Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 110/2013-T
Data da decisão: 2013-12-31  Selo IMI  
Valor do pedido: € 8.074,10
Tema: Caducidade do direito à liquidação; Prescrição da prestação tributária; Exceção da litispendência
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Processo 110/2013-T 

 

DECISAO ARBITRAL 

 

I. Relatório 

 

1.R, contribuinte n.º  e B, contribuinte n.º , residentes na , Loures, requereram em 08-05-2013, invocando o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do DL 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), “a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia arbitral do ato de liquidação adicional de IMT, Imposto de Selo e juros compensatórios contados desde a data da escritura até à data do pagamento, referente à aquisição da fração autónoma designada pela letra H do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz da freguesia do , concelho de , sob o artigo ”. 

Precedendo o presente pedido, os ora requerentes informam que apresentaram em 21/09/2012 reclamações graciosas junto do SF de , que foram indeferidas e, deste indeferimento, deduziram recursos hierárquicos dos quais, segundo também informam, não obtiveram resposta optando por usar o instituto do indeferimento tácito para aceder ao tribunal arbitral. 

Segundo os autores, os atos impugnados devem ser anulados com base na caducidade do direito à liquidação, dado que a escritura de aquisição foi celebrada em 12/05/2004 e só em 22/06/2012 é que os mesmos foram notificados das liquidações adicionais.  

Os autores assinalam que o prazo de caducidade de oito anos estava excedido na data da notificação da liquidação na medida em que o facto tributário ocorreu em 12/05/2004 tendo corrido continuadamente sem ter havido qualquer suspensão. 

Requerem ainda os autores que, caso as liquidações de IMT, IS e juros compensatórios não sejam anuladas com base na caducidade, seja declarada a exceção da prescrição dessas dívidas face ao decurso do prazo de oito anos fixado no n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT).  

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa nomeou o signatário como árbitro singular no presente processo, tendo essa nomeação sido aceite no prazo aplicável. 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 11.º, e não tendo as partes manifestado a vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 10-07-2013. 

3.A autoridade requerida apresentou a sua resposta na qual invocou, por exceção, a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria e, por impugnação, defendendo a legalidade das liquidações impugnadas. 

Quanto à legalidade das liquidações a requerida diz, em resumo, que o prazo de caducidade foi suspenso ao abrigo do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, com a instauração de um processo de inquérito criminal que, embora arquivado pelo Ministério Público com base em prescrição do procedimento criminal, não deixou de produzir o efeito da suspensão do referido prazo e, consequentemente, de conferir à Autoridade Tributária o direito à liquidação.  

Quanto à incompetência do tribunal arbitral a requerida sustenta-se no facto dos requerentes terem invocado a prescrição da dívida, sendo que, no seu entender, a prescrição nada tem a ver com a discussão da legalidade da liquidação de tributos mas sim com a exigibilidade da obrigação. 

4. Já depois de constituído o tribunal arbitral, a autoridade requerida apresentou em 23.10.2013 um requerimento dizendo que na sequência de indagações levadas a cabo pela AT foi descoberto que, relativamente às liquidações de IMT e de IS que se encontram sob escrutínio neste processo arbitral, os requerentes tinham deduzido oposição à execução fiscal onde suscitaram a questão da caducidade das liquidações, nos mesmos pressupostos e com os mesmos fundamentos que no presente pedido de pronuncia arbitral, juntando cópia da petição da oposição apresentada em 24.10.2012 no Serviço de Finanças de Loures . 

Assim, continua o requerimento da AT, como os requerentes invocaram nos mesmos termos e fundamentos a caducidade do direito à liquidação, quer no processo de oposição, quer nos presentes autos, encontramo-nos perante a repetição de uma causa quando a anterior ainda se encontra em curso, o que, face ao disposto no artigo 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil (CPC), determina, como requerem, que seja julgada procedente a exceção dilatória da litispendência, absolvendo-se a entidade requerida da instância relativamente ao pedido de pronuncia do Tribunal Arbitral sobre a caducidade do direito à liquidação de IMT e IS. 

Acrescenta o mesmo requerimento que caso não seja aceite a exceção da litispendência que seja suspensa a presente instância, ao abrigo do artigo 272.º do CPC, até ser proferida decisão pelo Tribunal Tributário de Lisboa no processo de oposição à execução, atendendo à existência de causa prejudicial, na medida em que a oposição à execução foi intentada em primeiro lugar. 

O requerimento termina afirmando que as exceções agora suscitadas em nada contendem com a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada em sede de resposta para apreciar a questão da prescrição da dívida exequenda. 

5. Por sua vez, em resposta ao requerimento referido no ponto anterior, sobre o qual os requerentes foram convidados a pronunciar-se, vieram os mesmos, por requerimento apresentado em 7 de Novembro de 2013, no ato da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, confirmar que em 24-10-2012 deduziram oposição à execução instaurada em 26-09-2012, no serviço de finanças de Loures , a qual tem por objeto a divida impugnada nos presentes autos. 

Alegaram, em resumo, que se não tivessem requerido a arbitragem e tivessem antes impugnado judicialmente a liquidação junto do TAF de Beja, o que poderiam ter feito, objetivamente teriam dois processos administrativos a correr, um no TAF de Lisboa (oposição à execução) e outro no TAF de Beja (impugnação judicial), com a delonga e custos inerentes. 

Adiantam que não resulta do n.º4 do artigo 13.º do RJAT a impossibilidade de existir oposição à execução e terminam este requerimento pedindo que o tribunal arbitral se julgue materialmente competente e improcedentes as exceções alegadas pela AT e que considere provados os factos alegados pelos autores.  

6. No dia 7 de Novembro de 2013 teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, sem que qualquer das partes tenha requerido para se conhecer e decidir de imediato as exceções invocadas pela requerida.  

Aliás, nem este conhecimento e decisão teriam sido oportunos na medida em que foi já no decurso da reunião que a mandatária dos autores apresentou requerimento para junção aos autos em que se pronunciou sobre a exceção da litispendência invocada pela autoridade requerida já depois de apresentada a sua resposta, o qual foi aceite. 

Assim, foi decidido não conhecer logo das referidas exceções, mais tendo sido deliberado, com a concordância das partes, que as mesmas poderiam apresentar alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias. 

7. Os autores apresentaram alegações por escrito através das quais reafirmam que só foram notificados do relatório de inspeção, em que se fundamentaram as liquidações impugnadas, em 23 de Abril de 2012, não tendo sido notificados do início da inspeção, que foram notificados das liquidações em 22/06/2012 mais de oito anos após o facto tributário, acrescentando que a AT não fez prova nos autos arbitrais da distribuição da oposição junto do Tribunal Tributário de Lisboa, que não juntou despacho de recebimento da mesma e muito menos provou que em 18/07/2013, data em que a AT foi notificada do requerimento inicial dos presentes autos arbitrais, já tivesse sido citada/notificada da oposição. 

Em questões de direito os autores alegam a falta de fundamentação das liquidações impugnadas invocando, nomeadamente, a falta de elementos referentes à instauração, objeto e arquivamento do inquérito criminal em que se basearam as ditas liquidações, violando assim, no seu entender, as regras da fundamentação e do ónus da prova previstas nos artigos 74.º e 77.º da LGT. 

Nas alegações, os autores reafirmam a caducidade do direito à liquidação por terem decorrido mais de oito anos entre a data do facto tributário, ocorrido em 12/05/2004 e a data da notificação das liquidações em 22/06/2012. 

Quanto à litispendência invocada pela autoridade requerida os requerentes alegam que não se verificam os pressupostos desta figura processual, mormente a pendência simultânea de dois processos judiciais. 

Com efeito, acrescentam, admitindo que apresentaram oposição à execução em 24/10/2012, os autores afirmam que a AT apenas apresentou o requerimento da oposição entregue no Serviço de Finanças na referida data mas que não fez prova de que tal oposição tenha dado origem a qualquer processo no Tribunal Tributário de Lisboa.  

Os autores invocam ainda o disposto no artigo 13.º, n.º 4, do RJAT alegando que, como a oposição não está aí elencada, não se pode concluir que seja o mesmo o efeito jurídico que se pretende obter no processo de oposição à execução e nos presentes autos. 

8.Por seu lado, depois de notificada das alegações supra resumidas, a autoridade requerida veio também alegar dizendo, desde logo, que o pedido de constituição de tribunal arbitral se baseou em duas linhas de força, a saber, a caducidade do direito de liquidação e a prescrição da dívida tributária. 

Acrescentando que agora, nas alegações finais, os requerentes reforçaram a sua tese suscitando argumentos adicionais, não invocadas no âmbito do requerimento de pronúncia arbitral, mormente quanto à falta de fundamentação do ato impugnado e quanto ao incumprimento do ónus da prova. 

Assim, continua a autoridade requerida, uma vez que a ampliação do pedido não foi determinada por acordo das partes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 264.º do CPC, não poderá o tribunal arbitral conhecer dos pretensos vícios da falta de fundamentação e do incumprimento do ónus da prova. 

Mesmo que assim se não entendesse, segundo a entidade requerida não há qualquer falta ou insuficiência de fundamentação que, de resto, a verificar-se, os requerentes poderiam ter suprido requerendo a emissão de certidão prevista no artigo 37.º do CPPT. 

Quanto ao facto invocado pelos requerentes de nunca terem sido notificados ou ouvidos em qualquer processo criminal, a requerida alega que aquela argumentação não pode proceder já que a promoção e direção de qualquer processo criminal não se encontra na esfera da requerida mas sim na do Ministério Público e que, por tal razão, nunca a autoridade requerida poderia notificar os requerentes do inquérito criminal, onde os requerentes nem sequer foram constituídos arguidos, nem consequentemente do seu arquivamento.  

A requerida alega ainda que o próprio artigo 45.º/5 da LGT não impõe o ónus de citar ou notificar seja quem for e que a suspensão do prazo de caducidade aí prevista depende apenas e só da instauração do inquérito criminal. 

Em matéria de prova, a requerida alega que foi o Ministério Público que lhe comunicou a existência do inquérito criminal, envolvendo este os requerentes, sendo quanto bastava para o preenchimento dos pressupostos do artigo 45.º/5 da LGT, não recaindo sobre si qualquer outro ónus probatório. 

o pouco se pode considerar que o documento sobre o arquivamento do inquérito criminal junto com a resposta seja um documento novo ou uma prova à posteriori já que o mesmo era do conhecimento dos requerentes que contra ele se insurgiram nos procedimentos que antecederam o pedido de pronuncia arbitral. 

Quanto à exceção da litispendência que os requerentes puseram em causa dizendo que a petição da oposição não tinha ainda dado origem a qualquer processo no Tribunal Tributário de Lisboa, alega a autoridade requerida que argumentar assim é má-fé processual dado que bastaria uma simples consulta à página da distribuição no sítio da internet do referido Tribunal para se constatar que a oposição em apreço foi distribuída sob o n.º /BELRS a correr termos na  Unidade Orgânica. 

Finalmente, quanto à questão da prejudicialidade que os requerentes também contestaram, a requerida reafirma a sua posição já exposta no seu requerimento apresentado em 2013-10-23, tal como reafirma a sua posição quanto à exceção da litispendência. 

9. O tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas, o processo não enferma de nulidades. 

Assim, cumpre proferir decisão, quer no sentido de saber se alguma das exceções invocadas inviabilizará o prosseguimento do processo ou mesmo o conhecimento do pedido e, caso assim não seja, decidir se os atos impugnados devem ou não ser anulados como requerido. 

 

II. Matéria de facto 

Com interesse para as matérias a apreciar e decidir considera-se provada, com base nos documentos apresentados pelas partes, a factualidade que se passa a apresentar. 

1. Os ora requerentes foram notificados através do ofício n.º , datado de 2012-06-21, remetido pelo Serviço de Finanças de  e recebido pelos destinatários no dia 22-06-2012, para, no prazo de 30 dias requererem o pagamento das liquidações adicionais de IMT, no montante de € 5429,88, e de Imposto de Selo, no montante de € 630,51, acrescidas de juros compensatórios contados desde 12/05/2004, data da escritura, até à data do pagamento, referentes à aquisição da fração autónoma designada pela letra H do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz da freguesia do , concelho de , sob o artigo ; 

2. Os montantes totais das liquidações adicionais referidas no número anterior foram, respetivamente, de € 7.234,09 e de € 840,01, depois de acrescidos dos juros compensatórios nos montantes de € 1.804,21 e de € 209,50 contados desde 12/05/2004, data da escritura, até 2012-08-29, data em que foram efetuadas as liquidações e postas a pagamento; 

3. Segundo a notificação referida no número 1, as ditas liquidações adicionais de IMT e de IS tiveram por base a diferença entre o preço declarado na escritura de compra e venda de € 145.646,32 e o “valor real do negócio” de € 224.460,05, valor este apurado através de um “relatório de inspeção dos Serviços de Inspeção Tributária-Direção de Finanças de , n.º de Ordem de Serviço O/2012, Divisão I, Equipa C”; 

4. A ação interna de inspeção de que dá conta o relatório identificado no número anterior foi desencadeada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º O12012, emitida pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de , e teve por base os “elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito com o NUIPC / TAPBL, instaurado em 20-09-2011”; 

5. Por sua vez, este processo de inquérito foi arquivado por despacho de 7 de Novembro de 2012, proferido pela Procuradora-Adjunta do Tribunal de  (Comarca do Alentejo Litoral), nos seguintes termos: 

“Iniciou-se o presente inquérito n.º /TAPRL com vista a averiguar da prática de um crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, do RGIT. Sucede, porém, que à data da instauração do presente Inquérito n.º /TAPRL já se encontrava extinta a responsabilidade criminal dos alegados autores dos factos. Pelo exposto, determina-se o arquivamento dos autos nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Cumpra o disposto no n.º 3 do artigo 277.º do Código de Processo Penal. Comunique ao órgão de polícia criminal responsável pela realização das diligências de investigação. O prazo de prescrição é de cinco anos (vd. circular da Procuradoria-Geral da República n.º 8/2008).  de Novembro de 2012. A Procuradora-Adjunta, assinatura ilegível”. 

6. Constata-se, por outro lado, que a páginas 11 do relatório de inspeção foi junta uma “FICHA DE CLIENTE” que, segundo o mesmo relatório, foi recolhida no âmbito do citado processo de inquérito, na qual constam os seguintes dados: 

6.1. Indicação de que esta “FICHA DE CLIENTE” se refere à alienação da fração H, lote 73, pelo valor de € 224.460,05 e que na escritura foi mencionado o valor de € 145.646,32; 

6.2. No campo dos dados do cliente constam os nomes dos requerentes RB, sendo aí indicados os seus números de bilhetes de identidade, números de contribuintes, morada, naturalidade, estado civil, e regime de casamento; 

6.3. De seguida aparece um campo designado como “plano de pagamentos” em que consta o montante do sinal reportado a Maio-02, o montante do primeiro reforço e o montante a pagar na escritura, totalizando estes montantes o quantitativo de € 224.460,05; 

6.4. No campo a seguir com a designação “adiantamentos” aparecem indicadas as datas de 13-05-02, de 21-05-02, de 10-09-02 e de 12-05-04 (data da escritura), nas quais foram feitos “adiantamentos” que perfazem o “total entregue” de € 224.460,00; 

6.5. No final da “FICHA DE CLIENTE” em análise consta a indicação de que à vendedora “…, LDA.” foram entregues as quantias de € 139.680,00 e de € 5.966,32, perfazendo o total de € 145.646,32, ficando “Por Liquidar” a quantia de € 0,05. 

7. O relatório de inspeção faz junção do “Pedido de liquidação” do IMT prévio à escritura, apresentado em 2004-04-16, no qual foi declarado que pelo ora requerente ia ser adquirida a fração H do prédio sito em , Núcleo C1, lote 73, inscrito sob o artigo , freguesia de , concelho de , à “, LDA”, NIF , pelo preço de € 145.6646,32, sendo o IMT liquidado com base no preço declarado.  

8. O processo administrativo faz junção da cópia dos processos de reclamação e de recurso hierárquico mencionados na petição inicial e na resposta da autoridade requerida; 

9. Em 23-10-2013 foi junto requerimento apresentado pela Requerida em que se dá conta que em Outubro de 2012 os requerentes deduziram oposição à execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Loures  para cobrança coerciva das dívidas de IMT e IS cujas liquidações estão sob escrutínio no presente processo arbitral; 

10. Face ao teor da petição inicial junta ao presente processo através do citado requerimento constata-se que foi aí invocada, como fundamento da oposição, a exceção da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade; 

11. Dá-se também por provado que um processo de oposição à execução fiscal corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa,  unidade orgânica, sob o n.º / BELRS, pelo menos desde 4 de Dezembro de 2012, data em que foi proferido o despacho judicial de recebimento da oposição; 

12. O despacho de recebimento da oposição proferido naquele processo, com data de 4 de Dezembro de 2012, foi comunicado à Exma Dra , mandatária dos requerentes, através de notificação datada de 05-12-2013; 

 

III. Matéria de Direito 

 

Da questão prévia das exceções invocadas pela autoridade requerida. 

A requerida invocou, em momentos processuais diferentes, as exceções da incompetência material do tribunal arbitral, o que fez na resposta ao pedido de pronúncia arbitral e, mais tarde, a exceção da litispendência, mais requerendo, caso não se acolha esta exceção, que seja decretada a suspensão da instância com fundamento em pendência de causa prejudicial. 

As exceções invocadas não se decidiram na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, como já se referiu, na medida em que, quanto à primeira, abrangia apenas a incompetência do tribunal arbitral para conhecer a prescrição da dívida não sendo o seu conhecimento decisivo para o prosseguimento dos autos que sempre deveriam prosseguir para a fase seguinte, uma vez que, além da prescrição, foi primeiramente arguida a ilegalidade decorrente das liquidações impugnadas terem sido notificadas para além do prazo de caducidade. 

Quanto à exceção da litispendência, também invocada pela autoridade requerida, como esta exceção se baseou em factos que só depois da resposta foram descobertos pela referida autoridade e como só na dita reunião é que os autores, depois de notificados, se pronunciaram por escrito, foi igualmente decidido prosseguir com o processo para a fase seguinte para, agora e antes de se conhecer do pedido principal, se apreciar e decidir se os pressupostos da dita exceção estão ou não verificados.  

O pedido de suspensão da instância por pendência de causa prejudicial será igualmente apreciado e decidido se não se considerar verificada a exceção dilatória da litispendência. 

Assim, quanto à invocada exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer a prescrição da dívida que, no entender da autoridade requerida, nada tem a ver com a discussão da legalidade da liquidação, decide-se não tomar conhecimento desta exceção na medida em que a decisão final se irá fundamentar apenas no vício da caducidade das liquidações e não na sua prescrição. 

Quanto à exceção da litispendência considera-se desde já que não assiste qualquer razão à requerida. 

Com efeito, mesmo que a requerida afirme, depois de invocar a litispendência, que no processo de oposição e no presente processo arbitral não se pretende obter o mesmo efeito jurídico, daqui decorrendo que faltaria o requisito previsto no n.º 3 do artigo 581.º do CPC para que tal instituto se verificasse, baseamos a nossa decisão sobre esta questão em pressupostos diferentes.  

Com efeito, acompanhando a posição seguida noutros processos arbitrais, quando um mesmo pedido de declaração de ilegalidade de um ato de liquidação seja suscitado perante um tribunal arbitral e perante um tribunal tributário é a apreciação pelo tribunal arbitral que deve prevalecer. 

Esta solução pode apoiar-se, nomeadamente, no artigo 13.º, n.º 4, do RJAT, segundo o qual “a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, (…) sobre os atos objeto desses pedidos (…)”, preceito que permite invocar o afloramento de uma regra geral  de que a opção pela via arbitral extingue o direito de sobre os mesmos factos e com os mesmos fundamentos se pretender obter uma decisão dos tribunais tributários, incluindo nos processos que já tenham sido instaurados (neste sentido ver decisão arbitral proferida no processo n.º 126/2012-T na parte em que apreciou e decidiu a exceção de litispendência invocada pela entidade demandada devido ao facto de estar pendente num tribunal administrativo e fiscal um processo de oposição em que também foi invocado como fundamento a falta de notificação de uma liquidação dentro do prazo de caducidade). 

Ao mesmo resultado se chega se se invocar a conclusão, com a qual se concorda, de que entre os processos arbitrais e os processos judiciais tributários não pode operar a exceção da litispendência (cfr. Processo arbitral n.º 30/2012-T), conclusão esta com apoio nos preceitos do CPC que determinam que a instância arbitral prevalece sempre sobre a instância judicial, sendo aquela causa extintiva desta (vd. mormente artigo 277.º, alínea b), do CPC). 

Quanto ao pedido de suspensão do presente processo por pendência de causa prejudicial até que seja decidida a oposição pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por também aí ter sido invocada a caducidade das liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral, improcede igualmente este pedido. 

Na verdade, determina o artigo 272.º do CPC que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”. 

Além da suspensão ser uma faculdade do tribunal que, no caso em apreço, não vê fundamento para tal decisão, também não foram invocadas razões que levem a concluir que a apreciação e decisão do presente pedido arbitral esteja dependente do julgamento que venha a ser feito na oposição à execução a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa. 

Aliás, em caso de procedência do presente pedido arbitral, com a consequente anulação das dívidas de IMT, IS e juros compensatórios, passará a haver fundamentos para a extinção da instância quer da execução quer da oposição. 

 

Da apreciação e decisão final do pedido de pronúncia arbitral 

Passando à apreciação do pedido de pronúncia que foi apresentado perante este tribunal arbitral vamos cingir-nos ao invocado vício da caducidade do direito à liquidação, assegurando-se assim uma efetiva e estável tutela dos direitos dos requerentes ficando, pois, prejudicado o conhecimento dos outros vícios invocados.  

Vejamos as normas que há que convocar para enquadrar a situação em apreço com a redação que tinham quando ocorreram os fatos tributários objeto das liquidações impugnadas. 

Determinava o artigo 35.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante CIMT) que “só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária”. 

Por sua vez, em matéria de liquidações adicionais, previa-se no n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Código que “a liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, exceto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º ”. 

Quanto ao imposto de selo o n.º 1 do artigo 39.º do respetivo Código em vigor no ano de 2004 previa que “Só pode ser liquidado imposto nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT, salvo tratando-se de transmissões gratuitas, em que o prazo de liquidação é de oito anos contados da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3”. 

Fazendo as primeiras observações aos preceitos transcritos, haverá desde logo a constatar que, no caso do IMT, as redações de 2004, na parte agora relevante, se mantém atualmente em vigor, nada havendo, pois, a assinalar e decidir, em matéria de sucessão de prazos. 

No caso do imposto de selo, o prazo de quatro anos em vigor em 2004 passou a ser de oito anos relativamente à transmissão onerosa do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre bens imóveis sujeitas a tributação pela verba 1.1 da Tabela Geral, com a nova redação dada ao citado n.º 1 do artigo 39.º através da lei n.º 64-B/2011, de 30/12, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2012. 

Porém, face ao disposto no n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil, este prazo mais longo de oito anos, por já não estar em curso o prazo anterior de quatro anos quando o prazo mais longo entrou em vigor, já não pode ser aplicável a uma transmissão onerosa de um bem imóvel que teve lugar em 2004.     

Assim, em matéria de caducidade, temos que, em relação a uma transmissão onerosa de um bem imóvel ocorrida em 12 de Maio de 2004, o direito a qualquer liquidação adicional de IMT caducou, o mais tardar, em 12 de Maio de 2012 e, quanto ao imposto de selo, verba 1.1 da Tabela anexa, o direito a qualquer liquidação adicional caducou no dia 12 de Maio de 2008.  

Só assim não seria se tivesse ocorrido alguma suspensão dos referidos prazos. 

Alega a autoridade requerida que no caso em apreço ocorreu uma situação de suspensão do prazo de caducidade por força do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT). 

Mas não tem razão. 

Vejamos, 

Determina expressamente o citado n.º 5 do artigo 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”. 

Ora, defende a requerida, uma vez que em 20-09-2011 foi instaurado o processo de inquérito com o NUIPC / TAPBL, através do qual se apurou uma omissão declarativa entre o preço efetivamente praticado e o preço sobre o qual incidiram o IMT e o Imposto de Selo, ficam assim devidamente sustentadas as liquidações adicionais objeto do presente processo arbitral ainda que as mesmas tenham sido notificadas aos ora requerentes apenas em 22-06-2012. 

Também aqui não tem razão a autoridade requerida. 

Desde logo, quanto à liquidação adicional de imposto de selo e como supra se referiu, há muito que tinha decorrido o prazo de caducidade quando em 20-09-2011 foi instaurado o dito processo de inquérito.  

Em matéria de IMT, como também se viu, o prazo de oito anos não tinha ainda decorrido quando o inquérito criminal foi instaurado. 

Porém, como decorre expressamente da letra da norma transcrita, o alargamento do prazo de caducidade até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, só é aplicável aos casos em que se aplica o prazo geral de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT (neste sentido vd. Lei Geral Tributária, anotada e comentada, por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4.ª edição 2012, página 366). 

Ora, no caso em apreço e em matéria de IMT, não estamos perante o prazo geral de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT. 

Ao contrário, uma vez que já tinha havido a liquidação inicial de IMT para formalizar o ato translativo e mesmo não entrando na questão de saber se houve ou não omissão declarativa quanto ao preço que serviu de base à dita liquidação, quer se aplicasse o prazo de oito anos previsto no artigo 35.º, quer se aplicasse o disposto no n.º 3 do artigo 31.º, ambos do CIMT, aqui com a faculdade da AT proceder a uma liquidação adicional até ao limite temporal dos mesmos oito anos, sempre estaríamos perante prazos especiais de caducidade que são, aliás, mais longos do que o prazo geral previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT. 

Sendo, pois, inquestionável que o invocado n.º 5 do artigo 45.º remete apenas para o prazo geral previsto no seu n.º 1. 

Para esta conclusão tem-se presente não apenas a letra das normas transcritas, bem como, sem mais desenvolvimentos por desnecessários, as regras fundamentais de direito conexas com a prevalência da lei especial sobre a lei geral, da proibição da interpretação analógica das normas excecionais e das próprias normas fiscais cujo conteúdo sejam as garantias dos contribuintes. 

Devendo assim concluir-se definitivamente que, tal como está redigido, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT suspende apenas o prazo geral de quatro anos previsto no n.º 1 deste artigo, não podendo ser-lhe atribuído o efeito suspensivo pretendido pela autoridade requerida no sentido de que a instauração do procedimento criminal suspende todo e qualquer prazo de caducidade, mormente os prazos especiais de caducidade previstos no CIMT.  

E mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria de concluir-se que o inquérito criminal invocado pela autoridade requerida não poderia produzir o efeito desejado de suspender o prazo de caducidade para dar tempo à AT para liquidar adicionalmente o IMT e IS correspondentes à parte do preço não declarada. 

Com efeito, o arquivamento do inquérito criminal fundamentou-se, tal como se transcreve supra, na prescrição do procedimento criminal 

A prescrição do procedimento criminal corre pelo simples lapso do tempo, independentemente de qualquer outra condição e, diferentemente do que sucede no direito civil em que a prescrição deve ser excecionada pelo interessado, aqui é a autoridade judiciária que deve invocá-la ex officio em qualquer momento ou fase do processo (vd. Código Penal Anotado, Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, anotações ao artigo 118.º, pagina 827).  

O que se conclui é, pois, que o inquérito criminal foi arquivado, com efeitos à data da sua instauração, por ser legalmente inadmissível o seu prosseguimento devido a ter sido instaurado já depois de extinto o direito para o Estado exercer a ação penal. 

Ora, sendo o inquérito nulo e não podendo produzir quaisquer efeitos no plano sancionatório, não faria sentido que os produzisse no domínio da suspensão do prazo que o Estado tem para exercer o seu direito de liquidar os impostos. 

A expressão “arquivamento” a que se refere o n.º 5 do artigo 45.º não pode ser um arquivamento decorrente do procedimento criminal já se encontrar prescrito no momento da instauração do inquérito, como aconteceu no caso em apreço, referindo-se antes a outras situações, que podem ser várias, em que a instauração do inquérito é válida e eficaz, mas em que o arquivamento se dá por não se verificarem os pressupostos do crime, por haver isenção da pena, entre várias outras situações.   

É certo que a autoridade tributária, não obstante a prescrição do procedimento criminal, não estaria impedida de promover autonomamente a liquidação dos tributos que fossem devidos em face da factualidade apurada no âmbito desse mesmo inquérito criminal.  

Foi, aliás, isso que foi feito constando no relatório interno de inspeção que “foram tidos em conta os elementos recolhidos do processo de inquérito NUIPC /TAPBL, instaurado em 2011/09/20, onde se concluiu que houve omissão de valores na aquisição do imóvel (…)”.  

Só que, para isso, a autoridade requerida teria que ter agido atempadamente, com as liquidações validamente notificadas dentro dos prazos que a lei impõe para exercer o direito à liquidação. 

O que, manifestamente, não aconteceu. 

Nestes termos julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral e declara-se a ilegalidade das liquidações adicionais de IMT, no montante de € 5.429,88, de Imposto de Selo, no montante de € 630,51, e dos respetivos juros compensatórios nos montantes de € 1.804,21 e de € 209,50, tudo na quantia total de € 8.074,10, devendo as mesmas ser anuladas.  

 

Valor do processo. Fixa-se ao processo o valor de € 8.074,10 de harmonia com o disposto no artigo 306.º do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. 

 

Custas. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

 

Lisboa, 31 de Dezembro de 2013 

O Árbitro, 

Joaquim Silvério Dias Mateus