Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 81/2013-T
Data da decisão: 2013-12-05  IVA ISP  
Valor do pedido: € 149.794,73
Tema: Contribuição do Serviço Rodoviário, gasóleo colorido marcado
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Decisão Arbitral

 

I - RELATÓRIO

 

A – PARTES

 

A sociedade A…, doravante designada por “Requerente”, com sede na …, sociedade comercial por quotas, com o número de pessoa colectiva …, impugnante no procedimento tributário acima referenciado, veio, invocando a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e o disposto no art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B – PEDIDO

 

1 – O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 11-04-2013 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na mesma data.  

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou para árbitros do tribunal colectivo: Manuel Macaísta Malheiros (presidente), Manuel Teixeira Fernandes e António Manuel Correia Valente que, dentro do prazo legal, comunicaram a aceitação do encargo.

3 - Em 28-05-2013 as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 17/06/2013.  

5 – No dia 19 de Setembro de 2013 realizou-se com as Partes a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junto aos autos, tendo sido marcada para o dia 3 de Outubro de 2013 a reunião para audição das testemunhas indicadas pelas Partes.

6 – A Requerente, em 24/09/2013, formulou um requerimento de junção aos autos de 14 documentos, ao qual se opôs a AT, por requerimento de 30/09/2013, invocando, fundamentalmente, a extemporaneidade de tal junção, tendo a Requerente manifestado a sua discordância com a posição da AT, em requerimento datado de 2/10/2013, sustentando-se, fundamentalmente, em princípios processuais do processo arbitral tributário, pelo que a matéria veio a ser objecto de decisão do Tribunal.

7 - O Tribunal, por despacho de 3/10/2013 notificado às Partes na referida data e junto aos autos, decidiu admitir a junção aos autos dos referidos documentos pelos fundamentos que constam no citado despacho e de que se destacam, a possibilidade que deve ser concedida às Partes de praticarem os actos necessários ao bom andamento do processo e os princípios processuais ínsitos nas alíneas c) e e) do artigo 16.º e artigo 19.º do RJAT, tendo, ainda, no referido despacho, sido decidida favoravelmente a requerida junção aos autos da certidão, emitida em 24/09/2013, pela Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (doravante designada por DGADR) do Ministério da Agricultura, que a Requerente havia protestado juntar aos autos no requerimento inicial (doravante P.I.).     

8 – Na reunião realizada no dia 3 de Outubro de 2013, da qual foi lavrada acta que se encontra junto aos autos, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelas Partes, ficou assente que a Requerente, até 11-10-2013, dirigiria ao Tribunal um requerimento a discriminar, uma a uma, as verbas cuja correcção no montante de € 9526,12 aceitou na P.I. e que, portanto, não fazem parte do Pedido, e foi marcada para o dia 17 de Outubro de 2013 a reunião para produção das alegações orais, o que veio a ter lugar na referida data, conforme acta que se encontra junto aos autos. 

9 – A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral Colectivo declare:

a) - A ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação adicional praticado pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco, na sequência de um processo de inspecção a que foi sujeita relativo aos anos de 2010 a Março de 2012, na importância total de €130.404,33 (cento e trinta mil, quatrocentos e quatro euros e trinta e três cêntimos) notificado à Requerente através do oficio n.º …, de 11 de Janeiro de 2013 (Processo de cobrança n.º … referente ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (de ora em diante por nós designado por ISP, mas que a Requerente e a Requerida por vezes identificam por ISPPE), à Contribuição do Serviço Rodoviário (de ora em diante designada por CSR) ambos referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012 (até Março) e dos respectivos Juros Compensatórios (de ora em diante designados por JC), cuja desagregação é a seguinte:

- ISP: €85.354,93 (oitenta e cinco mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos);

- CSR: €36.585,61 (trinta e seis mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos);

- JC: € 8.463,79 (oito mil, quatrocentos e sessenta e três euros e setenta e nove cêntimos).

 

 

b) A ilegalidade e consequente anulação do valor apurado relativo ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (de ora em diante designado por IVA), no montante de €28.916,52 (vinte e oito mil, novecentos e dezasseis euros e cinquenta e dois cêntimos) constante no Relatório Final da Inspecção a que foi sujeita e dos JC que lhe estão associados e que, em ambos os casos, não foram objecto do acto tributário de liquidação notificado à requerente.

 

c) – A Requerente “aceita a correcção no montante de 9526,12 euros relativamente à qual não encontrou prova adequada para a sua defesa [..]” a abater à soma das importâncias acima referidas, pelo que o valor do pedido, constante na P.I., é de €149.794,73 (cento e quarenta e nove mil, setecentos e noventa e quatro euros e setenta e três cêntimos).

 

d) - A Requerente, conforme mapa que se encontra anexo ao requerimento junto aos autos em 10-10-2013 e em cumprimento do estabelecido na reunião do Tribunal de 3-10-2013, discriminou, uma a uma, as verbas cuja soma deveria perfazer a importância cuja correcção aceitou, tendo, em requerimento ditado para a acta na reunião de 17-10-2013, invocado um erro material para o facto de o valor da correcção aceite ser superior em 183,10 euros à soma das parcelas que discriminou, declarando, contudo, manter-se inalterado o valor do pedido, ao que as representantes da AT declararam nada ter a opor.

 

C - CAUSA DE PEDIR

10 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral afirma, em resumo, o seguinte:

a) - Que “é uma sociedade unipessoal que tem por objecto a prática de actos de comércio por grosso de combustíveis líquidos e gasosos, incluindo gasóleo colorido e marcado” (doravante designado por GCM) e que, ao tempo dos factos, vendeu GCM aos seus clientes fossem eles consumidores finais ou revendedores.   

b) – Que, em 2012, foi objecto de inspecção realizada pela AT aos elementos de contabilidade no domínio das vendas do GCM e relativa ao período compreendido entre 2010 e Março de 2012, constando em anexo ao Relatório Final da Inspecção os seguintes dois tipos de listagens:

- um, relativo a vendas de GCM realizadas pela Requerente sem que tenha procedido ao registo das mesmas no sistema electrónico de controlo, o que deveria ter sido feito nos terminais do GCM tipo Terminais de Pagamento Automático, doravante TPA, (também designados por Point Of Sale - POS), da Requerente, através da utilização dos cartões electrónicos (também designados por cartões com microcircuito) dos respectivos adquirentes do GCM e que constitui o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção;  

- outro, relativo aos registos feitos no sistema electrónico de controlo através dos TPA da Requerente de, alegados, abastecimentos feitos a beneficiários autorizados a consumir GCM para os quais não foram emitidas facturas e que constitui o anexo 1 do Relatório Final da Inspecção;

c) - Que não concorda com o teor e os fundamentos do acto tributário de liquidação adicional que, tendo por base o Relatório Final da Inspecção, lhe foi notificado pela Alfândega do Jardim do Tabaco no montante de €130.404,33 (que inclui ISP, CSR e JC);

d) - Que não concorda com o valor do IVA, apurado para liquidação, constante no Relatório Final da Inspecção, no montante de €28.916,52 acrescido de Juros Compensatórios, também a liquidar, e cujo montante (de JC) não consta no citado relatório;

e) - Que aceita a correcção no montante de €9.526,12 “devido ao facto de para ela não ter encontrado prova adequada para a sua defesa”;

f) – Que, ao tempo dos factos, vendeu GCM aos seus clientes, quer estes fossem consumidores finais, quer fossem revendedores, mas em todos os casos “sempre que estivessem reunidos os pressupostos formais e substanciais de que dependia a venda com benefício fiscal”;

g) - Que os pressupostos do benefício fiscal e da regularidade dessas vendas se encontram estabelecidos no n.º 5 dos artigos 74.º e 93.º do CIEC, nas versões que vigoraram, respectivamente, por um lado, entre 1/01/2010 e 20/07/2010 e, por outro lado, entre 21/07/2010 e Março de 2012, sendo que o conteúdo da norma se manteve o mesmo nas duas citadas versões;

h) - Que, no seu entender, a exigência legal é a de que as vendas de GCM sejam feitas a adquirentes aos quais tenha sido reconhecido o direito ao beneficio fiscal, isto é, a titulares do cartão electrónico, previsto no n.º 5 do artigo 74.º do CIEC (DL 566/99), e para o efeito emitido pela DGADR “[…] como forma de provar e acionar o reconhecimento do direito ao benefício fiscal em causa

i) - Que os registos no sistema electrónico de controlo do GCM feitos através do seu TPA/POS, sem que para os mesmos exista a emissão de factura, não correspondem a vendas da Requerente, como alega a AT, podendo tratar-se de erros, praticados no seu TPA, pela “B…), a quem estava ligada por um contrato comercial aplicável às transacções de combustíveis…;  

j) – Que refuta, igualmente, que as facturas emitidas e para as quais não existem registos no sistema electrónico de controlo do GCM, se refiram a vendas para as quais não haja direito ao beneficio fiscal concedido ao produto, dado que se trata de abastecimentos feitos a titulares do cartão electrónico emitido pela DGADR, isto é, a adquirentes com direito ao beneficio fiscal, embora se possam ter registado alguns enganos praticados pela “B...” a quem estava ligada por um contrato comercial aplicável às transacções de combustíveis; 

l) – Que, tendo a AT construído a listagem das vendas de GCM que não foram objecto de registo no sistema electrónico de controlo -, listagem esta que constitui o anexo 2 do Relatório da Inspecção -, a partir da contabilidade da Requerente, deve tal listagem ser expurgada das vendas que foram anuladas ou corrigidas através da emissão, ao tempo, de Notas de Crédito que constam na sua contabilidade;

m) - Que também deve ser expurgada da referida listagem uma venda feita pela Requerente a um revendedor de combustíveis, por este não ser um consumidor final; 

n) – Que, na listagem que constitui o anexo 2 do Relatório da Inspecção, constam facturas, descritas no ponto 4.3.1.5 da P.I., em que os talões de registo dos abastecimentos a que a Requerente teve acesso e que anexou às mesmas, por lapso da sociedade revendedora a quem estava comercialmente ligada, veio a descobrir não serem os correctos e, como tais talões constam, também, do anexo 1 do referido relatório, parece-lhe estar-se em presença de uma duplicação que deve ser corrigida;         

o) – Que, na listagem de facturas sem registo no TPA (anexo 2 do Relatório Final da Inspecção), existe uma venda de GCM da Requerente mas cujo registo no sistema electrónico de controlo do GCM, por lapso, foi feito com utilização do TPA, não da Requerente, mas sim da B..., sociedade revendedora de combustíveis a quem estava comercialmente ligada;

p) – Que na listagem que constitui o anexo 1 do Relatório Final da Inspecção existem talões de registo de abastecimentos que a AT alega não terem sido objecto de factura, mas que o foram (ponto 4.4.1 da P.I.).

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

11 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), em 29/08/2013, procedeu à junção do Processo Administrativo Tributário e apresentou resposta defendendo-se:

POR EXCEPÇÃO DILATÓRIA

11.1 - Invoca a inimpugnabilidade da matéria relativa ao IVA, dado que o pedido de pronúncia arbitral engloba não só o acto de liquidação do ISP, da CSR e dos respectivos JC, mas, também, a importância do IVA e dos respectivos JC que, em ambos os casos, não foram objecto de acto de liquidação - dado que se trata de meros actos preparatórios e, por isso, inimpugnáveis - dizendo, ainda, que, se tal não for assim entendido e o acto de liquidação do IVA vier entretanto a ser praticado, se estará na presença de excepção dilatória inominada consistente na prematuridade do direito de acção.

POR IMPUGNAÇÂO

11.2 – Impugna a restante matéria controvertida, essa sim, versada no acto de liquidação em crise, dizendo que o referido acto não enferma de qualquer vício de violação de lei, pronunciando-se, assim, pela sua manutenção e pela improcedência do requerido, defendendo, em suma, o seguinte:

a) - Que a lei - n.º 5 do art.º 74.º, no CIEC do DL 566/99, e n.º 5 do art.º 93.º do CIEC actual - estabelece uma norma de responsabilidade tributária dos proprietários ou responsáveis pela exploração dos postos de venda ao público do GCM, sempre que efectuem abastecimentos sem que seja feito o respectivo registo/leitura do cartão no sistema electrónico de controlo;

b) - Que, apesar das alterações de redacção de que beneficiou (a última das quais está em vigor desde um de Janeiro de 2012) a norma em questão, do ponto de vista substancial, teve sempre o mesmo conteúdo e que é no sentido da responsabilização tributária dos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos de venda ao público do GCM, nos casos em que não registem no sistema electrónico de controlo os abastecimentos feitos;

c) - Que, destarte, a lei não exige somente que o GCM seja vendido unicamente a quem seja titular do cartão electrónico emitido pela DGADR para efeitos de controlo do acesso ao produto (que tem beneficio fiscal) mas exige, também, que cada abastecimento fique imediatamente registado no sistema electrónico de controlo, o que é feito através da utilização do respectivo cartão electrónico;

d) - Que o carácter de obrigatoriedade do registo das vendas no sistema electrónico de controlo veio a ser reforçado, na esfera regulamentar, através das Portarias 117-A/2008 e 361-A/2008, vindo esta última a dispor que tal registo deve ser obrigatoriamente feito no momento em que ocorrem as vendas;

e) - Que não podem ser aceites as alegações da Requerente de que bastaria o facto de as vendas do GCM em apreciação terem sido feitas a titulares de cartão electrónico – a provar, por exemplo, através da existência de vendas regulares feitas aos mesmos em datas anteriores e, ou, posteriores à data do abastecimento em crise - para que nenhuma dívida de imposto se tenha constituído;

f) - Que a existência de tais vendas não pode provar que no momento do abastecimento em crise o adquirente tinha a qualidade de beneficiário, acrescendo que isso seria retirar o carácter essencial à operação de registo no sistema electrónico de controlo do GCM, feita com utilização obrigatória do cartão electrónico, do abastecimento feito;

g) - Que, se assim fosse entendido, ficariam esvaziadas de conteúdo todas as normas que estabelecem o mecanismo de controlo legalmente previsto para o GCM, habitualmente designado por sistema electrónico de controlo, que tem subjacentes aspectos de controlo da utilização do produto e de regularidade das vendas;

h) - Que também se devem manter as liquidações dos impostos em causa nos casos em que existe registo no sistema electrónico de controlo do abastecimento feito, mas em que não existe factura relativa a esse registo, pois a factura é exigida legalmente em todas as vendas;  

i) - Que não devem ser aceites, por deficiências que alega, as Notas de Crédito apresentadas pela Requerente visando provar a anulação ou correcção de vendas;

j) – Que, por deficiências que alega, não devem ser aceites as justificações da Requerente visando eliminar da lista que constitui o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção as facturas referidas nos pontos 4.3.1.5 e 4.4.3 da P.I.;

l) – Que, concomitantemente, pelas mesmas razões, não devem ser aceites as justificações da Requerente visando eliminar da lista que constitui o anexo 1 do Relatório Final da Inspecção os talões do registo no TPA/POS referidos nos pontos 4.3.1.5 e 4.4.3 da P.I.; 

m) – Que, por deficiências que alega, não devem ser aceites como justificativas da eliminação de talões de registo (da lista que constitui o anexo 1 do Relatório Final de Inspecção) as facturas que a Requerente identifica no ponto 4.4.1. da P.I.;   

n) - Que incumbia à Requerente provar que os talões de registo (no sistema electrónico de controlo) que constituem o anexo 1 do Relatório de Inspecção não têm por base vendas da Requerente;

o) – Que as relações comerciais entre a Requerente e a sociedade B... se situam na esfera do direito privado, não sendo, por isso, relevantes para a decisão da presente contenda.

E – QUESTÕES DECIDENDAS

12 – Cumpre, pois, apreciar e decidir

13 – Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes: 

a) – A procedência, ou a improcedência, da excepção dilatória suscitada pela AT de inimpugnabilidade do valor do IVA apurado no Relatório Final da Inspecção, e correspondentes JC, ambos a liquidar, por tais verbas não constarem no acto de liquidação posto em crise.

b) – Que interpretação deve ser feita do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC actual, aprovado pelo DL 73/2010, que corresponde à norma constante no n.º 5 do artigo 74.º do anterior CIEC, aprovado pelo DL 566/99, isto é, deve o conteúdo de tal norma ser entendido como estatuindo que a venda a titular de cartão electrónico para o efeito criado e o registo no “sistema electrónico de controlo” devem ser cumpridos cumulativamente pelo vendedor do GCM, para que este deixe de ser responsável pela tributação correspondente à diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao GCM, ou, se o facto de a facturação ser feita a titular do cartão electrónico é suficiente para que o vendedor do GCM deixe de ser fiscalmente responsável pela tributação correspondente à diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao GCM?

c) – Poderá a referida norma, conjugada com a alínea h) do n.º 2 do artigo 4.º e com os artigos 7.º a 9.º, todos do CIEC actual, fundamentar o acto tributário de liquidação em crise relativamente aos registos constantes no “sistema electrónico de controlo” feitos no TPA/POS da Requerente sem que a tais registos corresponda emissão de factura?

F – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS 

14 – O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.   

15 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

16 – O processo não enferma de vícios que o invalidem.

17 – Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal e as alegações produzidas, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos:

II - FUNDAMENTAÇÃO

G – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

18 - Em matéria de facto relevante para a fundamentação, dá o presente tribunal por assentes os seguintes factos:

a) – A Requerente é uma sociedade unipessoal que tem por objecto a prática de actos de comércio por grosso de combustíveis líquidos e gasosos, incluindo gasóleo colorido e marcado (GCM);

b) – Ao tempo dos factos, a Requerente vendeu GCM aos seus clientes, fossem eles consumidores finais ou revendedores;

c) – A Requerente não dispõe de qualquer estatuto aduaneiro pelo que todo o GCM por si vendido foi adquirido aos respectivos fornecedores já “declarado para introdução no consumo”;

d) – A Requerente, na matéria versada nos presentes autos, actuou com enquadramento   na parte final do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC actual e não como consumidor final;  

e) – Com início em 11 de Junho de 2012, a Requerente foi objecto de inspecção realizada pela AT à contabilidade no domínio das vendas de GCM relativa ao período compreendido entre 2010 e Março de 2012;

f) – No Relatório Final da Inspecção - notificado à Requerente, na forma de projecto, para o exercício do direito de Audição Prévia, direito este que optou por não exercer - conclui-se, com interesse para os presentes autos, pela existência de dois tipos de factos irregulares que foram imputados à Requerente: um relativo à existência no sistema electrónico de controlo do GCM de registos feitos no TPA/POS da Requerente de quantidades de GCM para as quais não foram emitidas facturas (anexo 1 do Relatório Final da Inspecção), e outro relativo à existência de facturas para as quais não foram efectuados, no sistema electrónico de controlo do GCM, os respectivos registos através dos TPA/POS da Requerente (anexo 2 do Relatório Final da Inspecção);

g) – Nos anexos 1 e 2 do Relatório Final da Inspecção constam “listagens” com os cálculos do ISP, CSR e IVA que a AT entende serem exigíveis à Requerente;

h) - No entanto, só os montantes do ISP, da CSR e dos correspondentes JC vieram a ser objecto de acto tributário de liquidação, praticado pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco e notificado à Requerente; 

i) – Apesar disso, na P.I., a Requerente, impugna não só o acto de liquidação que lhe foi notificado, mas, também, o valor do IVA, (que consta no Relatório Final da Inspecção mas que não foi objecto do acto de liquidação) bem como os respectivos JC que não foram sequer calculados no Relatório Final da Inspecção;

j) - Provou-se que as Notas de Crédito, n.º … emitida a favor da Sociedade C…), n.º … emitida a favor de D… e n.º … emitida a favor de E… anulam,   respectivamente, as facturas …, … e … (parte); 

l) – Provou-se que para corrigir, parcialmente (em matéria de preço de venda ao público), a última factura acima referida (….), que a AT considerou registada no sistema electrónico de controlo, foi emitida a factura n.º ….

m) - A Requerente tem registados em seu nome, no âmbito do GCM, os seguintes terminais tipo TPA/POS: …, … e ….

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

19 – Os factos foram dados como provados com base nos documentos que as Partes juntaram ao processo e indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, dado os mesmos se apresentarem adequados à realidade e na medida em que a sua falsidade não foi suscitada pela outra parte, tendo-se, ainda, atendido à prova testemunhal. 

FACTOS NÃO PROVADOS

20 – Com relevância para a decisão foram dados como não provados os seguintes factos:

a) – Que as vendas tituladas pelas facturas referidas nos artigos 47.º a 56.º da P.I. tenham sido objecto de registo no sistema electrónico de controlo do GCM através dos TPA/POS da Requerente;  

b) – Que a Nota de Crédito n.º ….. anule a factura n.º …; 

c) - Que o revendedor F…., ao qual a Requerente vendeu GCM (factura …), possua TPA/POS por ter celebrado com o Estado, directa ou indirectamente, o contrato que lhe permite vender o GCM com assumpção da responsabilidade cometida à Requerente pelo n.º 5 do artigo 93.º do CIEC actual; 

d) – Que as facturas a que se referem as alegações constantes no ponto 4.3.1.5, artigos 75.º a 85.º, da P.I., tenham sido objecto de registo no sistema electrónico de controlo do GCM através dos TPA/POS da Requerente;  

e) – Que o registo em nome de G…, efectuado no sistema electrónico de controlo do GCM, diga respeito à factura …. constante no anexo 2 do Relatório Final da Inspecção.

H - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

21 – Em face da matéria de facto fixada, importa proceder à subsunção jurídica dos factos e determinar o Direito aplicável aos mesmos, tendo presentes as enunciadas questões decidendas.

EXCEPÇÃO DILATÓRIA

22 – A Requerida (AT) suscitou uma excepção dilatória invocando que o montante de IVA notificado à Requerente, constante no Relatório Final da Inspecção, é inimpugnável por não se tratar de um acto tributário de liquidação ou, se o acto de liquidação do IVA tivesse vindo entretanto a ser praticado, se estaria na presença de excepção dilatória inominada consistente na prematuridade do direito de acção.

23 - Na reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, realizada em 19-09-2013, na qual, tal como consta da acta da primeira reunião do tribunal arbitral, foi discutida, com contraditório, a excepção dilatória suscitada pela AT, as Partes mantiveram as suas posições tendo sido decidido pelo Tribunal, com a concordância das Partes, julgar a excepção a final, o que agora é feito. 

24 – Como base legal do pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral - que antecede o Requerimento que contém o Pedido - a Requerente indicou a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e esta norma só permite a pronúncia do Tribunal Arbitral relativamente: “ A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” e, na P.I., também não consta qualquer fundamentação legal relativa a esta parte do Pedido sendo referido, apenas, tratar-se de IVA “[...] e respectivos juros compensatórios a liquidar;”.

25 - Por sua vez, quando na reunião do dia 19-09-2013 se pronunciou sobre a excepção dilatória suscitada pela AT, o representante legal da Requerente apenas invocou aspectos de celeridade e simplicidade que seriam característicos da jurisdição arbitral, nada referindo como base legal do seu Pedido de impugnação do IVA e respectivos JC que, regista-se, não foram objecto do acto tributário de liquidação notificado à Requerente constante nos autos.

26 – Dispõe o artigo 11.º do RCPIT, sob a epígrafe “Impugnabilidade dos actos” que “ O procedimento de inspecção tributária tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária, sem prejuízo [...]” pelo que o cálculo no Relatório Final da Inspecção notificado à Requerente de um montante de IVA, alegadamente em falta, sem que o mesmo tenha sido objecto de acto tributário de liquidação (e como tal devidamente notificado ao sujeito passivo), constitui um acto preparatório de outro acto que seria o acto de liquidação que, no caso em apreço, não foi praticado. (no mesmo sentido, cfr, acórdão do TCAN, P.º 01534/09.7BEBRG, 2.ª Secção, Contencioso Tributário, 12-05-2010)

27 – Em face do que antecede, em conformidade com o disposto no artigo 11.º do RCPIT aprovado pelo DL n.º 413/98, de 31 de Dezembro, conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, o Tribunal decide conceder provimento à excepção dilatória suscitada pela AT - que se refere ao montante de 28.916,52 euros de IVA notificado à Requerente e constante no Relatório Final da Inspecção e aos respectivos JC, mas que não foram, em ambos os casos, objecto do acto tributário de liquidação posto em crise nos presentes autos - absolvendo-a da instância.

DA NORMA CONSTANTE NO N.º 5 DO ARTIGO 93.º DO CIEC ACTUAL

28 – Decidida que foi a matéria da excepção dilatória suscitada pela AT, as questões de fundo em causa nos presentes autos consistem em saber:

a) - Se a parte final do n.º 5 do artigo 93.º do actual CIEC (n.º 5 do art.º 74.º do CIEC que vigorou até 20/07/2010) deve ser interpretada no sentido de dispor que os registos das vendas (digitação da quantidade e registo no cartão) no sistema electrónico de controlo do GCM devem ter sempre lugar, sob pena do proprietário ou do responsável legal pela exploração do posto - independentemente de o GCM ter sido facturado a titular, ou não, do direito ao benefício – ser responsabilizado fiscalmente pela diferença de tributação existente entre o gasóleo rodoviário e o GCM; e

b) - Se a referida norma pode, ainda, fundamentar a responsabilização fiscal – consistente na diferença de tributação existente entre o gasóleo rodoviário e o GCM - dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento, nos casos em que existem registos no sistema electrónico de controlo do GCM sem que aos mesmos corresponda emissão de factura pelo titular dos TPA/POS através dos quais os referidos registos foram feitos.

 29 – As posições das Partes são conhecidas defendendo a Requerente que:

 “[…]se as vendas foram ou não efectuadas a […] detentores do direito ao benefício fiscal, é a questão central a dirimir[…].

e a AT que:

 “[…] a responsabilidade tributária dos proprietários ou   responsáveis  pela exploração dos postos de abastecimento ocorre pela venda do GCM sem a leitura de cartão de microcircuito e não pela venda a não titulares de cartão […] pelo que “[...] a não se entender como absolutamente essencial e imprescindível essa efectiva leitura do cartão […] ficariam esvaziadas de conteúdo ou sentido útil as normas que estabelecem tal mecanismo de controlo [...]”.

 

30 – A norma em análise, que vigorou no período temporal em apreciação, não teve sempre a mesma redacção, registando-se:

- Entre 1/01/2010 e 20/07/2010 a redacção em vigor (n.º 5 do artigo 74.º do CIEC, aprovado pelo DL n.º 566/99), era a seguinte:     

 “5 – O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares de cartão com microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos”.        

- Entre 21/07/2010 e 31/12/2011 a redacção em vigor (n.º 5 do artigo 93.º do CIEC aprovado pelo DL n.º 73/2010), era a seguinte:      

5 – O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizado pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicado ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões electrónicos atribuídos”.        

- Desde 1/01/2012, a redacção em vigor do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, aprovado pelo DL n.º 73/2010, foi dada pelo artigo 132.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (OE/2012) e é a seguinte:        

“5 – O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo.”.      

31 – Apesar das alterações que no período temporal em apreço se registaram na redacção da norma, a Requerente e a AT consideram que, do ponto de vista substancial, nada foi alterado, pelo que entendem que a norma contempla a mesma realidade, posição com a qual o Tribunal concorda.

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA

32 - Estabelece o n.º 1 do artigo 11.º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”, pelo que a aplicação das normas jurídicas pressupõe a realização de uma actividade interpretativa.

33 - Assim, com o objectivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, há que lançar mão dos factores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 181).

34 – Entre nós, é o artigo 9.º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação correcta e adequada das normas.

35 - O texto do n.º 1 do artigo 9.º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.

36 - Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9.º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (art.º. 9.º, n.º1). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer” (obra citada, página 188).

37 - E sobre o n.º 3 do artigo 9.º do CC refere aquele autor: “ este n.º 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais correctas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correcta. Este modelo reveste-se claramente de características objectivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorrecto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstracto: sábio, previdente, racional e justo” (obra citada, páginas 189/190).

38 – Seguidamente o referido autor alerta para o facto de o n.º 1 do artigo 9.º do CC, referir mais três elementos de interpretação a “ unidade do sistema jurídico”, as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada” (obra citada, página 190).

39 – Finalmente, não pode olvidar-se que o n.º 2 do referido artigo 9.º dispõe que “ não pode, porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

DO ELEMENTO LITERAL

40 – Na expressão de Oliveira Ascensão (O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, página 353) “ o ponto de partida da interpretação tem de estar na letra” e, sendo assim, começaremos por analisar se da letra da lei se pode retirar um tratamento (em termos da responsabilidade fiscal) diferenciado (mais vantajoso) para a facturação do GCM que – embora não registada no sistema electrónico de controlo - se viesse a provar ter sido feita em nome de titulares do cartão electrónico (também designado por cartão com microcircuito), isto é, beneficiários da isenção.

41 – Regista-se que o facto de uma certa quantidade de GCM ter sido facturada a alguém que se venha a provar ser beneficiário, isto é, titular do cartão electrónico não garante, só por si, tratar-se de um venda regular, pois, em circunstâncias normais, a regularidade de tal venda só é provada se para a mesma houver registo no sistema electrónico de controlo, dado que este registo tem de ser feito na presença do titular do cartão, através da digitação do código secreto, que só ele conhece, e que dá acesso ao referido sistema de controlo.

42 – Ao longo do período em análise a redacção da norma não parece ter evoluído no sentido de diferenciar os adquirentes do GCM, mas, antes, de os tratar de igual forma, como se pode ver pela alteração, neste ponto registada, entre o conteúdo do n.º 7 da Portaria n.º 234/97 que dispunha:

[…] em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto (sublinhado nosso)

que deu lugar à expressão constante no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC actual:

“em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo(sublinhado nosso)

o que não pode deixar de ser visto como um “reforço” do sistema baseado no registo das vendas que, agora, sem qualquer dúvida, se entende como feito, exclusivamente, no sistema electrónico de controlo.

43 – Assim, dúvidas não parecem restar de que a expressão “quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controloengloba, sem excepção, com o mesmo conteúdo, todas as quantidades vendidas que não tenham sido objecto de registo no referido sistema, independentemente do estatuto do adquirente.  

DOS RESTANTES ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO

44 – Para uma abordagem dos restantes elementos da interpretação, especialmente no que ao elemento teleológico diz respeito e que, no dizer de Baptista Machado, consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a lei”, proceder-se-á a um breve percurso histórico tendo em vista surpreender o momento do aparecimento da norma e, se possível, a forma como a mesma tem sido interpretada.

45 - No início dos anos noventa do século passado, o Estado decidiu conceder ao sector agrícola um benefício fiscal traduzido numa menor taxa do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) a aplicar ao combustível consumido pelos equipamentos agrícolas.

46 – Como então só existia no mercado um gasóleo (que é o que hoje se designa por gasóleo rodoviário) as quantidades a consumir por cada agricultor com benefício fiscal eram calculadas, para cada ano, por uma Direcção-Geral (ou equivalente) do Ministério da Agricultura (actualmente designada por DGADR) com base em elementos objectivos (número e potência dos Tractores, Áreas regadas por bombagem, etc.) tendo um tecto (“plafond”) que, anualmente, não podia ser ultrapassado (cfr. n.º 3 do artigo 1.º do DL 124/94, de 18/5).

47 – Em termos práticos o benefício fiscal era concedido aos respectivos titulares (normalmente agricultores) no momento da aquisição do gasóleo – pagando estes um preço por litro inferior ao que pagariam se não existisse tal benefício fiscal -, sendo as empresas petrolíferas, que declaravam o gasóleo para introdução no consumo, compensadas da diferença do imposto, já que na data em que o produto era importado ou saía dos entrepostos fiscais (data esta em que ocorre a declaração para introdução no consumo) não era conhecido se o seu destino seria o normal uso rodoviário ou alguma utilização isenta. 

48 – Para além da candidatura ao benefício fiscal instruída no Ministério da Agricultura que, quando concretizada com sucesso dava origem a emissão de um “cartão electrónico do tipo Multibanco” no qual estava registada a quantidade máxima de gasóleo a adquirir por cada agricultor com benefício fiscal, o sistema electrónico de controlo deste benefício assentava, exclusivamente, na digitação das quantidades e no registo das mesmas no cartão electrónico, o que era feito em terminais próprios (do tipo TPA/POS) existentes nos Postos de Abastecimento pertencentes à rede de revenda das empresas petrolíferas aderentes a este sistema. (cfr. Portaria 349/94, de 1/6, e Portaria 628/95, de 20/6)

49 - Assim, o conceito de sistema electrónico de controlo do gasóleo vendido com benefício fiscal ao sector agrícola (na actualidade colorido e marcado) tem por base os cartões electrónicos (que, de início, eram designados por cartões com microcircuito) e respectivos códigos secretos, emitidos pela DGADR aos operadores económicos beneficiários – que, até 30-09-97, permitiam que o titular adquirisse gasóleo com benefício fiscal, até à quantidade inscrita no cartão, num qualquer Posto de Abastecimento pertencente à rede de revenda de uma qualquer empresa petrolífera aderente ao referido sistema - e aos terminais (do tipo TPA/POS) fornecidos, sob a responsabilidade do Estado, às empresas petrolíferas aderentes ao sistema para registo das quantidades de GCM vendidas, sistema este que é gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).  

50 – As características principais do sistema electrónico de controlo do gasóleo destinado à agricultura eram, assim, até 30/09/1997:

- a existência de uma candidatura ao benefício fiscal que fosse aprovada pela respectiva entidade oficial (hoje designada por DGADR); (cfr. Portarias n.º 349/94 e  n.º 628/95)

- a atribuição aos candidatos aprovados de uma quantidade máxima de combustível a adquirir com beneficio fiscal que era inscrita no respectivo cartão electrónico (n.º 3 do artigo 1.º do DL 124/94);

- o módulo de tempo anual para a candidatura e para a utilização do benefício fiscal (n.º 3 do artigo 1.º do DL 124/94);

- a obrigatoriedade de utilização de “cartões do tipo Multibanco” (para acesso ao sistema) e de “leitura  e registo” das quantidades abastecidas, o que era feito através de terminais do tipo TPA/POS, estando associado a cada cartão um código secreto só conhecido pelo respectivo titular ; (vide, FREITAS, Carlos Luís Sabino de Sousa e outros, “A coloração e a marcação dos produtos que beneficiam de isenção total ou parcial do imposto sobre os produtos petrolíferos”, in Alfândega – Revista Aduaneira, n.º 41/42, Dezembro de 1996, página 25)

- o acesso condicionado ao mercado do gasóleo agrícola por parte das empresas petrolíferas que dispunham de redes de revenda (abastecedoras dos agricultores, ou seja, dos consumidores finais), dado que, para este efeito, eram obrigadas a celebrar um contrato (do tipo contrato de adesão) com o Estado, através da entidade hoje designada por DGADR, que lhes permitia virem a dispor dos TPA/POS (cfr. Portarias n.º 224/97, de 2 de Abril, e 234/97, de 4 de Abril).

51 – Assim, pela natureza do sistema de controlo vigente, até 30/09/1997, quando um Posto de Abastecimento vendia gasóleo a um agricultor por um preço mais baixo, devido ao facto de o mesmo ser titular do cartão electrónico, mas se “esquecia” de registar a venda no sistema electrónico de controlo, suportava o prejuízo de tal “esquecimento”, traduzido no facto de tal gasóleo ser tributado em ISP como tendo uso rodoviário e não agrícola.

52 – Tendo em vista, dar cumprimento a determinações comunitárias (cfr. Directiva 95/60/CE, do Conselho, de 27/11), permitir que os agricultores adquiram com benefício fiscal todas as quantidades de produto de que necessitam (eliminação dos “plafonds” inibitórios) e melhorar o sistema de controlo das utilizações isentas dadas ao produto, fazendo reverter para o sector agrícola os ganhos de eficiência conseguidos, desde 1/10/1997, a atribuição do benefício fiscal ao gasóleo usado na agricultura passou a ser feita através da utilização de um produto próprio, designado por Gasóleo Colorido e Marcado (GCM), que tem as mesmas propriedades motoras do gasóleo rodoviário tendo, contudo, uma cor diferente (colorido) e uma substância química que nele permanece e o identifica (“marcador”), mesmo que (ilegalmente) seja descolorido, com intuitos de fraude. (vide COSTA, Maria Manuela,”O papel da marcação e da coloração dos produtos petrolíferos no combate à evasão fiscal”, in Alfândega – Revista Aduaneira, n.º 41/42, Dezembro de 1996, página 31/34)

53 – Dado que, em termos fiscais, se trata de um produto próprio, o GCM aquando da sua declaração para consumo (saída do entreposto fiscal) é tributado com a taxa do ISP que lhe é própria e os beneficiários podem agora adquirir nos Postos de Abastecimento autorizados, ao respectivo preço (que é muito inferior ao do gasóleo rodoviário) todas as quantidades que necessitarem (o plafond constante no cartão electrónico é, agora, indicativo e não inibitório, como acontecia no sistema anterior), continuando a ser anual o período de referência dos plafonds indicativos inscritos nos cartões electrónicos. (vide, FREITAS, Carlos Luís Sabino de Sousa e outros, obra citada, in Alfândega – Revista Aduaneira, n.º 41/42, Dezembro de 1996, páginas 22/26)

54 – Contudo, face à sensibilidade à fraude fiscal do novo produto (GCM), foi mantido, legalmente, o anterior sistema de controlo baseado em cartões electrónicos (com código secreto só conhecido pelo seu titular) e terminais tipo TPA/POS para registo das vendas e, através do n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, passou a responsabilizar-se fiscalmente o abastecedor do consumidor final, nos seguintes termos:  “os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos titulares de cartões com microcircuito emitidos sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sendo responsáveis pelo pagamento do ISP e respectivo IVA, resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável  ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do  posto” que, em termos práticos,  não difere do anterior sistema, pois este, por definição e como acima se viu, fazia incorrer os Postos de Abastecimento em prejuízo idêntico (à actual responsabilidade fiscal) quando não registavam as vendas feitas, com desconto, aos agricultores. (vide, MOTA, Paula, “Eficiência das marcas fiscais utilizadas nos óleos minerais e procedimentos de controlo associados”, in Alfândega – Revista Aduaneira, n.º 50, Novembro de 1999, páginas 31/33)

55 – É esta disposição legal que, depois de um acidentado percurso entre os tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância, o TCA, o STA e o Tribunal Constitucional - com decisões contraditórios sobre a sua constitucionalidade - acabou por ser declarada inconstitucional, em 5/05/2010, pelo Pleno do Tribunal Constitucional. (acórdão n.º 176/2010, P.º 400/09).

56 – Entretanto, a norma contida no n.º 7 da Portaria n.º 234/97 tinha sido – sem diferenças substanciais salvo a não consideração do IVA - retomada no n.º 5 do artigo 74.º do CIEC através de redacção que lhe foi dada pelo art. 69.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (OE/2007), texto este que sem diferenças substanciais se encontra hoje em vigor com inserção no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, aprovado pelo DL 73/2010.

57 – Mais recentemente, a Portaria 361-A/2008, de 12 de Maio (que revogou a Portaria 234/97), conjugadamente com a Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, estabeleceram um quadro de controlo muito mais restritivo do que o anteriormente vigente, indo ao ponto de determinar que o registo no TPA/POS (sistema electrónico de controlo) das vendas de GCM é “ obrigatoriamente feito no momento em que ocorram”, apesar de nas actividades agrícolas e silvícolas os abastecimentos de GCM a máquinas terem, por vezes, de ser feitos em sítios descampados. (Cfr. n.º 5.º a 7.º da Portaria 361-A/2008).

58 - Como acima se viu, aquando da criação do benefício fiscal ao combustível consumido pela agricultura no início da década de noventa do século passado, pela própria natureza do processo de concessão de tal benefício, dúvidas não havia sobre a essencialidade do registo das vendas (abastecimentos) feito no sistema electrónico de controlo.

59 – De resto, a responsabilidade fiscal objectiva cometida ao proprietário ou ao responsável legal pelo posto de abastecimento, no que ao GCM diz respeito, encontra paralelo noutras disposições do CIEC de que é exemplo, no Imposto Sobre o Tabaco, a norma contida no n.º 4 do artigo 110.º ao considerar “[…] ter sido introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais (“selos” apostos nos maços de cigarros) fornecidas aos agentes económicos e que não se mostrem utilizadas regularmente através da aposição em embalagens de venda ao público saídas dos entrepostos fiscais, ou regularmente introduzidas no consumo (é o caso das estampilhas extraviadas), ou que não sejam apresentadas à autoridade aduaneira a solicitação desta.”, determinando, mesmo, o n.º 6 do referido artigo que, nestes casos: “[…] a liquidação do imposto é feita com base no preço de venda ao público mais elevado praticado pelo operador económico […]”(os parênteses são nossos).

60 – Por outro lado, na interpretação actualística da norma, o carácter essencial do registo das vendas no sistema electrónico de controlo - que só pode ser feito na presença do beneficiário, pois só ele conhece o código secreto associado ao cartão – não parece poder ser posto em causa, atenta a actual sensibilidade social do combate à fraude e evasão fiscais. 

61 - A escassa Doutrina existente também aponta para o carácter essencial do registo das vendas no sistema electrónico de controlo do GCM “ A nova redacção dada ao n.º 5 vem criar especiais responsabilidades para os proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento, [...] ficando directamente responsáveis pelo pagamento da diferença de ISP nos casos em que efectuem abastecimentos sem darem cumprimentos às disposições regulamentares que obrigam à utilização obrigatória dos cartões de microcircuito em todos os abastecimentos efectuados[...]”  (AFONSO, A. Brigas, Código dos Impostos Especiais de Consumo Anotado, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pag. 171).

62 – Que, sem surpresa, segue a orientação que já vem do período fundador do regime, “Esse controlo, de natureza contabilística, baseia-se na obrigatoriedade do registo informático de todas as transacções e visa apurar se o gasóleo colorido e marcado entrado no posto de abastecimento só foi vendido a possuidores de cartão de microcircuito” (vide, MOTA, Paula, obra citada, in Alfândega –Revista Aduaneira, n.º 50, Novembro de 1999, página 32).

63 – É, também, este o sentido da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) e do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que pronunciando-se, embora, sobre o texto constante no n.º 7 da Portaria n.º 234/97 e no âmbito dos processos em que foi discutida a constitucionalidade da referida norma, referem: 

Tribunal Central Administrativo do Sul

“[...] o que estará em causa no referido sistema de controlo é a análise dos registos das transacções de gasóleo colorido e marcado através do cartão com microcircuito instituído (movimentos no POS), não sendo o mero registo (contabilístico) das vendas condição suficiente ao cumprimento do estatuído no art. 7.º da dita Portaria 234/97[...]

e, mais adiante,

porque estamos perante um produto de venda condicionada sendo o respectivo abastecimento vinculado à utilização de um cartão de microcircuito [...] isto é, vinculado a um mecanismo de controlo assente na utilização obrigatória do cartão com microcircuito em todos os abastecimentos, [...] então, porque apesar de a venda ter sido inscrita na contabilidade do posto de abastecimento, também veio a comprovar-se que tal venda foi efectuada a não titulares de cartão [...], concluímos que a liquidação não enferma de ilegalidade [...] (acórdão do TCAS de 11/09/2007, CT- 2.º Juízo, P.º 01701/07;)

Supremo Tribunal Administrativo

“No ponto, releva, antes, o facto de o legislador ter blindado as transacções do gasóleo colorido e marcado para aquecimento, apenas as permitindo entre os postos autorizados e os titulares dos cartões, o que, atendendo à finalidade – evitar a fraude fiscal – e à consequência – pagamento da diferença entre a taxa de imposto normal e a reduzida -, configura uma formalidade ad substantiam, nos preditos termos.”

e, seguindo nos mesmos moldes,

“[…] que as vendas fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto assume as características de formalidade substancial [...]” (acórdão do STA de 30/05/2007, recurso n.º 243/07).

“Improcedem, deste modo, todas as questões suscitadas pela impugnante, sendo esta, por conseguinte, responsável, pois, pelo pagamento do imposto resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades vendidas e não devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos, nos termos do n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril” (acórdão de 3/12/2008, 2.ª Secção, P.º 836/08)

64 – É um facto que o não registo das vendas do GCM no sistema electrónico de controlo inviabiliza, definitivamente, a realização atempada do conjunto de controlos visados com a implantação de tal sistema, nomeadamente, a comparação das quantidades vendidas com as quantidades declaradas para introdução no consumo, o controlo das quantidades vendidas por cada posto de abastecimento e, acima de tudo, a efectiva prova de que cada venda do produto foi feita ao respectivo titular do cartão electrónico, responsabilizando-o devidamente (só ele conhece o código secreto que permite o acesso ao sistema/registo), o que pode ter consequências graves em termos de fraude, dado o fortíssimo beneficio fiscal com que o produto é vendido.   

65 – E, sendo assim, no que lhe diz respeito, a Requerente não pode desconhecer que na Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de Maio e na Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de Fevereiro, estão previstos os procedimentos que obrigatoriamente tem de cumprir nas suas vendas, em caso de necessidade de correcção dos registos no sistema electrónico de controlo do GCM com vista a afastar a responsabilidade fiscal que sobre ela impende. (cfr. n.º 12.º da Portaria n.º 361-A/2008).

66 - A certidão emitida pela DGADR em 24/09/2013, junta aos autos conforme despacho do Tribunal de 3/10/213, apenas prova que alguns dos titulares das facturas constantes no anexo 2 do Relatório Final da Inspecção eram titulares do direito, nada constando sobre a regularidade de cada concreta venda do produto.   

67 - Em face do que antecede, o Tribunal considera essencial (formalidade ad substantiam) o registo das vendas no sistema electrónico de controlo do GCM, pelo que a responsabilidade fiscal do proprietário ou do responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, prevista no n.º 5 do artigo 74.º do anterior CIEC e no mesmo número do artigo 93.º do actual CIEC, só pode ser afastada quando se prove que tal registo foi feito, o que nos presentes autos não aconteceu relativamente às vendas cujas facturas constituem o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção, artigos 47.º a 56.º da P.I., salvo os casos concretos a seguir analisados. 

68 - De entre as facturas que compõem a listagem que constitui o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção, a Requerente, no artigo 57.º da P.I. (ponto 4.3.1.2 da P.I.), pretende justificar a razão da não existência de registo no sistema electrónico de controlo do GCM, feito através do seu TPA/POS, de quatro casos, alegando, para o efeito, que se tratou de vendas anuladas através de Notas de Crédito (NC), estando em causa as seguintes facturas:

a) - Sociedade C..., NIF …, factura n.º 2…, relativa a 4000 litros de GCM;

b) - H…, NIF …, factura n.º …, de GCM;

c) - I…, NIF …, factura n.º …, relativa a 1.000 litros de GCM;

d) - D…, NIF …, factura n.º …, relativa a 2.500 litros de GCM.

69 – Dado que a determinação pela AT das quantidades do GCM vendidas pela Requerente, para as quais não foram encontrados talões de registo no seu TPA/POS, foi feita com base nas facturas emitidas pela Requerente, as anulações de facturas feitas através de NC que se encontrem regularmente emitidas terão como consequência necessária o deixarem tais facturas de constar na listagem que constitui o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção.

70 – Assim, nos casos aplicáveis, as NC a seguir referidas contemplam os elementos considerados essenciais (alínea a) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA) anulando, consequentemente, as correspondentes facturas (cfr. ofício da AT n.º …, de 2012/11/19). 

71 – Relativamente à factura n.º …, que diz respeito a 4000 litros de GCM facturados à Sociedade C…, foi emitida a NC … constante em anexo à P.I. sob o n.º 149 que, por contemplar os elementos considerados essenciais para o efeito, o Tribunal considera provado que anula a citada factura devendo, em conformidade, ser anulado o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente.

72 – Fica prejudicada a apreciação da NC … relativa a I… dado que a factura n.º …. que alegadamente anularia não consta na relação que constitui o anexo 2 do Relatório Final da Inspecção, não tendo por isso, dado lugar a qualquer liquidação de tributos ou juros compensatórios em crise.

73 – A NC n.º …, constante em anexo à P.I. sob o n.º 149 que a Requerente pretende que anule a factura n.º … relativa a I…, não identifica a factura que alegadamente anularia, pelo que o Tribunal considera não provada tal anulação e em consequência não declara a ilegalidade do acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente.

74 – Relativamente à factura n.º …, de D…, que diz respeito a 2.500 litros de GCM, foi emitida uma NC com o n.º …, constante em anexo à P.I. sob o n.º 149, que, por contemplar os elementos considerados essenciais para o efeito, o Tribunal considera provado que anula a citada factura devendo, em conformidade, ser anulado o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente.

75 - No ponto 4.3.1.3, artigos 65.º a 68.º da P.I., é alegado que a NC …. (constante em anexo à P.I. sob o n.º 151) anula parcialmente, em 2.000 litros de GCM, a factura n.º …, por esta não respeitar as condições de preço acordadas com o cliente, tendo sido emitida nova factura n.º … relativa aos 2000 litros de GCM (com o preço correcto) factura esta que, por se limitar a corrigir quanto ao preço a factura anterior, não tem anexado o talão emitido pelo TPA, dado que não originou qualquer abastecimento (que foi feito a coberto da primitiva factura).

76 - Atendendo a que a NC …, relativa a E…, contempla os elementos considerados essenciais para o efeito e tendo ainda presente que se provou que o preço de venda unitário do gasóleo constante da factura de substituição, n.º …, é de valor inferior (€954,00) ao da factura inicial, n.º … (€959,00), como é alegado pela Requerente, o Tribunal decide anular o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente à factura …. 

77 - Relativamente ao ponto 4.3.1.4, artigos 69.º a 74.º da P.I., que versa a venda de GCM ao revendedor F… a coberto da factura n.º …, a Requerente não fez prova nos autos que o referido revendedor (F…) ao abrigo do que dispõem os n.º s 2.º a 4.º da Portaria n.º 361-A/2008, tenha estabelecido com o Estado, directa ou indirectamente, o contrato de acesso ao mercado do GCM que lhe permite dispor de um TPA/POS, pelo que o Tribunal decide não declarar ilegal o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente. 

78 – Relativamente ao ponto 4.3.1.5, artigos 75.º a 85.º da P.I., onde a Requerente elenca um conjunto de facturas de vendas de GCM que, em seu entender, estão consideradas em duplicado, dado que os talões emitidos pelo TPA/POS que lhe estão adstritos constam da listagem que constitui o anexo 1 do Relatório da Inspecção, o Tribunal conclui que não foram juntas aos autos provas de que existam no sistema electrónico de controlo do GCM os registos das referidas facturas pelo que decide não declarar ilegal o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente.     

79 - Quanto à factura de venda n.º … (doc. 161 anexo à P.I.), emitida a favor de G… na quantidade de 2.000 litros de GCM (ponto 4.3.1.6, artigos 86.º a 90.º da P.I.), que a Requerente alega ter sido, por lapso, registada no TPA/POS da B..., sociedade revendedora de combustíveis com a qual tinha relações comerciais, atendendo à não coincidência do vendedor do GCM com a titularidade do TPA/POS onde a venda, alegadamente, teria sido registada e dado não ter sido dado cumprimento ao determinado no n.º 12.º da Portaria 361-A/2008, não se prova que tal registo diga respeito àquela concreta venda pelo que o Tribunal não declara ilegal o acto tributário de liquidação em crise na parte correspondente.

REGISTOS NO TPA/POS PARA OS QUAIS, ALEGADAMENTE, NÃO FOI EMITIDA FACTURA 

80 – A fundamentação do acto tributário de liquidação das importâncias relativas a ISP, CSR e JC, consideradas em falta pela AT e imputadas à Requerente, é feita no Relatório Final da Inspecção, para o qual remete a notificação do acto tributário de liquidação praticado pelo director da Alfândega do Jardim do Tabaco, sendo invocadas as seguintes disposições legais para sustentar o acto tributário de liquidação do ISP e da CSR:

a) alínea h) do artigo 4.º e artigos 7.º, 8, 9.º do CIEC, aprovado pelo DL n .º 73/2010; e

b) n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, aprovado pelo DL n .º 73/2010

81 – A referência feita à alínea h) do artigo 4.º do CIEC, deverá ser entendida como feita à alínea h) do n.º 2 do referido artigo, pois, só este número contempla tal alínea.

82 – Esta norma, que estabelece a incidência subjectiva do imposto e reproduz, na parte com interesse para os presentes autos (venda), a norma constante da alínea e) no n.º 2 do artigo 3.º do anterior CIEC, tem de ser interpretada restritivamente, mesmo sem discutir os problemas de constitucionalidade que apresenta por ter sido editada no actual CIEC sem que a Assembleia da República (directamente ou através de Autorização Legislativa ao Governo) tivesse suprido a inconstitucionalidade que foi declarada pelo Tribunal Constitucional para a norma que reedita “quando interpretada no sentido de incluir as “[…] pessoas singulares ou colectivas […] que vendam […]”. (sublinhado nosso) (Acórdão do Pleno do TC de 28/05/2010, DR 2.ª Série, de 28/06/10).  

83 – Com efeito, não é a prática de qualquer irregularidade que transforma o infractor em sujeito passivo do imposto, mas, tão-somente as irregularidades praticadas no âmbito do CIEC, ou seja, irregularidades cuja existência tenha determinado a não liquidação dos impostos especiais de consumo que seriam devidos.

84 – Ora, no caso em apreço o imposto (ISP) foi devidamente liquidado e pago quando, à saída do entreposto (fiscal ou aduaneiro), o GCM foi declarado para consumo (como gasóleo colorido e marcado que é, pagando, portanto, a respectiva taxa do ISP) pelo fornecedor da Requerente dado que, como se provou nos autos, esta adquiria todo o produto já declarado para consumo.

85 – A irregularidade imputada pela AT à Requerente consiste na, alegada, não emissão de facturas para vendas de GCM feitas a beneficiários cujo registo no sistema electrónico de controlo consta no Relatório Final da Inspecção.

86 – Pelo que a irregularidade imputada pela AT à Requerente se situa no domínio da legislação aplicável em sede do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, não constituindo fundamento da incidência subjectiva do imposto em crise.

87 – A invocação do artigo 7.º do CIEC, que tem por epígrafe “Facto gerador”, também não se mostra idónea para o efeito, dado que o facto gerador versado na norma consiste na sujeição ao imposto da “produção” e da “importação”, enquanto no presente caso está somente em causa o, alegado, incumprimento da emissão de facturas de vendas que, contudo, foram correctamente tributadas em ISP.   

88 - No artigo 8.º do CIEC está definida a exigibilidade fazendo apelo ao conceito de introdução no consumo que é desenvolvido no artigo seguinte (artigo 9.º do CIEC).

89 – No artigo 9.º do CIEC sob a epígrafe “Introdução no Consumo”, estão previstos vários factos que dão origem à exigibilidade do imposto, desconhecendo-se qual é a concreta norma a que a AT pretenderia fazer apelo para fundamentar o acto tributário de liquidação em crise.

90 – Mas, dado ser um facto provado nos autos que todo o GCM vendido pela Requerente foi “declarado para introdução no consumo” pelo seu fornecedor e ainda que a posição da Requerente no presente processo consta na parte final do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC - e não como consumidor final (que, por violar os pressupostos de um beneficio fiscal que lhe houvesse sido outorgado ficasse sujeito à exigibilidade do ISP) - facilmente se conclui que o citado artigo 9.º não é idóneo para fundamentar a exigibilidade do imposto. 

91 – Finalmente, a norma constante no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC também não constitui, aqui, fundamento do acto tributário de liquidação em crise, dado que a responsabilização fiscal operada pela mesma tem por objecto as quantidades de GCM vendidas e que não fiquem registadas no sistema electrónico de controlo quando, no presente caso, os registos existem e referem-se a beneficiários constantes na base de dados que suporta o referido sistema de controlo.

92 – Assim, nem a letra, nem o espírito da norma permitem qualquer interpretação que conduza à responsabilização fiscal da Requerente, com base na inexistência de facturas das vendas que a AT alega estarem subjacentes aos registos existentes no sistema electrónico de controlo do GCM e que constituem o anexo 1 do Relatório Final da Inspecção.

93 – Em face do que antecede, relativamente aos factos que estão na origem dos registos existentes no sistema electrónico de controlo que constituem o anexo 1 do Relatório Final da Inspecção, a AT faz errada interpretação do Direito aplicável, devendo o Tribunal declarar a ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação em crise, com excepção dos registos a seguir indicados que por terem sido aceites pela Requerente, conforme artigo 2.º da P.I. e mapa anexo ao requerimento de 10/10/2013, não fazem parte do Pedido:  

…, NIF: …, data: 22-12-2011 (5.000 litros);

…, NIF; …, data: 24-06-2011 (3.000 litros);   

… , NIF; …, data: 11-04-2012 (3.500 litros);  

…, NIF …, data: 11-04-2012 (2.167 litros).

CONCLUSÕES

94 – Quanto à excepção dilatória suscitada pela AT, uma vez que o  apuramento no Relatório Final da Inspecção do valor do IVA alegadamente em falta e respectivos JC não constitui qualquer acto tributário de liquidação que tenha sido notificado à Requerente, o referido valor do IVA e respectivos JC não são impugnáveis pelos fundamentos acima expostos devendo, por consequência,  a  AT ser absolvida da instância nesta parte do pedido. 

95 – O incumprimento, pelos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento, do registo previsto na 2.ª parte do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC – dada a alta fiabilidade que o mesmo empresta ao controlo fiscal do produto - põe, gravemente, em causa o sistema electrónico de controlo do GCM o que confere ao referido registo a característica de essencial.

96 – Assim, a responsabilidade fiscal dos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do GCM, prevista no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, só é afastada quando se prova que tal registo existe, o que nos presentes autos não foi feito, dado que a certidão emitida pela DGADR em 24/09/2013, junta aos autos conforme despacho do Tribunal de 3/10/2013, somente atesta quem é beneficiário do GCM.

97 – Relativamente às facturas descritas nos pontos 71, 74 e 76, constantes no anexo 2 do Relatório Final da Inspecção, ficou provado que os respectivos registos no sistema electrónico de controlo do GCM não deviam ter tido lugar pelo que, na parte que às mesmas diz respeito, a AT, ao considerar como vendas quantidades de GCM constantes em facturas que foram anuladas através de Notas de Crédito, faz errada qualificação dos factos, cometendo erro sobre os pressupostos de facto e, portanto, violação de lei, pelo que o acto tributário de liquidação em crise deve ser declarado ilegal e, consequentemente, anulado.  

98 – No que se refere a todas as restantes facturas de vendas de GCM que constam no anexo 2 do Relatório Final da Inspecção o acto tributário de liquidação em crise não é declarado ilegal pelos fundamentos acima apresentados. 

99 – Quanto à responsabilização fiscal, em termos de ISP, CSR e JC, imputada pela AT à Requerente pelos registos existentes no sistema electrónico de controlo do GCM de, alegadas, vendas para as quais não foram emitidas facturas (anexo 1 do Relatório Final da Inspecção), a AT faz errada interpretação e aplicação das normas legais, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que consubstancia o vício de violação de lei, devendo, em conformidade, o acto tributário de liquidação em crise ser anulado na parte do pedido que aos mesmos diz respeito. 

QUESTÕES PREJUDICADAS

Relativamente aos registos no sistema electrónico de controlo do GCM para os quais não foram emitidas facturas, procedendo o pedido de anulação do acto tributário de liquidação com base no vício de violação de lei fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

É o que resulta do disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

III – DECISÃO

Atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral Colectivo decide:

a) - Absolver da instância a requerida (AT) quanto ao pedido formulado pela Requerente na parte que ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, no montante de 28.916,52 Euros, e respectivos JC diz respeito;

b) – Não declarar ilegal o acto tributário de liquidação de ISP, CSR e JC relativamente às facturas de vendas de GCM constantes no anexo 2 do Relatório Final da Inspecção que são objecto do pedido, salvo as descritas na alínea seguinte;

c) - Julgar procedente por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de anulação do acto tributário de liquidação do ISP, CSR e JC, relativamente às facturas de vendas de GCM a seguir referidas:

factura n.º … relativa a 4000 litros de GCM facturados à Sociedade C… 

factura n.º … relativa a 2.500 litros de GCM facturados a D…; e

factura n.º … relativa a 2.000 litros de GCM facturados a E…;

d) - Julgar procedente por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de anulação do acto tributário de liquidação do ISP, CSR e JC, relativamente aos registos nos TPA/POS da Requerente constantes no anexo 1 do Relatório da Inspecção, salvo os que foram aceites pela Requerente e que são elencados no ponto 93 desta Decisão e que, portanto, não fazem parte do pedido.

e) - O acto tributário de liquidação impugnado é anulado parcialmente, devendo o mesmo ser reformulado em conformidade com o acima decidido.

f) - Condenar a Requerente e a AT nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento que se fixa em quatro quintos para a Requerente e em um quinto para a AT.

 

Valor do processo

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º1 do art.º 29.º do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €149 794,73.

Custas

De harmonia com o n.º 4 do art.º 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.060,00 euros, nos termos do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, na proporção de quatro quintos para a Requerente e em um quinto para a AT.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2013

Os Árbitros

 

 

Manuel Macaísta Malheiros

 

Manuel Teixeira Fernandes

 

António Correia Valente

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.)