Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 721/2016-T
Data da decisão: 2017-05-09  IMT  
Valor do pedido: € 8.190,00
Tema: IMT – Isenção artigo 270.º, n.º 2 CIRE; Inutilidade Superveniente da Lide
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acorda a Árbitro Andrea Firmino, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar Tribunal Arbitral Singular:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 2 de Dezembro de 2016, o A…, S.A. (doravante “Requerente”), com o número de identificação fiscal…, com sede na Rua …, n.º…, em Lisboa apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) no montante de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros) emitido com referência à aquisição realizada pelo Requerente por escritura pública celebrada a 16 de Setembro de 2014 referente a quatro fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, sito na …, na …, freguesia de … e concelho de Lagoa.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que o imóvel a que se refere o acto de liquidação em questão é fruto de uma transmissão efetuada através de venda, no âmbito da liquidação da massa insolvente pelo que dever-se-á aplicar a isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”).

 

  1. No dia 2 de Dezembro de 2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária (“AT”).

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 30 de Janeiro de 2017, as partes foram notificadas da presente designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de Fevereiro de 2017.

 

  1. No dia 18 de Abril de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, requerendo que seja declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por, entretanto, ter anulado a referida liquidação de IMT, já na pendência do presente processo arbitral.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO – Resumo dos fatos relevantes dados como provados

 

1-      O Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda celebrada no dia 16 de Setembro de 2014, quatro frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, sito na …, na …, freguesia de … e concelho de Lagoa, pelo preço global de Eur 126.000,00 (cento e vinte e seis mil euros);

2-      O referido prédio fazia parte do ativo da ora sociedade insolvente “B…, S.A.” e que, como tal, foi adquirido pelo Requerente no âmbito do processo de insolvência de pessoa coletiva que corria termos contra aquela Sociedade;

3-      A referida aquisição foi à data isenta de IMT, de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;

4-      Não obstante o exposto, o Requerente foi notificado, em Fevereiro de 2016 com vista a exercer o direito de audição prévia do projeto de liquidação adicional de IMT no montante de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros), efetuado ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do Código do IMT, relativamente à operação de compra e venda ocorrida nos termos supra;

5-      Após notificado para o efeito, a 3 de Março de 2016, o Requerente procedeu ao pagamento do referido montante;

6-      Sem prejuízo, o Requerente apresentou a correspondente reclamação graciosa do ato de liquidação adicional de IMT no dia 18 de Julho de 2016, manifestando a sua discordância no que respeita ao entendimento da Requerida de que a isenção prevista no número 2 do artigo 270.º do CIRE não deve ser concedida no caso de venda isolada de bens do alienante/insolvente;

7-      E, por consequência, requerendo a anulabilidade do ato de liquidação, sufragando restituição do valor indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à efetiva devolução;

8-      Reclamação que improcedeu, mantendo a AT a supra mencionada liquidação de IMT, o que motivou o presente pedido de pronúncia arbitral;

9-      Entretanto, já na pendência da presente instância jurisdicional, foi determinada, a 10 de Março de 2017, pelo Chefe de Serviço de Finanças de Amadora-…, a anulação da liquidação de IMT no mencionado valor de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros);

10-  De acordo com o referido Despacho, revogou o Chefe de Serviço o seu Despacho de liquidação de IMT sobre as quatro frações autónomas do prédio urbano sub judice, passando a considerar isenta a transmissão do mesmo, sustentando que o fazia “tendo em consideração as novas instruções divulgadas pela Circular n.º 4/2007, de 10 de Fevereiro, que determina, que a aplicação de benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento (…)”.

 

B. DIREITO

 

O pedido formulado pelo Requerente ao Tribunal Arbitral foi o da declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IMT em apreço, tendo em atenção o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e, bem assim, a restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros legais, calculados sobre o montante de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros), desde a data do pagamento até à sua efetiva devolução.

 

Acresce que, já na pendência do presente processo arbitral, o ato de liquidação de IMT em apreço foi revogado pela Requerida, tendo em atenção a mais recente instrução administrativa emanada da AT, a Circular n.º 4/2017.

 

A citada Circular, na sequência do Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 14/2017-XXI, de 26 de Janeiro e da mais recente Jurisprudência dos Tribunais Superiores veio alterar o Ponto III do anexo à Circular n.º 10/2015, passando a esclarecer quanto ao âmbito da isenção do IMT na aquisição de imóveis o seguinte: “A aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende de coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento.

Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados nos planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito de liquidação de massa insolvente.”

 

Na sequência da revogação voluntária do ato de IMT por parte da Requerida, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, esta veio requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC.

 

De facto, o CPC é de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário, nos termos da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Consequentemente, é de aplicar ao caso em concreto a alínea e) do artigo 277.º do CPC, o qual indica que é causa de extinção da instância a “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

Quanto aos juros peticionados pela Recorrente e, tendo em conta que é fato provado que o Requerente pagou, a 3 de Março de 2016, o valor de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros) da liquidação adicional de IMT em apreço importa, ainda, apreciar sobre esta componente do pedido apresentado à apreciação do tribunal arbitral.

 

Ora, na medida em que o Requerente pagou o mencionado imposto, a anulação da liquidação adicional de IMT ora emitida pela AT deverá ter como consequência, para além do reembolso do imposto, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 46.º do Código do IMT.

 

De acordo com o supra citado normativo, os juros indemnizatórios serão devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária os quais deverão ser liquidados e pagos nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

Ora, na esteira da jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo – por todos, vide o Acórdão n.º 0574/14, de 7 de Janeiro de 2016 - tendo havido erro imputável à Requerida de que tenha resultado “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, os juros indemnizatórios deverão ser contados desde a data em que efetuou o pagamento do IMT (i.e., desde 3 de Março de 2016) até ao efetivo reembolso do mesmo por parte da AT.

 

*

C. DECISÃO

Tendo em conta que o ato impugnado da liquidação de IMT, no montante de Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros) foi integralmente revogado pela Requerida na pendência da presente instância jurisdicional, confirma-se e decide-se pela inutilidade superveniente da lide, julgando, assim, procedente o pedido arbitral formulado.

 

Adicionalmente, julga-se procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da liquidação de IMT em apreço até à data da restituição do imposto pela Requerida.

 

Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 2 do artigo 22.º ambos do RJAT, conjugado com o previsto no n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa, da aplicação dos critérios fixados no n.º 3 in fine e no n.º 4 do artigo do artigo 536.º do CPC, fixo as custas no montante de Eur 918,00 (novecentos e dezoito euros) a cargo da Autoridade Requerida.

 

D. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em Eur 8.190,00 (oito mil cento e noventa euros) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em Eur 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, por inutilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 9 de Maio de 2017

A Árbitro

 

 

 (Andrea Firmino)