Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 687/2016-T
Data da decisão: 2017-05-03  IRC  
Valor do pedido: € 785.822,96
Tema: IRC – Mútuo - preços de transferência – caducidade do direito à acção
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Decisão Arbitral

 

A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na …, Lote…, …, …, …-… …(doravante abreviadamente designada por "Requerente"), vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 3.º, n.º 1, do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) e do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011. de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos que a seguir se explicitarão.

 

 

I – DO PEDIDO

 

I.1. Do histórico e do objeto do pedido

 

A 17 de junho de 2016, a ora Requerente deduziu reclamação graciosa, (a "Reclamação", de que junta cópia sob a designação de Doc. 0) das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), derrama municipal e juros compensatórios vertidas nas demonstrações de acerto de contas n.ºs 2015 … e 2015 … (de que junta, em conjunto com as respetivas demonstrações de liquidação de IRC e juros compensatórios, sob a designação de Doc.s n.ºs 1 e 2), relativas aos exercícios de 2012 e 2013.

 

As liquidações adicionais de IRC e derrama municipal relativamente aos referidos exercícios de 2012 e 2013, bem como dos juros compensatórios associados, encontram-se resumidos no seguinte quadro:

 

Anos

 IRC e Derrama

Municipal

       Juros...

Compensat.

Total

 

N.º liquid.

Valor €

N.º liquid.

Valor €

Valor €

2012

2015 …

76.731,44

2015 …

7.795,07

84.526,51

2013

2015 …

644.936,86

2015 …

39.721,04

684.657,90

Total

 

721.668,30

 

47.516,11

769.184,41

 

Não tendo a Requerente procedido ao pagamento do IRC exigido e acrescidos, antes referidos, foram instaurados os respetivos processos de execução fiscal, conforme quadro seguinte:

 

Anos

Processo ex. fiscal

Citação inicial

DUC-Doc. Único Cobr

 

2012

…2016…

84.968.67

86.391,55

19.05.2016

2013

…2016…

687.500,85

400.000,00

19.05.2016

2013

  "       "       "       "

 

299.431,44

03.06.2016

Total

 

772.469,52

785.822,96

 

 

A Requerente optou por designar como árbitro da sua parte o Prof. Doutor António Martins, tendo a Requerida indicado como árbitro o Dr. José Rodrigo de Castro, que foram aceites pelo CAAD, a quem propuseram para árbitro presidente o Conselheiro José Baeta de Queiroz, igualmente aceite pelo CAAD.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as partes dessa designação em 23/01/2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º, também do RJAT, sem que as partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 07/02/2017.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou resposta em que, por impugnação, defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Em requerimento autónomo veio, de seguida, excecionar a caducidade do direito de ação- nos termos que adiante serão descritos -, requerimento esse que ficou nos autos atendendo a que a questão sempre seria de conhecimento oficioso - e ao qual a Requerente pôde responder, respeitando-se, portanto, o contraditório.

 

Por despacho de 14/03/2017, foi decido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas, no prazo de 10 dias.

 

As partes apresentaram as suas alegações em 24/03/2017 e 07/04/2017, respetivamente, a Requerente e a Requerida.

 

 

I.2 – Da tempestividade

 

Em 17/06/2016 foi apresentada a referida reclamação graciosa dirigida ao Diretor de Finanças de … contestando as liquidações adicionais de IRC, derrama municipal e juros compensatórios vertidas nas demonstrações de acerto de contas n.ºs …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013.

 

As referidas liquidações foram resumidas pela Reclamante no quadro seguinte:

 

Anos

IRC e derrama...      

municipal

    Juros...

Compensatórios.

Total

 

N.º

Valor

N.º

Valor

 

2012

2015 …

76.731,44

2015 …

7.795,07

84.526,51

2013

2015 …

644.936,86

2015 …

39.721,04

684.657,90

Total

 

721.668,30

 

47.516,11

769.184,41

 

A dita reclamação graciosa contra os referidos atos de liquidação, apresentada em 17/06/2016 não foi decidida no prazo de 4 meses como exige o n.º 1 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT), que terminaram em 18/10/2016, o que, em termos gerais, faz presumir o indeferimento tácito da mesma, por força do disposto no n.º 5 do referido artigo 57.º da LGT.

 

Considerando esta situação e considerando que a petição de impugnação deu entrada no CAAD - Tribunal Arbitral em 18/11/2016, poderia concluir-se ser tempestiva, porque apresentada dentro do prazo de 90 dias contados da referida data da presunção do indeferimento tácito ocorrido em 15/10/2016, como é exigível pela alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/11, na versão atualmente em vigor.

 

A Requerida alega, porém, no respeitante à liquidação de IRC de 2012, n.º 2015…, de 22/12/2015, notificada à Requerente (ID. DOC. FFCC – 2015…) por caixa postal eletrónica via CTT, através de documento enviado a 26/12/2015, conf. doc. 1 junto a este pedido, que, considerando-se a notificação efetuada a 20/01/2016, à data da apresentação da reclamação em 17/06/2016, já havia expirado o prazo legal de 3 meses previsto para o efeito, conforme artigo 70.º e 102.º do CPPT.

 

Mais refere a Requerida que mesmo contando-se o prazo a partir da data limite de pagamento que terminou a 19/02/2016, à referida data em que foi apresentada a reclamação graciosa, também já havia expirado o prazo de apresentação da mesma.

 

E ainda que, no respeitante à liquidação de IRC de 2013, n.º 2015…, de 22/12/2015, notificada à Requerente (ID. DOC. FFCC – 2015…) por caixa postal eletrónica via CTT, através de documento enviado a 29/12/2015, conf. doc. 2 junto a este pedido, a notificação se considera notificada a 23/01/2016, pelo que à data da apresentação da reclamação em 17/06/2016, o prazo para reclamar se encontrava igualmente precludido.

 

Mais refere que mesmo contando-se o prazo a partir da data limite de pagamento que terminou a 24/02/2016, à referida data em que foi apresentada a Reclamação Graciosa, também já havia expirado o prazo de apresentação da mesma.

 

Por sua vez, a Requerente, nas suas alegações vem contrapor a posição da AT, com o fundamento de que "A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º". 

 

E conclui realçando que o prazo para deduzir a reclamação graciosa é de 120 dias e não de 3 meses e que esses 120 dias são contados dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, ou seja do termo do prazo de pagamento voluntário (art.º 102.º, n.º 1, a).

 

E faz notar ainda a Requerente "que o prazo para apresentação de reclamação graciosa (120 dias) já não coincide com o prazo para apresentação de impugnação judicial (atualmente 3 meses, mas anteriormente 90 dias, desde a entrada em vigor da Lei n.º 60.º-A/2005, de 30 de dezembro".

 

E sublinha ainda que:

 

"(a) O ato tributário consubstanciado na Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendiomento das Pessoas Coletivas ("IRC") n.º 2015…, na Demonstração da Liquidação de Juros n.º 2015 …, e na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, todos relativos ao exercício de 2012, que apurou o montante de € 84.526,51 a pagar, apresentava como data limite de pagamento o dia 19 de fevereiro de 2016 (vd. Doc. n.º 1-1 junto do pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral);

 

(b) O ato tributário consubstanciado na Liquidação Adicional de IRC n.º 2015…, na Demonstração da Liquidação de Juros n.º 2015 …, e na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, todos relativos ao exercício de 2013, que apurou o montante de € 684.657,90 a pagar, apresentava como data limite de pagamento o dia 24 de fevereiro de 2016 (vd. Doc. n.º 2-1 junto do pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral);

(c) O prazo para apresentação de reclamação graciosa é de 120 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário;

 

Logo

 

(d) O prazo para apresentação de reclamação graciosa (relativo ao IRC de 2012) teve início em 20 de fevereiro de 2016 e apenas terminaria em 18 de junho de 2016, mas, por se tratar de dia não útil (sábado), o termo do prazo transfere-se para o dia útil seguinte, i.e., o dia 20 de junho de 2016 (cf. artigo 279.º do Código Civil)"

 

Pelo que, tendo a reclamação graciosa sido apresentada em 17 de junho de 2016 - facto que a AT não contesta, fica meridianamente demonstrada a respetiva tempestividade".

 

A Requerida AT, nas suas Alegações, confessa que o prazo legal para deduzir reclamação graciosa não ser de 3 meses como por lapso indicou, mas mantem "caducidade do direito de acção invocada, o que a Requerente não apreciou...”.

 

E a sua posição fundamenta-se no facto de existir uma "distinção entre o acto tributário de liquidação adicional, que se encontra reflectido na nota demonstrativa da liquidação do imposto, contendo a discriminação das várias rúbricas subjacentes ao cálculo do imposto/reembolso devidos, e a demonstração de compensação, mera operação material de acerto de contas resultante dos necessários movimentos de compensação entre liquidações, a anulada e a adicional,

 

Sendo que a reclamação graciosa impugnada é deduzida contra as notas demonstrativas da liquidação e não contra as respectivas notas demonstrativas da compensação, donde resulta que o prazo legal para a sua apresentação se conta nos termos da alínea b) do art.º 102.º do CPPT".

 

E ainda que "A notificação à Requerente da liquidação adicional de IRC tem um efeito constitutivo da sua situação jurídico-tributária, ao passo que o acerto de contas tem a natureza de mero acto material de compensação entre a liquidação ora impugnada e a liquidação que a antecedeu, com apuramento de um saldo final a pagar ou a receber, em nada afectando a sua situação jurídico-tributária já fixada pelo acto de liquidação que lhe é anterior".

 

Donde, conclui, "resta aplicar a lei contando o prazo de 120 dias a partir da notificação à Requerente das liquidações adicionais em apreço, resultando que o prazo para reclamar graciosamente expirou antes da apresentação da reclamação graciosa, a qual foi recebida da nos serviços da AT a 17/06/2016".

 

E que, assim, no respeitante à notificação da liquidação adicional do ano de 2012, notificada à Requerente "por caixa postal eletrónica via CTT, através de documento enviado a 26/12/2016, donde resulta que a Requerente se considera notificada no 25.º dia posterior àquele envio ou, se anterior, na data em que acedeu à sua caixa postal, sendo que no caso dos autos a Requerente se considera notificada a 20/01/2016".   

 

E que, deste modo, contando-se o prazo de 120 dias para reclamar a "partir da data da notificação, este terminou em 19/05/2016, antes da data da apresentação da reclamação graciosa...".

 

E ainda que o mesmo sucedeu quanto à liquidação adicional de IRC de 2013, notificada à Requerente "por caixa postal eletrónica via CTT, através de documento enviado a 29/12/2016, donde resulta que a Requerente se considera notificada no 25.º dia posterior àquele envio ou, se anterior, na data em que acedeu à sua caixa postal, sendo que no caso dos autos a Requerente se considera notificada a 23/01/2016".   

 

E que, deste modo, contando-se o prazo de 120 dias para reclamar a "partir da data da notificação, este terminou em 23/05/2016, antes da data da apresentação da reclamação graciosa...".

 

I.3 – Dos fundamentos da impugnação arbitral

 

Por a Requerente não concordar com a alegada violação invocada pela AT das regras de preços de transferência em sede de IRC, no estabelecimento das condições de financiamento entre a Requerente (enquanto mutuária) e a B… ("B…"), enquanto sociedade-mãe, fiscalmente residente na Holanda, e que detém a totalidade do seu capital social (enquanto mutuante).

 

A Requerente considera que os fundamentos da alegada violação das regras dos preços de transferência são "incorretos e juridicamente errados", como já demonstrou na reclamação graciosa oportunamente apresentada e que não foi oportunamente decidida.

 

Mais alega a Requerente que não existem divergências relevantes quanto aos factos essenciais

 

O que está em causa é o conjunto de condições, e muito em particular as taxas de juro que teriam sido acordadas entre entidades independentes que se encontrassem em circunstâncias equivalentes às da Requerente e da sua sociedade-mãe, no âmbito de um financiamento desta última à primeira.

 

Daí que, segundo a Requerente, no respeitante à interpretação e aplicação do Direito, a AT incorre em "diversas e flagrantes incorreções, inevitavelmente conducentes a um resultado intrinsecamente contraditório e completamente desprovido de sustentação".

Mais realça a Requerente a incongruência da análise da AT e o seu ilogismo, que "chega ao ponto de defender que uma sociedade-mãe nunca incorre em qualquer risco quando financia uma subsidiária porquanto, se a atividade desta última não produzir resultados suficientes para permitir reembolsar o financiamento obtido, a sociedade-mãe pode sempre colocar mais dinheiro seu...pelo que supostamente nunca corre o risco de não reaver o que inicialmente mutuou".

 

 

 

II – DOS FACTOS APRESENTADOS PELA REQUERENTE

 

1.      A Requerente supra identificada, A…, S.A., (adiante A…), pessoa coletiva n.º …, com sede na …, …, …, …, …-… … (doravante abreviadamente designada por "Requerente"), é detida a 100% pela B…, (adiante B…), sociedade não residente, com sede na Holanda.

 

2.      Os administradores da Requerentes são sujeitos passivos não residentes e são também responsáveis por outras empresas do grupo.

 

3.      A A… havia adquirido em 30/09/2011[1], através de um processo de fusão por incorporação, ocorrida em 29/12/2011, as sociedades C… ("C…") e D… ("D…"), que à data integravam o Grupo E…, desenvolvia a sua atividade no setor dos parques voltaicos.

 

4.      A B… está, por sua vez, integrada no Fundo de Investimento F… (o "Fundo").

 

5.      As referidas sociedades do Grupo E… eram titulares das necessárias licenças administrativas e arrendatárias de terrenos que permitiam o desenvolvimento de um projeto de produção de energia solar através da instalação de parques voltaicos.

 

6.      Este Grupo procedia à data a um desinvestimento no setor dos parques voltaicos, conf. doc.s 8 e 9 juntos à P.I., com a alegação de que essa decisão se ficava a dever à crise económico-financeira que o país atravessava, a partir do 2.º semestre de 2011, confirmada pelo Programa de Assistência Financeira acordado em maio de 2011 entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional.

 

7.      Esta situação económico-financeira do país e a elevada taxa de juro das obrigações da República Portuguesa, que atingiu o seu pico em janeiro de 2012, (17,36%), terá determinado o recurso à realização de dois mútuos contraídos com a sociedade-mãe, sendo um do montante de € 42.898.950,00 e outro de € 4.766.550,00, no tal de € 47.665.500,00.

 

8.      E porque, como alega, face à crise financeira do país que restringiu o acesso ao crédito, teve a Requerente de socorrer-se da empresa-mãe, a B…, que, por sua vez recorreu ao "Fundo", também pertencente ao Grupo, para obtenção do empréstimo.

 

9.      O empréstimo à Requerente subsidiária foi concedido nas seguintes condições:

a) Montante: € 47.665.500,00 (quarenta e sete milhões, seiscentos e sessenta e cinco mil e quinhentos Euros;

b) Prazo: 10 (dez) anos;

c) Possibilidade de reembolso antecipado, mas apenas por decisão da mutuária e sem qualquer penalização;

d) Taxa de juro: 13% ao ano, fixa;

e) Contagem de juros: acréscimo diário sobre o valor remanescente[2]

 

10.  Realça a Requerente que, "utilizando dados médios reais, decorrentes dos dados facultados pela Informação Empresarial Simplificada e pelos registos dos financiamentos concedidos por cinco grupos bancários portugueses, constata-se que as taxas médias se situavam num intervalo entre 7,3 e 7,35, sendo curiosamente o limiar superior das taxas ainda mais elevado no caso de financiamentos com garantia às grandes empresas (7,54%)".

 

11.  Sublinha que as taxas indicadas são relativas a financiamentos bancários e, portanto, não comparáveis com os mútuos e que sendo dados médios, casos haverá em que, em função da magnitude do empréstimo, dos riscos, garantias, longevidade e demais circunstâncias, as taxas de juros praticada serão necessariamente superiores àqueles valores médios.

 

III – DOS FACTOS APRESENTADOS PELA REQUERIDA NA SUA RESPOSTA

 

1.      Quanto à caraterização do Grupo não traz a Requerida nada de novo, a não ser o facto de os administradores da Requerentes serem sujeitos passivos não residentes, que são também responsáveis por outras entidades que fazem parte do grupo, mas que não são especificadas.

 

2.      Relativamente aos empréstimos obtidos pela empresa-mãe apenas o realce dado ao facto de a empresa-mãe se encontrar integrada num Fundo, de quem se socorreu para a obtenção do financiamento, que terá sido de maior montante do que o indicado, tendo em vista o financiamento de outras empresas do grupo.

 

3.      Realça ainda que a negociação do empréstimo à Requerente e as condições do mesmo não foram decididas por esta, limitando-se a aceitar as condições que lhe foram impostas pela empresa-mãe.

 

4.      Segundo a Requerida, a taxa de juro decompõe-se da seguinte forma:

a) taxas de juro swap considerada de 2,63%;

b) spread do empréstimo que foi de 3%;

c)prémio de risco para a antiguidade mezannine de 7,4%;

 

5.      Realça que os encargos com o financiamento obtido nestas condições transforma o resultado operacional positivo da Requerente num resultado líquido negativo, relativamente aos exercícios em causa de 2012 e 2013, seguintes ao início da atividade, em que não obteve rendimentos.

 

6.      Donde os seguintes resultados:

 

DEMONSTRAÇÃO

2011-€

2012-€

2013-€

.....

 

 

 

Resultado operacional...

-76.625,99

1.652.441,31

4.940.712,21

Juros....suportados

0,00

2.715.233,70

6.122.673,56

....

 

 

 

Imposto s/rend. período

-19.815,56

-265.865,56

-254.693,40

RESULTAD LÍQ. PERÍODO

-59.810,43

-796.934,83

-927.267,95

 

7.      A Requerida realça a existência de uma relação de domínio entre a entidade financiadora e a entidade financiada, o que revela uma forte dependência quanto à negociação dos empréstimos, ficando esta sem capacidade de negociar as condições de empréstimos que lhe sejam mais favoráveis - o que coloca em causa o princípio da plena concorrência nas operações financeiras entre a B… e a A… .

 

8.      Não é referido, porém, se a financiada conseguiria obter o empréstimo de que necessitava em Portugal, em condições mais favoráveis.

 

9.      Releva a Requerida que a grande questão reside no prémio de risco associado ao empréstimo, de 7,4%, justificado segundo a Requerente por se tratar de um empréstimo mezzannine, a longo prazo e com perfil de risco elevado.

 

10.  Ora, essa circunstância, realça a Requerida, leva a que "a informação constante do dossier de preços de transferência não tem anuência com a realidade, uma vez que à partida é de todo impraticável a possibilidade de conversão do empréstimo em direito de propriedade, uma vez que ela já existe"[3].

 

11.   Mas a Requerida alega que esta classificação dada ao empréstimo, justificativa da taxa de risco associada, não faz sentido, uma vez que a entidade financiadora é desde logo, à partida detentora de 100% do capital da subsidiária financiada.

 

12.  Por outro lado, a atribuição de uma notação de risco só faria sentido quando a entidade financiada é uma entidade independente a que se pode atribuir uma probabilidade de insolvência (default), o que também nunca seria o caso da financiada, por ser detida a 100% pela empresa-mãe e esta não o permitiria.

 

13.  Logo, num Grupo de empresas como o que se analisa, o risco de insolvência da subsidiária Requerente não existe, argumenta a Requerida, até porque os investidores apenas estão dispostos a financiar a B… se o Grupo assumir as dívidas dessa entidade, ainda que essa garantia seja apenas implícita, em caso de insolvência da sua subsidiária.

 

14.  Logo, a Requerida entende que "a taxa anual de 13% incorpora uma margem que se mostra inteiramente indevida, por se destinar a remunerar o risco de crédito que, de todo, não existe, uma vez que a B… é detentora de 100% do capital da ora Requerida".

 

15.  Mais refere que "se expurgada esta componente de risco, resta uma taxa anual fixa de 5.63%, a qual se decompõe em dois aspetos que se afiguram inteiramente legítimos, mais concretamente a taxa de juro swap de 2,63% e o spread do empréstimo de 3%".

 

16.  Realça que a remuneração de 5,63% é igual à taxa de juros expressa pelo Banco de Portugal, conforme consta de fls. 21 do Relatório Final da Inspeção Tributária, sendo compatível com o método mais apropriado em face das caraterísticas das operações em análise e da informação disponível, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 4.º da Portaria n.º 146-2001, de 21/12.

 

 

IV – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral é competente e acha-se regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

   

Da exceção dilatória invocada pela Requerida

 

1. O que está em causa relativamente a esta controvérsia é a interpretação e aplicação conjugada das normas legais contidas nos artigos 137.º do Código do IRC ("CIRC") e dos artigos 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que se transcrevem, ou seja, mais concretamente, se a reclamação graciosa e, por consequência, a impugnação arbitral foram apresentadas extemporaneamente.

 

Vejamos, então:

 

Código do IRC:

 

"CAPÍTULO VIII

 Garantias dos contribuintes

 

Artigo 137.º

Reclamações e impugnações

 

1 — Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação, efectuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2 — A faculdade referida no número anterior é igualmente conferida relativamente à autoliquidação, à retenção na fonte e aos pagamentos por conta, nos termos e prazos previstos nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

3 — A reclamação, pelo titular dos rendimentos ou seu representante, da retenção na fonte de importâncias total ou parcialmente indevidas só tem lugar quando essa retenção tenha carácter definitivo e deve ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido a fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior.

4 — A impugnação dos actos mencionados no n.º 2 é obrigatoriamente precedida de reclamação para o director de finanças competente, nos casos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5 — As entidades referidas no n.º 1 podem ainda reclamar e impugnar a matéria colectável que for determinada e que não dê origem a liquidação de IRC, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário para a reclamação e impugnação dos actos tributários.

6 — Sempre que, estando pago o imposto, se determine, em processo gracioso ou judicial, que na liquidação houve erro imputável aos serviços, são liquidados juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

7 — A faculdade referida no n.º 1 é igualmente aplicável ao pagamento especial por conta previsto no artigo 106.º, nos termos e com os fundamentos estabelecidos no artigo 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.


Nota - O CIRC foi republicado pela Lei n.º 2/2014 - 16/01, mantendo a redação deste artigo"

CPPT - Código de Procedimento e de Processo Tributário

"Artigo 70.º

Apresentação, fundamentos e prazo da reclamação graciosa

1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º  (Redação dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
2 - (Revogado pela Lei n.º
60-A/2005, de 30 de Dezembro)
 

3 - (Revogado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
 

4 - Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
(Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20/12)

5 - Se os fundamentos da reclamação graciosa constarem de documento público ou sentença, o prazo referido no número anterior suspende-se entre a solicitação e a emissão do documento e a instauração e a decisão da acção judicial.

6 - A reclamação graciosa é apresentada por escrito no serviço periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, podendo sê-lo oralmente mediante redução a termo em caso de manifesta simplicidade.
(Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20/12)

7 - A reclamação graciosa pode igualmente ser enviada por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos em portaria do Ministro das Finanças.
(Aditado pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20/12)

 (redacção anterior)

Nota: Art.º 58 n. º 2 da Lei 60-A/2005-30/12 - O novo prazo de reclamação estabelecido no artigo 70.º do CPPT só é aplicável a prazos que se iniciem após a entrada em vigor da referida lei.

" SECÇÃO II

Da petição

Artigo 102.º
Impugnação judicial. Prazo de apresentação

1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: (Redação da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) 

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado pela alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro) 

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias".

2. É, pois, a aplicação conjugada dos transcritos legais que deve apreciar-se a alegada exceção dilatória.

3. Para tanto, importa referir, tendo em atenção os factos anteriormente referidos, que a Requerida, enquanto Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT"), concebeu, sempre que existem liquidações adicionais de IRC, três tipos de documentos, que são notificados aos contribuintes, a saber:

a) - Demonstração de liquidação de IRC, que serve de fundamentação do valor apurado na liquidação adicional e do valor a pagar, exarando nesse mesmo documento um texto-tipo de notificação da liquidação em causa, informando o contribuinte de "Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT, contados continuadamente após a data da presente notificação, a qual se considera efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica ou, no caso de ausência de aceso à mesma, no 25.º dia posterior ao seu envio".

b) - Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios, sempre que for caso disso, como foi o caso - é, pois, um documento meramente informativo.

c) - Demonstração de Acerto de Contas, onde é apurado o saldo da liquidação do imposto e juros e donde consta também uma segunda notificação ao com o seguinte texto: "Fica V.ª Ex.ª notificado(a) para, até à data limite indicada, efetuar o pagamento do saldo apurado, de acordo com a demonstração junta.

A notificação considera-se efetuada no momento do acesso à caixa postal eletrónica ou, em caso de não abertura, no 25.º dia posterior ao seu envio, nos termos dos números 9 e 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Não sendo efetuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo".

Segue-se uma Referência ao Código de Pagamento (com informação do meio - Multibanco, CTT, Internet, I. Crédito ou Secções de Cobrança dos Serviços de Finanças), bem como o Valor a Pagar e a Data limite de pagamento.

4. Do que acaba de referir-se, parece concluir-se:

a) Que a notificação da Demonstração da Liquidação é o documento fundamental para contestar a legalidade da liquidação em causa e que o prazo se conta nos termos ali previstos, "considerando-se efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica ou, no caso de ausência de aceso à mesma, no 25.º dia posterior ao seu envio".

b) Que a notificação constante da Demonstração de acerto de Contas tem por finalidade notificar o contribuinte do valor a pagar, dos meios, da referência a utilizar e da data limite de pagamento.

5. Sucede, porém, que esta forma de proceder colide com as garantias dos contribuintes plasmadas nos artigos 137.º, n.º do CIRC, no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º, também do CPPT.

6. De facto, a atender exclusivamente ao teor da notificação da Nota Demonstrativa da Liquidação - como o faz a Requerida - poderia suceder, no limite, que em caso de atraso da notificação da Demonstração de Acerto de Contas, o prazo para reclamar contado nos termos em que defende a AT, poderia até esgotar-se antes de o contribuinte ser notificado da data limite de pagamento.

7. Por outro lado, a AT não poderá deixar de respeitar, para efeitos de início da contagem do prazo para reclamar da liquidação, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT - que, no caso em apreço - é a data limite de pagamento constante da Demonstração de acerto de Contas e não a partir do momento em que o destinatário aceda à caixa posta eletrónica, ou no caso de ausência de acesso à mesma, no 25.º dia posterior ao do seu envio - que, obviamente, raramente poderá ser coincidente com a data limite de pagamento.

8. Este tipo de notificação até estará correto para outras situações, designadamente nas situações em que não há imposto a pagar e, nesse caso, dado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a forma de contagem do prazo para reclamar ou impugnar já se conta nos termos do texto da notificação efetuada.

9. O mesmo já não sucede no caso em análise, por não ser possível desrespeitar o disposto na alínea a) do referido n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

10. Para que a AT pudesse cumprir com os imperativos legais constantes dos artigos 137.º do CIRC, 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1. a), ambos do CTT, teria que acrescentar na notificação da Nota Demonstrativa da Liquidação o seguinte:

Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º   do CIRC e 70.º e 102.º do CPPT, contados continuadamente após a data da            presente notificação, a qual se considera efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica ou, no caso de ausência de aceso à            mesma, no 25.º dia posterior ao seu envio, salvo se esta data for anterior àquela que consta da alínea        a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, quando aplicável, caso em caso que o prazo se iniciará na data referida neste preceito legal.

11. Como tal não se verifica, entende e decide este Tribunal Arbitral Coletivo o seguinte:

a) - Que a forma e efeitos da notificação constante das Notas Demonstrativas das Liquidações de IRC em causa, respeitantes aos anos de 2012 e 2013, respetivamente n.ºs 2015 …, de 22-12-2015, no valor de € 84.526,51 e 2015 …, de 22-12-2015, no valor de 684.657,90, mostram-se desadequadas às garantias do contribuinte, na situação em apreço, por se encontrarem em confronto com as disposições legais citadas, designadamente, a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; e

b) - Em consequência, não podem ser tidas em conta para efeitos de início da contagem dos prazos para apresentação da reclamação graciosa, pelo que

c) - Carece de fundamento legal a extemporaneidade da apresentação da petição da reclamação graciosa em causa, o que determina,

d) - Portanto, que este Tribunal considere não verificada a exceção dilatória, por carecer, como se demonstrou, de fundamento legal. 

Diga-se, ainda, que não são os termos das comunicações feitas pela AT que estabelecem os prazos para reação dos contribuintes, já que esses prazos estão fixados na lei, e não podem ser reduzidos pelo modo como a AT efectua as notificações.

 

No caso, atendendo ao prazo para pagamento voluntário (19 e 24/2/2016), e à data da apresentação da reclamação (17/6/2016), a Requerente estava em tempo para a deduzir, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT.

 

 

V  OS FACTOS

 

V.1 - Factos provados

 

Da análise crítica dos documentos dos autos, e por não terem sido objeto de oposição pelas partes, dão-se como provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

-A A… é uma sociedade anónima, com sede em território português, detida em 100% pela B…, com sede na Holanda, (B…) e tem como administradores sujeitos passivos não residentes que são também responsáveis por outras entidades que fazem parte do grupo.

 

-A A… obteve da B… dois empréstimos num montante aproximadamente de 48 milhões de euros sobre os quais teêm um custo de financiamento a uma taxa anual fixa de 13%, conforme quadro seguinte:

 

 

-A B… está integrada num Fundo, para a obtenção de financiamentos junto dos mercados de capitais internacionais, para o financiamento do Grupo em que se insere.

 

-A taxa de juro anual fixa de 13%, ora controvertida, desdobra-se nos seguintes componentes:

 

- taxas de juro swap considerada de 2,63%

 

- spread do empréstimo que foi de 3%;

 

- prémio de risco considerado  para o tipo de financiamento, que a requerente designou por “mezzanine” de 7,4%.

 

- Os mútuos têm a seguinte configuração:

- montante:  47, 665 milhões de euro;

- prazo: 10 anos

- possibilidade de reembolso antecipado por decisão da mutuária, sem penalização

- taxa de juro fixa anual: 13%

- Pagamento de juros: no final dos 10 anos; ou com algum reembolso antecipado, por decisão da mutuária

 

-Os encargos com financiamento suportados pela Requerente transformaram um resultado operacional positivo num resultado líquido negativo, nos exercícios de 2012 e de 2013.

 

-O Relatório da Inspeção Tributária (RIT) analisou a aplicação ao caso descrito do princípio de plena concorrência (cf. artigo 63º do CIRC) nas operações financeiras que se têm verificado entre a B… e a A…, no que respeita à remuneração do financiamento auferida pela B…– composta pelas três parcelas atrás quantificadas - e concluiu que:

 

i) As taxas de juro swap de 2,63% contratadas nos empréstimos concedidos pela sociedade holandesa à A…, corresponde a uma taxa de médio/longo prazo para diferentes prazos com característica de taxa de juro fixa como referência do mercado interbancário.

ii) A componente do spread do empréstimo destina-se a remunerar as entidades que concedem financiamentos, quanto ao seu ganho, aos encargos que se encontram subjacentes ao financiamento e ainda ao risco associado, donde resulta que a empresa mãe fez-se remunerar em 3% pelo spread que considerou para adicionar à taxa de juro.  O conjunto da taxa de juro de 2,63% acrescida do spread de 3% determina uma taxa de remuneração efetiva de 5,63%.

 

- O RIT expressa que este comparável é feito com uma taxa de juro obtida junto do Banco de Portugal, à data em que se verificou o início do pagamento de juros, 2012-09-30, que era de 5,63%.

 

- No que concerne à componente da remuneração auferida pela B… pelo prémio de risco do crédito incorrido nas operações intra grupo, na ordem de 7,4%, a AT suscitou a questão de saber se a B… incorre de facto neste risco de crédito de modo a que se

justifique a existência de uma remuneração desta natureza.

 

- No dizer do RIT, tal prémio de risco, com estas características, apenas se justificava entre uma entidade financiadora externa ao grupo e a B…, uma vez que não haverá aí qualquer relação de domínio.

 

-Um empréstimo mezzanine é uma fonte de financiamento mais dispendiosa para uma empresa, do que um outro crédito garantido ou credito privilegiado devido à sua classificação inferior e permite ao mutuante o direito de converter o empréstimo num direito de propriedade ou participação em capital (da empresa) caso o empréstimo não seja reembolsado dentro do prazo e por completo.

 

- A inspeção entendeu que a informação constante do dossier de preços de transferência sobre o empréstimo mezzanine não tem anuência com a realidade; uma vez que, à partida, é impraticável a possibilidade de conversão do empréstimo em direito de propriedade porque ela já existe.  O Relatório de Inspeção considerou que tal prerrogativa de que a entidade financiadora, em caso de incumprimento, possa vir a converter o empréstimo num direito de propriedade ou participação em capital, não se coloca neste caso, uma vez que a entidade financiadora é desde já e à partida detentora do direito de propriedade e da participação em capital.

 

- O componente denominado prémio de risco (7,4%) destina-se a remunerar a entidade que concede os financiamentos pelo risco adicional em que incorre. O principal fator que determina a definição desse prémio de risco é, normalmente, o rating de crédito das entidades financiadas (creditworthiness), uma vez que este não é mais do que uma notação atribuída com base na probabilidade de insolvência (default) da entidade em causa.

 

- A AT considerou que, habitualmente, a atribuição dessa notação de risco é feita partindo do princípio que a entidade financiada é uma entidade independente. Mas no que respeita à remuneração da entidade que centraliza os financiamentos do Grupo a AT avaliou  se o risco de crédito que assume (e a correspondente remuneração) deve ser estimado considerando as condições normais de mercado ou se o risco de default está implicitamente reduzido em razão da sua pertença, e da pertença das entidades financiadas, ao mesmo Grupo de empresas, já que a sua sociedade dominante não permitiria uma situação de insolvência de uma subsidiária com importância estratégica para o Grupo. Assim, tal risco não se encontraria presente.

 

-Tendo assim expurgado este componente (prémio de risco para a antiguidade mezzanine de 7,4%), resta uma taxa anual fixa remanescente de 5,63%, a qual se decompõe em dois elementos, mais concretamente a taxa de juro swap de 2,63% e o spread do empréstimo de 3%.

 

-A remuneração efectiva de 5,63% é, para AT, igual à taxa de juro expressa pelo Banco de Portugal, o que coloca esta remuneração como remuneração compatível com o método do preço comparável de mercado, o método mais apropriado em face das características das operações em análise e em face da informação disponível, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 4º da 1446-C/2001, de 21/12.

 

-O ajustamento efetuado ao lucro tributável dos exercícios de 2012 e 2013, resultou da exclusão na taxa de juro fixa de 13% do componente de risco de 7,4%, conforme quadro seguinte:

 

 

-Em resultado do entendimento expresso pela inspeção tributária, foram emitidas, em 22/12/2015, as liquidações nºs. 2015…, respeitante ao IRC, derrama municipal e juros compensatórios do exercício de 2012, no total de 84.526,51, e 2015…, respeitante ao IRC, derrama municipal e juros compensatórios do exercício de 2013, no total de 684.657,90, correspondente ao exercício de 2013.

 

-Os prazos limite para pagamento voluntário ocorreram em 19/2/2016 (ano de 2012) e 24/2/2016 (ano de 2013).

 

-A Requerente não efetuou voluntariamente os ditos pagamentos, vindo a fazê-lo em sede executiva.

 

-A Requerente deduziu contra as identificadas liquidações reclamação graciosa, em 17/6/2016, a qual não obteve despacho.

 

 

 

 

V.2 - Factos não provados

 

Com interesse para a decisão da causa, não se provaram outros factos.

 

 

VI. O DIREITO

 

A - Fundamentação e decisão sobre preços de transferência

 

1. O quadro legal aplicável

As partes concordam em que existe uma questão a dirimir relativa à aplicação das regras sobre preços de transferência. À data dos factos, e para o que aqui releva, os elementos essenciais do quadro legal aplicável eram o artigo 63º do CIRC e os artigos 5º e 6º da Portaria 1446-C/2001, que de seguida se transcrevem (subl. do tribunal).

 

Artigo 63.º

Preços de transferência


 

1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

 

3 — Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

O artigo 63ºdo CIRC estabelece, na linha da Convenção Modelo da OCDE sobre Dupla Tributação e das respetivas Guidelines sobre Preços de Transferência, o designado princípio de plena concorrência, obrigando a que, para efeitos fiscais, as operações entre partes relacionadas sejam efetuadas nos termos e condições que seriam estabelecidos entre entidades independentes em operações comparáveis.

Ou seja, e no caso apreço, a taxa de juro a considerar seria a que uma entidade independente (v.g., um banco nacional ou outra) cobraria à requerente numa operação comparável, levando em conta os fatores de comparabilidade previstos na lei, atrás citados.

A aplicação prática de tal princípio não é tarefa fácil, em face das questões emergentes da comparabilidade das operações e, até, do facto de algumas transações reais e financeiras efetuadas no seio de grupos não terem características comparáveis às que são realizadas entre entidades independentes.

A aferição da comparabilidade deve ter em conta os fatores elencados, a título exemplificativo, no nº 2 do art. 63º, a saber: “as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”

 

Adicionalmente, a Portaria 1446-C/2001 densifica alguns dos conceitos que o artigo 63º do CIRC estabelece. Para o caso concreto, importa reter os artigos 5º e 6º da dita Portaria, que dispõem:

“Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.”

 

2. O problema geral dos preços de transferência em empréstimos intra-grupo: uma primeira perspetiva conceitual

A questão dos empréstimos intra grupo, quando analisada numa ótica de preços de transferência, não se afigura das mais simples. A fungibilidade dos meios de financiamento, a flexibilidade contratual existente no seio de um grupo, as relações entre as empresas e seu impacto no risco, tudo isso e muito mais conduz a que, por exemplo, Matt Courtnage, em “Important Considerations in the Pricing of Intercompany Loans and Financial Guarantees”, Insights, 2015, p. 19, refira o seguinte (tradução do tribunal):

 

“Ao longo dos últimos anos, as autoridades fiscais dedicaram uma atenção crescente aos empréstimos intra grupo e às garantias financeiras em termos de tratamento fiscal e de considerações sobre o respetivo preço. Esta atenção é especialmente evidente na arena internacional, onde as transações financeiras transfronteiriças, envolvendo taxas de empréstimo e valores de garantias, podem levar à erosão da base tributável. Para estas transações financeiras entre empresas existe uma grande complexidade, tanto para o contribuinte como para as autoridades fiscais na determinação de um preço de transferência razoável.”

 

O mesmo autor sublinha que a autoridade fiscal Americana (Internal Revenue Service- IRS), se baseia no princípio de plena concorrência para calcular a taxa de juro comparável a aplicar numa transação financeira entre entidades relacionadas. E menciona:

Whatever methodology is used to price a related-party loan or financial guarantee, an appropriate arm’s-length rate of interest for an uncontrolled, comparable transaction should be the guiding benchmark. (p.20)

Por fim, o autor sublinha que nas operações de financiamento, entre entidades relacionadas, é importante averiguar o benefício que uma entidade pode obter pela respetiva associação à casa mãe, que pode assumir várias modalidades, entre elas o implicit ou o explicit support. Fá-lo nos seguintes termos:

“A subsidiary generally receives some level of implic­it benefit from its relationship with the parent company. This benefit is referred to as a “passive association benefit.”

As an example, a subsidiary is likely to have easier access to credit markets than a stand-alone entity, even without any explicit backing from the parent. This type of association and related benefit is deemed passive in nature and is increasingly rec­ognized in transfer pricing cases.”

 

As orientações existentes da OCDE para empréstimos intra grupo e para garantias financeiras são algo vagas e abertas à interpretação. É, aliás, a própria OCDE, nas suas Guidelines, no §1.65, que reconhece a complexidade no tratamento fiscal dos empréstimos intra grupo, chamando até a atenção para questões de substância relativas à natureza económica de tais operações.

No dito parágrafo, a distinção entre empréstimos e contribuições para o capital próprio é sublinhada, no caso em que, nas condições económico-financeiras do devedor enquanto entidade independente, este não acederia a um empréstimo de uma outra entidade independente, e a administração fiscal poderá requalificar o eventual empréstimo como entrada de capital.

 

Fá-lo nos seguintes termos:

“1.65 The first circumstance arises where the economic substance of a transaction differs from its form. In such a case the tax administration may disregard the parties’ characterization of the transaction and re-characterize it in accordance with its substance. An example of this circumstance would be an investment in an associated enterprise in the form of interest-bearing debt when, at arm’s length, having regard to the economic circumstances of the borrowing company, the investment would not be expected to be structured in this way. In this case it might be appropriate for a tax administration to characterize the investment in accordance with its economic substance with the result that the loan may be treated as a subscription of capital.”

 

De referir que, pela sua relevância conceitual, na literatura da especialidade, e como mais adiante se explorará, o rating da entidade devedora enquanto stand alone   entity  - ou entidade independente não vinculada - é regularmente referido como elemento muito importante na análise dos preços de transferência em empréstimos intra grupo.

Na verdade, sendo o rating, ou scoring, essenciais para se aferir do nível de risco, e sendo os spreads das taxas de juro derivados, entre outros elementos, do grau de risco do devedor, compreende-se que assim seja.

 Na publicação “Transfer Pricing Methodology for Intra-Group Lending & Treasury Transactions”, da FTI Treasury International House[4], 2015, p.6, refere-se tal princípio nos seguintes moldes (subl. do tribunal):

 

“When deploying any transfer pricing methodology, it is necessary to apply a credit rating score to each individual subsidiary so that a comparable price can be assigned, the main elements of which are:

Rating Methodology

 

1. Apply a credit rating methodology that takes account of:

 

a. Business profile – volatility

b. Scale

c. Profitability

d. Coverage & leverage

e. Financial policy

 

 

2. Determine a credit score that can be assigned to a specific credit rating either by:

  a. Directly calculating a credit score that can be applied to a credit rating

b. A measurement relative to the group’s credit rating.

3. Consider what adjustments should be made. e.g. country risk.

Ou seja, em tradução livre do tribunal, o que aqui se explicita é a necessidade de levar em conta o grau de risco que a entidade relacionada (devedora) teria se fosse notada, quanto ao risco, como entidade independente. Os fatores a considerar são tanto de natureza económico—financeira (e.g., profitability, financial policy) como de outra índole (e.g., risco–país).

Por fim, e reforçando a ideia de complexidade no tratamento da questão da comparabilidade de empréstimos e taxas, tome-se como referência o seguinte leque de situações, retirado de  SingaporeLawDocs.com, 2015[5]:

 

arm's length principle

 

Para os autores deste esquema analítico, o que se pretende é calcular a taxa de juro, na base do princípio de plena concorrência, de um empréstimo entre X (casa mãe) e Y (filial). Assim, os comparáveis seriam:

- caso exista um empréstimo de X a uma entidade independente, em condições comparáveis, então será a taxa do empréstimo tipo “A” (ver gráfico acima) aquela a usar como comparável no mútuo de X a Y;

- se um empréstimo do tipo A não estiver disponível, mas estiver um do tipo “B”, ou seja, sendo conhecida a taxa a que Y obtém fundos de uma entidade independente, tal taxa pode ser usada como referencial;

- pode também usar-se o empréstimo tipo “C”, utilizando como base para construir a taxa comparável o empréstimo que X obtém de uma parte independente em condições comparáveis.

Como se intui, as situações descritas podem ser de variado grau de complexidade, em face das funções desempenhadas, das garantias, do risco de crédito, do risco de mercado, etc., que em cada situação se apresentem.

Enfim, a aferição do princípio de plena concorrência, assente na comparabilidade das operações, é uma das áreas complexas e vastas no contexto dos preços de transferência, quando aplicados a empréstimos intra grupo.

 

Vejamos agora, em síntese, como trataram destas questões a requerente e a AT para, em seguida, confrontando os métodos aplicados, a lei, a doutrina e jurisprudência (nacional e internacional) o tribunal chegue a uma decisão fundamentada.

 

 

 

3. O tratamento que requerente efetuou do cumprimento do princípio de plena concorrência

A requerente apresenta um dossier de preços de transferência, elaborado pela empresa G…, que, em síntese, segue as seguintes etapas e usa os fundamentos que se expõem, para calcular a taxa de 13% a aplicar aos empréstimos aqui em causa.

a) Descreve as funções da requerente, e agrupa-as em “gestão de investimentos”, “gestão de projetos” e “originadora e gestora de empréstimos”.

b) Descreve os riscos a que a requerente está sujeita e que seriam:

- risco de crédito, em face da eventual incobrabilidade de dívida da sua atividade corrente, em face de problemas financeiros de clientes. O risco que tal se possa traduzir em dificuldades de pagamento dos mútuos obtidos da casa mãe está do lado da casa mãe (B…), dados os termos contratuais,

-  risco de mercado, em face das oscilações que o mercado da energia solar possa enfrentar,

- risco operacional, derivado da gestão dos projetos poder enfrentar condicionantes de custos não previstas,

- risco estratégico e reputacional, caso os investimentos sejam sistematicamente não rentáveis.

c) Seleciona o método de preços de transferência mais apropriado ao acaso em apreço, que considera ser o do preço comparável de mercado. Como não existem empréstimos de bancos (entidades independentes) à requerente, a análise do dossier parte para a busca de uma amostra de operações comparáveis externas. Assim, nas p. 17 e seguintes do dossier descreve-se o modo de cálculo do spread de empréstimos seniores (senior loans), ou seja, os que o têm mais baixo risco e maior nível de garantias. A mediana que se apurou o spread da taxa de juro deste tipo de mútuos foi de 3%.

d) Em seguida, tem em conta a natureza de empréstimos “mezzanine” dos mútuos celebrados entre a A… e a B... Tais empréstimos são de natureza subordinada, convertíveis em capital em caso de dificuldades do devedor e, em caso de liquidação, estão na escala mais baixa de recuperabilidade. Assim, entendeu-se que há um risco adicional face aos empréstimos seniores. Tal risco adicional, obtido por recurso a uma base de dados com taxas de juro de transações tidas como comparáveis, foi computado em 7,4%.

e) Por fim, a taxa base num empréstimo de taxa fixa (o equivalente à Euribor num empréstimo de taxa variável) foi apurada em 2,63%.

f) Somando estes componentes: 2,6%+3%+7,4% = 13%, que indica a taxa fixa usada nos mútuos em causa.

Como se verá a seguir, a AT não concordou com esta metodologia e calculou uma outra taxa de juro a usar nestas operações.

 

 

4. O ajustamento da AT: síntese da sua fundamentação

No RIT, p.21 refere-se que:

“3.9.2 – Avaliação dos preços praticados

Nestas circunstâncias temos em primeiro lugar uma relação de domínio entre a entidade financiadora e a entidade financiada, pelo que desde logo revela uma forte dependência quanto à negociação dos empréstimos. Assim a entidade financiada não possui capacidade de negociar as condições de empréstimos que lhe sejam mais favoráveis.  Esta situação coloca em causa o princípio de plena concorrência nas operações financeiras que se têm verificado entre a B… e a A…, no que respeita à remuneração do financiamento auferida pela B…, conforme segue.

 taxas de juro swap considerada de 2,63%

 spread do empréstimo que foi de 3%;

 prémio de risco para a antiguidade mezzanine de 7,4%;

1. As taxas de juro swap contratadas nos empréstimos concedidos pela sociedade   holandesa à A…, corresponde a uma taxa de médio / longo prazo para diferentes prazos com característica de taxa de juro fixa como referência do mercado interbancário.

2. Sabendo que a componente do spread do empréstimo se destina a remunerar as entidades que concedem financiamentos, quanto ao seu ganho, aos encargos que se encontram subjacentes ao financiamento e ainda o risco associado, então temos que a empresa mãe se faz remunerar em 3% pelo spread que considerou para adicionar à taxa de juro.  O conjunto da taxa de juro de 2,63% acrescida do spread de 3% determina uma taxa de remuneração efetiva de 5,63%, que é igual à taxa de juro expressa pelo Banco de Portugal e já atrás referida.

3. O SP entende que estes empréstimos são comparáveis a empréstimos mezzanine, por considerar que possuem um perfil de risco relativamente elevado, daí se fazer remunerar também por um premio de risco.  No que concerne à componente da remuneração auferida pela B… pelo prémio de risco do crédito incorrido nas operações intragrupo, na ordem de 7,4%, coloca-se a questão de saber se a B… incorre de facto neste risco de crédito de modo a que se justifique a existência de uma remuneração desta natureza. Tal prémio de risco com estas características apenas se justificava entre a entidade financiadora externa ao grupo e a B…, uma vez que não haverá aí qualquer relação de domínio.

Em primeiro lugar “Um empréstimo mezzanine é uma fonte de financiamento mais dispendiosa para uma empresa, do que um outro crédito garantido ou credito privilegiado devido à sua classificação inferior e permite ao mutuante o direito de converter o empréstimo num direito de propriedade ou participação em capital (da empresa) caso o empréstimo não seja reembolsado dentro do prazo e por completo”.  Assim sendo a informação constante do dossier de preços de transferência não tem anuência com a realidade uma vez que à partida é de todo impraticável a possibilidade de conversão do empréstimo em direito de propriedade uma vez que ela já existe.

Esta prerrogativa de que a entidade financiadora, em caso de incumprimento, possa vir a converter o empréstimo num direito de propriedade ou participação em capital, não se coloca neste caso, uma vez que a entidade financiadora é desde já e à partida detentora do direito de propriedade e da participação em capital. Logo, classificar este empréstimo como sendo um empréstimo mezzanine de elevado risco, não se justifica porque o risco de crédito passa mais pelo risco do negócio. Se algum risco ainda existe, ele já se encontra contemplado no spread anteriormente referido.

Este componente denominado prémio de risco destina-se a remunerar a entidade que concede os financiamentos pelo risco de crédito em que incorre. O principal fator que determina a definição desse prémio de risco é, normalmente, o rating de crédito das entidades financiadas (creditworthiness), uma vez que este não é mais do que uma notação atribuída com base na probabilidade de insolvência (default) da entidade em causa.

Habitualmente, a atribuição dessa notação de risco é feita partindo do princípio que a entidade financiada é uma entidade independente. Contudo, uma questão que importa analisar no que  respeita à remuneração da entidade que centraliza os financiamentos do Grupo é se o risco de  crédito que assume (e a correspondente remuneração) deve ser estimado considerando as  condições normais de mercado ou se o risco de default está implicitamente reduzido em razão  da sua pertença, e da pertença das entidades financiadas, ao mesmo Grupo de empresas, já  que a sua sociedade dominante não permitiria uma situação de insolvência de uma subsidiária  com importância estratégica para o Grupo. Por esse motivo, é de esperar que o risco de crédito das várias subsidiárias do Grupo, quer da que financia quer das que são financiadas, não seja avaliado numa base de independência dessas entidades, mas sim numa perspetiva de Grupo, i.e., que seja semelhante ao da sociedade dominante, neste caso o Fundo.

Assim, sempre que o Fundo recorre ao mercado, os investidores sabem que estão a financiar um conjunto de empresas que fazem parte do grupo e tomam as suas decisões em função dessa realidade.

Até porque, outra questão que se coloca, prende-se com a necessidade de aferir qual a entidade que, no seio do Grupo, assume e controla posições de risco, concentrando a definição de políticas, a tomada de decisões e a própria execução das operações. Ora, esse controlo, entendido como a capacidade de tomar decisões sobre assumir ou não determinado nível de risco e sobre a gestão desse risco, só será possível se a repartição funcional associada à repartição do risco entre as várias entidades do Grupo for revestida de substância económica, como é, aliás referido no parágrafo 1.49 das Guidelines da OCDE.

Ora, como vimos no ponto anterior, ainda que se possa admitir que a B… desenvolva algumas tarefas ao nível da montagem e gestão das operações financeiras do Grupo, não será de todo admissível a ideia de que é a entidade holandesa que define as estratégias e políticas de financiamento do Grupo. Nesse sentido, é o Fundo que assume e gere o risco, tendo em conta as estratégias e políticas de gestão definidas para o Grupo.  Nestes termos, embora não existam garantias formais, pode assumir-se que os investidores apenas estão dispostos a financiar a B… se o Grupo assumir as dívidas dessa entidade, ainda que essa garantia esteja apenas implícita, e que existe uma expectativa razoável de que, em caso de insolvência por parte da entidade emitente, os investidores serão, ainda assim, ressarcidos dos capitais investidos.

As taxas praticadas incorporam, por todos os motivos elencados, uma margem que se provou ser indevida, na medida em que se destina a remunerar a B… por um risco de crédito em que essa entidade não incorre verdadeiramente.”

 

O que o tribunal tem que decidir é, pois, se a taxa de juro que a AT usou (5,6%) se pode considerar uma taxa de juro de plena concorrência nas operações em questão, levando em conta as disposições legais do artigo 63º do CIRC e da Portaria 1446-C/2001, antes citadas. É essa análise que a seguir se fará.

 

5. Apreciação dos aspetos jurídicos e económicos do caso

5.1 Rating, spread e taxa de juro: aspetos gerais

Já antes se considerou que se os preços de transferência devem ter em conta a comparabilidade de operações vinculadas com operações realizadas entre entidades independentes, em circunstâncias similares. Assim, a análise de uma taxa de juro praticada numa operação de financiamento entre partes vinculadas deve começar por uma apreciação do rating do devedor enquanto entidade independente.

Depois, será curial considerar o impacto da pertença a um grupo, as garantias eventualmente presadas ou recebidas, as circunstâncias económicas e de mercado, o desenho contratual da operação, e a forma como tudo isto pode influenciar a taxa de juro a cobrar.

Vejamos, por agora, que variáveis influenciam o rating. Uma entidade bancária, ou outro prestamista, aquando da análise de uma empresa para efeitos de concessão de empréstimos, estará particularmente interessada em averiguar a probabilidade do bom cumprimento do serviço a dívida de tais empréstimos (reembolsos e juros). 

A teoria e a prática financeira foram desenvolveram modelos de avaliação de risco (scoring ou rating) que atribuem às empresas que solicitam crédito uma dada pontuação ou notação de risco. Estes modelos usam normalmente as seguintes variáveis como potencialmente associadas à capacidade de reembolso: liquidez (ativo corrente/passivo corrente), solvabilidade (capital próprio/passivo), rotação do ativo (vendas/ativos), rendibilidade (resultado operacional/ativo ou resultado operacional/vendas). Em suma, indicadores que mostrem eficiência ou rendibilidade económica e também o equilíbrio financeiro a curto e a longo prazo.

Na literatura financeira internacional[6], são conhecidos os estudos sobre “financial distress”, ou risco financeiro empresarial e suas consequências. A. Damodaran apresenta o que designa de long term solvency and defautl risk ratios; ou seja, ratios financeiros que indicam capacidade ou incapacidade de cumprimentos das obrigações empresariais. Destes ratios salienta o autor:

- Res. operacional/Juros pagos

- EBITDA/ Desembolsos relativos a gastos fixos

- Dívida financeira/Capital próprio

- Dívida/ (Passivo + capital próprio)

No plano nacional, é de mencionar o estudo de NEVES[7] que, procurando determinar as variáveis que melhor serviriam para analisar a probabilidade de falência, encontrou as seguintes:

- Resultados transitados/Ativos

- Ativo corrente/Ativo total

- Margem bruta de auto financiamento/Ativo

- Dívidas Estado/vendas

- Empréstimos de curto prazo/Ativo

Em suma: quer na literatura internacional, quer na literatura teórica e empírica nacional, há denominadores bem comuns nas variáveis que melhor preveem a degradação financeira de uma empresa. As relações entre capital próprio e ativo, a proporção entre ativo corrente e passivo corrente, resultados e rendibilidade dos capitais investidos surgem regularmente como estatisticamente significativas.  Para além disso, os modelos bancários de avaliação de risco incluem variáveis qualitativas como, por exemplo, a qualidade da gestão, a perceção do risco setorial da atividade, o mercado potencial que a empresa defronta ou a concorrência. Adicionalmente, a decisão de conceder empréstimos passa, como é bem conhecido, pelo tipo de garantias prestadas: reais ou pessoais. Nas garantias reais avulta o montante e tipo de ativos que a empresa apresenta, ou as garantais pessoais exíguas a sócios.

Por fim, sublinhe-se que, após a decisão de conceder empréstimos, os contratos bancários incluem as chamadas “cláusulas de salvaguarda”. Estas impõem às empresas, regra geral, que durante a vida do empréstimo, certos indicadores (v.g., resultados/vendas; solvabilidade) não desçam abaixo de valores contratualizados, o que permite a monitorização periódica por parte dos bancos da situação económico-financeira das empresas e, sendo caso disso, a denúncia do contrato se tal situação se degradar.

Em suma: o rating de uma entidade depende de variáveis económico-financeiras constantes do balanço e da demostração de resultados, e de variáveis qualitativas tais como a capacidade de gestão, a historial de bom cumprimento junto da banca, o risco do setor, a qualidade da informação contabilística, entre outros.[8]

 

5.2. Taxa de juro, rating, relações especiais e implicit support: lei, doutrina e jurisprudência

 

A) A lei

Já se mencionou que o artigo 63º do CIRC estabelece que:

“O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”

 

Há, assim, uma obrigação legal de levar em conta, sempre que aplicável, o conjunto de fatores de comparabilidade que possam determinar ajustamentos às condições praticadas entre partes relacionadas por comparação com as que seriam realizadas entre entidades não vinculadas.

 

B) A doutrina

As Guidelines da OCDE, doutrina de referência, são pouco desenvolvidas no tratamento dos empréstimos intra grupo. Todavia, é de especial interesse a forma como tratam a questão dos efeitos de pertença a um grupo. Vejamos.

“7.13 Similarly, an associated enterprise should not be considered to receive an intra-group service when it obtains incidental benefits attributable solely to its being part of a larger concern, and not to any specific activity being performed. For example, no service would be received where an associated enterprise by reason of its affiliation alone has a credit-rating

higher than it would if it were unaffiliated, but an intra-group service would usually exist where the higher credit rating were due to a guarantee by another group member, or where the enterprise benefitted from the group’s reputation deriving from global marketing and public relations campaigns. In this respect, passive association should be distinguished from active promotion of the MNE group’s attributes that positively enhances the profitmaking potential of particular members of the group. Each case must be determined according to its own facts and circumstances.”

 

Traduzindo sinteticamente, o citado § 7.13 distingue apoio implícito (ou passivo) de apoio explícito, salientando que an intra-group service would usually exist where the higher credit rating were due to a guarantee by another group member. Ou seja, que uma garantia prestada por um membro de um grupo a outro pode ter um preço, em face das melhores condições de crédito que traz à entidade que a obteve.

Na doutrina relativa à aplicação dos preços de transferência em empréstimos intra grupo na jurisdição de Singapura[9], menciona-se que:

“The Singapore loan guidelines provide nine nonexclusive comparability factors to determine the arm’s-length rate:

1. the nature and purpose of the loan

2. the market conditions at the time the loan is granted

3. the principal amount of the loan, the duration of the loan and the terms of the loan

 4. the currency in which the loan is denominated

5. the exchange risks that the lender or borrower bears

6. the security that the borrower offers

7. the guarantees connected with the loan

8. the borrower’s credit standing

9. the interest rate prevailing at the situs of the lender or at the situs of the borrower for comparable loans between unrelated parties”

Ou seja, o rating do devedor e as garantias voltam a ser enfatizadas, além de muitos outros aspetos.

 

C.1) Jurisprudência nacional e empréstimos entre partes relacionadas

 

No Processo decidido no CAAD, nº 733/2015-T, decidiu-se que, citando com a devida vénia:

“Outro fator a ter em conta, por poder constituir um elemento económico relevante no exercício de comparabilidade relativamente aos riscos assumidos, é o apoio implícito (implicit support), ou seja, uma característica que se assume como inerente às relações de domínio ou de grupo e que se traduz na expectativa de uma entidade (a detentora do capital ou parent company) providenciar algum tipo de auxílio, nomeadamente financeiro, à outra (a entidade detida ou subsidiary) mesmo que não haja qualquer obrigação legal nesse sentido. Este elemento pressupõe uma análise não isolada, mas antes que enquadre a entidade relevante no contexto de um grupo, uma vez que, do ponto de vista do credor, esta relação de domínio ou grupo e a inerente capacidade de auxílio da parent company podem influenciar positivamente o rating da subsidiária, que, sendo mais elevado, terá correspondência numa redução da taxa de juro. 

Ora, no caso dos autos o sindicato bancário exigiu garantias sobre os seus créditos que não são, de nenhuma forma, comparáveis com os dos sócios no que respeita aos suprimentos que realizaram à sociedade, a saber: penhor e promessa de penhor de partes sociais, o penhor sobre o saldo de contas bancárias, o penhor de bens móveis (equipamento industrial, administrativo e hospitalar) e dos bens imóveis que viesse a adquirir, o penhor de marcas e patentes, o penhor de estabelecimentos, o penhor de créditos (incluindo os suprimentos dos sócios utilizados pela AT como comparáveis para a operação em causa) e a hipoteca e promessa de hipoteca sobre imóveis. Diversamente, já acima se aludiu à ausência de garantias específicas na concessão de empréstimos, na forma de suprimentos, por parte dos sócios.

Numa perspetiva de implicit support, era imprescindível que a AT não só averiguasse a sua existência como, em caso afirmativo, identificasse em que se traduzia a vantagem de a Requerente ser detida maioritariamente (e depois totalmente) pela A... II, S.a.r.L., quantificasse essa vantagem e, por fim, mas não menos importante, determinasse o seu concreto impacto na determinação do preço da transação vinculada em análise. Mas do RIT não se extrai, nem mesmo indiretamente, qualquer alusão à eventual relevância, em termos de implicit support, da pertença da Requerente a um grupo societário na determinação em termos de plena concorrência do preço (taxa de juros) da operação vinculada, mas apenas a referência a que são os administradores e/ou detentores do capital das empresas “que detêm o conhecimento real do estado em que estas se encontram, quer ao nível financeiro quer ao nível técnico, comercial, concorrencial, entre outros podendo tomar decisões que limitam as garantias dos seus credores ou que maximizam as oportunidades de ressarcir os empréstimos realizados à empresa por si ou terceiros”, o que é insuficiente para legitimar a desconsideração das garantias específicas presentes no financiamento bancário que influenciam a respetiva remuneração. 

O risco assumido é, evidentemente, determinado pela existência de colaterais, o que influencia subsequentemente a taxa de juro fixada como remuneração pela disponibilização dos fundos emprestados. Logo, o mútuo bancário não podia servir como comparável interno, não possibilitando aferir o princípio de plena concorrência, porque os seus termos e condições não eram substancialmente idênticos aos dos suprimentos, em especial porque se previa um elenco diversificado de garantias, ao passo que na operação vinculada nenhuma garantia especial existia, e os créditos mostravam-se dotados de senioridade enquanto nos suprimentos se determinava a subordinação dos créditos às obrigações emergentes do financiamento bancário, tudo elementos suscetíveis de afectar materialmente o preço ou elemento financeiro (taxa de juro) em exame no MPCM.

Conclui-se, pois, que o financiamento bancário, pelos seus termos e condições, é insuscetível de comparação, por falta de identidade ou analogia em termos substanciais, com os suprimentos, não preenchendo os factores de comparabilidade determinados pela Portaria n.º 1446-C/2001, em especial porque, ao contrário do que sucede na operação vinculada, no financiamento bancário os credores dispõem de garantias e se trata de dívida sénior, com prioridade sobre os suprimentos, o que influi no risco da operação e logo na remuneração respetiva.

Assim, o financiamento bancário selecionado pela AT como comparável interno não cumpre os requisitos indicados no artigo 5.º da Portaria 1446-C/2001, não sendo suscetível de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e o preço de mercado, não se estando perante uma transação cujos termos e condições possam considerar-se substancialmente idênticos ou análogos, como determina a al. a) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001.”

 

Para este tribunal, o que se realça da citada decisão arbitral é que, entre outros aspetos, as garantias são um elemento crucial na determinação do risco e consequente taxa de juro.  Há uma diferença, bem notada, entre um implicit suporte e a efetiva (explicit) existência de garantias expressas.

 

 

C.2) Jurisprudência internacional e empréstimos entre partes relacionadas

O caso General Electric - Canada[10] (CE-C) é conhecido quanto à relevância da diferença entre o apoio implícito e a existência de garantias efetivas nas operações financeiras intra grupo.

A GE-C emitiu dívida e pediu à casa mãe americana (GE-USA) uma garantia expressa para tal dívida. Por tal garantia pagou 1% (100 basis points) à casa mãe. As autoridades fiscais canadianas negaram a dedutibilidade dessa garantia (custo na GE-C), argumentando que a simples pertença ao vasto grupo multinacional General Electric seria suficiente para que a taxa de juro obtida fosse igual à que obteria sem garantia expressa. Ou seja, para a autoridade fiscal canadiana, os investidores em dívida da GE-C, mesmo sem garantia expressa, concluiriam que a simples pertença ao grupo (implicit support) seria elemento bastante para que a taxa de juro que exigiriam fosse igual à que seria determinada pelo rating da casa mãe.

Veja-se a decisão tribunal canadiano:

“Implicit support is nothing more than one’s expectation as to how someone will behave in the future because economic reasons will cause the person to act in a certain manner. Economic circumstances can change quickly, as evidenced by the recent credit market meltdown. A guarantee is a much more effective form of protection. It is something that investors in the present case would have been reluctant to give up…”

Que este tribunal arbitral traduz de seguida:

“O apoio implícito não é mais do que uma expectativa de como alguém vai se comportar no futuro, uma vez que certas razões económicas farão com que uma entidade seja levada a agir de uma determinada maneira. As circunstâncias económicas podem mudar rapidamente, como é evidenciado pelo recente colapso do mercado de crédito. Uma garantia é uma forma muito mais eficaz de proteção. É algo que os investidores no presente caso teriam relutado em desistir…”

Mais considerou o tribunal canadiano que:

Under the yield approach, the interest cost savings based on the rating differential between BBB /BBB+ and AAA, the latter being the rate achieved with the GEUS guarantee in place, work out to approximately 183 basis points or 1.83%. I am of the view that a 1% guarantee fee is equal to or below an arm’s length price in the circumstances, as the Appellant received a significant net economic benefit from the transaction. (…) Without a guarantee, the Appellant would have been unable to procure standby letters of credit in an amount sufficient to cover its commercial paper program.

Que este tribunal arbitral traduz de seguida:

“De acordo com a abordagem do rendimento, a poupança de juros baseada no diferencial de rating entre BBB/BBB+ e AAA, sendo esta última a nota de rating obtida com a garantia GE-USA em vigor, calcula-se aproximadamente 183 pontos base ou 1,83%.

Uma taxa de garantia de 1% é igual ou abaixo de um preço de plena concorrência nas circunstâncias do caso, porque a GE-C recebeu um benefício líquido significativo da transação (...) Sem uma garantia, a GE-C não teria conseguido obter condições idênticas de taxa de juro de mercado para o seu programa de papel comercial.”

 

Ou seja, o pagamento da GE-C à casa mãe por uma garantia explícita foi validado, porque, sem ela, os investidores não teriam aceite uma taxa de remuneração tão baixa. O implicit support (ou mera associação passiva a um grupo) não teria as mesmas consequências de uma garantia expressa.

 

5.3  Os empréstimos em causa: sua caracterização

 

Os mútuos aqui controvertidos têm, como já se antes referiu, a seguinte configuração:

- montante:  47, 665 milhões de euro;

- prazo: 10 anos

- possibilidade de reembolso antecipado por decisão da mutuária, sem penalização

- taxa de juro fixa anual: 13%

- Pagamento de juros: no final dos 10 anos; ou com algum reembolso antecipado, por decisão da mutuária

 

Assim, os ditos empréstimos não têm garantias expressas, tendo o credor apenas a garantia geral dos ativos do devedor, e, mesmo assim, caso não existam outros passivos com maior grau de senioridade. (Isso o tribunal não tem condição de saber, pois nenhuma das partes apresentou o desenvolvimento dos passivos da requerente).

Além disso, o pagamento de juros só ocorre no final, o que afeta negativamente o fluxo de caixa do credor. Por outro lado, a decisão de reembolso antecipado está do lado do devedor.

Uma entidade independente (v.g. banco nacional) não teria, no entender deste tribunal, condições para considerar estes mútuos como empréstimos seniores, sujeitos a spreads correspondente a um grau de risco reduzido.

 

5.4 A questão da comparabilidade da taxa de juro e seus fatores determinantes no caso concreto: sua análise

 

A) O impacto da relação especial

 

O Relatório da Inspeção não efetua a análise ao rating da A… nem da B… . A doutrina e a (embora relativamente ainda escassa) jurisprudência existentes sobre a aplicação dos preços de transferência em empréstimos intra grupo são consensuais sobre a necessidade de avaliar a situação financeira da entidade mutuária enquanto stand alone entity. A lei, ao definir as condições de comparabilidade art. 63º, nº 2, do CIRC, refere-se à situação económica e financeira (…), e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos.

A AT tinha, por certo, à sua disposição elementos contabilísticos (no mínimo, o balanço e a demonstração de resultados) que permitiriam apurar indicadores de equilíbrio financeiro a longo prazo da A… (v.g., autonomia financeira, solvabilidade), de curto prazo (v.g., liquidez geral) e de rendibilidade (v.g., rendibilidade do ativo e do capital próprio).

Quando a AT na sua resposta (p6 e 7), refere que:

“O principal fator que determina a definição desse prémio de risco é, normalmente, o rating de crédito das entidades financiadas (creditworthiness), uma vez que este não é mais do que uma notação atribuída com base na probabilidade de insolvência (default) da entidade em causa.

Habitualmente, a atribuição dessa notação de risco é feita partindo do princípio que a entidade financiada é uma entidade independente. Contudo, uma questão que importa analisar no que  respeita à remuneração da entidade que centraliza os financiamentos do Grupo é se o risco de  crédito que assume (e a correspondente remuneração) deve ser estimado considerando as  condições normais de mercado ou se o risco de default está implicitamente reduzido em razão  da sua pertença, e da pertença das entidades financiadas, ao mesmo Grupo de empresas, já  que a sua sociedade dominante não permitiria uma situação de insolvência de uma subsidiária  com importância estratégica para o Grupo.”

está a assumir que o designado implicit support é suficiente para que o rating de uma entidade do grupo seja visto como sendo igual ao rating da casa mãe. Ou seja, que esta, ao emprestar dinheiro a uma subsidiária, não se deve fazer remunerar por mais do que a taxa que corresponderia ao rating geral ou médio do grupo, levando em conta que a casa mãe não deixaria de acorrer a uma situação de insolvência da filial. 

Todavia, o que está aqui em causa é saber se uma entidade independente (v.g., um banco nacional) ao empestar dinheiro à A…, em condições comparáveis às dos empréstimos contratados com a B… e que acima se caracterizaram, levaria em conta a situação de rating do grupo e relegaria para plano secundário ou negligenciável a situação económico-financeira da A…, enquanto potencial mutuária.

Ora a aproximação ou equiparação das situações só tenderia a verificar-se no caso de existirem garantias explícitas do grupo relativamente a esse empréstimo que induzissem uma elevação do rating por apoio explícito.

É que, como a seguir se verá, as condições económicas, de mercado, etc., a que a lei manda atender dificilmente levariam a que uma entidade independente não distinguisse especificamente a situação da empresa portuguesa e ajustasse a taxa de juro, distinguindo-a da que, em média, cobraria à casa mãe.

Sem garantias expressas da casa mãe, uma entidade financiadora independente não atribuiria a mútuos do tipo dos que aqui se discutem um rating de dívida sénior, apenas porque a mutuária se integra num grupo. Os grupos investem e desinvestem, têm uma estratégia própria que pode passar por reforçar ou abandoar a sua presença num dado país. Os riscos macroeconómicos, de mercado, setoriais e outros não são eliminados, sem mais, pela pertença a um grupo, e fazem sentir-se no juro negociado. As oportunidades detetadas no mercado mundial condicionam a entrada e saída dos grupos de mercados como o português.

O § 7.13 das Guidelines da OCDE é, como se referiu anteriormente, claro ao distinguir “apoio implícito” de “garantia de apoio explícito”. Ora, no caso dos autos, tais garantias não se vislumbram e as condições dos empréstimos alocam boa parte do risco financeiro à casa mãe. Não se afigura, por isso, ao tribunal como crível que uma entidade mutuante independente cobrasse a taxa equivalente a um empréstimo sénior ou garantido, relativamente à operação em causa, com os traços contratuais que já antes se explicitaram.

A jurisprudência do CAAD que atrás se citou (Processo 733/T-2015) e o caso da General Electric-Canadá, constituem referências nacionais e internacionais sobre o impacto do explicit e implicit support e da necessidade da Inspeção Tribuária indagar do impacto de tal situação da formação das taxas de juro. O que, no caso concreto, não foi feito por se assumir que a casa mãe não deixaria uma filial chegar à insolvência.

 

B) As condições a que alude ao artigo 63º nº 2 do CIRC e o artigo 6º da Portaria 1446-C/2001

 

Quer o artigo 63º do CIRC, quer ao artigo 6º da Portaria 1446-C/2001, referem explicitamente muitas outras condições, além dos preços, que devem ser tidas em conta numa análise de preços de transferência.  Assim, vejamos as condições económicas e o designado “risco país”, por comparação da situação portuguesa com outros países da UE.

B.1 Condições económicas e risco país

Mesmo para o cidadão comum, sem acesso a informação especializada, sabe-se que os anos de 2011, 2012 e 2013 foram um período de forte destruição de empresas e emprego em Portugal. As razões são conhecidas, e prendem-se com a crise que se iniciou em 2008 e que atingiu, entre nós, o seu pico em 2011, com o pedido de assistência externa.

A evolução do PIB, fortemente negativa, foi a seguinte (quadro 1):

Quadro 1

Evolução da taxa de crescimento real do PIB em Portugal 2011-2013

 

2011

2013

2013

Taxa de cresc. real do PIB

- 1,8%

- 4,0%

- 1,1%

 

                        Fonte: PORDATA

Ora, em tais condições, a mera pertença a um grupo não elimina o risco adicional da localização e operação numa economia em condições tão adversas. Isso se ilustrará melhor de seguida. Vejamos, para tal, os elementos constantes dos quadros 2 e 3 e da figura 1.

 

 

Quadro 2

Dados económicos de alguns países EU início 2008

Fonte: The Economist, fevereiro de 2008

 

 

 

 

Quadro 3

Dados económicos de alguns países EU início 2008

 

Fonte: The Economist, dezembro de 2012

 

                                                  Figura 1

Taxa de juro dos obrigações do tesouro portuguesas a 10 anos

                      

 

 

Que concluir destes elementos? Que de 2008 para 2012 se agravou grandemente a condição económica geral de Portugal, e que em 2012 a taxa de juro da nossa dívida pública a 10 anos superou os 16% (figura 1). Em tal contexto, seria inverosímil que uma entidade independente, ao emprestar dinheiro nas condições contratuais dos mútuos aqui em causa, não refletisse o chamado “risco país” nas condições (e.g., taxa de juro) a negociar.

Isso está também documentado nos artigos 49º e 50º da Petição, onde a requerente evidencia estudos, alguns levados a cabo no âmbito do Banco de Portugal e juntos aos autos, que mostram o impacto da rarefação do crédito, entre 2010 e 2012, nos spreads cobrados pela banca e o seu impacto no aumento das taxas de juro em empréstimos empresariais.

Carreira e Teixeira, 2016[11] estudaram o impacto da crise na destruição de empresas e emprego na economia portuguesa entre 2008 e 2012. Como referem (ver extrato de conclusões abaixo), as restrições ao crédito levaram a que uma parte muito considerável das empresas portuguesas tenha desaparecido, e que a destruição de emprego fosse muito expressiva. Mais sublinham que a grande restritividade do crédito não só fez desaparecer empresas degradadas como teve impacto destrutivo sobre empresas economicamente viáveis, mas que se não conseguiram financiar, dada a limitação muito forte que a troika impôs ao credito bancário, para reduzir a ratio créditos/depósitos.

Eis as conclusões dos autores:

“Using data from the pronounced Portuguese economic crisis, we do find a spike in firm exit in 2008–2012 vis-a`-vis the 2004–2007 pre-crisis period, and a substantial increase in job destruction as well. But we did not find any strong evidence that job reallocation is countercyclical, while a non-negligible fraction of high productivity firms actually shut down. In turn, our selected proxies for strictness in credit markets reveal that in deep recessions they are seemingly associated with increased firm exit and lower employment creation. Taken in round, our results show that credit market stringency in conjunction with an unfavourable economic cycle is likely to generate a long-lasting destructive process. (P.591)

 

 

One plausible explanation for the observed market selection pattern during the Portuguese financial crisis is the presence of credit market distortions, that is, credit constraints (and banking practices) with the ability to reduce efficiency in resource reallocation and productivity growth. Indeed, although we confirm that low-productivity firms have a lower probability of survival, credit market conditions do play a role in firm exit, especially in the case of large firms. (p.608)”

 

Poder-se-ia dizer que tal destruição de empresas e emprego não se teria verificado para empresas estrangeiras a atuar em Portugal, dado o suporte dos grupos em que se inserem. Ora a informação seguinte, baseada em estatísticas do INE, mostra que  também essas empresas, inseridas em grupos, não foram imunes ao ambiente económico muito negativo que se viveu em Portugal, em especial nesses anos em que vigorou o programa de assistência financeira externa (subl. do tribunal):

“As empresas estrangeiras têm um peso residual no total das sociedades não financeiras em Portugal (1,4%), mas são responsáveis por 21,8% do volume de negócios total e por 19,9% do valor acrescentado bruto (VAB) das sociedades em Portugal. Os dados foram divulgados esta sexta-feira, 19 de Setembro, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e revelam que a maioria das filiais são controladas por entidades baseadas em países da União Europeia (75,3%). Espanha surge à cabeça (26,2%), seguida por França (14,6%), Alemanha (8,4%) e Inglaterra (8,3%).

(…)Continuar a ler

O peso das filiais estrangeiras foi mais elevado na União Europeia em 2011 do que em Portugal, correspondendo a 27,4% do volume de negócios e 22,6% do valor acrescentado bruto (contra os 21,8% e 19,9% respetivamente). Destaque para a Irlanda e a Hungria, onde a maioria da geração de riqueza (56,2% e 51,9% respetivamente) foi gerado por sociedades estrangeiras.

 

Segundo o INE, as filiais apresentam taxas de sobrevivência superiores. Mais de 85% das filiais nascidas em 2008 ainda existiam em 2012, face à taxa de 58,4% das sociedades nacionais.  Comparando 2008 e 2012, foram as empresas norte-americanas que fecharam mais as portas em Portugal (-9%), assim como as espanholas (-8%). Em termos de valor acrescentado bruto, foram também as norte-americanas que registaram a maior taxa de variação negativa (-22,2%), seguidas das espanholas (-17,9%).”[12]

 

 

Em suma, o argumento da AT que a simples pertença a um grupo eliminaria o risco adicional face a empréstimos seniores ou garantidos, e que teria como efeito que o rating da requerente seria visto pelo setor bancário como sendo equivalente ao da casa mãe, em face do apoio implícito da pertença ao grupo, não é convalidado pelas Guidelines da OCDE, nem pela doutrina, nem pela jurisprudência nacional e internacional, nem pelas condições económicas, empresariais e de restrição ao crédito que Portugal enfrentou nos anos em causa nos autos (2012 e 2013).

 

B.2 Condições de mercado

Quanto ao risco do mercado/setor das renováveis (solar), o documento 12, que a requerente apresenta em anexo aos autos, mostra que, nos anos em causa, existia uma grande preocupação com a influência dos apoios públicos a esta fonte de energia.

Sabe-se que tais apoios são muito relevantes na viabilidade dos projetos de energia solar, e as limitações e restrições impostas pelo programa de assistência externa eram de molde a que qualquer mutuante independente incorporasse tal risco na taxa de juro a negociar.

 

C) As características dos empréstimos e a taxa comparável usada

Refere-se no RIT que: “Este comparável é feito com as taxas de juro que o Banco de Portugal praticava à data em que se verificou o início do pagamento de juros, em 2012-09-30, que era de 5,63% (conforme print que se anexa).” Ora o print que se anexa ao Relatório é o seguinte (figura 2).

 

 

Figura 2

Anexo ao RIT sobre a definição da taxa de juro comparável usada pela AT

 

Em face destes elementos constantes do RIT, o tribunal acompanha a requerente quando afirma (art. 167 da Petição) que:

Na verdade, comparar a taxa de juro que seria praticada entre a requerente e uma entidade independente, nas condições dos empréstimos negociados e demais termos de comparabilidade, com “a taxa de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos …a sociedades não financeiras residentes na área euro”, - como se lê no excerto da figura 2 - afigura-se um comparável demasiado frágil.

Ele não leva em conta o impacto da situação económico-financeira da requerente como entidade independente, os riscos da natureza subordinada dos empréstimos, da forma de reembolso e pagamento de juros, do tipo de garantias, do risco de mercado, do risco país, e outros elementos da situação concreta aqui em causa a que a lei, a doutrina e a jurisprudência dão largo relevo.

(E a taxa obtida não é praticada pelo banco de Portugal, e sim uma média ou agregação de taxas de juro na área euro. Uma eventual análise interquartil das taxas, em função do rating dos devedores, ajudaria a uma análise porventura mais pertinente).

Além de que, como se vê no print da figura 2, a data da taxa comparável que a AT usou é setembro de 2012, quando os mútuos aqui em causa foram contraídos em setembro de 2011.

Para mais, a OCDE, nas suas Guidelines, também refere que o simples uso de médias não ajustadas deve ser usado com cautela. Expressa-o assim (subl. do tribunal):

§1.35 Where there are differences between the situations being compared that could materially affect the comparison, comparability adjustments must be made, where possible, to improve the reliability of the comparison. Therefore, in no event can unadjusted industry average returns themselves establish arm’s length conditions.

 

Em suma, a AT não efetuou o esforço esperável para analisar o hipotético rating que uma entidade independente atribuiria à requerente. (Note-se que existe, como a AT não desconhece, abundante literatura nacional recente sobre o apuramento do rating).[13]

O RIT assume que  a simples associação passiva, ou implicit support, tornam o prémio de risco, face a um empréstimo sénior, irrelevante, o que não se afigura ao tribunal como correto sem uma análise mais profunda ás duas entidades, em especial à requerente; o risco país não é devidamente considerado relativamente ao seu impacto na taxa de juro, os riscos de mercado e do setor também o não são, e, por fim, a taxa comparável que AT obtém junto do Banco de Portugal não pode ser aceite, sem mais, como apropriada para a operação em causa, pelas razões já expressas.

 

Assim, o tribunal decide julgar procedente o pedido da requerente.

 

 

VII - DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)    Julgar improcedente a exceção dilatória da caducidade do direito à ação.

B)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente às liquidações adicionais de IRC, derrama municipal e de juros compensatórios constantes das demonstrações de acerto de contas n.ºs 2015 … e 2015 …, relativas aos exercícios de 2012 e 2013, no montante global, respetivamente de € 721.688,30 e € 47.516,11, no total de € 769.184,41.

 

 

VIII -VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º e 306.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 785.822,96.

 

 

Lisboa, 3 de maio de 2017.

 

 

Os Árbitros,

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(António Martins)

 

(José Rodrigo de Castro)

 

 



[1] Conf. artigo 29.º da P.I. da Requerente e no 17.º do Relatório da Inspeção Tributária.

[2] Sendo que no mútuo de valor mais reduzido - no montante de € 4.766.550,00 - o valor remanescente corresponde ao do desembolso único, ao passo que o de valor superior - no montante de € 42.898.950,00 - foi sendo disponibilizado em parcelas, correspondendo o valor remanescente à soma das quantias utilizadas em cada momento.

[3] Face às caraterísticas de um empréstimo mezannine, "que é uma fonte de financiamento mais dispendiosa para uma empresa, do que outro crédito garantido ou crédito privilegiado devido à sua classificação inferior e que permite ao mutuante o direito de converter o empréstimo num direito de propriedade ou participação em capital da empresa".

[4] Ver http://2a0v0l15j6nr1oij12rhzz4s.wpengine.netdna-cdn.com/wp-content/uploads/2015/02/2015-01- Transfer_Pricing_Methodology_for_Intra_Group_Lending__TreasuryTransactions1.pdf

[5] Ver http://www.singaporelawdocs.com/latest-international-legal-news/singapore/tax-implications-of-granting-interest-free-loans-between-members-of-a-group/

[6] Veja-se, entre muitos outros, J. Van Horne, Financial Management and policy, 1989, Prentice Hall, cap. 26;  e A. Damodaran, Applied Corporate Finance, 2011, Mac Graw Hill.

[7] J. CARVALHO DAS NEVES, Análise Financeira, vol. I; 2000, Texto Editora, p. 180 e segs.

[8] Veja-se António Martins, Introdução á Análise financeira de empresas, Porto, Vida Económica, 2002, p. 121 e segs.

 

[9] Robert Feinschreiber and Margaret Kent “Singapore Issues Transfer Pricing Guidelines for Related-Party Loans and Services” CORPORATE BUSINESS TAXATION MONTHLY, June 2009, p. 41-49

[10] Ver “In transfer pricing size does matter: the case of General Electric Capital company and the Canada Revenue Agency”, em http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=fffe51e8-38cd-4fb0-b8ac-e10eababb4d8

[11] Carlos Carreira e Paulino Teixeira (2016) "Entry and exit in severe recessions: lessons from the 2008–2013 Portuguese economic crisis"; Small Business  Economics, 46, 591–617

[13] Veja-se, entre outros, José Diogo Silva Carvalho "Processo de Decisão de   Crédito a Empresas: o caso Millennium Bcp" Tese Mestrado, Faculdade de Economia e Gestão, Universidade Católica do Porto Setembro 2014, disponível em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/19438/1/TFM_Final_Diogo_Carvalho.pdf;

 Diana Flórido Batista "Rácios Financeiros e a Classificação do Cliente"- Coimbra, FEUC, Fevereiro de 2016; disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/30738/1/Relat%C3%B3rio%20Completo.pdf

Isabel Ribeiro Duarte “Modelo de Avaliação de Risco de Crédito”, Dissertação de Mestrado , ISCAP, Porto, 2014, disponível em http://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/5473/1/DM_IsabelDuarte_2014.pdf