Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 652/2016-T
Data da decisão: 2017-11-30  IMT Selo  
Valor do pedido: € 2.482,97
Tema: IMT/IS - Artigo 236.º da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro (Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH).
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Decisão Arbitral

 

            1. Relatório

 

            A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, SA, com sede social na …, n.º…–…, …-… Lisboa, numero único de matricula e de identificação fiscal … (doravante também designada por “Requerente”), na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário B…– FUNDO DE INVESTIMENTO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal…, veio nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), e 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, com intervenção de arbitro singular,  para apreciação da legalidade da decisão da Autoridade Tributária, da liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) com o n.º…, no valor de €1.509,53 e de Imposto do Selo (IS) com o n.º …, no valor de €973,44.

            É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 19-01-2017, não tendo as Partes manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 19-01-2017.

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes argumentos:

a)             A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009), aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (doravante “FIIAH”) e ás sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

b)             A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2014) aditou ao art. 8.º do Regime tributário dos FIIAH os números 14 a 16.

c)             A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio ainda consagrar no seu artigo 238.º uma norma transitória no âmbito do regime Tributário dos Requerente apresentou no dia 15 de Março de 2016, os pedidos de revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação de IRC, referentes aos períodos de 2011 e 2012;

d)             O artigo 238.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao estender a aplicação do actual regime tributário dos FIIAH “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contendo-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014” está a violar de forma directa e inequívoca o principio da não retroactividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado.

e)             A alteração do regime tributário dos FIIAH veio dispor que a alienação de prédios propriedade dos FIIAH – ou a liquidação dos FIIAH – antes de decorrido o prazo de 3 anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH, conduz à caducidade da isenção, sendo estes novos requisitos que visam estabelecer um regime de caducidade de isenções à data em que os factos tributários se verificaram e que vêm afectar uma isenção já cristalizada na ordem jurídico da Requerente.

f)              Sustenta a sua tese faz-se referência a um parecer elaborado pelos Senhores Professores Dr. C… e Doutor D…, sobre a constitucionalidade do n.º 2 do artigo 238.º, da Lei 83-C/2013, que corrobora a tese de inconstitucionalidade defendida pela Requerente.

g)             Pugna pela declaração de nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade abstrata, subsidiariamente caso assim não se entenda serem anuladas as liquidações de IMT e IS em apreço, bem como o reembolso pela totalidade do montante pago pela Requerente e dos juros indemnizatórios que sejam devidos.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando por (1) excepção (A) a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações; e (B) a ilegitimidade passiva da Requerida e (2) por impugnação, alegando em síntese que:

 

Relativamente à excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações:

a)             O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstracto, a constitucionalidade da norma em causa;

b)             O Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional];

 

Relativamente à excepção de ilegitimidade passiva da Requerida:

c)             A Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT (neste sentido, cfr. ponto 11 da decisão arbitral proferida no processo n.º 705/2015-T).

 

Por Impugnação:

d)      A nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”;

e)      Com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, (de três anos), para o efeito, respeitando assim o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança;

f)       É manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra;

g)      Estando em causa a alienação dos imóveis sem afetação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2, do EBF, sendo que, o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida anti-abuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afetação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade;

h)     A título exemplificativo, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 320/2015-T, 689/2015-T, 694/2016-T, 705/2015-T, 706/2015-T, 707/2015-T, 708/2015-T, 709/2015-T, 710/2015-T, 717/2015-T, 729/2015-T, 735/2015-T, 61/2016-T, 62/2016-T, 63/2016-T, 76/2016-T, 85/2016-T, 93/2016-T, 121/2016-T, 165/2016-T, 232/2016-T, 241/2016-T, 288/2016-T e 617/2016-T, todas favoráveis à AT;

i)       Também nos presentes autos não está em causa a retroatividade ou não da lei, nem tão pouco existe lesão de expectativas do Requerente ou agravamento da sua posição fiscal, pois que o racional para atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT/IS aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início: «As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento...»;

j)       Não são devidos juros indemnizatórios, pois as liquidações não enfermam de vicio e a Requerente não concretiza em que termos os mesmos são peticionados.

 

Por despacho de 19-05-2017 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

Ambas Requerente e Requerida apresentaram alegações

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

Importa apreciar prioritariamente as excepções invocadas em razão da incompetência material do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade passiva da Requerida, ambas suscitadas pela AT.

Relativamente à excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade abstrata das liquidações acompanhamos o entendimento enunciado nas Decisões Arbitrais do CAAD, por todos, Proc. 707/2015-T e Proc 709/2015-T.

Não é propósito deste Tribunal julgar ou sequer pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma em apreço. “Do que se trata é de saber se as Liquidações são, ou não, válidas, dependendo esse juízo de um outro que apure, em concreto, a harmonia dessas liquidações com a ordem jurídica” (Cfr. Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc 707/2015-T, na pág. 7).

Ora, não estando em causa a apreciação da fiscalização abstrata da (in)constitucionalidade da norma em apreço, não pode proceder a excepção relativa à ilegitimidade passiva da Requerida.

Em face do acima exposto, julgam-se improcedentes as excepções invocadas.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

                        i.          A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional;

                      ii.          A Requerente pagou liquidação de IMT com o n.º…, no valor de €1.509,53;

                    iii.          A Requerente pagou liquidação de IS com o n.º…, no valor de €973,44.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, com a Resposta e processo administrativo, junto ao processo pela AT .

 

2.3. Factos não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar.

 

3. Matéria de direito

 

Quanto ao mérito da questão, está aqui em causa a invocada inconstitucionalidade do artigo 236.º, n.º 2 da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, sobre a qual existe jurisprudência uniforme do CAAD, a qual acompanhamos na integra e à qual, em seguida, iremos fazer referência.

A título prévio, porque a Requerente requer a nulidade das liquidações e, subsidiariamente, a anulação das mesmas, fazemos referência ao enunciado na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc 710/2015-T sobre esta matéria, entendimento que acompanhamos na integra.

Quanto neste aspecto, não nos podemos encontrar mais próximos do disposto na citada decisão no processo n.º 398/2015-T quando esta explana que a jurisprudência tributária do Supremo Tribunal Administrativo (adiante apenas ‘STA’) tem consagrado que a nulidade em que se baseie um acto de liquidação não implica a nulidade deste, gerando sim uma situação de ilegalidade abstracta da liquidação. Tese que adere ao caso do acto de liquidação que aplique uma norma inconstitucional, salvo se ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que ainda que os actos de liquidação de imposto se baseiem numa norma inconstitucional, o vício.

 Ora, nos presentes Autos Arbitrais não vemos razões para seguir um entendimento diferente daquele que tem vindo a ser seguido pelo STA, pelo que sustentamos, para efeitos da presente decisão, que um acto de liquidação da AT que aplique uma norma no errado pressuposto da sua validade, da sua existência ou relevância jurídica, padece de vício de violação de lei por erro no pressuposto de direito, mas é causa de anulabilidade e não de nulidade”.

Clarificada a questão da nulidade/anulabilidade das liquidações, importa agora decidir quanto ao mérito do pedido arbitral das liquidações de IMT e IS em questão, iniciando-se a nossa análise por expor o contexto normativo em apreço.

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 Dezembro, que aprovou o ‘Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional’, dispõe no n.º 7 do seu artigo 8.º que encontram-se isentos de IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1

Por sua vez, a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, através do artigo 235.º, aditou ao supra referido artigo 8.º do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, o n.º 14, 15 e 16, conforme infra:

14 – Para efeitos do disposto nos n.º 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.º 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

Finalmente, mantemo-nos na Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas agora no seu artigo 236.º, com a epígrafe «Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH», segundo o qual:

1. O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

 2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.

Conforme já tivemos oportunidade de referir, acompanha-se a jurisprudência uniforme do CAAD sobre esta matéria incluída em diversas Decisões Arbitrais, entre outras, as alegadas pela AT na sua resposta.

Por todos, destacamos a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc 707/2015-T, que acompanhamos na integra.

“Se bem lermos aquela disposição normativa [normas em apreço] teremos de concluir que a isenção do IMT não dependia apenas da identidade do adquirente dos imóveis em causa. A lei não se limita a isentar (nem isentava à data) a mera aquisição de imóveis pelos FIIAH. Concedia essa isenção aos FIIAH, sim, mas desde que a aquisição se reportasse a prédios urbanos ou a fracções autónomas de prédios urbanos “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (informação entre parêntesis nossa).

 

Ora, como bem referem os ilustres autores do Parecer, o escopo da lei não é (não é hoje como não era então) o favorecimento da especulação imobiliária. Contudo, também não era, como nele se pode ler, a protecção dos fundos para arrendamento, passe o aparente paradoxo. A lei pretendia, isso sim, estimular o próprio mercado de arrendamento. Esse desiderato foi prosseguido por via de diversas iniciativas, incluindo a da consagração de um regime especial, e vantajoso, dedicado aos FIIAH, sendo porém precipitada a conclusão de que o legislador pretendia, sem mais, apoiar os ditos FIIAH. Dizer o que acaba de ser dito não pretende significar mais do que isto: é redutor, e nessa medida inexacto, pretender que a isenção a que se refere o n.º 7 do art.º 8.º (regime tributário) do regime especial aplicável aos FIIAH se basta com dois pressupostos, a saber, o da identidade do adquirente e o da sua declaração aquando da aquisição do imóvel de que este se destina ao arrendamento para habitação permanente.

O destino, de resto exclusivo, a dar aos imóveis adquiridos pelos FIIAH não há-de ser, pela leitura que das normas fazemos, puramente intencional ou volitivo. Não basta que o FIIAH, aquando da aquisição de um imóvel, para beneficiar da isenção do IMT e do IS, declare que pretende dar ao dito imóvel como destino o arrendamento para habitação permanente. Para que esse benefício cumpra o seu propósito, para que a despesa fiscal a ele associada seja económica e socialmente justificada, esse destino deve ser efectivo”.

E porque entendemos que o exposto se aplica ao caso concreto em apreço, não obstante a não coincidência das datas, voltamos a fazer referência à mesma Decisão Arbitral, quando esta refere que: “Estas regras [normas em apreço] não sugerem especiais cautelas se aplicadas às aquisições de imóveis feitas por FIIAH depois da sua entrada em vigor. O problema existe, porém, quando se pretende aplicá-las, como no caso dos autos, a situações em que a aquisição do imóvel teve lugar antes da vigência destas novas disposições.

Ora, como se viu, o n.º 2 do 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro manda aplicar estas regras “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”

E continuamos citando a mesma Decisão Arbitral quando este refere que “É certo que, no regime anterior, o aplicável à data da aquisição do Prédio, nada era expressamente dito sobre a necessidade de manutenção dos prédios no património dos FIIAH durante um certo prazo. Contudo, também nos parece evidente que o destino a dar aos imóveis adquiridos era uma exigência e que esse destino não pode ser meramente “psicológico” ou intencional.

Como vimos, é a lei que expressamente exige, e em termos exclusivos, um determinado destino a dar aos imóveis adquiridos com os benefícios fiscais de que vimos tratando. Outra teria sido a redacção da norma que consagra as isenções de IMT e de IS se a sua atribuição tivesse ficado na exclusiva dependência da identidade do respectivo adquirente: ser um FIIAH. A aquisição dos imóveis ser feita por FIIAH é uma condição necessária, mas não pode ser vista, à luz das normas vigentes em 2013, como condição suficiente.

Contudo, é forçoso reconhecer que não seria razoável impor a imediata a necessidade de destinar, em termos efectivos, os bens imóveis ao arrendamento para habitação permanente. Num primeiro momento, o da aquisição, relevará a intenção declarada pelo adquirente que seja FIIAH. Aquando da aquisição, o FIIAH terá de manifestar a intenção de afectar o imóvel adquirido a essa modalidade de arrendamento, pressupondo-se que o adquirente não poderá, sem perda dos benefícios, atribuir aos imóveis adquiridos com estas isenções um destino diverso daquele que declarou.

Convenhamos que dar destino diverso aos bens imobiliários com as isenções de IMT e de IS não pode ser entendido como sinónimo da atribuição a esses imóveis de um efectivo arrendamento para habitação permanente. O mesmo é dizer que o período que decorre entre a aquisição por parte do FIIAH de um imóvel para arrendamento para habitação permanente e a efectiva celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente que o tenho por objecto, independentemente da da duração desse período, é um lapso temporal que não autoriza a conclusão de que ao imóvel em causa haja sido dado destino diverso do arrendamento para habitação permanente. Na verdade, ter um imóvel no mercado de arrendamento, disponível para ser arrendado, é ainda uma manifestação desse declarado destino. Basta, segundo cremos, a susceptibilidade desse imóvel vir a ser objecto de um contrato de arrendamento em que o FIIAH surja como locador para que fique satisfeito o requisito do destino a dar ao bem que, recorde-se, foi adquirido com os benefícios fiscais assinalados.

Como tivemos já ocasião de dizer, as regras em vigor em 2013, ano em que o Prédio foi adquirido pelo FUNDO B... com a isenção de IMT e de IS, não se estabelecia, em termos temporalmente rígidos, a necessidade de ser efectivamente celebrado um contrato de arrendamento para habitação permanente. Contudo, segundo cremos, o benefício da isenção de IMT e de IS – no quadro da política económica de que é instrumento – assenta na necessidade de lhe ser dado esse efectivo destino (independentemente de saber – essa é outra questão – o prazo de que dispõe o FIIAH para lhe ser dado esse efectivo destino).

Ora, não é dado ao bem o efectivo destino do arrendamento para habitação permanente quando o proprietário o afecta a finalidade destinta – por exemplo, um arrendamento comercial – ou quando deixa de poder dar-lhe o almejado destino de arrendamento habitacional (porque aliena o bem, por exemplo).

Não cremos que o problema possa ser analisado do ponto de vista do risco, em termos de poder ser sustentado que as isenções previstas não pretendiam colocar sobre os FIIAH o risco de não conseguirem arrendar os imóveis, ou de não os poderem alienar. Sucede que os FIIAH, como organismos de investimento colectivo, são verdadeiros agentes económicos devendo ponderar os riscos decorrentes da sua própria actividade, o que inclui o dever de ponderação das decorrências da não afectação de determinado bem a certo destino.

Lê-se no Parecer que “a destinação é compatível, designadamente em períodos de crise do mercado de arrendamento, com dificuldades e atrasos na concretização do arrendamento”, afirmação que não merece contestação. O que já não suscitará unanimidade, porém, é a conclusão de que essas dificuldades e esses atrasos não constituem parte integrante dos riscos associados a esta específica actividade económica. Se a lei consagrou incentivos à aquisição de imóveis com o objectivo de eles serem destinados ao arrendamento para habitação permanente, cabe ao adquirente desses imóveis e beneficiário desses incentivos gerir os riscos do seu negócio, que hão-de incluir a ponderação da possibilidade desses imóveis não suscitarem no mercado o interesse que o proprietário deles, o FIIAH, anteviu”.

Finalmente e porque a Requerente se pronuncia especificamente sobre a inconstitucionalidade às normas em apreço, porque no seu entendimento as mesmas consubstanciam um novo regime de caducidade das isenções em apreço, voltamos à Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc 710/2015-T, que acompanhamos, quando esta refere que “O benefício em causa não se extinguiu, nem caducou; apenas foi regulamentado, tendo sido introduzido um período expresso de detenção e concretizada a condição de arrendamento efectivo, o que não se pode sequer considerar desproporcionado pois entendemos que para o cumprimento do regime especial em causa – mesmo na versão inicial da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009 – não deveria bastar uma mera intenção declarada na aquisição do imóvel, sendo necessária o efectivo arrendamento para habitação permanente. É esse – o efectivo arrendamento para habitação permanente – o pressuposto do benefício, pelo que e nos termos do artigo 12.º do EBF, não se pode sequer afirmar que tenha ocorrido a constituição do direito ao benefício pelo Requerente, ao contrário do que este invoca no seu requerimento inicial, maxime artigos 21 (cuja factualidade neste invocada, de resto, não é comprovada) e 22. Reforça este nosso entendimento a utilização da palavra «exclusivamente» na redacção da a) do n.º 7 do artigo 8.º do Regime Especial. E, assim sendo e neste segmento decisório, voltamos a aderir à posição expressa na decisão do CAAD no processo n.º 398/2005 - T, no sentido de que não está sequer em questão um teste de retroactividade da norma aplicada, mas sim o facto de a fracção em apreço ter sido alienada «sem que tenha cumprido o seu destino – afectação ao arrendamento habitacional permanente» e que «alienad[a] que seja [a fracção], esse destino já não pode ser cumprido, pelo que não se cumpriu o requisito estabelecido para que a isenção de IMT seja aplicável”.

Em face do exposto concluímos pela improcedência do pedido da Requerente.

Finalmente, face à improcedência do pedido arbitral improcedem obviamente também os restantes pedidos, nomeadamente o de reembolso dos valores pagos, bem assim como o pedido de juros indemnizatórios.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade e anulabilidade das declarações de IMT e IS identificadas, bem como do pagamento dos conexos juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 2.482,97.

 

 

7. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 31-11-2017

 

O Árbitro

 

 

(André Bacelar Gonçalves)