Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 683/2016-T
Data da decisão: 2017-05-17  IMT Selo  
Valor do pedido: € 23.284,75
Tema: IMT e IS – Artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, 31/12 – Regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…, S.A., com sede na …, n.°…—…, …— … Lisboa, com o número de identificação fiscal…, na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário B…— FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIARIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de Identificação fiscal …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária tendo em vista à declaração de nulidade ou, caso assim se não entenda, à anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS) relativas à aquisição, a título oneroso, da fração autónoma designada pelas letras CH do prédio urbano situado na …, n.º…, …, …, inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de … e … sob o artigo U-… (correspondente ao artigo … da extinta freguesia de …).

As liquidações em causa, nas importâncias de € 20 164,75 e de € 3 120,00, respeitantes a IMT e a IS, respetivamente, foram efetuadas em 22-08-2016 em face de requerimento oportunamente apresentado pela Requerente em representação do sujeito passivo, tendo como base legal a norma do n.º 16 do artigo 8.° do Regime dos Fundos de Investimento imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) aprovado pela Lei n.° 64-A de 2008 de 31/12, aplicável por força do  artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31/12.

Em consequência da declaração de ilegalidade dos mencionados atos, solicita a Requerente que seja determinada a sua anulação com o consequente reembolso do montante pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que as questionadas liquidações estão feridas de ilegalidade abstrata, porquanto foram efetuadas com base em norma inconstitucional – o artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Norma Transitória no Âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) - por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.° (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira – AT, em resposta ao alegado, pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos questionados atos de liquidação, com fundamento na circunstância de não estar em causa a retroatividade da lei mas tão-somente a aplicação do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, na sua formulação inicial.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 16-11-2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, em 02-12-2016.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 17-01-2017.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 01-02-2017.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

11. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base nos elementos que integram o presente processo, se consideram provados:

 

12.1. O Fundo “B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, representado pela Requerente, era, à data das liquidações ora em apreço, proprietário do prédio urbano situado na…, n.º…, Bloco…, …, inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de … e … sob o artigo …-CH – anteriormente artigo … da extinta freguesia de … . 

 

12.2. O referido imóvel foi adquirido em 05-08-2013, tendo a aquisição beneficiado de isenção de IMT e de IS ao abrigo do n.º 7, alínea a) e do n.º 8 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12.

 

12.3. Na perspetiva da alienação do imóvel em causa, foi requerida a liquidação do IMT e do IS respeitantes àquela aquisição, nos termos das disposições do n.º 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, norma aditada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, conjugado com regime transitório constante do artigo 236.º desta Lei.

 

12.4. Conforme requerido foram, em 22-08-2016, efetuadas as seguintes liquidações (Doc. 1):

- IMT, nº…, no valor de € 20.164,75,

- Imposto do Selo (IS), nº…, no montante de € 3.120,00.

 

12.5. O imposto apurado nas referidas liquidações foi pago em 23-08-2016 (Doc. 2).

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

III.i) Posição das partes

 

a) Posição da Requerente

 

14. Conforme já anteriormente referido, a questão colocada ao Tribunal Arbitral circunscreve-se à pretensão da Requerente quanto à apreciação da legalidade das liquidações de IMT e de IS, acima identificadas, efetuadas com base em pedido de liquidação formulado ao abrigo do n.º 16 do artigo 8-º do Regime Especial dos FIIAH e n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

 

15. Em apoio da sua pretensão, a Requerente, em síntese, alega que:

 

15.1. A Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 - Orçamento do Estado para 2009 -, que aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) estabeleceu no artigo 8.º o regime tributário aplicável aos FIIAH no que se refere ao Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis tendo definido no número 7 do citado artigo 8.º que:

 

“Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

 

b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”

 

15.2. A Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 - Orçamento do Estado para 2014 - aditou ao artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH os números 14 a 16, com o seguinte texto:

 

«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

 

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

 

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»

 

15.3. A Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, veio ainda consagrar no seu artigo 236.º o seguinte regime transitório:

 

«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

15.4. Com base exclusivamente nas disposições supra citadas, em particular, as resultantes das alterações consagradas ao Regime Tributário dos FIIAH, a ora Requerente solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a liquidação de IMT e de IS que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

15.5. As liquidações questionadas referem-se a um prédio urbano que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, integrava o património do Fundo de Investimento Imobiliário B…— Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional.

 

15.6. Considerando a natureza de impostos de obrigação única tanto do IMT como do IS, e que o facto tributário, localizado no tempo, se esgota no ato de aquisição do imóvel, sustenta a Requerente que o facto de lhe ter sido reconhecida a isenção dos referidos tributos aquando da referida aquisição constitui direito adquirido e cristalizado na sua esfera jurídica à data em que ocorreram as alterações do Regime Especial dos FIIAH.

 

15.7. Acresce, no entender da Requerente, que, de acordo com o regime em vigor à data da aquisição, as referidas isenções não se encontravam sujeitas a condição resolutiva, sendo manifesto que “Não estando, contudo, legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstancias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-­tributária do Requerente enferma de inconstitucionalidade por violação do principio da não  retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º (Sistema fiscal), n.º  3, da Constituição da República Portuguesa.”

 

15.8. Pelo que, conclui a Requerente, “ O artigo 236.º (Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao estender a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH (“aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de I de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo 3 anos previsto no n.º 14 a partir de I de Janeiro de 2014”) está a violar de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto.”

 

15.9. Em reforço da posição que afirma, a Requerente junta aos autos um parecer jurídico.

 

b) Posição da Requerida

 

16. Depois de expor em detalhe o regime tributário aplicável aos FIIAH, a Requerida, referindo-se ao caso em apreço, salienta que:

 

16.1. À data da criação do referido regime tributário, instituído pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo (IS), exigiam, respetivamente:

 

(i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e,

 

(ii) que a transmissão tivesse por objeto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”.

 

16.2. Os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

 

16.3. Pelo que, falece razão ao Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, e, consequentemente, a argumentação que constrói partindo de tal errado pressuposto encontra-se igualmente ferida de erro.

 

16.4. A nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”.

 

16.5. Por outro lado, sustenta a Requerida, “é de ressalvar que a cessação de um benefício fiscal sempre poderá ter lugar, por exemplo, caso se constate, num caso concreto, mediante fiscalização, que não se verificam os respetivos pressupostos.

 

Com efeito, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do EBF: “Todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Direção Regional dos Assuntos Fiscais e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios”. 

 

Sendo que, conforme discorre do artigo 14.º, n.º 1, do EBF, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”. Ao que acresce, ainda, a disposição do artigo 14.º, n.º 2, do EBF na qual se determina que “quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.

 

16.6. Pelo que, conclui a Requerida, “... é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra. 

 

Assim, estando em causa a alienação dos imóveis sem afetação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2, do EBF, sendo que, o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida antiabuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afetação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade.

 

Do mérito do pedido

 

17. Da matéria de facto dada como provada e das posições das partes acima sintetizadas extrai-se que está essencialmente em causa saber se as liquidações de IMT e de IS impugnadas estão feridas de ilegalidade, porque efetuadas ao abrigo das normas do n.º 16 do artigo 8.º do Regime Especial dos FIIAH e n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que a Requerente considera serem inconstitucionais por violação do disposto no artigo 103.º da CRP.

 

18. Importa, pois, salientar, que o Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, prevê, no n.º 7 do artigo 8.º, que ficam isentas do IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” pelos referidos Fundos de Investimento, bem como “ as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento...”.

 

19. Segundo o n.º 8 do mesmo artigo, beneficiam de isenção de IS “todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compara previsto no n.º 3 do artigo 5.º”.

 

20. Através da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, foi alterada a redação do referido artigo 8.º, sendo-lhe aditados os n.ºs 14 a 16, com o seguinte teor:

 

“14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8 do referido art. 8.º, considera-se que “os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

 

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

 

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

 

21. O artigo 236.º da mesma Lei estabeleceu, ainda, a seguinte norma transitória:

 

“1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.   

 

22. É pois, essencialmente, o conteúdo das normas citadas, ao abrigo das quais foram requeridas e efetuadas as liquidações questionadas, que fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade das mesmas, com base em violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal.

 

 23. Esta matéria tem sido objeto de numerosas decisões do Tribunal Arbitral proferidas sobre situações em tudo idênticas à do presente processo, salientando-se, entre outras que vão no mesmo sentido [i], as conclusões formuladas no Proc. n.º 689/2015-T:

 

“ ... a obrigatoriedade de destinar o imóvel ao arrendamento habitacional não é requisito das alterações introduzidas pelos artigos artigo 235.º e 236.º da 83-C/2013, de 31 de Dezembro, antes um requisito do regime fiscal dos FIIAH. É a natural decorrência, como bem alega a Requerida, das motivações que levaram à criação de um regime especial temporário aplicável a estes Fundos, ligadas à crise económica e à consequente dificuldade acrescida dos indivíduos e das famílias no pagamento das prestações dos contratos de mútuo celebrados para aquisição de habitação própria permanente, pretendendo, portanto, o regime acudir a situações de dificuldade e incentivar o arrendamento para habitação própria permanente.

O Orçamento de Estado para 2014 vem, é certo, estabelecer novas regras para a isenção: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de 3 anos após a entrada do imóvel no Fundo e, ainda caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido aquele prazo, o adquirente tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado.

Não foi esta, porém, a razão pela qual a Requerente procedeu às declarações que deram origem às liquidações em crise, o que se retira claramente da análise dos documentos juntos, apesar de da argumentação da Requerente resultar coisa diversa.

As liquidações de IMT efetuadas no que aos imóveis acima descritos se refere não tiveram por base a sua manutenção no fundo por um período igual ou superior a 3 anos sem que tivesse havido afetação a arrendamento para habitação permanente.

As liquidações em apreço, aliás conforme decorre das notas de liquidação juntas ao processo, basearam-se no facto, nas palavras da própria Requerente, de ter sido dado aos imóveis "destino diferente daquele em que assentou o benefício", “caducando a isenção”.

O facto de a alienação do imóvel fazer caducar a isenção não é, como ao diante se deixará explanado, um facto novo, resultante do aditamento efetuado pelo Orçamento de Estado para 2014. Nova será, quando muito, a obrigatoriedade de o adquirente requerer a liquidação dos impostos que não foram liquidados antes da alienação. Disposição que não só é meramente procedimental, como não está sequer em causa nestes autos, tendo em conta que foi precisamente isso que a Requerente fez e a consequência sempre seria, como veremos que resulta do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que os impostos seriam liquidados oficiosamente pela Fazenda (acrescidos dos juros e sanções previstas na lei), uma vez constatada a alienação.

Parece-nos, portanto, evidente que a questão sub judice não se prende com a eventual inconstitucionalidade, por violação da proibição da retroatividade da lei fiscal, dos números aditados ao artigo 8.º pelos Orçamento de Estado de 2014.

De facto, a alienação do prédio em questão pela Requerente determina, como ela própria reconheceu nas declarações para liquidação de IMT e IS, a caducidade da isenção, porque lhe foi por ela dado destino diferente daquele que havia determinado a concessão do benefício.

Para cumprimento da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º não basta uma intenção declarada na aquisição do imóvel, mas uma efetiva afetação ao arrendamento para habitação permanente.

Não é, pois, verdade, que, como afirma a Requerente, não estivessem já legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, os factos ou circunstâncias de que dependia a respetiva caducidade, ao menos no que respeita às circunstâncias que efetivamente ocorreram: a alienação do imóvel.

Na verdade, a concessão de um benefício dependia já – e depende sempre – da efetiva verificação dos respetivos pressupostos, nos termos do artigo 12º do EBF (artigo 11.º, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06).

O facto de a Requerente ter procedido à alienação do prédio que, ao adquirir, declarou iria afetar a fim que lhe permitia fosse reconhecida – como foi – a isenção de IMT e IS, sempre determinaria, ainda que o aditado número 16 não o previsse expressamente, a caducidade de tais isenções, por efeito do disposto no artigo 12.º e no n.º 3 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (antigo 12.º, n.º 3, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), segundo o qual “Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.”.

A Requerente não alegou nem, por maioria de razão, demonstrou ter obtido a autorização lá prevista, ou qualquer outra circunstância que obstasse a que as concedidas isenções ficassem sem efeito em consequência da alienação.

É por esse motivo que, como supra já adiantamos, entendemos que não coloca no caso em apreço a questão da alegada inconstitucionalidade das disposições aditadas, na medida em que, na parte correspondente à alienação do imóvel, o n.º 16 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH se limita a reiterar o que já resultava do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

O que, aliás, bem se compreende, atendendo ao ratio da concessão dos benefícios fiscais.

A ratio para atribuição do benefício fiscal em sede de IMT e IS aos FIIAH é, claramente, a sua afetação a arrendamento para habitação permanente— "As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento..." – pelo que a consequência de lhe ser dado diverso destino é a de que a isenção não poderia ter sido concedida, havendo que repor a legalidade, liquidando-se os impostos que, não fosse a declaração de intenção efetuada aquando da aquisição, haveriam de ter sido liquidados.

O que a Requerente reconheceu, tanto mais que é isso mesmo que consta das declarações efetuadas pela própria Requerente para liquidação do IMT e do IS.

Concluindo, a alienação do prédio sempre determinaria a caducidade da isenção por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, não estando, portanto, em causa, na situação sub judice, qualquer aplicação retroativa de norma que venha a introduzir novo regime de caducidade das isenções, tampouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pelo que entendemos assim que as liquidações de IMT e Imposto de Selo em crise são legais.

Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à alegada retroatividade do regime previsto pelo artigo 236º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 na medida em que, como supra ficou demonstrado, os condicionalismos que originaram as liquidações de imposto em crise em nada se relacionam com os aditamentos originados pelo referido artigo, tão só com a alienação do imóvel e consequente afetação a fim diferentes daquele para que foram concedidas as isenções de IMT e de Imposto do Selo.

 

24. Aderindo, sem reservas, às conclusões e fundamentação expressas na Decisão Arbitral acima transcrita, considera-se, pois, improcedente o pedido de pronúncia arbitral, decidindo-se pela legalidade das liquidações que constituem o seu objeto.

 

25. Tendo decidido pela legalidade das liquidações impugnadas, fica prejudicada a apreciação do pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações de IMT e de IS objeto do presente processo;

 

b) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo: € 23 284,75

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1 224,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 17 de Maio de 2017

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 

 



[i]  Cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos Procs. 398/2015-T, 684/2015-T, 688/2015-T, 689/2015-T, 690/2015-T, 691/2015-T, 694/2015-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 737/2015-T, 56/2016-T, 57/2016-T, 61/2016-T, 63/2016-T, 125/2016-T, 128/2016-T, 165/2016-T, 419/2016-T e 615/2016-T.