beneficiários de fluxos de pagamento com cartões de débito e de crédito.

Âmbito da ação: Os procedimentos inspetivos foram iniciados com âmbito parcial e incidência no IRC e IVA. Contudo, relativamente à ordem de serviço OI2017..., o seu âmbito foi alterado de parcial – IRC e IVA para geral, dado esta incluir a análise e verificação tributária global e conjunto dos deveres tributários do SP, nomeadamente as obrigações declarativas e de pagamento em sede de retenções na fonte. Da alteração foi notificado mandatário do SP, Dr. C..., através do ofício n.º 2018... de 2018/04/02 e ainda, através do ofício nº 2018..., de 2018/04/02, foi dado conhecimento da referida alteração ao representante legal da cessação, H... .

Incidência temporal: As ordens de serviço nºs O12017... e OI2017... incidem sobre os períodos de 2014 e de 2015, respetivamente.

III.3. Outras Situações

 

1 - Caracterização da empresa

A sociedade B..., Lda. detinha a sua sede social na Rua..., n.º ... - sala ..., freguesia e concelho de Matosinhos.

De acordo com a certidão permanente, a sociedade tinha por objeto "Comércio por grosso de materiais de construção, equipamentos sanitários, ferragens, ferramentas, artigos para canalizações, aquecimentos, tintas, e produtos similares".

De acordo com o sistema informático da Autoridade Tributária, encontrava-se coletada para o exercício, a título principal, da atividade de "Comércio por grosso de materiais de construção (exceto madeira) e equipamento sanitário" - CAE 46732, desde 1999/01/04 até à data do encerramento e liquidação da sociedade 2016/03/15.

Segundo a representante da cessação, as mercadorias adquiridas, eram armazenadas em contentores e posteriormente exportadas para os referidos países. Angola e Moçambique, não necessitando de instalações físicas de armazenagem próprias.

As únicas instalações conhecidas são o escritório situado na Rua ... n.º ... sala..., em Matosinhos, local onde a sociedade tinha a sua sede social. O proprietário do referido escritório é a sociedade D..., S.A., NIF..., sendo a renda mensal no período inspecionado de €650,00.

Nos períodos inspecionados e apesar da aparente inatividade, a empresa teve ao seu serviço, além do sócio-gerente, esposa e sogra, os seguintes funcionários:

 

2- Identificação dos corpos sociais

De acordo com os dados constantes do cadastro do sistema informático da Autoridade Tributária (AT), os responsáveis pela sociedade eram:

 

De acordo da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial do Porto, verifica-se que a entidade inspecionada era detida em 50 % por A... e em 50% pela sua esposa, E..., tendo exercido ambos os sócios as funções de gerência até 2013/07/01, data em que E... renunciou à gerência passando a ser A... o único gerente.

Ainda de acordo com os dados constantes do cadastro do sistema informática da AT, os referidos sócios residem no estrangeiro, sito na Rua ..., ..., ..., Angola, tendo ambos designado, para os representar perante a administração fiscal, F..., NIF... .

De salientar que, da análise efetuada aos documentos de suporte aos registos contabilísticos de 2013, verifica-se que F..., mãe da sócia E..., assinou diversos cheques da conta bancária nº ...-G..., exercendo por isso funções de gerência.

(...)

 

3 – Mandatário

Conforme procuração rececionada em de 2018/02/16, com o nº de entrada 2018..., a sociedade B..., representada por H..., constituiu seu bastante procurador, com a faculdade de substabelecer, o Sr. Dr. C..., Advogado, Portador da Cédula Profissional nº..., com escritório no ..., ..., ..., ...-... Porto.

 

4 - Enquadramento fiscal do sujeito passivo

O SP encontrava-se enquadrado no regime geral para efeitos de IRC (Serviço de Finanças de Matosinhos ... -código...).

Em sede de IVA, encontrava-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, tendo declarado a cessação de atividade para efeitos de IVA com data reportada a 2015/12/30, sendo que para efeitos de IRC foi liquidada e dissolvida em 2016/03/15.

(...)

 

8. Diligências efetuadas

8.1 O sujeito passivo está obrigado a ter contabilidade regularmente organizada e informatizada nos termos da lei comercial e fiscal.

Uma vez que a sociedade se encontrava cessada e dissolvida, com data reportada a 2016/03/15, foi contactada via telefone a Representante de Cessação H..., doravante designada também por Representante de Cessação (RC), que nos facultou os elementos contabilísticos necessários para análise.

•  A análise realizada baseou-se nos elementos da contabilidade, designadamente:

•     Balancetes analíticos;

«     Ficheiros SAFT-PT da contabilidade;

•     Ficheiros SAFT da faturação;

•     Extratos de conta corrente e

•     Documentos de suporte aos registos efetuados;

• Bem como, nos esclarecimentos prestados pela representante da cessão H..., quer na qualidade de representante da sociedade quer na qualidade de contabilista, dado que é sócia gerente do gabinete de contabilidade, I..., NIF ..., com sede no... ..., n.º..., ...-... Arouca, responsável pela execução da contabilidade da sociedade B..., Lda.

Não foi possível estabelecer qualquer contacto com o sócio gerente A..., dado este encontrar-se a residir no estrangeiro.

*   Foram efetuadas as seguintes verificações:

a)    A conformidade dos valores declarados com os valores contabilizados, quer em sede de IVA e IRC, quer das retenções na fonte de IR;

b)     Foram analisadas as contas de IVA dedutível e IVA liquidado, bem como das contas de Gastos e Rendimentos, Estado e Outros Entes Públicos e Resultados Transitados;

c)     Analisados os documentos de suporte aos registos contabilísticos, quer ao nível da formalidade dos mesmos, quer efetuando cruzamentos com as informações disponíveis no sistema da AT;

d)     Analisaram-se as divergências resultantes dos cruzamentos dos anexos O e P, bem como as divergências resultantes do cruzamento da informação relativa às trocas intracomunitárias (VIÉS);

e)     Analisamos a conformidade dos valores registados contabilisticamente com os extratos das contas bancárias;

f)     Analisaram-se a conta corrente do sócio A... .

8.2 Notificação

8.2.1 A sociedade B... foi notificada, na pessoa de H..., na qualidade de representante legal da cessação ao abrigo do dever de colaboração previsto no n.º 4 do art. 59.º da lei Geral Tributária (LGT), e ao abrigo do n.º 3 do artigo 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira RCPITA), para no prazo de 15 dias, apresentar os elementos e esclarecimentos a seguir indicados:

1.  Cópias de todas as atas da sociedade B..., Lda relacionadas com os exercícios de 2014 e de 2015;

2.    Documentos   Alfandegários   comprovativos   de   exportação  (Exemplar   n.º   dos Documentos Administrativos Únicos - DAU) referentes à faturação emitida em 2014;

3. Justificar o reconhecimento/utilização no exercício de 2014 da perda por imparidades criada no exercício de 2012, relativa aos Clientes J..., no montante de €241.555,34, e K...-Moçambique, no montante de €555.979,40, nomeadamente através da apresentação de documentos que comprovem a incobrabilidade dos referidos montantes;

4. Demonstração das transações e respetiva documentação que deram origem à emissão dos seguintes recibos, uma vez que se constata a existência de recibos emitidos em nome de uma entidade (L...) que foram contabilizados na conta corrente de outra entidade diferente conforme o quadro seguinte:

(...)

 

5. Verifica-se, ainda, que o montante total de recibos emitidos a clientes no exercício de 2014 é superior às entradas efetuadas nas contas bancárias da empresa relativas a TPA, transferências de clientes e depósitos, conforme o seguinte quadro, pelo que solicita-se a justificação de tal diferença:

(...)

 

6. Apresentar os documentos comprovativos e que suportam o lançamento contabilístico nº 10000022, de 31-01-2014, através do qual efetuou regularizações em diversas contas correntes de clientes, de fornecedores e do sócio A..., conforme movimento discriminado anexo (anexo 1);

7. Justificar a transferência do saldo da conta corrente do cliente B..., Lda. para a conta corrente do sócio A... e o motivo subjacente a tal transferência, efetuada através do seguinte lançamento contabilístico:

(...)

8. Apresentar os documentos comprovativos e que suportam o lançamento contabilístico que a seguir se indica, e justificar o motivo subjacente a tal registo contabilístico:

(...)

9. Apresentar os documentos comprovativos e que suportam o lançamento contabilístico que a seguir se indica, e justificar o motivo subjacente a tal registo contabilístico:

(...)

10. Na eventualidade dos valores recebidos em 2014 e em 2015 através do TPA nº 674363, cujos montantes mensais se discriminam, não corresponderem na sua totalidade a apuros de vendas e serviços prestados nos anos de 2014 e 2015, identificar essas verbas, justificar e comprovar documentalmente a que título foram as mesmas recebidas:

(...)

11. Justificar as transferências, bem como comprovar a proveniência dos depósitos que a sociedade efetuou nas suas contas bancárias nos anos de 2014 e 2015 e que a seguir se indicam:

(...)

12.  Identificar a entidade beneficiária, através de nome e NIF e justificar a que título foram efetuadas transferências bancárias, e registadas nas contas bancárias da sociedade por contrapartida da conta corrente do sócio A... e cujos movimentos e montantes constam do anexo 2;

13.  Identificar a entidade beneficiária, através de nome e NIF e justificar a que título foram emitidos cheques, e registados nas contas bancárias da sociedade por contrapartida da conta corrente do sócio A... e cujos movimentos e montantes constam do anexo 3;

14. Quanto aos gastos suportados com viagens e alojamentos a seguir discriminados e contabilizados nos exercícios de 2014 e 2015, identificar os beneficiários e justificar documentalmente a que título foram as mesmas realizadas:

(...)

8.2.2 Por E-mail rececionado em 2018/02/08, o SP, na pessoa do mandatário, Dr. C..., Advogado, veio solicitar uma prorrogação do prazo adicional para a apresentação dos documentos solicitados, tendo-lhe sido concedido uma prorrogação de mais 15 dias, que corresponde ao prazo máximo estabelecido por lei, ou seja 30 dias (art. 42.º do RCPITA).

8.2.3 Somente em 2018/03/26, por E-mail assinado por A..., veio o SP apresentar os esclarecimentos que a seguir se indicam, sendo que os documentos foram entregues em mão no dia 2018/03/27:

Ponto 1.

O SP não apresentou cópia das atas, alegando que os "Os documentos encontram-se entre Moçambique e Angola, aguarda-se a chegada dos mesmos."

Ponto 2.

O SP entregou três documentos de acompanhamento de exportação, sendo que estes não comprovam a salda das mercadorias do mercado nacional, o documento alfandegário que comprova a saída de mercadorias é a declaração de exportação - exemplar n.º 3 dos Documentos Administrativos Únicos - DAU, o qual apenas foi apresentado apenas para as faturas nºs 230F e 233F.

Ponto 3

O SP não apresentou qualquer elemento comprovativo da incobrabilidade dos créditos em causa, tendo assumido que. por lapso contabilístico, não foi efetuado o desreconhecimento/reversão da referida imparidade.

Pontos 4, 5, 8, 9,10 e 11

Em resposta aos pontos 4, 5, 8, 9, 10 e 11, o SP veio expor em 'Memorando Inicial" que " A Empresa encontra-se dissolvida e liquidada, sem os respetivos funcionários administrativos, pessoas que detinham a melhor Informação sobre o assunto. Os gerentes residem em Moçambique e em Angola, local onde se encontra algum arquivo. Estes ásperos levam a falta de respostas/documentos em tempo útil. Contudo é do completo interesse da empresa conseguir realizar / satisfazer todas as questões levantadas, caso possível em teremos de tempo para o efeito. De realçar que grande parte dos movimentos financeiros em causa tem origem no facto de os clientes de Angola e Moçambique por motivos sobejamente conhecidos não conseguirem neste período fazer pagamentos diretamente ao seu fornecedor, a empresa em questão com sede em Portugal. Para solução do aspeto da liquidez necessária foi utilizado o seguinte método de recebimento ao logo dos períodos sem ter um adequado procedimento administrativo/financeiro e contabilístico de controlo em Portugal. Os clientes em Moçambique s Angola, negociaram com os seus clientes finais que teriam de ser estes a fazerem os pagamentos ao fornecedor em Portugal utilizando cartões VISA que vinham para Portugal e os funcionários da B... em Portugal iam movimentando via  TPA os cartões dos  clientes finais do  seus clientes em  Moçambique  e Angola,  procedendo "aleatoriamente" a emissão de recibos até aos montantes recebidos imputados sem um real critério a cada um dos respetivos clientes. Conjuntamente foi também utilizado o transporte de numerário de Moçambique e Angola petos sócios, funcionários, e terceiros que traziam os valores possíveis, valores estes que posteriormente eram depositados na conta da empresa. Assim, este procedimento permitiu receber os reais valores faturados mas por falta de um bom método interno de controlo registo e que evidencia-se uma completa transparências das operações veio a dar origem as questões deste relatório nomeadamente pontos 4 ; 5; 8 ;9; 10 e 11.º

Pontos 6 e 7

Em resposta a este ponto, o SP vem alegar que "com o processo de dissolução e liquidação da sociedade, ficou o sócio responsável pela globalidade de crédito/débitos de clientes, fornecedores e outros devedores e credores."

Ponto 12 e 13

Quanto a estes pontos, o SP apenas refere que os pontos 12 e 13 estão relacionados com o ponto 7 e memorando. Portanto não identificou os destinatários dos fluxos monetários nem a natureza dos mesmos.

Ponto 14

Em resposta, o SP refere que "Despesas de deslocações realizadas pelos gerentes e colaboradores (clientes/fornecedores) suportados pela empresa".

8.3 Conclusão

A resposta dada à nossa notificação é vaga, e embora pretenda justificar a origem das dúvidas e questões colocadas na nossa notificação, o SP não dá uma resposta cabal às mesmas, nomeadamente quanto às diferenças encontradas entre os valores recebidos dos clientes, e para os quais foram emitidos recibos, e os valores registados nas contas bancárias do SP, bem como a justificação documental e a natureza dos fluxos monetários contabilizados na conta corrente do sócio A... .

Assim, tendo em conta o trabalho desenvolvido na análise dos registos contabilísticos, e a resposta dada pelo SP à notificação referida no ponto anterior, foram detetadas situações passíveis de correção em sede de IRC e IVA. aos exercícios de 2014 e de 2015, e ainda de IRS ao exercício de 2015, conforme a seguir se enumeram no capítulo III do presente relatório.

(...)

CAPÍTULO IX- DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado, nos termos dos artigos 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e 50º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) para, no prazo de vinte de cinco dias, exercer o direito de audição, através do ofício n.º 2018..., de 2018/04/13, por carta registada em 2018/04/16, remetida para o escritório do Mandatário Dr. C..., sito..., ..., ..., ...-... Porto, o qual foi rececionado em 2018/04/17.

Desta notificação para o exercício do direito de audição e seu conteúdo, foi dado conhecimento a H..., na qualidade de representante de cessação da sociedade B..., Lda., através do ofício n.º 2018..., de 2018/04/13, por carta registada em 2018/04/16, remetida para o seu domicílio fiscal, sito...—..., ...-... Arouca, o qual foi rececionado em 2018/04/17.

Até à presente data, o sujeito passivo não exerceu o direito de audição, pelo que será de passar a definitivo as correções propostas no Projeto de Relatório.

 

F)            A sociedade B..., Lda., cessou a sua actividade junto da Administração Tributária em 30-12-2015 (como consta do ponto 4 do Relatório da Inspecção Tributária);

G)           Em 15-03-2016 foi feito registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B..., Lda., com cancelamento da respectiva matrícula e nomeada H... depositária dos livros, documentos e demais elementos da escrituração da sociedade (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           O Requerente – ex sócio e único gerente daquela sociedade - há vários anos que se encontra domiciliado no estrangeiro, em Angola, tendo designado representante fiscal F... (página 5 do RIT);

I)             A acção inspectiva, que se iniciou em 11-04-2017, foi realizada sem qualquer contacto da Administração Tributária com o Requerente «dado este encontrar-se a residir no estrangeiro» (página 11 do RIT):

J)            O Requerente não foi notificado na pessoa da designada representante fiscal F... da prática de qualquer acto, para prestar esclarecimentos ou para tomar posição sobre o quer que fosse;

K)           Durante o procedimento inspectivo foi notificada a referida H... «na qualidade de representante legal da cessação ao abrigo do dever de colaboração previsto no nº 4 do art. 59.º da lei Geral Tributária (LGT), e ao abrigo do nº 3 do artigo 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira RCPITA), para no prazo de 15 dias, apresentar os elementos e esclarecimentos» indicados nas páginas 11 a 19 do RIT;

L)            Em 16-02-2018, a referida H... emitiu procuração forense ao Advogado Dr. C... (ponto 3 do Relatório da Inspecção Tributária);

M)          Por E-mail recepcionado em 08-02-2018, o Senhor Advogado solicitou uma prorrogação do prazo adicional para a apresentação dos documentos solicitados, tendo-lhe sido concedida uma prorrogação de mais 15 dias (página 19 do RIT);

N)           Em 26-03-2018, por email assinado por A..., foram apresentados os  esclarecimentos que a seguir se indicam nas páginas 19 a 21 do RIT, sendo que os documentos foram entregues em mão no dia 27-03-2018;

O)           Foi notificada a sociedade «B..., Lda», para exercício de direito de audição sobre o projecto de RIT através e carta enviada ao Advogado Dr. C..., sendo dado conhecimento à referida depositária H..., não tendo sido exercido o direito de audição;

P)           Não tendo sido efectuado o pagamento das quantias liquidadas no prazo de pagamento voluntário, foram extraídas as correspondentes certidões de dívida e instaurados os processos de execução fiscal em que foram efectuadas as citações do Requerente;

Q)           As citações do Requerente foram efectuadas por o devedor originário, a entidade B..., LDA não ter bens para proceder ao pagamento das dívidas, na sequência de despacho de reversão das execuções fiscais;

R)           Na sequência das citações, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações que são objecto do presente pedido de pronúncia arbitral;

S)            A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 21-10-2019, do Director Adjunto da Direcção de Finanças do Porto, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, com base nos seguintes fundamentos, em suma:

Quanto ao facto de as notas de citação não conterem os fundamentos das liquidações subjacentes à instauração dos processos de execução, diremos que, o fundamento das mesmas, deve-se ao facto de, em sede de inspeção terem sido feitas correções à matéria coletável e, que originaram liquidações corretivas, tendo o respetivo relatório sido notificado aos representantes da sociedade.

Não o tendo sido efetuado o pagamento das liquidações dentro do prazo legal, seguiu o mesmo para cobrança coerciva, ou seja, para pagamento em sede de execução fiscal. Dado que o devedor original não tinha bens para proceder ao pagamento das dívidas, procedeu a AT, nos termos do artº. 23º e 24º da LGT, à reversão contra os responsáveis subsidiários, ficando estes, na mesma posição jurídico/tributário do devedor originário, ou seja, com os mesmos direitos e deveres.

Deste modo, verifica-se que as liquidações se encontram devidamente fundamentadas, não sendo as notas de citação infundadas, uma vez que, também decorrem da mesma o porquê da sua existência.

Da análise ao relatório elaborado pelos serviços de inspeção, resulta que inexiste a preterição de formalidade essencial alegada pelo reclamante.

A sociedade, devedora originária, foi notificada, através dos seus representantes legais,(mandatário e representante da cessação), nos termos e para os efeitos da al. e) nº. 1 do art. 60º da LGT, não tendo exercido o contraditório, facto esse que impede a AT de proceder à notificação do ex-sócios.

Acresce dizer que, quanto ao facto de a inspeção se ter iniciado após a dissolução da sociedade, a AT agiu dento dos normativos legais para o efeito, nomeadamente, art 6º nº 1 da LGT (a liquidação tem de ser validamente notificada dentro dos quatro anos) e artº. 36 do RCPITA (o procedimento de inspeção pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação).

Estando em causa, os exercícios de 2014 e 2015, o procedimento inspectivo decorreu dentro do vertido nas normas elencadas.

Sem prescindir, diremos que as notas de citação, aqui em causa, encontram-se no processo, no SICAT, de fls. 12 a 21, contendo todos os fundamentos precisos e necessários, quanto à origem da liquidação e consequentemente, da reversão.

Em face do exposto, conclui-se não assistir razão ao reclamante, sendo de INDEFERIR o

pedido. (...)

 

T)            A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por ofício datado de 22-10-2020 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

U)           Em 23-01-2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo.

Quanto aos fundamentos da decisão da reclamação graciosa, baseiam-se na sua reprodução efectuada pela Administração Tributária no artigo 35.º da sua resposta, cuja correspondência a realidade não é questionada pelo Requerente.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.

 

3. Excepções de erro na forma de processo e incompetência

 

A Administração Tributária defende que há erro na forma de processo e incompetência do Tribunal Arbitral para «sindicar as decisões de reversão fiscal», por, em suma, não se inserir nas competências definidas no artigo 2.º do RJAT «conhecer a pretensão do ora Requerente relativamente às decisões de reversão».

A Requerente respondeu dizendo, em suma, que não quer sindicar a decisão de reversão da execução fiscal, mas que seja declara a ilegalidade das liquidações.

É manifesto, porém, que a Administração Tributária não tem razão, pois terá interpretado incorrectamente o pedido de pronúncia arbitral.

Na verdade, o Requerente não «alega e estriba todo o seu ideário argumentativo na sua alegada ilegitimidade para ser revertido nos PEF em causa» nem impugna as decisões de reversão da execução fiscal, mas, antes, pede que seja «declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC, IRS e IVA, objeto dos processos de execução fiscal .º ...2018... e ...2018...».

A declaração da ilegalidade dos referidos actos de liquidação insere-se inquestionavelmente nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como resulta do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT:

«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (...);

 

Por outro lado, é também claro que os revertidos em processo de execução fiscal, chamados ao processo como responsáveis solidários ou subsidiários, para além de poderem exercer outras faculdades processuais (c0mo deduzir oposição à execução fiscal, arguir nulidades  processuais do processo de execução fiscal, e requerer pagamento em prestações ou dação em pagamento, nos termos dos artigos 189.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do CPPT),  podem também, na sequência da citação, impugnar as liquidações que estão subjacentes a dívida exequenda, como resulta do n.º 4 do artigo 22.º da LGT: ««As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».

O meio adequado para a impugnação da dívida pelos responsáveis subsidiários é o processo de impugnação judicial, como resulta do teor expresso da alínea c) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

O processo arbitral é um meio alternativo do processo de impugnação judicial, como se refere expressamente no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se baseou a aprovação do RJAT pelo Governo.

Pelo exposto, improcedem as excepções de erro na forma de processo e de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

4. Excepção da intempestividade

 

A Administração Tributária suscita a questão da intempestividade por entender o seguinte, em suma:

– «o art.º 10º do RJAT estabelece, quanto a actos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado nos n.ºs 1 e 2 art.º 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)»;

– «as liquidações adicionais impugnadas foram notificadas/citadas ao Requerente a 20-02-2019» «na pessoa de M..., em conformidade com a autorização expressa do mesmo, nos termos do nº 1 do ar.º 37º do CPPT, dos fundamentos das liquidações subjacentes à instauração dos PEF aqui em dissídio, através de certidão do RIT»;

– «pelo que deveriam ter sido impugnadas até 21-05-2019»;

– o pedido de pronúncia arbitral só foi apresentado em 23-01-2020;

– o Requerente apresentou reclamação graciosa, mas no presente processo «não formulou/concretizou ao Tribunal qualquer pedido tendente à anulação do que nessa sede foi decidido ou estivesse por decidir, nem sequer fez qualquer referência a tal procedimento no seu pedido».

 

A Requerente respondeu defendendo a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral por ter pedido a declaração de ilegalidade das liquidações que são o objecto mediato do seu pedido.

Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, "o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado" "no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico".

Um dos actos susceptíveis de impugnação autónoma é a decisão da reclamação graciosa, como resulta do preceituado nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e do artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.

Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o objecto do processo arbitral é o acto de liquidação e não a decisão da reclamação graciosa, pelo que a Requerente não tinha de impugnar esta decisão, meramente confirmativa, mas sim os actos de liquidação confirmados.

Por isso, o prazo de para apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral de actos de liquidação em relação aos quais foi deduzida reclamação graciosa é de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da reclamação.

A decisão da reclamação graciosa foi indeferida por despacho de despacho de 21-10-2019, que foi notificada à Requerente por ofício datado de 22-10-2020, que se presume recebido em 25-10-2020.

Em 23-01-2020, foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral, dentro do prazo de 90 dias, contados de 25-10-2019.

Improcede, assim, a excepção da intempestividade.

 

5. Excepção da cumulação ilegal de pedidos

 

A Administração Tributária defende que não estão reunidos os requisitos da cumulação de pedidos previstos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, por serem impugnadas liquidações de IRC, IRS e IVA e que «para cada uma das correcções sobre cada um dos impostos, a fundamentação é díspar e advém de factos e normas diferentes».

A Requerente diz, em suma, que «alegou a existência de preterição de formalidade legal essencial, consubstanciada na omissão da notificação para o exercício do direito de audição prévia, transversal a todos os actos de liquidação objecto do pedido e que tiveram todos origem num mesmo procedimento de inspecção».        

O artigo 3.º, n. º 1, do RJAT estabelece que «a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Também neste caso, é evidente que a Administração Tributária não tem razão, pois a Requerente não imputa qualquer vício substantivo a qualquer das liquidações, mas apenas vício procedimental, por preterição do exercício do direito de audição no procedimento inspectivo.

Assim, sendo imputado às liquidações o mesmo vício procedimental, é forçoso concluir que não há obstáculo à cumulação de pedidos.

Improcede, assim, esta excepção.

 

   6. Matéria de direito

 

6.1. Questão que é objecto do processo 

 

O Requerente era sócio e o único gerente da sociedade B..., Lda, que cessou a sua actividade, para efeitos fiscais, em 30-12-2015 e cuja liquidação foi registada em 15-03-2016.

Com o registo da liquidação e seu encerramento definitivo, foi nomeada H..., nos termos do disposto no n.º 4 do art. 157.º do Código das Sociedades Comerciais, depositária dos livros, documentos e demais elementos de escrituração da sociedade.

Em 11-04-2017, a Administração Tributária iniciou uma inspecção à sociedade referida, notificando a referida depositária, que nomeou advogado e não notificando o Requerente, que se encontrava a residir no estrangeiro (Angola), nem a representante fiscal em Portugal, que tinha designado.

O Requerente, no decurso da inspecção, enviou à Administração Tributária um email com informações que haviam sido pedidas, mas não foi notificado para qualquer acto, inclusivamente exercício do direito de audiência sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária.

O Requerente defende, em suma, o seguinte:

– com o registo da liquidação a sociedade referida considera-se extinta;

– a referida H... não tinha funções de representação da sociedade, designadamente quando ela se iniciou, após aquele registo, não tendo qualquer relevância a procuração emitida a advogado, pois a sociedade já não tinha existência jurídica;

– pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, nos termos do artigo 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais;

 – sendo os ex sócios da sociedade os responsáveis pelas dívidas tributárias resultantes da actividade daquela, ainda que vencidos em momento posterior, será absolutamente essencial a participação daqueles no procedimento de formação do acto tributário de liquidação resultante da acção inspetiva, designadamente para exercerem o direito de audição prévia, no âmbito do procedimento;

– a falta de notificação dos sócios da extinta sociedade, torna inválida a liquidação subsequente.

 

A AT defende o seguinte, em suma:

– foram efectuadas todas as diligências, com observância dos princípios do inquisitório, do contraditório/participação e da verdade material (art.º 58º e 60º da LGT, artigos 6.º e 7.º e 60.º do RCPITA) e recolhidos todos os meios de prova tendo em vista o apuramento dos factos tributários que sustentaram as correcções/liquidações adicionais;

– foi designada como representante, junto da Administração Tributária, H..., com início de funções em 30-12-2015, conforme consta do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, sem ter sido dado posterior conhecimento de não aceitação ou renúncia;

– a sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária. mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento;

– nada na lei impede a AT de efectuar um acto tributário de liquidação de imposto iá depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária;

– o representante fiscal é um elo de ligação formal entre a Administração Tributária e as pessoas, singulares ou colectivas, que nos termos do art.º 19.º da LGT devam, para efeitos tributários, proceder à respectiva designação;

– o represente legal exerce todos os direitos de que é titular o representado na relação com a Administração;

– nada constando sobre a não aceitação ou renúncia da representação da cessação, subsistem as funções do representante;

– durante o processo inspectivo, as notificações foram-lhe corretamente dirigidas e, bem assim, como ao advogado por si constituído;

– o n.º 1 do art.º 163.º e o n.º 2 do art.º 147.º do CSC, que estabelecem que, no caso de sobrevirem dívidas de natureza fiscal em momento posterior à extinção da sociedade, respondem pessoalmente os antigos sócios, não implica que devam estes sido notificados, em sede inspectiva, quando foi designado um «representante da cessação»;

– foi notificada a sociedade quer na pessoa da representante da cessação, quer no seu mandatário com procuração bastante;

–o Requerente não desconhecia a acção inspectiva, nem os fundamentos da mesma e que até mesmo nela participou quando da solicitação de elementos à qual respondeu através de email enviado a 26-03-2018.

 

6.2. Apreciação da questão

 

Como bem diz o Requerente, por força do disposto no artigo 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, «as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento».

Assim, depois da liquidação da sociedade, são os ex-sócios os únicos responsáveis pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da liquidação, pelo que gozam de todos os direitos que a lei reconhece à sociedade que era contribuinte originária, pois são aqueles ex-sócios os únicos sujeitos passivos, nesta situação.

 Por isso, os ex-sócios têm legitimidade para intervirem no procedimento tributário de inspecção e devem ser notificados para exercerem nele os seus direitos, como se resulta do preceituado nos artigos 18.º, n.º 3, da LGT, 9.º, n.º 2, do CPPT e 37.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA). Como resulta do teor expresso desta última norma, os deveres de notificação no âmbito do procedimento de inspecção não se limitam aos «sujeitos passivos» originários, estendendo-se também aos «demais obrigados tributários», categoria em que manifestamente se englobam os ex-sócios que são os únicos responsáveis pelas dívidas fiscais da sociedade extinta.

Entre esses direitos inclui-se o de participação na formação da decisão procedimental, através do exercício do direito de audição, nos termos previstos nos artigos 45.º do CPPT e 60.º da LGT, inclusivamente com conhecimento do projecto de decisão e sua fundamentação (n.º 5 deste artigo 60.º da LGT e 62.º do RCPITA).

O facto de o Requerente ser residente no estrangeiro não dispensava a Administração Tributária de o notificar, nos termos do artigo 41.º do RCPITA, que estabelece que «a notificação de residentes no estrangeiro obedecerá às regras estabelecidas na legislação processual civil, com as necessárias adaptações, observando-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais e, na sua falta, recorrer-se-á a carta registada com aviso de recepção, nos termos do regulamento local dos serviços postais». Neste caso, a notificação era possível, pois do RIT consta a residência do Requerente em Angola. Ou, não utilizando esta forma de notificação directa do Requerente, que é o responsável pelas dívidas fiscais, a Administração Tributária deveria, pelo menos, efectuar a notificação para exercício do direito de audição na pessoa da representante fiscal que designou, nos termos do n.º 6 do artigo 19.º da LGT, que era F... (página 5 do RIT) e não a contabilista H... .

A indicação pelos liquidatários da contabilista H... como depositária dos livros, documentos e demais elementos da escrituração da sociedade extinta, nos termos do n.º 4 do artigo 157.º do CSC, não lhe atribui quaisquer poderes de representação da sociedade extinta. Na verdade, relativamente às sociedades comerciais vigora o princípio da tipicidade, que é aplicável não só quanto aos tipos de sociedade que têm de ser adoptados, mas também quanto aos órgãos de administração e representação previstos para cada tipo de sociedade. (  )       Por isso, a gestão e representação das sociedades por quotas terá obrigatoriamente de ser exercida por gerentes (art. 252.º, n.º 1, do CSC). Por outro lado, não existe qualquer norma de direito fiscal que atribua ao depositário previsto no n.º 4 daquele artigo 157.º de poderes de representação de uma sociedade que deixou de existir ou para representação pessoal dos ex-sócios da sociedade extinta.

Assim, a falta de notificação do Requerente para se pronunciar sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária constitui omissão de formalidade essencial prevista na lei, que tem manifesta potencialidade para influenciar a decisão procedimental, designadamente no caso do Requerente que, sendo o único gerente da sociedade extinta, seria presumivelmente quem estaria em melhor situação para exercer o direito de contraditório que a lei lhe assegura.

A notificação da depositária e mandatário que esta designou não têm qualquer relevância, pois está em causa a necessidade de audição do Requerente e nenhum deles o representava.

O facto de o Requerente ter tido intervenção no procedimento de inspecção, enviando documentos e prestando esclarecimentos, em fase anterior à elaboração do projecto de RIT, não afasta a necessidade de notificação deste projecto, que é imposta pela alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT e, especialmente, pelo n.º 1 do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.

Pelo exposto, justifica-se a anulação da liquidação, de harmonia com o preceituado no de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

7. Restituição de quantias penhoradas e com juros indemnizatórios

 

O Requerente pretende restituição «das quantias objeto de penhora em tais processos de execução ou que, entretanto, o venham a ser acrescidas dos devidos juros indemnizatórios».

O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, o Requerente não apresentou prova de que tenha pagado total ou parcialmente as quantias liquidadas, sendo certo que a penhora não constitui pagamento.

Por isso, à face dos factos provados, não há fundamento para condenar a Administração Tributária em restituição de imposto e juros indemnizatórios.

                Consequentemente, tem de se julgar improcedente o pedido de restituição e pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

              

    8. Decisão     

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações indicadas nas notas de citação que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e anular estas liquidações;

b)           Julgar improcedente o pedido de restituição de quantias e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respectivo direito poder ser reconhecido em execução do presente acórdão.

 

9. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 560.459,86.

 

10. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 09-11-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Leonardo Marques dos Santos)

(Maria da Graça Martins)