Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 651/2016-T
Data da decisão: 2017-04-19  IRC  
Valor do pedido: € 276.021,40
Tema: IRC - Benefício fiscal. Circular n.º 7/2004
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            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof. Doutor João Zambujal de Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-01-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, SGPS, S. A., pessoa colectiva n.º…, actualmente com sede na rua do …, n.º…, …, Piso…, …, …-… … (doravante designada por “Requerente”), sociedade dominante de grupo (o “Grupo Fiscal A…”) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC do grupo fiscal A… relativa ao exercício de 2013, e, bem assim, a ilegalidade parcial dessa autoliquidação de IRC (e derrama municipal consequente), no que respeita ao montante de € 276.021,40, com a sua consequente anulação nesta parte, com reembolso à Requerente desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 1 de Setembro de 2014 até integral reembolso.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-11-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-01-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-01-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 20-02-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes não apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·     Em 04-04-2014, a Requerente entregou a declaração modelo 22 do grupo fiscal A… relativa ao exercício fiscal de 2013, de que era sociedade dominante (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·     Em 08-05-2015, a Requerente apresentou uma declaração de substituição (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Nas declarações modelo 22 individuais relativas ao mesmo exercício de 2013, a B… SGPS, S.A., e a C… SGPS, S.A., acresceram, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável/resultado fiscal em sede de IRC, os montantes de € 299.083,44 e € 787.057,17, respectivamente, a título de encargos financeiros não dedutíveis fiscalmente ao abrigo do (então) artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), no campo 779 do quadro 07 das referidas declarações modelo 22 individuais (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         Este afastamento no exercício de 2013 da dedução fiscal de encargos financeiros nos referidos montantes de € 299.083,44 e € 787.057,17 foi efectuado nos termos do disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC (cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e foram calculados nos termos que se referem no seguinte quadro:

(documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No ano de 2013, os encargos financeiros suportados pela B… SGPS, S.A. (doravante, B… SGPS), registados na conta #69, eram os seguintes: (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·         Foi a seguinte a evolução dos saldos dos passivos remunerados na esfera da B… SGPS, nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2013 inclusive: (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·         Não houve qualquer aquisição de partes de capital pela B… SGPS,  nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2013 inclusive, com a excepção de um aumento de capital em espécie em 28-09-2012 na F…, Lda. – sua subsidiária residente em Moçambique –, no valor de € 529.200,00, mediante a conversão de prestações suplementares em capital, prestações suplementares estas que por sua vez não haviam sido realizadas com recurso a dívida remunerada (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         No ano de 2013, os encargos financeiros suportados pela C… SGPS, S.A. (doravante “C… SGPS”) foram os seguintes (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

 

·         Foi a seguinte a evolução dos saldos dos passivos remunerados na esfera da C… SGPS, nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2013 inclusive: (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·         Foram as seguintes as ocorrências de aquisições de partes de capital pela C… SGPS nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2011 inclusive, sendo que em 2012 e em 2013 nenhuma aquisição ocorreu: (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·         Em 04-04-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Os encargos suportados pela B… SGPS e a C… SGPS no exercício de 2013, não foram gerados por financiamentos utilizados na aquisição de partes de capital;

·         A Requerente na autoliquidação do grupo fiscal apurou quantia a recuperar (campo 368 do quadro 10 do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         A não dedução ao lucro tributável da Requerente dos encargos financeiros suportados pela B… SGPS e da C… SGPS indicados nos campos 779 dos quadros 07 das declarações modelo 22 individuais referentes ao exercício de 2013, teve como efeito a autoliquidação a mais de 271.535,15 de IRC e €4.486,25 de derrama municipal, num total de € 276.021,40 (documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 29-10-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se no processo administrativo e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Não há qualquer indício de que a B… SGPS e a C… SGPS tivessem utilizado os financiamentos que geraram os encargos financeiros suportados no exercício de 2013 para adquirir partes de capital.

Pelo contrário, os documentos apresentados pela Requerente apontam no sentido de que os financiamentos que geraram encargos financeiros para a B… SGPS e para a C… SGPS não terem sido utilizados para adquirir partes de capital, documentos esses cuja relevância não é posta em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se limitou a dizer que a «análise realizada, não permite demonstrar o alegado pela Requerente razão pela qual se impugnam os aludidos documentos para todos os efeitos legais», sem explicitar minimamente que análise fez e porque é que considera que a demonstração do alegado não foi feita.

Neste contexto, não se vendo qualquer fundamento alicerçado na matéria de facto para duvidar do alegado e da prova documental apresentada pela Requerente, justifica-se um juízo positivo no sentido de tal prova ter sido efectuada.

Na verdade, se é certo que a dificuldade de prova de um facto não altera a repartição do ónus da prova, também o é que natural dificuldade de prova da afectação directa dos financiamentos que é invocada na referida Circular n.º 7/2004 deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur". ( [1] )

 

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção dada pela da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, vigente no ano de 2013, estabelece o seguinte:

 

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

A DSIRC emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, com instruções que visaram esclarecer «dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no art.º 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do OE para 2003)».

Ao referido artigo 31.º do EBF corresponde o artigo 32.º, na redacção do EBF vigente no ano de 2013.

No ponto 7 da referida Circular inclui-se a seguinte instrução:

 

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

 

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

A B… SGPS e a C… SGPS apresentaram as suas declarações modelo 22 de IRC, relativas ao exercício de 2013, tendo os lucros tributáveis nelas apurados sido considerados na declaração modelo 22 do grupo fiscal que a Requerente apresentou relativa a esse exercício e respectiva autoliquidação de IRC e derrama municipal.

Posteriormente, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação referida defendendo, em suma, no âmbito de uma revisão interna de procedimentos e na sequência de decisões jurisprudenciais, concluiu que a aplicação dessa instrução não se coaduna com a correcta interpretação do sentido e alcance do n.º 2 do artigo 32.° do EBF, nomeadamente no que concerne ao respeito pelos princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, pelo que, quando for possível, deve ser dada preferência a um método que respeitasse uma afectação real dos empréstimos obtidos, só sendo de utilizar o método referido naquela instrução a título subsidiário.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não proferiu decisão sobre a reclamação graciosa, mas, na Resposta que apresentou no presente processo, aceita esta interpretação da Requerente quanto à aplicação subsidiária do método referido naquela instrução, dizendo, nos artigos 57.º a 60.º ( [2] ):

57.º

A interpretação constante da Circular n.º 7/2004, relativamente ao disposto no artigo 32.º do EBF – grosso modo – a seguinte:

a) Se o contribuinte conseguir efectuar uma afectação directa dos encargos financeiros suportados com as participações sociais só esses, em princípio, não concorreram para a formação do lucro tributável. Em princípio, porque podem haver encargos financeiros suportados com participações sociais que concorrem para a formação do lucro tributável – quando a participação for alienada antes de se completar um ano sobre a sua aquisição, como podem haver encargos financeiros relacionados com outros activos que não possam ser deduzidos, v.g. relacionados com a realização de prestações suplementares, nos termos gerais, face ao disposto no artigo 23.º, do CIRC;

b) Se o contribuinte não conseguir efectuar essa afectação directa, que será a generalidade dos casos, face à natureza fungível do capital, então a circular declara que dever-se-á efectuar uma relação de imputação dos encargos financeiros suportados com as respectivas participações sociais, para aferir da sua dedutibilidade.

59.º

Estas instruções reconhecem a dificuldade que os contribuintes possam sentir ao efectuar o cálculo a que a norma legal obriga, pelo que sugerem um método susceptível de viabilizar a aplicabilidade da lei.

 

60.º

A aludida circular não refere, em parte alguma, que o critério sugerido seja o único válido para o efeito.

61.º

Admitindo, isso sim, que possam ser utilizados critérios desde que validamente fundamentados e demonstrados por parte dos contribuintes.

62.º

Ou seja, Circular n.º 7/2004 não impõe a observância da metodologia aí implementada, deixando claramente a possibilidade de os contribuintes poderem usar outros critérios.

 

Há, assim, acordo das Partes quanto à aplicação subsidiária do método previsto naquela instrução 7 da Circular n.º 7/2004.

E, efectivamente, no referido n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, então no artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava esse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2011 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [3] ) anuncia-se a introdução desta norma, tendo em vista o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por outro lado, com se vê por esta explicação do alcance desta parte final do n.º 2, trata-se de uma medida legislativa autónoma em relação à parte em que se estabelece que as mais-valias e as menos-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável, pois é óbvio que o não concurso de mais-valias não alarga a base tributável, antes a diminui e, por isso, não vale aquela razão de ser.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros o facto de a SGPS ser titular de participações sociais, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros, elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estão directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por outro lado, mesmo que se entendesse (como estará subjacente ao ponto 7 da Circular n.º 7/2004, mas também sem apoio no texto da lei) que aquele artigo 32.º, n.º 2, tem ínsita uma presunção de que há associação entre encargos financeiros e a aquisição de participações sociais, essa hipotética presunção sempre admitiria prova em contrário, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, que se reporta a normas de incidência em sentido lato, que abrange todas as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [4] )

Por isso, uma conclusão no sentido da indedutibilidade dos encargos financeiros referidos pela Requerente na reclamação graciosa só poderia ser alcançada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência da apreciação da prova que aí apresentou pela ora Requerente, relativa à forma como foram adquiridas as participações sociais que indicou.

Assim, o indeferimento tácito da reclamação graciosa, que se traduz na não aceitação da pretensão da Requerente sem formulação de um juízo sobre a viabilidade da prova da não afectação directa dos financiamentos, é necessariamente ilegal.

De qualquer modo, a prova que consta dos autos não permite descortinar qualquer relação entre aquisição de partes de capital e os encargos financeiros suportados no exercício de 2013 pela B… SGPS e pela C… SGPS e aponta no sentido de tal relação não existir, pois a Requerente faz a demonstração da afectação dos financiamentos obtidos a partir de 2007 e a Autoridade Tributária e Aduaneira não indica qualquer fragilidade de tal demonstração, o que, em face do referido princípio iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur, justifica que se considere provada a afectação de financiamentos a outros fins que é invocada.

Por outro lado, é de notar, relativamente ao ónus da prova, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 65.º da sua Resposta, «não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral».

Por isso, não é sequer de aventar que sejam relevantes quanto à prova dos pressupostos da aplicação desta parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, as especialidades do ónus da prova em matéria de benefícios fiscais que se podem inferir dos artigos 14.º, n.º 2, da LGT e 65.º, n.º 1, do CPPT.

No mínimo, a entender-se não estar suficientemente provada a afectação de financiamentos invocada pela Requerente, sempre seria aplicável a esta situação a regra do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Mas, como se disse, no caso em apreço, a apreciação equilibrada dos deveres probatórios justifica que se considere demonstrado que os financiamentos geradores de encargos suportados pela B… SGPS e pela C… SGPS no exercício de 2013 não estão relacionados com a aquisição de participações sociais.

Por isso, justifica-se a anulação da autoliquidação, na parte relativa a IRC e derrama municipal correspondente aos montantes indicados por estas sociedades, nos campos 779 dos quadros 07 das respectivas declarações modelo 22 individuais da B… SGPS e da C… SGPS referentes ao exercício de 2013.

 

 

4. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Como resultado da autoliquidação, a Requerente determinou, na 1.ª declaração modelo 22 apresentada relativamente ao exercício de 2013, a quantia de € 2.121.052,10 a recuperar, pelo que estão pagas as quantias de IRC e derrama municipal correspondentes aos valores dos encargos financeiros que foram indevidamente indicados nos campos 779 dos quadros 07 das declarações modelo 22 individuais referentes ao exercício de 2013 da B… SGPS e da C… SGPS (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido – quadro 10, campo 368). ( [5] )

 A Requerente formula pedidos de reembolso da quantia de 276.021,40, sendo € 271.535,15 de IRC e € 4.486,25 de derrama municipal relativa à B… SGPS, quantia aquela acrescida de juros indemnizatórios.

A demonstração dos cálculos consta do documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral e a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta a sua correcção, pelo que se considerou correctamente efectuada.

O artigo 43.º da LGT estabelece o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2:

 

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro na autoliquidação que se considera imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira por força do disposto no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, na medida em que a Requerente actuou em sintonia com a orientação genérica que consta do n.º 7 da Circular n.º 7/2004.

Assim, tendo-se considerado provado que foram indevidamente indicados os valores que constam dos campos 779 dos quadros 07 das declarações modelo 22 individuais referentes ao exercício de 2013 da B… SGPS e da C…SGPS, a Requerente tem direito ao reembolso da referida quantia de IRC e derrama municipal relativa à B… SGPS, acrescida de juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios serão pagos desde 01-09-2014 (data em que se considera efectuado o pagamento indevido, por força do preceituado no artigo 104.º, n.º 3, do CIRC) até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos do artigo 137.º, n.º 6, do CIRC, dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)    Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa;

b)       Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente do grupo fiscal A… relativa ao exercício de 2013 quanto ao montante de € 276.021,40, correspondente aos montantes inscritos nos campos 779 dos quadros 7 das declaração modelo 22 individuais apresentadas pela B… SGPS e pela C… SGPS;

c)    Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa e a autoliquidação na parte respectiva em que é declarada a sua ilegalidade;

d)   Julgar procedentes os pedidos de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar os respectivos pagamentos, nos termos referidos no ponto 4 do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 276.021,40.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 19-04-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 

 

(João Zambujal de Oliveira)

 

 



[1]              Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983 e no BMJ n.º 328, página 297, em que se refere: "não vale a máxima negativa non sunt probanda; a natural dificuldade da prova de um facto é coeficiente que não altera a repartição do ónus da prova; o mais que esse coeficiente, como outros, "podem é tornar aconselhável [...] a máxima iis difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".

                Este entendimento foi perfilhado no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08, cuja jurisprudência foi seguida nos acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 02-02-2011, processo n.º 016/11 e no acórdão do Pleno de 05-07-2012, processo n.º 0286/12.

[2]              Decerto por lapso, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, passa do artigo 57.º para o artigo 59.º, pelo que não há nela qualquer artigo 58.º.

[4]                     SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

                Em sentido idêntico, pode ver-se NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

                Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-11-2009, processo n.º 0553/09, em que se entendeu que «a regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária vale não apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio "sempre" aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva

[5]              A quantia a recuperar aumentou para € 2.147.087,59, com a declaração de substituição que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral.