Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 746/2016-T
Data da decisão: 2017-09-29  Selo  
Valor do pedido: € 51.735,39
Tema: Imposto do Selo - Verba 28.1 TGIS - propriedade vertical
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

A HERANÇA INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE A…, sujeito passivo com o NIF…, representada por B…, NIF …, residente na …, … –…, …-… Lisboa, na qualidade de cabeça de casal (doravante designada por Requerente), vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (“IS”) (Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo [“TGIS”]) dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2015, referentes às divisões de utilização independente destinadas a habitação, do prédio urbano sito na …, … a …, freguesia …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo…, e descrito na conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º…, em Lisboa, no valor global de €51.735,39, assim como a restituição dos valores pagos.

 A Requerente invoca, em síntese, os seguintes fundamentos:

  1. O valor patrimonial (“VPT”) total do imóvel é de €1.830.063,81, correspondente ao somatório dos VPT dos vários andares com utilização independente;

 

  1. A AT liquidou IS sobre os andares ou divisões de utilização independente com afetação habitacional (cave, sótão, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º andares), cujos valores patrimoniais tributários somam a quantia de € 1.565.733,81;

 

  1. A verba 28.1 da TGIS determinar a sujeição a IS, à taxa de 1%, da propriedade de prédios urbanos afetos a habitação, de VPT igual ou superior a €1.000.000,00. Na aplicação da referida verba deve atender-se ao VPT atribuído a cada uma das divisões de utilização independente, uma vez que, no segmento final da verba 28, da TGIS, consta expressamente que se atende ao VPT utilizado para efeitos de IMI;

 

  1. No caso dos autos, não tendo nenhuma das divisões de utilização independente um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, não é devido o IS liquidado;

 

  1. O artigo 12.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), aplicável ex vi do artigo 67.º, n.º 2, do Código do IS, determina que cada andar ou parte de utilização independente do prédio não constituído em propriedade horizontal é considerado separadamente na matriz, a qual também discrimina o respetivo VPT;

 

  1. Deste modo, a matéria coletável, para efeitos da verba 28, da TGIS é o VPT de cada divisão de utilização independente, utilizado para efeitos de IMI.

Termina a Requerente por pedir que seja decretada a anulação das liquidações de IS que lhe foram notificadas, assim como a restituição dos valores pagos.

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT a AT apresentou resposta, defendendo-se por exceção e impugnação.

Da defesa por exceção:

Começa a AT por arguir a caducidade do direito de ação já que:

  1. A alínea o artigo 10.º, n.º 1 al. a) do RJAT, estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

 

  1. O artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT refere que a impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

 

  1. Nos termos do artigo 120.º do Código do IMI, aplicável por força do artigo 44.º, n.º 5 do Código do IS, quando o valor do imposto é superior a €500, é pago em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, sendo esse o prazo limite de pagamento de cada uma das prestações da liquidação do IS;

 

  1. Tendo em conta que o pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 20-12-2016, a data limite de pagamento do Imposto em causa, constante das diversas Notas de Cobranças referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013 emitidas (e pagas) em 2012, 2013 e 2014, respetivamente, conforme se verifica pela análise das mesmas ( Docs. juntos com a P.I), implica que há muito que terminou o prazo de pedido de constituição do Tribunal Arbitral, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT para as liquidações em causa.

Da defesa por Impugnação:

Adicionalmente, defende ainda a AT que os atos de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos, o que faz com os seguintes fundamentos:

  1. A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da TGIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial de cada prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”;

 

  1. Se o edifício for constituído em propriedade total, com partes suscetíveis de utilização independente, integra uma única unidade e o seu VPT é determinado pela soma das partes com afetação habitacional;

 

  1. O artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI, ressalva as frações autónomas dos prédios constituídos em propriedade horizontal, que excecionalmente considera como prédios, o que não acontece com as partes de utilização independente dos prédios em propriedade total, em que releva o prédio no seu todo;

 

  1. No entanto, a tal não obsta a separação na matriz e a atribuição de VPT diferenciado para os andares ou divisões de utilização independente (artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI), tratando-se apenas de uma forma de registar os dados matriciais, já que quanto à liquidação do IMI o valor que serve de base ao cálculo é o valor patrimonial total;

 

  1. A propriedade horizontal e a propriedade total são institutos jurídicos distintos, que merecem um tratamento fiscal diferenciado; do mesmo modo se conclui que a ora Requerente, para efeitos de IMI e de IS, não é proprietária de frações autónomas, mas sim de um único prédio;

Considera, assim, a AT que as liquidações impugnadas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, em linha com o decidido pelo Tribunal Arbitral no Proc. n.º 668/2015 – T, estão devidamente fundamentadas e não padecem de vício de violação de lei.

Termina a AT pedindo a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, assim como de alegações escritas, dado que a matéria em litígio é exclusivamente de direito e se encontra amplamente exposta nas peças processuais.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral (a que a Requerente, certamente por lapso, se refere no ponto 38. da sua petição como Tribunal Arbitrário) deu entrada no CAAD em 20 de dezembro de 2016, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29 de dezembro de 2016.

A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi o signatário nomeado árbitro pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 27 de fevereiro de 2017 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Por despacho de 19 de junho de 2016, na sequência da resposta transmitida pela AT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT; porém, foi determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas simultâneas por um período de 10 dias.

A AT apresentou alegações finais em que reiterou a posição jurídica assumida em sede de resposta, pugnando pela manutenção dos atos impugnados e consequente absolvição do pedido. A Requerente apresentou igualmente alegações tendo, da mesma forma, reiterado a posição jurídica defendida no requerimento inicial, solicitando a anulação das liquidações de IS impugnadas.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos que se consideram provados:

 

  1. Quer à data da produção dos factos tributários, quer à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, a Requerente era proprietária do prédio urbano sito na …, … a …, freguesia …, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo…, e descrito na conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º…, constituído por 8 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com o valor patrimonial total de €.1 830.063,81, sendo 7 dos referidos andares de afetação habitacional;

 

  1. O somatório dos VPT atribuídos aos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional é €1.565.733,81, sendo esse o valor indicado em cada uma das notas de cobrança como “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”;

 

  1. O VPT atribuído a cada andar ou divisão suscetível de arrendamento separado e afetação habitacional, tal como consta das notas de cobrança emitidas, varia entre €159.561,13 e €240.410,20;

 

  1. Foram emitidas em nome da Requerente, em 7 de novembro de 2012, para pagamento voluntário (prestação única), as liquidações de IS do ano de 2012/artigo 6.º, n.º 1 al. a) da Lei 55-A/ 2012, de 29 de outubro, cujas prestações constam das notas de cobrança identificadas no quadro que segue, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 0,5%:

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2012…

… … – U –…– C/V

€201.080,30

€ 1.005,40

2012…

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 1.175,60

2012…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 1.175,60

2012…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 1.175,60

2012…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 1.175,60

2012…

… …– U –…– 5.º

€ 233.670,00

€ 1.168,35

           2012 …

              … …– U –…– SOT

€ 156.050,00

€ 780,25

 

  1. Em nome da Requerente foram ainda emitidas, em 21 de março de 2013, para pagamento voluntário em três prestações anuais, as liquidações de IS do ano de 2012, cujas prestações constam das notas de cobrança identificadas nos quadros que seguem, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

 

1.º Prestação vencida em abril de 2013

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2013…

… …– U –…– C/V

€ 201.080,30

€ 670,28

2013…

… …– U –… – 1.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2013…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2013…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2013…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2013…

… …– U –…– 5.º

€ 233 670,00

€ 778,90

          2013…

              … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 520,18

 

2.ª Prestação vencida em julho de 2013

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2013…

… …– U –…– C/V

€ 201.080,30

€ 670,26

2013…

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 5.º

€ 233.670,00

€ 778,90

          2013…

              … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 520,16

 

3.ª Prestação vencida em novembro de 2013

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2013…

… …– U –…– C/V

€ 201.080,30

€ 670,26

2013…

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2013…

… …– U –…– 5.º

€ 233 670,00

€ 778,90

         2013…

               … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 520,16

 

  1. Em nome da Requerente foram também emitidas, em 17 de março de 2014, para pagamento voluntário em três prestações anuais, as liquidações de IS do ano de 2013, cujas prestações constam das notas de cobrança identificadas nos quadros que seguem, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

 

1.º Prestação vencida em abril de 2014

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2014…

… …– U –…– C/V

€ 201.080,30

€ 670,28

2014…

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2014…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2014…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2014…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,74

2014…

… …– U –… – 5.º

€ 233.670,00

€ 778,90

          2014…

              … …– U –…– SOT

€ 156.050,00

€ 520,18

 

2.ª Prestação vencida em julho de 2014

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2014…

… …– U –…– C/V

€ 201.080,30

€ 670,26

2014…

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

         … … – U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…– 5.º

€ 233 670,00

€ 778,90

          2014…

               … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 520,16

 

3.ª Prestação vencida em novembro de 2014

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2014…

… …– U –…– C/V

€ 201 080,30

€ 670,26

2014 …

… …– U –…– 1.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 783,73

2014…

… …– U –…– 5.º

€ 233 670,00

€ 778,90

          2014…

               … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 520,16

 

  1. Em nome da Requerente foram emitidas, em 5 de abril de 2016, para pagamento voluntário em três prestações anuais, as liquidações de IS do ano de 2015, cujas prestações constam das notas de cobrança identificadas nos quadros que seguem, tendo por base o VPT de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente e a taxa de 1%:

 

1.º Prestação vencida em abril de 2016

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2016…

… …– U…– 1.º

€ 235.120,20

€ 801,38

2016…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 801,38

2016…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 801,38

2016…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 801,38

2016…

… …– U –…– 5.º

€ 233 670,00

€ 796,44

           2016…

             … …– U –…– SOT

€ 156 050,00

€ 531,87

 

2.ª Prestação vencida em julho de 2016

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2016…

… …– U –…– 1.º

€ 201.080,30

€ 774,56

2016…

… …– U –…– 2.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –…- 4.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –…– 5.º

€ 235.120,20

€ 781,23

2016…

… …– U –…– SOT

€ 233 670,00

€ 506,26

 

3.ª Prestação vencida em novembro de 2016

 

Identificação do Documento

Identificação do Prédio

VPT

Coleta

2016…

… …– U –…– 1.º

€ 201.080,30

€ 774,56

2016…

… …– U –… – 2.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –…– 3.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –… - 4.º

€ 235.120,20

€ 774,56

2016…

… …– U –…– 5.º

€ 235.120,20

€ 781,23

2016…

… …– U –…– SOT

€ 233 670,00

€ 506,26

 

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada:

 

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da análise da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (cópias das notas de cobrança de cada uma das prestações em que se subdividiram as liquidações impugnadas), não contestada pela Requerida.

 

  1. Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Da Exceção – Intempestividade do Pedido Arbitral

 

Alega a Requerida que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

Considera ainda a Requerida que o termo inicial do prazo deve ser determinado tendo por base o artigo 102.º, n.º 1, a alínea a) do CPPT, que estabelece que a contagem do prazo se inicia com o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, devendo este prazo, no caso concreto, iniciar-se com o prazo limite de pagamento de cada uma das prestações da liquidação do Imposto de Selo, razão pela qual pugnam pela caducidade das liquidações dos anos de 2011, 2012 e 2013.

Com efeito, nos termos do artigo 10.º do RJAT, o prazo para submeter o pedido de constituição de tribunal arbitral tem, efetivamente, que ser apresentado no prazo perentório de 90 dias, sob pena de caducidade do direito.

De acordo com a redação do artigo 49.º do CIS em vigor até 1 de agosto de 2016, às garantias dos sujeitos passivos de Imposto do Selo (“IS”) aplicava-se, “conforme a natureza das matérias, a LGT e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).”.

Desta feita, o termo inicial do prazo de 90 dias é, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT, o “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

Assim, tendo o prazo de pagamento das liquidações relativas a 2011, 2012 e 2013 terminado ainda durante os anos de 2012, 2013 e 2014, respetivamente, conclui-se que o prazo de 90 dias estabelecido pela lei para a pedir a constituição de tribunal arbitral já se encontrava há muito ultrapassado no momento em que foi submetido o pedido de constituição do presente tribunal arbitral.

Importa sublinhar, neste contexto, que não foi apresentada reclamação graciosa relativamente aos atos de liquidação em apreciação.

Assim, em suma, não pode este tribunal conhecer do mérito da questão quanto às liquidações relativas aos anos 2011, 2012 e 2013, porquanto o direito de ação da Requerente caducou por não ter sido exercício no prazo legalmente previsto.

 

  1. Do mérito das liquidações de Imposto do Selo /verba 28.1, da TGIS, impugnadas

 

Do ponto de vista substancial, a principal questão colocada pela Requerente é a de saber se a sujeição a IS, nos termos da verba n.º 28 da TGIS, de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio, com afetação habitacional, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório dos VPT de todos os andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à norma de incidência.

Cumpre apreciar e decidir.

A verba 28, da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabelecia, na sua redação em vigor em 2015, a sujeição a IS das seguintes situações:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.».

Relativamente ao thema decidendum já se pronunciou este Centro de Arbitragem em diversos processos.

Sem prejuízo de poderem ser aduzidos argumentos adicionais relativamente à questão jurídica em análise, optamos por seguir a linha argumentativa aplicada no Processo n.º 10/2016-T dado que, concordando-se com a argumentação exposta no referido Processo, por razões de coerência e estabilidade jurídica, não se nos afigura necessário, nem desejável, proceder a quaisquer alterações à análise efetuada, tratando-se, para mais, do mesmo contribuinte e do mesmo imóvel (respeitante a 2014).

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano destinado a habitação (ou, a partir de 2014, um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação), cujo valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

O conceito de prédio urbano habitacional não se encontra definido no Código do Imposto do Selo, mas antes nas normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remetia, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo na redação à data dos factos, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, ao estatuir que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

 Efetivamente, o artigo 6.º, do Código do IMI, inserido no Capítulo I, sob a epígrafe “Incidência”, classifica os prédios urbanos como sendo: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

Assim, são habitacionais os prédios urbanos que, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º, do Código do IMI, sejam edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

Todavia, a lei não exclui que possa haver prédios urbanos como mais do que uma afetação (nomeadamente a afetação a habitação e a comércio, indústria ou serviços), como acontece, frequentemente, no caso dos prédios urbanos não constituídos sob o regime da propriedade horizontal, como é o caso do prédio de que a Requerente é proprietária, que integra oito andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, uma delas destinada a serviços e, as restantes sete, destinadas a habitação.

É a essa realidade de afetação mista que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º, do Código do IMI, ao dispor que,

“2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) (…);

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

Assim, se, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º, do Código do IMI, o prédio não constituído em propriedade horizontal integrar andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com mais do que uma das classificações a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do mesmo Código, o seu valor (patrimonial tributário) será equivalente à soma dos valores das partes, avaliadas por aplicação das correspondentes regras, tendo em conta, nomeadamente, o coeficiente de afetação previsto no artigo 41.º, do Código citado.

No entanto, se o valor (patrimonial tributário) global do prédio urbano em propriedade total releva, por exemplo, para efeito de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (cfr. o artigo 12.º, do Código do IMT) ou de Imposto do Selo nas transmissões gratuitas (cfr. o artigo 13.º, do Código do Imposto do Selo), por não ser possível a transmissão autónoma de cada uma das partes de utilização independente, já assim não acontece no que respeita ao IMI e ao Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS.

De facto, para além do n.º 2 do artigo 7.º, do Código do IMI, outras normas do mesmo Código se referem aos prédios urbanos em propriedade total ou vertical, de que se destacam o artigo 12.º, n.º 3 (“3 - Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”) e o artigo 119.º, n.º 1 (“1 - Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios”).

Da conjugação das normas antes referidas se extrai a conclusão de que, no caso dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, o valor patrimonial tributário relevante para efeito de IMI e, consequentemente, para efeito da incidência do Imposto do Selo, da verba 28, da TGIS, é o valor patrimonial tributário atribuído a cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e não o seu valor patrimonial tributário (global).

Por outro lado, tratando-se de um prédio com afetação mista, composto por divisões ou andares destinados a habitação e, pelo menos uma delas, destinada a serviços, não poderá ser classificado como prédio habitacional, ou cujo destino seja, em exclusivo, a habitação, não se afigurando que os andares ou divisões afetos a habitação que o compõem, possam ser segregados do todo, para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio de afetação habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS.

Efetivamente, utilizando a norma da verba 28.1, da TGIS, a expressão “prédio habitacional”, não se afigura legítimo que AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria AT reconhece, não são prédios, não podendo, por isso, integrar a previsão da norma.

Não se afigurando ser essa a intenção legislativa, não se poderá aceitar que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar partes de prédios, ainda que económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

Pelos motivos que antecedem, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação das normas previstas na verba n.º 28.1, da TGIS e nos artigos 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 7.º, n.º 2, alínea b), 12.º, n.º 3 e 119.º, n.º 1, do Código do IMI, aplicáveis ex vi do artigo 67.º, n.º 2, do Código do IS, não poderão as liquidações impugnadas manter-se na ordem jurídica.”.

 Adicionalmente, sempre se diga que no mesmo sentido decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 47/2015, de 9.9.2015, n.º 498/16, de 29.6.2016 e, mais recentemente, o entendimento foi confirmado pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário no acórdão n.º 593/16, de 29.3.2017, no âmbito de um recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência. Em todos estes processos foi decidido que o VPT relevante não é o somatório do VPT das várias partes: “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”, lê-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 47/2015, de 9.9.2015, conclusão que se funda expressamente em jurisprudência do CAAD, em especial no processo n.º 724/2014-T, de  9 de abril de 2015. Com efeito, poder ler-se no referido acórdão, em conclusão, que “em primeiro lugar, que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”. Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência».”

São estas as razões, vertidas em anteriores decisões do CAAD, confirmadas por jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo que nos levam a deferir a pretensão da requerente que foi tempestivamente trazida a este tribunal.

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT, decide-se:

  1. Julgar improcedente, por intempestividade, o pedido de pronúncia arbitral no que respeita às liquidações de Imposto do Selo relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, mantendo-se as liquidações impugnadas;
  2. Declarar a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2015; e
  3. Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2015.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1 alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €51.735,39 (cinquenta e um mil, setecentos e trinta e cinco euros e trinta e nove cêntimos), equivalente ao valor global das liquidações impugnadas.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), a pagar pelas partes, na proporção do respetivo decaimento, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4 do citado Regulamento.

 

Lisboa, 29 de setembro de 2017.

 

O Árbitro,

 

João Taborda da Gama