Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 719/2016-T
Data da decisão: 2017-05-15  IUC  
Valor do pedido: € 10.208,34
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…. S.A., pessoa coletiva n.º  …, com sede na Rua…, …, …-… Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento de recurso hierárquico interposto do indeferimento de pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em lista e documentos anexos ao pedido (Anexo A), cuja anulação solicita. Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária e Aduaneira (AT) ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 10 208,34, sendo € 9 382,10 de imposto e € 826,24 de juros compensatórios, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido apresentado em 30-11-2016, alega a Requerente, em síntese, que, tendo oportunamente apresentado pedido de revisão oficiosa das liquidações de IUC em causa foi o mesmo indeferido, igual sorte assistindo ao recurso hierárquico oportunamente interposto daquela decisão.

 

3. Como fundamento do referido pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico da decisão sobre o mesmo proferida, a Requerente invoca o facto de não ser o sujeito passivo da obrigação de IUC referente aos períodos de tributação e veículos a que respeitam as liquidações impugnadas.

 

4. De acordo com o alegado pela Requerente, os referidos veículos, embora se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam aquelas liquidações, encontravam-se entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira que se encontravam em vigor à data do facto gerador e exigibilidade do tributo em causa.

 

5. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pela absolvição da entidade requerida.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 16-12-2016.

 

7. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 30-01-2017.

 

8. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

9. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14-02-2017.

 

10. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

12. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

13. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, designadamente do processo administrativo, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

14. Não se suscitando dúvidas quanto à fixação dos factos devidamente comprovados em face de prova documental e considerando estar em causa exclusivamente matéria de direito, o Tribunal decidiu prescindir da prova testemunhal.

 

II. Matéria de facto

 

15. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

15.1. A Requerente é uma instituição de crédito que, no âmbito do seu objeto social, pratica todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos.

 

15.2. De entre as suas áreas de atividade, assume especial relevância o financiamento ao sector automóvel sendo que uma parte substancial da sua atividade se reconduz à celebração de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

 15.3. Para o efeito, a ora Requerente adquire as viaturas indicadas pelos clientes aos respetivos fornecedores procedendo, de seguida, à sua entrega aos locatários.

 

15.4. Durante o período estipulado no contrato, estes locatários mantêm o gozo temporário do veículo — que permanece propriedade da Requerente —, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas; podendo vir a adquirir o veículo, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual.

 

15.5. Os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas, identificados em lista anexa ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo A), foram entregues aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira.

 

15.6. Os referidos contratos encontravam-se em vigor à data do facto gerador e da exigibilidade do tributo em causa (Docs. 57 a 112).

 

15.7. Relativamente aos veículos automóveis, identificados no referido Anexo A, pelo respetivo número de matrícula, e aos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012, a AT efetuou liquidações oficiosas de IUC, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 10 208,34.

 

15.8. Notificada das referidas liquidações a ora Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto (Cf. Docs. 1 a 56).

 

15.9. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de pedido de revisão oficiosa em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respetivo facto gerador, os veículos a que aqueles respeitam se encontravam cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira.

 

15.10. O pedido de revisão, conforme decorre dos elementos que integram o presente processo, foi objeto de indeferimento expresso.

 

15.11. Da referida decisão foi interposto recurso hierárquico, também indeferido na sua totalidade.

 

16. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

17. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

18. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade de ato de indeferimento expresso de recurso hierárquico interposto de decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2010, 2011 e 2012 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (cfr. Anexo A), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, os mesmos se encontrarem entregues aos respetivos locatários no âmbito de contratos de locação financeira, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

19. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido, por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem locados ao abrigo de contratos de locação financeira em vigor na referida data. 

 

20. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:

 

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 

21. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujetos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

22. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

23. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.[i]

 

24. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

25. Porém, a conclusão de que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível não afasta uma outra questão que, para o presente caso, importa dilucidar, qual seja a de saber se a verificação da circunstância prevista no n.º 2 do artigo 3.º  CIUC afasta ou não a regra de incidência consagrada no n.º 1 do mesmo artigo, no caso de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC.

 

26. Estabelecia este preceito, em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, que " Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados."

 

27. Da norma do n.º 2 do artigo 3.º, do CIUC, conjugada com o citado artigo 19.º, do mesmo Código, não subsistem, pois, dúvidas de que estando os veículos cedidos a terceiros em regime de locação financeira ou de outros contratos de locação com opção de compra, o sujeito passivo deste imposto será o locatário e não o respetivo proprietário, ficando, assim, afastada a regra de incidência subjetiva do n.º 1 daquele artigo, desde que feita prova bastante para ilidir a presunção que o mesmo encerra.

 

28. Não é esse, porém, o entendimento da Requerida que, “em matéria de locação financeira e para efeitos da elisão do artigo 3.º do CIUC, forçoso é que os locadores financeiros (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.”

 

29. Salienta-se que a relevância do incumprimento de tal obrigação no tocante à incidência do tributo em causa, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, [ii] recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral, de 14-07-2014, no Proc. 136/2014-T:

 

" Com efeito, o disposto no art. 3º, nº 2 do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjetiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.

Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido art. 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.

A incidência subjetiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no art. 3º do CIUC, e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória. "

 

30. É, pois, a esta orientação jurisprudencial, a que, sem reservas, se adere, não se acompanhando, assim, o entendimento da Requerida acima expresso.

 

 

Da elisão da presunção

 

31. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.

 

32. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento pedido de revisão oficiosa e de subsequente recurso hierárquico, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

33. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido nos períodos de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e alegando a mesma que os mesmos se encontravam entregues a terceiros ao abrigo de contratos de locação sem que tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código.

 

34. Com vista à elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, a requerente apresenta, em anexo ao presente pedido, cópia dos contratos de locação financeira celebrados em data anterior à da ocorrência do facto tributário e da exigibilidade do imposto e nestas datas em vigor.

 

35. Pronunciando-se sobre os elementos de prova apresentados, considera a Requerida que a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista no artigo 19.º do CIUC, à data em vigor.

 

Da elisão da presunção com base em cópia dos contratos

 

36. No que diz respeito aos contratos de locação financeira, enquanto prova suscetível de afastar a presunção do artigo 3.º do CIUC, assinala-se que os mesmos se configuram como documentos particulares, que, quando devidamente assinados pelas partes intervenientes, revestem força probatória. O requisito legal relevante para os efeitos de lhes atribuir força probatória formal basta-se com a assinatura do seu autor, considerando-se esta verdadeira quando reconhecida, ou não impugnada, pela parte contra quem o documento é apresentado (C. Civil, arts. 373.º e 374.º, n.º 1).

 

37. No presente caso, encontrando-se devidamente assinados os documentos oferecidos pela Requerente como elemento de prova e não tendo sido impugnadas as assinaturas neles apostas nem tendo os mesmos sido objeto de arguição e prova de falsidade por parte da Requerida, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (C. Civil, art. 376.º, n.º 1).

 

38. Assim, não sendo questionada a validade formal dos contratos juntos pela Requerente, considera-se documentalmente provado que à data da exigibilidade do imposto os veículos a que os mesmos se referem, sendo embora propriedade da Requerente, se encontravam por esta dados em regime de locação financeira. 

 

39. Como já antes se concluiu, nas situações em que os veículos, à data da ocorrência do facto tributário, se encontrem cedidos aos locatários, ao abrigo de contratos de locação financeira ou outras locações que envolvam opção de compra, o sujeito passivo da obrigação de imposto não é o proprietário locador mas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, o respetivo locatário, por ser quem tem o gozo do veículo. E tal se verifica independentemente do facto de ter ou não ter sido cumprido o disposto no artigo 19.º daquele Código e da circunstância de o registo de propriedade permanecer em nome do locador, sem que no mesmo tenha sido inscrito o contrato de locação.

 

40. Em face do exposto, conclui-se não haver fundamento legal para os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativamente aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral que, à data da exigibilidade do imposto, se encontravam cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação com opção de compra.

 

41. Encontrando documentalmente provados os factos alegados pela Requerente, considera-se desnecessária a inquirição das testemunhas por ela arroladas, pelo que se dispensa a sua inquirição.

 

42. Nestes termos, considerando-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC - na redação em vigor à data dos factos a que respeitam as liquidações em causa - deverá proceder-se à anulação das liquidações identificadas em anexo ao presente pedido de pronúncia (Anexo A), no montante global de € 10 208,34, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos em que se suportam.

 

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

43. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

44. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

45. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

46. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respetivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.

 

47. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

48. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do C. Civil.

 

49. Todavia, relativamente às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, importa saber se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente, formulada no pedido de revisão oficiosa oportunamente apresentado, configura, ou não, erro imputável à Administração Tributária para efeitos da exigibilidade de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

50. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de reconhecer que uma decisão da AT que indefere um pedido de anulação de liquidação reconhecidamente ilegal e consequente restituição de tributo indevidamente cobrado, constitui erro imputável aos serviços.

 

51. Segundo a mencionada jurisprudência – vertida em douto acórdão de 28-10-2009, no Proc. 601/09 – são devidos juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento do pedido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade das liquidações relativas aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral (Anexo A), determinando-se a sua anulação e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas.

 

b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios contados a partir da data do indeferimento do pedido de revisão oficiosa até à data do efetivo reembolso dos tributos e juros compensatórios indevidamente cobrados.

 

Valor do processo: € 10 208,34

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 15 de Maio de 2017,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 

 



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. Procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T,  173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T,  233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T,  414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[ii]  Cfr., entre outros, Procs. 128/2014-T, 134/2014-T, 136/2014-T, 137/2014-T, 224/2014-T, 228/2014-T, 232/2014-T, 233/2014-T e 341/2014-T