Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 91/2013-T
Data da decisão: 2013-10-30  IVA  
Valor do pedido: € 44.944,47
Tema: Direito à dedução; caducidade do direito à dedução
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Centro de Arbitragem Administrativa

Processo nº 91/2013-T

 

1 – RELATÓRIO:

A sociedade A.., S.A., doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº1 a), 3º nº1 e 10º nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA nº (…), de 7 de Janeiro de 2013 (no montante de Euros 44.944,77), na parte dos montantes correspondentes à não aceitação parcial da dedução do imposto incorrido com a aquisição de recursos do Departamento de Design Factory contido em facturas emitidas até 30 de Setembro de 2009.

A Requerente fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, o seguinte:

  1. Na prossecução da sua actividade, a Requerente exerce simultaneamente actividades isentas (nomeadamente a venda de imóveis) e actividades tributadas em IVA (em concreto, projectos de remodelação/alteração na arquitectura interior de espaços realizados no âmbito do seu departamento autónomo de Design Factory), estando desta forma enquadrada para efeitos de IVA no regime "misto com afectação real de todos os bens";

  2. No âmbito de uma revisão interna aos seus procedimentos, a Requerente verificou que não havia exercido o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos afectos a operações relacionadas com os serviços prestados no âmbito do seu departamento de Design Factory, pelo que procedeu ao apuramento do IVA incorrido nos anos de 2008 a 2011 susceptível de dedução, pelo método de afectação real, o qual ascendeu a € 88.682;

  3. Tal valor foi incluído na declaração de IVA do 4º trimestre de 2011, tendo a Requerente solicitado o reembolso daquele imposto com referência à declaração de IVA do 2º trimestre de 2012 no valor de € 95.000;

  4. Na sequência desse pedido de reembolso a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção de inspecção aos procedimentos em IVA, tendo essa inspecção concluído em 20 de Novembro de 2012 pela aceitação apenas do IVA suportado pela Requerente das facturas com data posterior a 30 de Setembro de 2009, no valor de € 50.055,23, tendo assim proposto uma correcção de € 44.944,77;

  5. No dia 1 de Fevereiro de 2013 a Requerente foi reembolsada por transferência bancária da totalidade do reembolso de IVA solicitado (€ 95.000);

  6. No 5 de Fevereiro de 2013, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IVA, ocorrida em 29 de Janeiro em que a Autoridade Tributária inclui de forma oficiosa no campo 41 (regularizações a favor do Estado), da declaração de IVA referente ao 2º Trimestre de 2012, o valor de € 44.944,77;

  7. A Requerente considera ilegal a referida liquidação de IVA por falta de notificação do relatório final de inspecção (art. 268º, nº3, da Constituição, 36º, nºs 1 e 2 CPPT e 77º, nº6, da LGT, considerando ainda ter exercido correctamente o seu direito à dedução do imposto suportado em conformidade com o disposto no art. 22º CIVA, dentro do prazo de quatro anos que o art. 98º, nº2, CIVA

  8. A Requerente solicitou consequentemente a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado nº (…), de 7 de Janeiro de 2013, com a consequente anulação do acto na parte contestada.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 1 de Julho de 2013, tendo na mesma data sido a Autoridade Tributária e Aduaneira, aqui Requerida, notificada para, querendo, apresentar resposta no prazo legal.

 

A Requerida respondeu defendendo-se, invocando em síntese, o seguinte:

  1. A Requerente é um sujeito passivo misto, de periodicidade trimestral, exercendo o direito à dedução de acordo com o método de afectação real, sendo que a sua actividade principal (promoção imobiliária), não lhe confere direito à dedução de imposto, apenas o podendo deduzir em relação à sua actividade acessória de prestação de serviços de design factory;

  2. A partir do início da actividade secundária em 2008 a Requerente procedeu à contabilização das facturas relativas às operações com ela directamente relacionadas em "conta de terceiros" por contrapartida da conta de "subcontratos", assumindo consequentemente o IVA referente aos inputs da actividade como IVA não dedutível, mas como componente do gasto com a aquisição dos respectivos bens e serviços;

  3. Tendo verificado, após uma revisão interna de procedimentos, que não havia deduzido o montante de € 88.862, relativo a imposto incorrido e dedutível durante os anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, a Requerente veio a inscrever aquele valor a crédito na declaração periódica relativa ao último trimestre de 2011, formulando em consequência um pedido de reembolso na declaração periódica, relativa ao segundo trimestre de 2012;

  4. Em resultado da subsequente acção de inspecção o pedido de reembolso foi parcialmente deferido no montante de € 50.055,23, uma vez que só foi aceite o IVA suportado e dedutível com data posterior a 30 de Setembro de 2009 e não o montante do imposto referente ao ano de 2008 e ao período de 1 de Janeiro de 2009 a 30 de Setembro;

  5. Alega a Requerida que a regra geral para o exercício da direito à dedução de imposto é que a mesma deve ser feita na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, sendo que, à luz dos artigos 22º, nº1, 44º, nº2 c) e nº 4 e ainda 48º, nº1, do CIVA, as operações relativas aos inputs da actividade tributada deveriam ter sido contabilisticamente lançadas nas contas apropriadas, de molde a evidenciar o valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável e, consequentemente, dali extrapolados os valores para as respectivas declarações periódicas, para efeitos do apuramento do imposto devido a final;

  6. Não tendo tal sido feito neste caso, o direito à dedução não foi exercido no prazo legal previsto nos nºs 1 e 2 do art. 22º do CIVA, só podendo assim ser exercido no prazo de dois anos, nos termos do nº 6 do então art. 71º, hoje art. 78º CIVA.

  7. Alega ainda a Requerida ter notificado a Requerente do relatório final de inspecção através de ofício nº (…), de 26 de Dezembro de 2012, tendo tal ofício sido registado sob o nº (…)PT, cuja consulta pelo site CTT permite verificar ter sido entregue em 28.12.2012.

As partes apresentaram alegações escritas onde reiteraram as posições expressas nos articulados, tendo, porém, a Requerente reconhecido que foi efectivamente notificada do relatafinal ﷽﷽﷽de inspecç2012.alor doi efecorT, cuja consulta pelo site CTT permite verificar ter sido entregue e, 28.12.2012.alor doório final de inspecção.

 

2 – QUESTÃO A DECIDIR

 

Nos presentes autos o tribunal arbitral identifica que a questão a decidir consiste presentemente apenas em ajuizar sobre a legalidade ou a ilegalidade da liquidação de IVA, ocorrida em 29 de Janeiro em que a Autoridade Tributária inclui de forma oficiosa no campo 41 (regularizações a favor do Estado), da declaração de IVA referente ao 2º Trimestre de 2012, o valor de € 44.944,77.

 

3– MATÉRIA DE FACTO.

  1. FACTOS PROVADOS.


 

  1. A Requerente exerce simultaneamente actividades isentas (nomeadamente a venda de imóveis) e actividades tributadas em IVA (em concreto, projectos de remodelação/alteração na arquitectura interior de espaços realizados no âmbito do seu departamento autónomo de Design Factory), estando desta forma enquadrada para efeitos de IVA no regime "misto com afectação real de todos os bens".

  2. A partir do início da actividade tributada em 2008 a Requerente procedeu à contabilização das facturas relativas às operações com ela directamente relacionadas em "conta de terceiros" por contrapartida da conta de "subcontratos", assumindo consequentemente o IVA referente aos inputs da actividade como IVA não dedutível, mas como componente do gasto com a aquisição dos respectivos bens e serviços.

  3. Após uma revisão interna aos seus procedimentos, a Requerente considerou que afinal poderia exercer o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos afectos a operações relacionadas com os serviços prestados no âmbito do seu departamento de Design Factory, pelo que procedeu ao apuramento do IVA incorrido nos anos de 2008 a 2011 susceptível de dedução, pelo método de afectação real, o qual ascendeu a € 88.682.

  4. A Requerente veio a inscrever aquele valor a crédito na declaração periódica relativa ao último trimestre de 2011, formulando em consequência um pedido de reembolso na declaração periódica relativa ao segundo trimestre de 2012 no valor de € 95.000.

  5. Na sequência desse pedido de reembolso a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção de inspecção aos procedimentos em IVA, tendo essa inspecção concluído em 20 de Novembro de 2012 pela aceitação apenas do IVA suportado pela Requerente das facturas com data posterior a 30 de Setembro de 2009, no valor de € 50.055,23, tendo assim proposto uma correcção de € 44.944,77.

  6. O relatório final de inspecção foi notificado à Requerente através de ofício nº (…), de 26 de Dezembro de 2012, tendo tal ofício sido registado sob o nº (…)PT, cuja consulta pelo site CTT permite verificar ter sido entregue em 28.12.2012.

  7. No dia 1 de Fevereiro de 2013 a Requerente foi reembolsada por transferência bancária da totalidade do reembolso de IVA solicitado (€ 95.000).

  8. No 5 de Fevereiro de 2013, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IVA, ocorrida em 29 de Janeiro em que a Autoridade Tributária inclui de forma oficiosa no campo 41 (regularizações a favor do Estado), da declaração de IVA referente ao 2º Trimestre de 2012, o valor de € 44.944,77.


 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

A factualidade provada teve por base os factos alegados pelas partes e não contestados, bem como os documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo igualmente junto.

 

4 – DIREITO.


 

A Requerente reconheceu ter sido notificada do Relatório Final de Inspecção, pelo que essa questão se encontra presentemente ultrapassada. Subsiste, por isso, apenas a questão de avaliar se a correcção de € 44.944,77 realizada pela Requerida tem ou não fundamento legal.


 

Resulta da matéria de facto provada que a partir do início da actividade tributada de prestação de serviços de design factory em 2008 a Requerente procedeu à contabilização das facturas relativas às operações com ela directamente relacionadas em "conta de terceiros" por contrapartida da conta de "subcontratos", assumindo consequentemente o IVA referente aos inputs da actividade como IVA não dedutível, mas como componente do gasto com a aquisição dos respectivos bens e serviços.


 

Apenas após uma revisão interna aos seus procedimentos, a Requerente considerou que afinal poderia exercer o direito à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos afectos a operações relacionadas com os serviços prestados no âmbito do seu departamento de Design Factory, pelo que procedeu ao apuramento do IVA incorrido nos anos de 2008 a 2011 susceptível de dedução, pelo método de afectação real, o qual ascendeu a € 88.682, vindo a inscrever aquele valor a crédito na declaração periódica relativa ao último trimestre de 2011.

Há, portanto, que concluir, como diz a Requerida, que a Requerente não respeitou o disposto no art. 22º, nº1, e 2, 44º, nº2, c) e nº4, e 48º do CIVA, uma vez que não efectuou a dedução do IVA suportado nos termos legalmente exigidos, tendo registado esse IVA como não dedutível.

Ora, assim sendo, verificou-se um erro material por parte da Requerente, que só pode ser corrigido nos termos do então art. 71º, nº6 (hoje art. 78º, nº6 do CIVA), o que dispõe que "a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado".


 

Assim sendo, é manifesto que a Requerente tinha um prazo de dois anos para exercer o direito à dedução, pelo que não o poderia ter feito em relação às facturas com data anterior a 30 de Setembro de 2009.


 

A requerente invoca, no entanto, o disposto no art. 98º, nº2, do CIVA, o qual dispõe que "sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente".

É manifesto que esta disposição estabelece um prazo geral de caducidade do direito à dedução, que não prejudica os prazos especiais constantes de outras disposições, nomeadamente o art. 71º, nº6 (hoje art. 78º, nº6), CIVA, sendo este manifestamente um caso de erro material, sujeito por isso ao regime desta disposição.


 

Na verdade, como bem salientou a Requerida, no Acórdão do STA de 18/5/2011 (JORGE LOPES DE SOUSA), proferido no processo 0966/10, doutamente se escreveu que

"Desta regulamentação conclui-se que a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível. Por isso, o n.º 2 do art. 92.º [hoje art. 98º] do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele n.º 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior.

A tese defendida pela Impugnante, que se reconduz a que o sujeito passivo que efectuou dedução tempestivamente com erros tivesse um tratamento jurídico mais penalizador, a nível de prazo para efectuar devidamente o direito à dedução (um ano, com possibilidade de autorização até quatro anos, se a Administração Tributária entender que se está perante um caso «devidamente justificado»), do que aquele que nem sequer efectuou a dedução no prazo (que disporia de quatro anos, mesmo que o erro não fosse «justificado»), seria manifestamente incongruente, pois neste segundo caso está-se perante uma mais intensa inobservância do regime legal que, a ser fundamento de tratamento distinto, justificaria o estabelecimento para estas situações de um regime menos favorável e não mais benevolente".


 

A Requerente pretende que esta doutrina ficou desactualizada com a alteração ao art. 22º, mas não é esse o caso, uma vez que continua o preceito a estabelecer prazo para o exercício do direito à dedução, sendo que neste caso, uma vez que estamos perante um erro material, o prazo de correcção é o que consta do anterior art. 71º, nº6, hoje art. 78º, nº6, CIVA. Assim, o prazo máximo de caducidade do art. 98º não é aplicável uma vez que existe uma disposição especial a estabelecer um prazo inferior.

 

Por esse motivo, não se vislumbram razões válidas para impugnar a regularização efectuada legitimamente pela Requerida, pelo que a Requerente a deverá pagar.


 

5 – DECISÃO.


 

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IVA nº (…), de 7 de Janeiro de 2013 (no montante de Euros 44.944,77), na parte dos montantes correspondentes à não aceitação parcial da dedução do imposto incorrido com a aquisição de recursos do Departamento de Design Factory contido em facturas emitidas até 30 de Setembro de 2009, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

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De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 315º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 44.944,47

Nos termos do n.º2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 2142 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as quais ficam integralmente a cargo da Requerente.

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Registe e notifique.

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Lisboa, 30 de Outubro de 2013

 

O Árbitro,

 

 

 

 

Luís Menezes Leitão