Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 679/2016-T
Data da decisão: 2017-06-01  IRC  
Valor do pedido: € 32.825,65
Tema: IRC- Benefícios Fiscais (SIFIDE) - Tributações autónomas
Versão em PDF


 

 

Decisão Arbitral

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A…, SA, contribuinte n.º…, com sede no Lugar …–…, … … …(doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por “RJAT”) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRC nº 2014…, relativa ao exercício de 2013, no montante global de €32.825,65, pretendendo a sua anulação.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 14-11-2016, foi imediatamente aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 17-01-2017, a ora signatária como árbitro para constituir o Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01-02-2017. Em 08-02-2017 foi proferido despacho arbitral, de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 07-03-2017 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e, a 8-02-2017, o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Por despacho arbitral de 13-03-2017 foi marcada a reunião prevista no art. 18º do RJAT, para a data de 23-03-2017, pelas 10h30m, destinada a inquirição das testemunhas, alegações orais e demais questões de tramitação. Em 17-03-2017, veio a Requerente solicitar o adiamento da reunião, por indisponibilidade para a data indicada. Nesta conformidade, foi proferido despacho arbitral a dar sem efeito a data designada. Foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa da reunião e da produção de prova testemunhal, dado que a matéria controvertida se cinge a questões de direito. Por requerimentos juntos aos autos em 29-03-2017 e 30-03-2017, Requerida e Requerente, respetivamente, pronunciaram-se favoravelmente à dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, com dispensa da inquirição das testemunhas indicadas e prosseguimento dos autos para alegações escritas e decisão final. Nesta conformidade foi proferido despacho arbitral em 06-04-2017 dispensando a realização da reunião, fixando prazo para alegações escritas e data para prolação de decisão arbitral até 01-06-2017.

 

  1. Requerente e Requerida vieram juntar aos autos as respetivas alegações escritas, em 18-04-2017 e 28-04-2017, respetivamente, nas quais renovam as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de tributações autónomas referente ao ano de 2013, e, em consequência, pretende a declaração de ilegalidade destes atos tributários, cuja anulação requer, peticionando o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

  1. Está em causa determinar se a Requerente tem ou não direito a deduzir o crédito fiscal resultante dos benefícios fiscais que viu aprovados no âmbito do SIFIDE, por dedução à coleta do IRC produzida por tributações autónomas, no referido exercício de 2013. A liquidação emitida, foi paga pela Requerente.

 

  1. É entendimento da AT que tal dedução não se afigura possível e que a natureza das tributações autónomas não comporta tal possibilidade de dedução de benefícios fiscais, ao contrário do que alega a Requerente.

 

  1. Em síntese, para fundamentar o indeferimento da reclamação apresentada, alega a AT que o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido à coleta apurada com base na matéria coletável. Logo, não poderá ser deduzido às tributações autónomas, que são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90º do CIRC.

 

 Invoca o percurso histórico do regime da não dedutibilidade de despesas que conduziu às tributações autónomas.

Em suma, entende a AT, e nisso fundamenta o indeferimento da reclamação graciosa, que as razões subjacentes ao benefício em causa assentam num prémio cuja amplitude varia consoante a rendibilidade dos investimentos, de modo que quanto maior for o lucro maior será a capacidade para efetuar a dedução, verificando-se uma ligação indissociável entre o montante do crédito de imposto por investimento e a parte da coleta do IRC calculada sobre a matéria coletável baseada no lucro. Por último invoca ainda o nº 21 do artigo 88º do CIRC, aditado pela lei nº 7-A/2016, de 30 de março.

Defende ainda que, seria contrário ao espirito do sistema, permitir que, por força das deduções a que se refere o nº2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos, desvirtuado, às tributações autónomas esse carácter anti abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC. Pugnando pela desconsideração das tributações autónomas para o efeito das deduções referidas no nº2 do artigo 90º do CIRC. Reafirma a legalidade dos atos tributários impugnados.

 

 

  1. No seu pedido alega a Requerente que, apesar de conterem algumas especificidades face ao regime geral, as tributações autónomas são componentes do IRC. Invoca ser este o entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, mormente arbitral, destacando os Acórdãos arbitrais nº 775/2015-T, nº 744/2015-T, nº 748/2015-T e nº 740/2015-T.  Ressalta os fundamentos vertidos nesta última decisão, dada a similitude com o caso concreto em discussão nos presentes autos. Assim, conclui, em sintonia com a decisão vertida neste último Acórdão arbitral, que “sendo as tributações autónomas IRC – liquidado com base no nº1 do artigo 90º do CIRC -, os montantes correspondentes a SIFIDE podem ser deduzidos às mesmas, com base na alínea b) do nº2 do referido preceito. A norma do nº 21 aditada ao artigo 88º do CIRC pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela “é efetuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultam do disposto nos números anteriores». Por tudo isto, peticiona a procedência do pedido com a consequente declaração de anulação do ato de indeferimento e da liquidação subjacente, com as consequências legais de reembolso do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em defesa dos atos impugnados, alega que a pretensão da Requerida deverá improceder, pelas razões invocadas na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, que reproduz e sustenta como adequados à lei em vigor.

Contesta, ainda, o pedido de juros indemnizatórios.

Nas alegações renova a argumentação anteriormente vertida na Resposta apresentada.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  1. A Requerente é, para efeitos de tributação em sede de IRC, uma entidade sujeita e não isenta de IRC.
  2. Com referência ao exercício de 2013, a Requerente apresentou em 31-03-2014 a declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao IRC do período de tributação de 2013, na qual apurou prejuízos fiscais no montante de €652.367,44 e uma coleta de €0,00.
  3. Em resultado da declaração de rendimentos apresentada, a Requerente apurou um montante de €32.825,65, correspondente a tributações autónomas, tendo autoliquidado e pago o valor de €31.326,95.
  4. A Requerente obteve um crédito fiscal de €595.801,76 resultante do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, vulgo, SIFIDE, aprovado nos termos da Lei nº 40/2005 de 3 de agosto.
  5. Face à insuficiência de coleta de IRC no ano de 2013 e apesar das tributações autónomas apuradas, a Requerente não deduziu qualquer montante relativo a esse crédito fiscal.
  6. A Requerente apresentou em 29-03-2016, a Reclamação graciosa para contestar e anular a liquidação relativa ao exercício de 2013, invocando que à liquidação da tributação autónoma efetuada nos termos do artigo 90º do CIRC, nos termos da alínea c) do nº 2, deve ser deduzido o benefício fiscal (crédito fiscal SIFIDE) à coleta das tributações autónomas, a qual foi indeferida, como consta do documento nº1 junto em anexo ao pedido arbitral e do PA junto pela AT.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1. Os factos dados como provados têm base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo.

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, devendo selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

IV – DO DIREITO

 

  1. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em saber se o crédito fiscal que foi reconhecido à Requerente, em sede de SIFIDE, pode, ou não, ser deduzidos à parte da coleta apurada pelas tributações autónomas, com referência ao exercício de 2013. Esta é a questão essencial objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral que cabe apreciar e decidir.

 

  1.  Com referência ao exercício em causa, vigorava o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE II) [1] aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a vigorar entre 2011 e 2015. Este diploma estabelece, para os sujeitos passivos de IRC abrangidos pelo sistema de incentivos SIFIDE, ou seja, a quem tenha apresentado a necessária candidatura, provado a verificação dos pressupostos legais para a sua aprovação, o reconhecimento dos respetivos benefícios fiscais (créditos fiscais). O crédito fiscal existente advém do seu reconhecimento, em 2012, por força de investimentos realizados em despesas de investigação e desenvolvimento elegíveis e reconhecidos como tal.

 

 

 

 

  1. Nos termos do regime de incentivos em causa, dispõe o artigo 4º do SIFIDE que:

 

“1-  os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

     (...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.”

 

  1.  Resulta do disposto na lei, de forma inequívoca, uma remissão para o artigo 90.º do CIRC, o qual estabelece a regra de liquidação do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

Resulta da letra da lei, no já supramencionado artigo 4º do SIFIDE, que define o âmbito da dedução do benefício fiscal, que os sujeitos passivos abrangidos pelo benefício fiscal podem efetuar a sua dedução ao montante apurado nos termos do artigo 90º do Código do IRC, e até à sua concorrência.

Nesta conformidade o elemento literal não deixa dúvidas e leva-nos a concluir que a questão a resolver se centra, portanto, na interpretação e aplicação desta norma, que refere que os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º CIRC, e até à sua concorrência (,..)”. Fica, pois, respondida a questão de saber se o artigo 90º do CIRC é ou não aplicável no caso sub judice, sendo que a resposta é afirmativa, pois a letra da lei não deixa dúvidas sobre a aplicação deste normativo legal, expressamente referido pelo legislador como aplicável.

 

  1. Porém, apesar do que se deixa exposto, sempre se dirá que se impõe alguma reflexão sobre o sentido e alcance da aplicação do referido artigo 90º, no caso concreto dos autos, ou seja, à questão de saber se o IRC determinado por tributações autónomas estará ou não sob alcance da ratio legis, nomeadamente se a referência ao artigo 90º seria restrita à coleta determinada sem a consideração das tributações autónomas, ou se, pelo contrário, também estas se incluirão no conceito de coleta de IRC, para os efeitos pretendidos. Nisso reside a controvérsia que opõe as partes no presente litígio. Esta questão pressupõe algumas considerações sobre a natureza das tributações autónomas, as quais têm suscitado muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, mormente, quanto à sua verdadeira natureza.

 

  1. Sobre esta questão e abordando problemas jurídicos muito semelhantes ao que agora tratamos, existe já numerosa jurisprudência arbitral, salientando-se as decisões arbitrais proferidas nos processos 113/2015-T; 697/2014-T (com voto de vencido); 219/2015-T, 370/2015-T; 369/2015-T; 673/2015-T, 722/2015-T, 775/2015-T, 744/2015-T, 748/2015-T e 740/2015-T, sem prejuízo de outros.

Posto isto, e definidos os contornos da questão controvertida, é incontornável que o disposto no artigo 90º do CIRC é a única norma de referência nesta sede, por inexistir qualquer outra disposição que disponha de modo diferente ou que afaste a sua aplicação, como se demonstrará. De realçar que, de acordo com a hermenêutica jurídica, o intérprete e aplicador do direito vigente deve presumir que o legislador soube expressar de forma clara, coerente e racional a sua vontade.

 Assim, nesta linha de pensamento, é óbvio que o legislador teve a oportunidade de definir com clareza e rigor o alcance do benefício fiscal decorrente da consideração das despesas realizadas em sede de investimento em investigação e desenvolvimento, com elevado potencial económico, pelo que, se desejava que este benefício ficasse condicionado apenas e só aos casos em que as empresas beneficiárias apresentassem lucros fiscais (coletas positivas), podia e devia considerar expressamente tal condição no diploma legislativo de referência, Certo  é que não o fez.

Acresce que, não se trata de ausência de reflexão sobre esta questão específica, lapso ou insuficiência da letra da lei, tanto mais que expressamente mencionou que a dedução “é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior”. Ora, ao verter nos diplomas legislativos de referência o seu pensamento quanto ao regime a que submeteu os benefícios fiscais em causa. o legislador não deixou de ponderar a aplicação do artigo 90º do CIRC e, se o fez, bem sabia que as tributações autónomas se inserem no IRC e, por consequência, ao não excluir expressamente a possibilidade de dedução ao valor de IRC apurado por tributações autónomas, foi certamente por considerar que os benefícios para a economia e o bem estar coletivo gerados pelo investimento naquele particular tipo de atividade devia ser considerado como um bem superior ao da arrecadação tributária potenciada pelas tributações autónomas. Sabemos bem que não são sindicáveis as razões de politica fiscal subjacente aos incentivos concedidos pelo legislador.

 

  1. Como bem alega a Requerente, citando o Acórdão arbitral proferido no processo nº 740/2015-T, a propósito da aplicabilidade do artigo 90º do CIRC à liquidação das tributações autónomas: “Estes artigos 89º e 90º do CIRC, bem assim como outras normas deste código (…) são aplicáveis às tributações autónomas. Desde logo é pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC”. É esta a posição que nos parece adequada e correta.

 

  1. Não obstante o que vem exposto, é certo que sobre esta questão existe, também, alguma controvérsia jurisprudencial, como se pode constatar pela análise, por exemplo do Acórdão arbitral proferido no processo nº 607/2014. Mas como bem resulta do voto vencido consignado neste Acórdão, ao qual se adere, “o CIRC refere-se, de modo expresso às tributações autónomas em apenas cinco artigos, a saber:
  2. No art.º 12.º do CIRC, que exclui as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal, previstas no artigo 6º do CIRC;
  3. No art.º 23.º-A, n.º 1, que dispõe que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável;
  4. No art.º 88.º, que estabelece as taxas e delimita a matéria coletável das tributações autónomas);
  5.  No art.º 117.º, n.º 6, que prevê a obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do art.º 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas;
  6. E, no art.º 120.º, n.º 9, quanto à declaração periódica de rendimentos.”

 

  1. Na verdade, seguindo ainda a mesma linha de raciocínio expressa no supra referido voto vencido, não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas. Elas estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC, incluindo o artigo 90º. Aliás, a AT reconhece isso mesmo, embora defenda o uma interpretação restritiva do disposto neste normativo, mormente o disposto no seu nº 2, quando esteja em causa a dedução de benefícios fiscais, com o sucede no caso em apreço por, alegadamente, entender que de outra forma se desvirtua o propósito anti abuso das tributações autónomas.
    Ora, independentemente deste reparo poder fazer algum sentido, não cabe à AT, no exercício do seu poder imiscuir-se ou ir além dos propósitos que o legislador considerou e verteu em lei. Dito de outro modo, quem exerce o poder executivo deve limitar-se a cumprir e obedecer á lei (a qual por vezes nos desperta discórdia e perplexidade pelas opções que enuncia), mas sempre se dirá que o princípio da separação de poderes, enquanto princípio estruturante do Estado de Direito Democrático, não permite que o aplicador, nem o julgador, adulterem o sentido que objetiva e conscientemente decorre da lei. Caberá, assim, ao legislador alterar a lei, se e quando, o entender por adequado.

 

  1. Acresce que, nos presentes autos, não está, pois, em discussão a natureza das tributações autónomas, porquanto as partes assumem tratar-se de tributação em sede de IRC, ambas concedem que o seu apuramento obedece a taxas distintas, divergindo apenas quando à dedução dos benefícios fiscais. Ora, assim sendo, há que ter em conta que a coleta de IRC proveniente das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos e taxas de imposto definidos no artigo 88.º do CIRC. O procedimento de liquidação do imposto obedece apenas e só à norma do artigo 90º do CIRC, o qual delimita a matéria coletável das tributações autónomas e enuncia as taxas das tributações autónomas, que são diversas, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem, o tipo de sujeito passivo e os resultados económicos do sujeito passivo (se obteve ou não lucro). Este último aspeto assume uma importância fundamental, porquanto as diferentes e possíveis taxas aplicáveis dependem de se apurar lucro ou prejuízo fiscal no exercício. Resulta do disposto no artigo 88º do CIRC que a coleta de IRC, determinada pelas tributações autónomas, é função do resultado tributável e, por consequência, só poderá ser apurada após o encerramento do exercício, já que só então saberemos quais as taxas aplicáveis. Logo, em bom rigor, a liquidação do IRC é única, embora composta por uma parte que é determinada por aplicação das taxas previstas para as tributações autónomas, sempre em conformidade com a técnica de apuramento de imposto legalmente prevista.[2]

 

  1. Ora, se a coleta proveniente de tributações autónomas depende da que vier a resultar para o restante lucro tributável (positivo ou negativo), não se pode dizer, como pretende a AT, que seja determinada de modo instantâneo, coincidindo com a realização da despesa, já que a taxa de incidência em cada caso só é conhecida no final do período de tributação.

Sendo assim, é evidente que a liquidação ocorre, apenas e só, após a formação sucessiva de todo o rendimento tributável em sede de IRC[3]. Outro entendimento, seria contrário ao disposto na lei, e não podemos esquecer que as regras para determinação da matéria coletável e liquidação do imposto estão protegidas pelo princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 103º da Constituição.

De salientar, mais uma vez, que a questão controvertida, tendo como referencial o alegado pelas partes processuais, não é a natureza das tributações autónomas, mas a questão de saber se o crédito fiscal resultante do SIFIDE pode ou não ser deduzido à coleta de IRC gerada por tributação autónoma. Requerente e requerida assumem, tal como resulta dos respetivos articulados, que as tributações autónomas são IRC.

Como refere Saldanha Sanches: "Neste tipo de tributação [autónoma], o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros." [4]

Esta é, pois, uma questão central na determinação do lucro tributável, em sede de IRC e da sua posterior liquidação. O legislador optou por uma técnica legislativa que passa por autonomizar certos tipos de custos já relevados contabilisticamente, sujeitando-os a taxas diferentes das taxas gerais do imposto. Assim, essas despesas ou custos relevam em sede de determinação do rendimento tributável e, para evitar abusos, o legislador ao invés de não permitir a sua dedução como custo, corrige-os pela incidência das taxas de tributação autónoma, que, por sua vez, dependem do resultado do exercício. O que visa atingir, em todo o caso, é o rendimento que, pela via do custo realizado, reverteu para terceiros sem incidência de tributação. Embora tivesse outras alternativas, foi esta a técnica fiscal escolhida pelo legislador. O tribunal tem de respeitar esta opção e decidir em conformidade com este pressuposto. Veja-se, ainda a este propósito a análise vertida nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 370/2015-T, 369/2015-T, 673/2015-T, 630/2016-T, que se subscreve inteiramente.

 

  1. Mais uma vez, por opção, o legislador confrontado com  a admissibilidade ou não deste tipo de despesas (entre as quais encontramos situações profundamente diversas entre si, umas perfeitamente opacas, como o caso das despesas confidenciais ou não documentadas, e outras que têm manifesta relação com a atividade exercida, como por exemplo sucede com as despesas de deslocação ou com viaturas, mas podem resvalar para algum exagero e possibilitar remunerações a terceiros sem impacto fiscal), optou por considerar que as mesmas deviam ser dedutíveis em sede de IRC mas, posteriormente, sujeitas a uma tributação autónoma, como forma de moralizar algum eventual abuso ou excesso. Foi desta forma que o legislador combateu os eventuais abusos a que alude a AT.

Do que vem exposto se conclui que estas despesas são, num primeiro momento, relevantes como custos dedutíveis, para serem, num segundo momento, sujeitas a tributação autónoma. A opção pode ser criticável, porventura confusa e pouco coerente com o rigor conceptual que a técnica jurídica impõe, mas na conciliação entre o rigor jurídico e a técnica contabilística foi esta a solução que o legislador decidiu adotar. Certo é que, o legislador deixa claro que é em sede de IRC que estes dois momentos ocorrem, e a sua autonomização em sede de tributação se justifica pela diferenciação de taxas aplicáveis, agravadas quando o sujeito passivo apresente prejuízo, com a clara intenção de combater abusos e excessos.

 

Face ao exposto, embora se reconheça que o regime das tributações autónomas constitui, no quadro do IRC, quanto à forma de apuramento da tributação, um regime especial, diferente e algo estranho à dinâmica de um imposto sobre o rendimento, isso não o afasta da sua natureza intrínseca de regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas. O legislador tributa autonomamente estas despesas para tributar o rendimento que elas possam representar para os respetivos beneficiários escapando, contudo, nessa sede à tributação que seria devida.[5] Deste modo moraliza e desincentiva as “encapotadas remunerações” de que falava Saldanha Sanches, no excerto citado.

 

  1.  Resolvida a questão da natureza das tributações autónomas, dando por assente que se trata de IRC, resta concluir que o 90º do CIRC é aplicável, senão vejamos o que dispõe o artigo 90º do CIRC, na redação introduzida pela Lei nº3-B/2010 de 28-04 (versão em vigor para os exercícios de 2013 e 2014):

“Artigo 90º

Procedimento e forma de liquidação

1-A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a)Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120º e 122º, tem por base a matéria coletável que delas conste.

(…)

2-Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

(…)

c)      A relativa a benefícios fiscais

(…)

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº2 não pode resultar valor negativo.”

 

O procedimento de liquidação de IRC, no qual se integra a liquidação da parcela designada por tributação autónoma, como aliás resulta bem explícito no modelo de declaração de imposto (Modelo 22) utilizado para o efeito, determina a conclusão que os benefícios fiscais são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que esta resulte por tributações autónomas, pois que mesmo neste caso estamos perante coleta de IRC.

Note-se que o artigo 88º do CIRC (taxas de tributação autónoma) está inserido no Capítulo IV do CIRC (Taxas), evidenciando a conclusão a que chegamos, ou seja, trata-se de IRC, o qual é determinado pela aplicação de taxas diferenciadas a determinadas parcelas de despesas (custos) que se autonomizam, apenas e só, para esse efeito. Logo, a liquidação das tributações autónomas faz-se pela aplicação do mesmo e único procedimento de liquidação previsto na lei, concretamente no artigo 90º do CIRC, pois não há outra norma que possamos convocar para o efeito.

 

  1. Resta, por fim, analisar a segunda questão a decidir por este Tribunal, ou seja, saber se os benefícios fiscais resultantes da aplicação do regime do SIFIDE são ou não dedutíveis no caso concreto. Sobre esta questão concreta já se pronunciaram, em diversos acórdãos e decisões, os Tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, já supracitados. Em todos os casos já mencionados, se decidiu que os benefícios fiscais são dedutíveis, também, à coleta determinada por aplicação das taxas de tributação autónoma. Seguimos, pois, esta jurisprudência, por considerar que é a única conforme com a letra e o espírito da lei. Esta é uma matéria claramente abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, pelo que, se outro fosse o pensamento do legislador devia tê-lo enunciado claramente. Ou seja, se outro era o seu entendimento devia ter excluído a dedução dos benefícios ao IRC determinado por tributação autónoma, já que, como vimos, essa exclusão não resulta da lei.

 

  1. Acresce que, no nº 7, do artigo 90º, o legislador dispõe que “das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do nº2 não pode resultar valor negativo.”. Ora, é evidente que, se o legislador quisesse dizer algo mais, acrescentaria, antes ou depois, que a dedução não podia reportar-se ao valor do IRC determinado por tributação autónoma. Não o disse, apesar de se ter pronunciado sobre os limites à dedução dos benefícios fiscais.

Acresce ainda, com manifesta relevância em defesa desta interpretação, o que o legislador verteu no artigo 92.º do CIRC.

Assim, no artigo 92º veio o legislador estabelecer que:

“1-(…) o imposto liquidado nos termos do nº1 do artigo 90º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) a c) do nº 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse dos benefícios fiscais  e do regime previsto no nº 13 do artigo 43º.

2- Excluem-se do disposto no número anterior os seguintes benefícios fiscais:

(…)

b) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial SILFIDE II previsto no Código Fiscal de Investimento.”

 

Mais uma vez, o legislador deliberada e conscientemente quis dar a este tipo de benefícios fiscais um tratamento preferencial, naturalmente, por razões extra -fiscais, que se prendem com o período de excecional crise económica que o país atravessava, de modo a proteger as empresas que mais contribuem para o investimento de elevado potencial tecnológico. Do disposto no nº 2, do artigo 92º do CIRC, resulta evidente o carácter excecional que atribui ao benefício SIFIDE, que resulta duplamente protegido, porquanto recebeu também neste normativo legal uma proteção extra, face a outros benefícios fiscais que não mereceram idêntico tratamento. O legislador atribuiu, pois, a este benefício uma natureza excecional e prevalecente sobre muitos outros benefícios fiscais, e as razões que o levaram a consagrar tal benefício são exclusivamente determinadas por objetivos de política económica que não cabe ao Tribunal aferir ou julgar.  Na verdade, não cabe aos tribunais sindicar as políticas económicas dos Governos ou a forma como estes tentam conciliar os difíceis indicadores económicos, mormente quando o país precisa de incentivar o crescimento económico. Já no que toca ao argumento que convoca os princípios de justiça redistributiva e social, eles podem e devem ser cumpridos pela utilização de múltiplas políticas, integradas, sendo certo que essa função cabe muito mais no escopo do IRS e do que no do IRC. Pelo que, mal ou bem, há opções extrafiscais subjacentes a este tipo de regime de incentivos que não cabe aos Tribunais sindicar. Por isso, os alegados efeitos contraditórios e as distorções daí resultantes são consequências das opções ou escolhas públicas que o legislador entendeu privilegiar em determinado contexto económico e social.

 

  1. Também não colhe o argumento extraído da forma de cálculo dos pagamentos por conta, invocado pela AT. Parece óbvio que estes não poderiam ter como referencial o valor das tributações autónomas, porém esta questão não releva para a decisão dos presentes autos.

Por último, veio a AT invocar a jurisprudência vertida na decisão arbitral proferida no processo 722/ 2015-T, de 28-06-2016, quanto à questão da dedução dos créditos fiscais resultantes do SIFIDE II à coleta das tributações autónomas. Ora, como já se referiu na decisão arbitral proferida no processo nº 630/2016 -T de 27 de março de 2017, não se acompanha o entendimento aí defendido quanto à natureza da tributação autónoma nem subscrevemos, com o devido respeito, a sua fundamentação, porquanto a mesma não tem correspondência na lei. Sendo de louvar a elevada qualidade dos argumentos aduzidos, na verdade, eles passam por considerandos de política fiscal, económica e social, que o poder legislativo desconsiderou ou valorou de modo distinto. E, na verdade, tendo a possibilidade de alterar a lei ou corrigir o seu sentido, optou por não o fazer mantendo a lei inalterada. Aos tribunais cabe aplicar a lei em vigor ao tempo dos factos tributários, de acordo com os princípios hermenêuticos aplicáveis.

 

  1. Por tudo o que vem exposto, não temos dúvida que confrontando o disposto no artigo 90º e 92º do CIRC, nos termos sobreditos, bem assim o estabelecido no artigo 4º do diploma regulamentador do SIFIDE, se conclui que à luz da lei vigente ao tempo dos factos tributários e tendo em conta a factualidade assente, os benefícios fiscais resultantes do SIFIDE II são dedutíveis à coleta do IRC, ainda que determinada em sede de tributações autónomas.

Como bem se afirma no voto de vencida expresso no Acórdão 697/2014-T, já referenciado, “aceitar que a liquidação das tributações autónomas estivesse excluída do art. 90.º n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu art.º 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.”

 

Subscreve-se a jurisprudência vertida no Acórdão proferido no processo nº 370/2015-T, quando afirma que: “O elemento literal da norma não exclui a interpretação feita pela Requerente, pois que a dedutibilidade do benefício fiscal em causa à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil). É certo que as tributações autónomas, além de terem por objetivo garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), visam reduzir a “comparticipação fiscal” em certas despesas e, eventualmente, desincentivar a sua realização, sendo que tais objetivos serão menos logrados com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções. Mas, por outro lado, os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

No confronto entre entes dois objetivos, é a própria lei que nos indica o que deve prevalecer. Os interesses públicos que determinam a criação de um benefício fiscal são, por natureza, superiores aos da tributação que impedem.

Tal é, ainda mais, manifesto relativamente aos incentivos fiscais ao investimento, uma vez que constituem uma verdadeira promessa pública, no sentido de que aos sujeitos passivos que adotarem determinados comportamentos, supostamente do maior interesse económico e social, é garantida determinada “recompensa fiscal”.

Uma interpretação da lei, não expressamente imposta pelo texto legal, que restrinja o “aproveitamento” dos benefícios fiscais em causa feriria a credibilidade das “promessas legislativas” em matéria fiscal, seria, em suma, contrária ao princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito.”

 

  1. Posto isto, sobre a questão fundamental em apreço, quer à luz da letra da lei (que sendo o primeiro limite da interpretação não é o único) quer à luz da sua “ratio legis”, é entendimento deste Tribunal que é de admitir a dedução do benefício fiscal resultante do SIFIDE à coleta do IRC, mesmo na parte que seja determinada por tributações autónomas. Os benefícios fiscais são «medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes», que o legislador considera superiores aos da própria tributação que impedem, conforme indica o artigo 2º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais. No caso do SIFIDE, foi intenção do legislador sobrepôr as razões de natureza extrafiscal do benefício fiscal à própria cobrança da receita de IRC, que deliberada e conscientemente preteriu em prol do investimento em despesas de investigação e desenvolvimento. Este entendimento é confirmado pelo disposto no art. 92.º, nº2, do CIRC, quando exclui os benefícios do SIFIDE do limite de dedução referido nesse artigo.

Conjugando o disposto no artigo 4.º do diploma que aprovou o SIFIDE com o disposto no artigo 90.º do CIRC, conclui-se não existir qualquer base legal para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à coleta do IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

 

  1.  E, nestes termos, a liquidação de IRC é única, ou seja, respeita às tributações autónomas e restante IRC (parcelas sujeitas a diferentes regras de apuramento) e tem o mesmo suporte legal. A declaração Modelo 22 comporta, em si mesma, uma única liquidação de IRC, a qual, em parte, incorpora a liquidação das tributações autónomas. É certo que a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC obedecem a regras distintas, taxas diferentes, e cada uma tem a sua matéria coletável determinada de acordo com regras próprias, legalmente previstas, mas ambas obedecem à liquidação processada nos termos do art.º 90.º do CIRC. Nestes termos, e como bem se expressou no voto de vencida da Juiz Árbitro Leonor Fernandes Ferreira, no processo nº 697/2014 – T, “havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da colecta que provém das tributações autónomas é parte integrante da colecta de IRC. Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a colecta das tributações autónomas no art.º 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração.

 

  1. O indeferimento da reclamação graciosa é, pois, ilegal, bem assim como a liquidação subjacente, já que assentam no entendimento erróneo segundo o qual a coleta das tributações autónomas não permite a dedução dos benefícios fiscais determinados por aplicação do regime do SIFIDE II, nos termos em que foram reconhecidos à Requerente, impedindo-a de exercer o direito à dedução do benefício fiscal. Assiste, pois, razão à Requerente, quando reclama a ilegalidade dos atos impugnados nos presentes autos.

 

Assim, o indeferimento da reclamação graciosa padece de vício de violação de lei, bem assim como a liquidação de imposto que está na sua origem, pelo que procede o pedido arbitral, com a consequente anulação do ato de liquidação.

 

V - Juros indemnizatórios

 

  1. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

  1. De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

  1. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores que tenham sido pagos indevidamente, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), contados até ao processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

VI - DECISÃO

      

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa, bem assim como a liquidação objeto de impugnação nos presentes autos;

 

b)       Condenar a AT a restituir à Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios;

 

c)      Condenar a parte vencida nas custas do processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €32.825,65, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

   

Notifique.

 

 

Lisboa, 1 de junho de 2017

                                                     O Tribunal Arbitral,

 

________________________

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] O SIFIDE foi aprovado pela Lei nº 40/2005, de 3 de agosto, para vigorar entre 2006 e 2010; posteriormente a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, no seu art.133º, instituiu o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro.

[2] Neste sentido, contribui ainda o disposto no artigo 23º - A, n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, da qual se conclui, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC. Reforça, ainda, o entendimento segundo o qual com as tributações autónomas os objetivos do legislador foram e são o de combater abusos com impacto negativo na formação do rendimento tributável, pelo que, verdadeiramente é este rendimento tributável que o legislador quer atingir.

 

[3] De notar que a discussão em torno da natureza da tributação autónoma (rendimento ou despesa?) nos termos em que tem vindo a ser enunciada por alguma doutrina e jurisprudência obrigaria a conhecer do problema numa perspetiva muito mais alargada, à qual não poderia escapar a análise da sua conformidade face às imposições resultantes da Diretiva IVA e suas implicações.

[4] cf. "Manual de Direito Fiscal", 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 406

[5] Neste sentido, cfr. Rui Duarte Morais, in “Apontamentos de IRC”, Almedina, pág. 202.