Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 744/2016-T
Data da decisão: 2017-09-11  IRC  
Valor do pedido: € 2.429.191,39
Tema: IRC – Dedutibilidade – Gastos – Princípio da especialização dos exercícios
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Decisão Arbitral

 

 

                                                                                                                                                                                  

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Coutinho Pires e Professora Doutora Ana Maria Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-02-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, Agrupamento Complementar de Empresas matriculado na Conservatória do Registo Comercial de …, sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com Sede …, Edifício …, …, …-… …, (doravante designado por “ACE” ou “Requerente”, veio apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral tendo em vista a anulação da decisão que indeferiu expressamente a reclamação graciosa apresentada pelo ACE e a anulação da liquidação de IRC n.º 2016 … relativa ao exercício de 2013.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-12-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-02-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27-02-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 22-06-2017, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

Apenas a Requerente apresentou  alegações.

O Tribunal é competente.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

           

            2.1. Factos provados

           

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·          O ACE é composto pelas agrupadas – B… S.A (doravante “B…”) e C…, S.A. (doravante “C…”), detendo cada uma das sociedades 50% do respectivo capital (cópia dos Estatutos actualizados do Agrupamento Complementar de Empresas que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·           A sociedade B… S.A.-, parte do ACE, corresponde à Sociedade actualmente denominada D…, S-A. (Publicação on-line de Acto Societário no Portal da Justiça, cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

·          O ACE que tem por objecto “(...) melhorar as condições de exercício e o resultado da actividade económica das Agrupadas, através da realização, em conjunto, de todos os actos materiais e jurídicos, necessários à execução da empreitada geral de construção do aproveitamento hidroeléctrico do A…, que lhe for adjudicada pela E…, S.A. (...)" (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·          O ACE foi constituído em 2008, tendo em vista levar a cabo a empreitada geral de construção do aproveitamento hidroeléctrico d A…, cuja adjudicação previa um prazo iniciai para conclusão da obra de 60 meses (cinco anos);

·          Em Maio de 2011, foi concedida uma prorrogação de mais oito meses para conclusão das obras, tendo este prazo sido adiado para 2015 e a barragem entrado em funcionamento em 2016;

·          Em termos de actividade, a Requerente possui um único cliente, a adjudicante da empreitada, ou seja, a E…, S.A..;

·          O atraso na conclusão das obras e na entrada em funcionamento da barragem originou sérias dificuldades na gestão da tesouraria do ACE;

·          O ACE incorreu em atrasos na liquidação de dívidas a fornecedores, conduzindo a que estes exigissem juros de mora pelos correspondentes valores em dívida;

·          A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva ao ACE, ao abrigo da ordem de serviço nº OI2015…, que incidiu sobre o período de tributação de 2013;

·          Nessa acção inspectiva foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que em se refere, além do mais o seguinte:

 III – 1. Assim, da contabilidade constam as seguintes contas de custo com os respetivos valores (anexo III):

- Conta 06.9.1.5.0000.001308 – Juros de mora e compensatórios:         -------------------------------------------------------------------------------€30.978,43

- Conta 06.9.1.8.000.001311 – Outros juros: -----------------€ 2.398.212,96

                        TOTAL: ------------------------------------------€ 2.429.191,39

 

Dos documentos de suporte, resulta que, apesar de se encontrarem contabilizados

em contas diferenciadas, todos os valores se referem a juros pelo não pagamento atempado aos fornecedores, incluindo às agrupadas, e encargos financeiros, tendo em conta o espaço temporal entre 2010 e 2013.

III – 1.1. Conforme referido no ponto anterior, os gastos de exercícios anteriores, designadamente juros pelo não pagamento atempado aos fornecedores referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012 e encargos bancários de 2012, são os a seguir indicados:

a) Conta 06.9.1.5.0000.001308:

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.01.2013 (anexo IV):

Nota de Débito n.º …/2012, datada de 30.09.12, emitida pela F…, S.A., com o valor global de € 2.375,66, referente a encargos bancários com juros de operações de factoring e despesas de expediente do ano de 2012, constando desta o carimbo de entrada no ACE com data de 02 de novembro de 2012:----------------- € 2.375,66

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.01.2013 (anexo V):

Nota de Débito n.º …/2012, datada de 31.10.2012, emitida pela F…, S.A., com o valor global de € 4.871,72, referente a encargos bancários com juros de operações de factoring e despesas de expediente do ano de 2012, constando desta o carimbo de entrada no ACE com data de 30 de novembro de 2012: ------------------------------------------------------------------- € 4.871,72

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.01.2013 (anexo VI):

Nota de Débito n.º…, datada de 10.12.2012, emitida pela G… S.A., com o valor global de € 22.936,62, referente a encargos financeiros de 2012, constando desta o carimbo de entrada no ACE com data de 12 de dezembro de 2012: ---------------------------------------------------------------- € 22.936,62

b) Conta 06.9.1.8.000.001311:

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 10.05.2013 (anexo VII):

Nota de Débito n.º…, datada de 31.12.2012, emitida pela G… SA, com o valor global de € 1.598,72, da qual constam juros referente a
juros de 2012 no valor de: --------------------------------------------- € 1.598,72

Lançamento identificado pelo lote n.º…/2000, datado de 31.08.2013 (anexo VIII):
Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela C… S.A., com o valor global de € 73.433,13, da qual constam juros
referentes a 2010, 2011 e 2012 no valor de: ----------------------- € 38.345,32

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo IX):
Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela C… S.A., com o valor global de € 208.881,78, da qual constam juros
referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012 no valor de : -------- € 150.365,56

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo X):

Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela C… S A, com o valor global de € 202,36, da qual constam juros referente a
juros referentes a 2010 no valor de: -------------------------------€ 202,36

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XI):
Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela C… S.A., com o valor global de € 13.171,53, da qual constam juros de 2010
no valor de:------------------------------------------------------------ € 13.171,53

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo
XII):

Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela H…, ACE, pelo valor global de € 39.449,23, da qual constam juros referentes
a 2010, 2011 e 2012 no valor de: ---------------------------------- € 21.052,32

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XIII):
Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela H… ACE, pelo valor global de € 833,71, da qual constam juros referentes a
2010 no valor de: ------------------------------------------------------ € 833,71

Lançamento identificado pelo lote n.º…/2000, datado de 31.08.2013 (anexo
XIV):

Fatura n.º…/13, datada de 30.08.2013, emitida pela I… S.A., pelo valor global de € 2.582,22, da qual constam juros referentes a 2010 e 2011 no valor de: ----------------------------------------------------------------- € 2.582,22

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XV):

Fatura n.º…/13, datada de 30.08.2013, emitida pela I… S.A., pelo valor global de € 192,01, da qual constam juros referentes a 2011 no valor de:---€ 192,01

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XVI):

Fatura n.º…, datada de 30.08.2013, emitida pela J… S.A., no valor de € 132,62, da qual constam juros referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012: ------€ 132,62

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XVII):

Fatura n.º…, datada de 30.08.2013, emitida pela J… S.A., pelo valor global de € 4,38, da qual constam juros referentes a 2010: -- --------------- €4,38

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XVIII):

Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela K… S.A., pelo valor global de € 9.359,80, da qual constam juros referentes a 2010, 2011 e 2012: ---------------------------------------------------------------------- € 9.359,80

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XIX):

Fatura n.º…/13, datada de 30.08.2013, emitida pela K… S.A., pelo valor global de € 620,08, da qual constam juros referentes a 2010, 2011 e 2012: ----------------------------------€ 620,08

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XX):

Fatura n.º …/13, datada de 30.08.2013, emitida pela L… S.A., pelo valor global de € 83.065,28, da qual constam juros referentes a 2010, 2011 e 2012: ------------------------------- € 35.974,50;

Lançamento identificado pelo lote n.º …/2000, datado de 31.08.2013 (anexo XXI):

Fatura n.º …/117, datada de 30.08.2013, emitida pela B… S.A., pelo valor global de € 1.964.686,11, da qual constam juros referentes a 2010, 2011 e 2012 no valor de: ------------------------------------------------ € 1.292.864,99


c) Valor total dos juros / encargos financeiros referentes aos anos de 2010, 2011 e
2012 contabilizados nestas contas:


 

III – 1.2. Em conformidade com o número 1 do artigo 18.º do CIRC “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica” e ainda o número 2 do mesmo artigo “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele em que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”.

III – 1.3. Não obstante estarmos perante alguns documentos datados de 2013, não há dúvida de que a serem efetivos aqueles gastos, os mesmos respeitam a exercícios anteriores, e atendendo aos montantes dos mesmos e ao conhecimento pelo A… ACE. e agrupadas do atraso no pagamento, não se aceita a sua imprevisibilidade e desconhecimento à data de encerramento das contas, sob pena de todo o sistema interno do A… ACE ser posto em causa, razão pela qual não se pode derrogar o princípio da especialização dos exercícios, implicando assim a sua não-aceitação como gastos em IRC de acordo com o artigo 18º do respetivo código.

 

III – 2. No contrato de constituição do A… ACE constam os respectivos estatutos (anexo I), os quais, no artigo nono referem que “Cada uma das Agrupadas, na proporção da respectiva participação, obriga-se a contribuir financeiramente para os custos e despesas do Agrupamento, incluindo no que se refere à prestação de garantias, sempre que a realização dessas contribuições for deliberada por unanimidade, em Assembleia Geral.”

III – 2.1. Para além disso, de forma a regular internamente as relações entre as Agrupadas no âmbito do A… ACE., foi celebrado, em 19 de Agosto de 2009, o Acordo Interno Complementar (anexo XXII), onde é referido “… As partes darão cumprimento ao objeto deste acordo de forma conjunta, sem efectuar uma divisão física, entre si, das obras e disponibilizando todos os meios técnicos, humanos e financeiros necessários à perfeita execução dos trabalhos….” e “… em igualdade de condições técnicas, económicas e financeiras com terceiros, o Agrupamento dará preferência à utilização de equipamentos vendidos ou locados pelas Partes”.

Relativamente às contribuições financeiras das Agrupadas, o referido acordo refere na cláusula décima terceira “ O Conselho de Administração, … estabelecerá a política financeira do Agrupamento a ser praticada durante todo o período de execução das obras previstas no Contrato de Empreitada, incluindo no que se refere às contribuições financeiras das Partes, que deverão ser efectuadas na proporção das respectivas participações.

Sobre esta substância é ainda referido “…. O Conselho de Administração solicitará
às partes, com 60 (sessenta) dias de antecedência, que aportem as Contribuições
financeiras necessárias.” e ainda “… ocorrendo situações imprevistas e não
contempladas nos planeamentos financeiros mensais, o Conselho de
Administração poderá, igualmente, solicitar às Partes, com 15 dias de antecedência, para que estas aportem as contribuições financeiras necessárias, proporcionalmente às suas participações, para atender a tais situações.”
É referido também que “… As partes que não atendam às solicitações do Conselho de Administração, nos prazos e nas condições estipuladas, estarão obrigadas a realizar as Contribuições financeiras acrescidas de juros que serão devidos a partir da data fixada pelo Conselho de Administração até à data do seu efectivo pagamento. Os juros de mora a aplicar corresponderão à taxa Euribor a 3 (três) meses (ou taxa de referencia que a substituir), acrescida de 1,25% (um vírgula vinte
e cinco por cento).”.

Tanto o contrato constitutivo como o Acordo Interno Complementar do A… ACE assumem especial importância uma vez que este ACE foi constituído sem capital próprio, pelo que são estes documentos que regulam as contribuições financeiras das agrupadas.

III – 2.2. Ora, da análise à contabilidade e documentação de suporte, entre 2010 e 2013, verificam-se apenas os seguintes movimentos financeiros das agrupadas para o A… A.C.E., ambos em fevereiro de 2012:

- € 2.400.000,00, efetuado apenas pela B… S.A., por um período de 15 dias, para fazer face a um empréstimo bancário;

- € 425.000,00, cada uma das agrupadas, por um período de 8 dias para pagamento aos colaboradores do ACE

Para além destes registos não existe qualquer outra referência a solicitações de contribuições financeiras por parte do ACE. às agrupadas apesar de o poder fazer a qualquer momento conforme se encontra previsto nos estatutos.

Estes factos foram confirmados através das declarações prestadas pelo diretor financeiro, M…, NIF…, e N…, NIF…, conforme anexo XXIII.

III – 2.3. Assim, todos os encargos registados nas contas mencionadas no ponto III.1., no valor total de € 2.429.191,39, sem prejuízo da inobservância do disposto no
n.º 1 e n.º 2 do artigo 18.º do CIRC relativamente ao valor de € 1.597.484,12, não se encontram nas condições previstas no artigo 23.º do CIRC, por não se tornarem necessários ou garantirem os rendimentos sujeitos a IRC do A… A.C.E., uma vez que, contratualmente, este possuía a faculdade de solicitar às agrupadas as contribuições financeiras necessárias conforme os estatutos e acordo interno
complementar por forma a proceder aos pagamentos das faturas nas datas dos respetivos vencimentos, o que não fez.

Com este procedimento, à revelia dos próprios estatutos, provocou atrasos nos pagamentos e consequentemente um acréscimo de gastos que influenciaram negativamente o seu resultado fiscal, assumindo-os como seus e não os imputando
às agrupadas como era devido.

III – 2.4. Resulta desta forma uma correção à matéria tributável no montante € 2.429.191,39, conforme evidenciado no quadro seguinte:

(1)Por inobservância ao n.º 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC ----€ 1.567.300,12

(2) Por inobservância ao artigo 23º do CIRC – incluindo o montante referido em(1)___________________________________€2.429.191,39

TOTAL DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL -          --------------------------------------------------------------------€2.429.191,39

Resultado fiscal declarado _________________€1.768.975,41

Resultado fiscal corrigido __________________€660.215,98

 

·          Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2016…, relativa ao período de 2013, datada de 11-01-2016 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·          A Requerente deduziu reclamação graciosa (…2016…), a qual foi indeferida despacho de 23/09/2016 do Director da Direcção de Finanças de … que manifesta concordância com uma informação cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

II - ANÁLISE-FUNDAMENTAÇÃO

5-) Quanto à violação do princípio da especialização dos exercícios, ínsito nos arts.17.° e 18.° do CIRC:

5.1-) Posição da IT:

Em modo sumário, e respigado do relatório de inspecção tributária, a IT entende que se verifica a violação do princípio da especialização dos exercícios, ínsito nos arts.17.° e 18.° do CIRC, face à imputação de parte dos encargos - no valor de €1.597.484,12, e referentes a juros pelo não pagamento atempado a fornecedores com referência a 2010,2011 e 2102- ao exercício de 2013, quando os mesmos respeitam a exercícios anteriores-2010 a 2012-, não preenchendo os pressupostos da norma excepcionatória contida no n.°2 do art.18.° do CIRC, uma vez que, na data de encerramento de contas do período de tributação a que deviam ser imputados aqueles encargos, não eram os mesmos manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis.

5.2-) Posição do Reclamante:

A Reclamante começa por reconhecer, de modo expresso, no artigo 22.° da PI, que os encargos, no valor de €1.597.484,12, tendo sido objecto de registo contabilístico em 2013, respeitam a períodos anteriores.

Contudo, a fim de excepcionar a eventual violação do princípio da especialização dos exercícios, a luz da norma contida no n.°2 do art. 18.° do CIRC, questiona, concluindo pela positiva, se, à data do encerramento de contas do período de tributação a que deviam ser imputados, tais gastos eram manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis.

5.2.1-) Para tanto, convoca, em essência, duas espécies de argumentos, sejam:

Nas dívidas cujas facturas foram emitidas no período de 2013:

No primeiro argumento alega o reclamante que, só com a emissão das facturas se tornam devidos os juros de mora, porque só nessa altura são efectivamente exigidos pelo fornecedor e consumada a dívida perante o reclamante/devedor.

Contudo, de par, não deixa de reconhecer que o prazo de mora havia vindo de decorrer na sua contagem desde a data da prestação de serviço/transmissão do bem, e que os mesmos são determináveis ou exigíveis, sendo “...possível presumir a sua exigibilidade...”cfr. Art. 30.° da PI, porquanto já existir um direito de crédito determinável (cfr. Art. 32.°da Pl), bem como admitir da existência de .uma obrigação presente de pagamento de juros de mora..., cfr. art.43.° da Pl.

No segundo argumento alega o reclamante que só com a decisão tomada em acta do Conselho de Administração de 9 de Maio de 2013, no que respeita à cobrança de juros e à definição da respectiva taxa a aplicar, foi possível estimar com fiabilidade o valor dos juros de mora, pelo que antes, não era possível reconhecer a existência de um passivo e do gasto correspondente.

Nas dívidas cujas facturas foram emitidas antes do período de 2013:

Alega o reclamante que até ao fim de 2012 decorreram negociações com os fornecedores no sentido de determinar o montante de juros devidos, não se tendo chegado a uma conclusão definitiva e certa quanto ao montante a registar contabilisticamente.

5.2.2-) No mais, convoca Jurisprudência e Doutrina, essencialmente para sustento de posição segundo a qual a observância rígida da regra da periodização do lucro tributável pode ser afastada ou mitigada quando, como entende no caso ocorrido, inexista ou não haja sido demonstrado qualquer vantagem fiscal decorrente da transferência de resultados entre períodos de tributação.

5.2.3-) Por último, alega que se encontra insuficientemente fundamentada, no RIT, a arguição da previsibilidade ou conhecimento dos encargos relativos a períodos anteriores e alega, ainda, que caso procedesse a correcção ora reclamada, importaria, então, a correcção reflexa no ano em que o encargo devia ser imputado.

5.3-) Enquadramento Teórico-Juris-Doutrinário:

O princípio da especialização dos exercícios, ínsito nos als. 17.° e 18.° do Código do IRC, ou, na terminologia do SNC (Sistema de Normalização Contabilística), “Da especialização" (ou do acréscimo), é, sem duvida, um dos PCGA (princípios Contabilísticos Fundamentais ou os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites) que tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando - fora dos casos (expressamente consignados na lei - qualquer margem de manobra do contribuinte na afectação temporaI dos movimentos económico-financeiros da empresa.

A razão é evidente: trata-se de impedir práticas de manipulação do resultado fiscal que resultem na imputação de mais rendimentos nos exercícios em que se verificam prejuízos fiscais ou lucros mais reduzidos e mais gastos nos exercícios que geraram maiores lucros.

O princípio da especialização dos exercícios é um princípio geral, por força do qual os rendimentos e os gastos de um período devem ser registados contabilisticamente no exercício a que dizem respeito, independentemente do momento em que são pagos ou recebidos.

Razão por que os rendimentos (e os gastos) devem ser reconhecidos contabilisticamente quando obtidos ou incorridos, tendo de ser apresentados nas demonstrações financeiras dos exercícios a que dizem respeito.

O que significa, como a doutrina e a jurisprudência têm esclarecido, que a imputação de um rendimento ou de um gasto a um determinado exercício obedece a um critério económico e não a um critério financeiro, pelo que devem ser considerados e contabilizados num determinado exercício todos os créditos e débitos respeitantes a esse exercício, e não somente os recebimentos e pagamentos que nele ocorreram ~ Cfr., entre outros, Saldanha Sanches, in "A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Auto-avaliação e Avaliação Administrativa", 2ª. Edição, pág.224 e seg., e António Moura Portugal, "A Dedutibilidade dos Gastos na Jurisprudência fiscal Portuguesa", Coimbra Editora, 2004, pág. 172 e segs..

5.3.1-) Ora bem, no Relatório de Inspecção Tributária (RIT) a IT foi clara quando apontou o fundamento da violação do princípio da especialização dos exercícios, ínsito nos arts.17.° e 18.° do CIRC, seja:

Os encargos, no valor de €1.597.484,12, tendo sido objecto de registo contabilístico em 2013, respeitam a períodos anteriores, o que a reclamante aceita e reconhece -Cfr. artigo 22° da Pl.

5.3.2-) O Objecto de dissenso assenta no reconhecimento e interpretação que se possa fazer quanto ao preenchimento dos pressupostos da norma excepcionatória contida no n.°2 do art. 18.° do CIRC, seja, saber se à data de encerramento de contas do período de tributação a que deviam ser imputados os encargos em causa, eram, ou não, os mesmos manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis.

Ora, é precisamente este conceito indeterminado de “gastos/despesas manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis" que cabe averiguar se se verifica no caso dos autos, pois que da sua verificação, ou não, há-de resultar a conclusão da violação, ou não, do princípio da especialização dos exercícios.

E a resposta é negativa, e a facilidade na resposta tem contributo decisivo dado pelo próprio reclamante nas suas alegações na Pl.

5.3.3-) De facto, quanto aos juros de dívidas cujas facturas foram emitidas no período de 2013, ao reconhecer que os juros de mora são determináveis ou exigíveis, sendo “...possível presumir a sua exigibilidade...”cfr. Art. 30°. da Pl, porquanto já existir um direito de crédito determinável (cfr. Art. 32.°da Pl), bem como admitir da existência de .uma obrigação presente de pagamento de juros de mora...”cfr. Art. 43.° da Pl, parece evidente que a tónica colocada é ao nível da determinabilidade e/ou exigibilidade dos juros, coisa muito diferente do manifesto desconhecimento ou imprevisibilidades dos mesmos.

Aliás, ao colocar a discussão ao nível determinabilidade e/ou exigibilidade do juros, está, implicitamente, a reconhecer o seu conhecimento e/ou a sua previsibilidade.

De modo idêntico, ao alegar que só com a decisão tomada em acta do Conselho de Administração de 9 de Maio de 2013, no que respeita à cobrança de juros e à definição da respectiva taxa a aplicar, foi possível estimar com fiabilidade o valor dos juros de mora, mostra, apenas, que em causa não estava o conhecimento ou previsibilidade dos juros, mas apenas o conhecimento do seu valor exacto, pois que do conhecimento quanto à existência dos mesmos essa era líquida e segura, e muito mais o era quanto à sua previsibilidade.

5.3.4-) Idêntica fundamentação se há-de reportar quanto aos juros de dívidas cujas facturas foram emitidas antes do período de 2013, uma vez que ao alegar que até ao fim de 2012 decorreram negociações com os fornecedores no sentido de determinar o montante de juros devidos não se tendo chegado a uma conclusão definitiva e certa quanto ao montante a registar contabilisticamente, tal traduz um evidente conhecimento e/ou previsibilidade quanto à existência dos juros, apenas se mantendo indefinição quanto ao efectivo e definitivo montante a apurar e registar.

Portanto, face ao sobredito, parece evidente que não se encontram preenchidos os pressupostos da norma excepcionatória contida no n.°2 do art.18.° do CIRC, uma vez que, na data de encerramento de contas do período de tributação a que deviam ser imputados aqueles encargos, não eram os mesmos manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis, antes pelo contrário, pois que as alegações do reclamante se centram ao nível determinabilidade e/ou exigibilidade dos juros e ao nível do conhecimento do seu valor efectivo e definitivo, o que, por óbvio, não prejudica a consideração evidente quanto ao conhecimento e/ou previsibilidade quanto à existência dos juros.

5.3.5-) Quanto à alegação da insuficiente fundamentação, no RIT, da arguição da previsibilidade ou conhecimento dos encargos relativos a períodos anteriores, a dizer o seguinte:

De acordo com o art. 74.°/1 da Lei Geral Tributária, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".

Presumindo-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal" (art. 75.°/1 LGT).

Sabendo-se que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (cf. art.° 350.°, n.°1 do Código Civil, aplicável ex vi do art.° 2.° alínea d), da LGT).

Esta regra desonera o contribuinte da prova dos factos tributários decorrentes da sua contabilidade e escrita. Desde que organizada conforme as exigências legais.

Porém, a presunção estabelecida quanto aos dados decorrentes dos elementos declarativos, e de contabilidade e escrita cessa, nomeadamente, e nos termos da alínea a) daquele art. 75.°/2 LGT, quando “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;“

Sendo a matéria colectável, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela Administração Tributária-AT- (cf. art.°16. do CIRC), o desrespeito, nessa declaração, do princípio da especialização de exercícios, constitui, nesta parte, a AT no ónus da alegação e prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, e, portanto, impõe-lhe que demonstre a inobservância daquele princípio.

Ónus observado já que a AT enunciou a fundamentação formal e material, de facto e de direito, para o efeito, no relatório de inspecção tributária.

Demonstração, aliás, corroborada pelo reclamante, já que, como acima referido, este reconhece, de modo expresso, no artigo 22.° da Pl, que os encargos, no valor de €1.597.484,12, tendo sido objecto de registo contabilístico em 2013, respeitam a períodos anteriores.

Feita esta prova, passa a recair sobre o reclamante/contribuinte o ónus da prova de que se encontra numa das situações excepcionais em que lhe é permitido inobservar o dito princípio, à luz das regras sobre o ónus de alegação e prova constante do art.° 342.° n.° 1 do Código Civil e 74.° da LGT.

Donde, neste ponto, foi cumprido o ónus probatório da AT, mas, conforme evidenciado no n.°s 5.3.1) a 5.3.4) já incumprido o ónus probatório do reclamante quanto aos pressupostos da norma excepcionatória contida no n°2 do art. 18.° do CIRC.

5.3.6-) Por último, quanto à alegação de que, caso procedesse a correcção ora reclamada, importaria a correcção reflexa no ano em que o encargo devia ser imputado deve dizer-se o seguinte:

À data da proposta de correcção ao rendimento tributável estava o reclamante em tempo, sendo possível, a entrega de declaração de substituição ou pedir a revisão do acto, não estando, àquela data de tomada de conhecimento da proposta de correcção ao rendimento tributável, ultrapassados os prazos de correcção/revisão do acto tributário, pelo que, tendo-lhe sido possível a correcção, na posse de todos os elementos, e não o fazendo, não pode agora vir reinvindicar esse direito.

Concluindo-se, como se concluiu no número 5) e ss., que na data de encerramento de contas do período de tributação a que deviam ser imputados aqueles encargos, não eram os mesmos manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis, antes pelo contrário, pois que as alegações do reclamante se centram ao nível determinabilidade e/ou exigibilidade dos juros e ao nível do conhecimento do seu valor efectivo e definitivo, é legitimo inferir-se que o reclamante/contribuinte agiu intencionalmente na omissão da imputação dos gastos nos períodos devidos, pressuposto que lhe nega e o contradita na presente alegação do direito a ver-se-lhe reconhecida eventual correcção reflexa, também, pela possibilidade de vantagem fiscal decorrente da transferência de resultados entre períodos de tributação.

6-) Quanto à violação das regras de dedutibilidade dos gastos e perdas face à não aceitação da indispensabilidade de gastos ~ no valor de €2.429.191,39 - para obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora, de acordo com o artigo 23.° do CIRC-encargo (não) dedutível para efeito de determinação do lucro tributável:

6.1-) Posição da IT:

No caso dos autos, a IT desconsiderou os encargos associados a juros decorrentes do atraso no pagamento a fornecedores, por ter considerado que o reclamante estava estatutariamente obrigada, repete-se, estatutariamente obrigada, a obter financiamento próprio, através da prestação de contribuições financeiras provindas das empresas Agrupadas, por forma a suportar a política financeira do ACE (Agrupamento Complementar de Empresas), e, designadamente, para a execução do seu escopo social, é dizer, nos termos do Artigo Terceiro do Contrato de Constituição de Agrupamento Complementar de Empresas e respectivos Estatutos, para a realização de todos os actos necessários à execução das obras previstas no contrato de empreitada de construção do aproveitamento hidroeléctrico do A…, adjudicada pela E…, S.A. (Dono da Obra).

A reclamante ao não conduzir a sua política financeira nos termos a que estatutariamente se encontrava vinculada, nomeadamente, desconsiderando o iter procedimental exigível à entrega das contribuições financeiras para esse fim, incorreu, na prática de política financeira estranha, ou, no mínimo, com nítido excesso desviante, face às necessidades, política e capacidades objectivas da empresa, e fora do quadro da sua política normativa interna de actuação, em suma, estranha ao escopo social.

6.2-) Posição do Reclamante:

A Reclamante alega, em síntese, no sentido de perspectivar o recurso as contribuições financeiras como uma mera faculdade decorrente da observância do princípio da autonomia e liberdade de gestão empresarial, mais considerando que foi na base de critérios financeiros e de gestão empresarial e segundo um juízo de oportunidade e adequação intrínseca às decisões económicas de gestão, que foi assumido o pagamento de juros aos fornecedores em detrimento da captação de fundos através das sobreditas contribuições financeiras, sempre com vista a realizar o interesse societário/empresarial e à obtenção do lucro.

A não ser assim, e permitindo-se a actuação da AT nos termos em que o fez nos presentes autos, tal significaria admitir uma intolerável imiscuição do Estado na esfera da autonomia privada e da liberdade da conformação dos seus próprios interesses por parte dos agentes económicos e a consequente violação do princípio constitucional da tributação do lucro real, por desconsideração de gastos efectivamente incorridos, mas, note-se, não estranhos aos interesses da empresa ou, por outras palavras, interesses abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.

Conclui, assim, pela aplicação ilegal do conceito de indispensabilidade de gastos previsto no art. 23.° CIRC.

Mais invoca dois tipos de argumentação complementar:

6.2.1-) Considera o reclamante que a AT não fez prova de que as despesas em questão fossem alheias ao fim empresarial em causa, e, portanto, dispensáveis, assim incumprindo o ónus de prova que sobre a AT impende.

6.2.2-) Considerando a relação de especialidade entre a reclamante e as empresas agrupadas, e aplicação das regras de preços de transferência, as contribuições financeiras estariam sujeitas a encargo associado através da prestação de juro remuneratório, pelo que sempre existiriam gastos na esfera da reclamante, o que não foi considerado na correcção ora reclamada

6.3-) Enquadramento teórico-Juris-Doutrinário:

Um dos elementos da noção legal de gasto, justamente o nexo de indispensabilidade entre o gasto e o rendimento, constitutivo da motivação da correcção aqui em causa, deve ser interpretado com recurso à integração directa da despesa no escopo ou fim de interesse societário, recortando-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, com vista à obtenção do lucro.

O gasto imprescindível, e a sua consequente dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, sendo avessa à prossecução de interesses seus alheios, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades, política e capacidades objectivas da empresa.

Os gastos devem, assim, estar relacionados com a prossecução do objecto social da empresa, e visar a sua prossecução com um escopo lucrativo.

Consequentemente, as operações societárias devem inserir-se na sua capacidade, interesse e objectivo societários, no quadro da sua política normativa interna de actuação, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa e, desde que se conectem com a obtenção do lucro, e com o pré-determinado para o efeito.

Por outro lado, como se refere no Acórdão do TCAS n.° 00365/03 de 20.06.2006 in www.dgsi.pt:

"Com efeito, o princípio da liberdade de gestão (que surge como decorrência da liberdade constitucional de iniciativa económica privada) pressupõe e exige a não imiscuição da Administração fiscal na gestão das sociedades comerciais, com a preclusão de um controlo administrativo sobre o mérito concreto das decisões empresariais. O fisco não pode colocar em causa as operações reputadas de economicamente indispensáveis pelos contribuintes, porque subsumíveis ao escopo da organização societária.

Embora se reconheça a necessidade de compatibilizar essa irredutível e irrenunciável margem de liberdade de conformação dos interesses próprios dos entes societários, com o princípio da legalidade e da protecção do sujeito activo da relação tributária, através da definição de determinados cerceamentos daquela liberdade, o certo é que estas limitações carecem, como já referimos, de expressa positivação legal e de uma específica motivação intrínseca. Assim, resulta inviável uma cláusula geral que permita à Administração Fiscal sindicar a oportunidade das decisões empresariais, por julgamento sobre a qualidade dos resultados da gestão financeira e comerciai da organização.”

6.4-) De outro lado, é fulcrar ter bem presente, nesta matéria, a repartição do encargo probatório:

Conforme referido no Ac.TCAS 07375/02 de 30.11.2004 in www.dgsi.pt:

"A matéria colectável é, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela AT, a qual, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei (art. 107.° do CIRC) actua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas e cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a leva a desconsiderar determinada verba como gasto ou rendimento.

Essa materialidade tem de ser apta a abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art. 78.° do CPT).

Mas, no caso, a problemática do ónus da prova da indispensabilidade do gasto passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78.° do CPT e 75.° da LGT).

É que não se trata aqui de uma questão de veracidade (quanto à existência e montante) da despesa contabilizada, que ninguém questiona, mas da sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como gasto dedutível.

Assim, se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe a AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como gastos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos rendimentos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade. E compreende-se que assim seja, pois o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os rendimentos (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. n° 4736/01). Como refere o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2.ª edição, pág. 470), ‹‹o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74.°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judiciai que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário.››."

Cabe, assim, perguntar: No caso dos autos resulta demonstrado pelo reclamante essa indispensabilidade?

Todavia, à AT compete-lhe sempre o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correcções, e, portanto o ónus de demonstrar a legitimidade da sua actuação, ou seja, no caso, a legitimidade da desconsideração dos gastos em causa. E essa legitimidade afere-se pela fundamentação das respectivas correcções.

6.5-) Começando pela demonstração do ónus da prova dos pressupostos do direito da AT a proceder às correcções, a dizer:

6.5.1-) A correcção de tais verbas não aceites como gastos fiscais, decorre do princípio da legalidade tributária, consagrado no art.° 106.°, n.° 2 da CRP, pois que não obstante a vinculação da Administração Tributária a esse princípio, tal não prejudica que não possa dispor de margens de livre decisão, sempre nos estritos termos da lei, recorrendo, entre outros, a conceitos indeterminados, como será o caso da indispensabilidade dos gastos, previsto no art. 23.° do CIRC.

Assiste assim, à Administração Tributária legitimidade para operar as correcções fiscais previstas na lei, como decorre do n.° 1 do art. 17.° do CIRC, que enuncia que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido e das variações patrimoniais positivas e negativas, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

E a fundamentação para o efeito consta do RIT, e já sumariamente enunciada no n.° 6.1 ) antecedente.

6.5.2-) Assim, provado e fundamentado o direito à correcção ora reclamada, cabe a colocação da questão: no caso dos autos resulta demonstrada pelo reclamante a indispensabilidade dos gastos?

Não resulta que tenha sido feita qualquer prova, nem sequer se retira da alegação deduzida na petição inicial, de que os juros decorrentes do atraso no pagamento a fornecedores, constitua um encargo indispensável à obtenção de rendimentos ou manutenção da fonte produtora, de acordo com o artigo 23.° do CIRC.

De facto, apenas decorrem do alegado considerações de natureza teórico-abstracta no sentido de considerar aqueles gastos como assumidos no âmbito do exercício da gestão empresarial e com finalidade estrita societária e no seu interesse, mas, no concreto, não se evidencia qualquer facto ou elemento demonstrativo e consequente do alegado, sendo certo que prova efectiva deve ir referida a relevância da despesa, no caso, da sua qualificação como gasto dedutível.

Questionada a indispensabilidade pela AT, a Reclamante não logrou fazer prova da mesma não oferecendo para o efeito, elementos que atestassem, em concreto, a natureza e relevância fiscal da despesa.

É dizer, não fundamenta, nem demonstra, nas alegações deduzidas na Pl que a contracção de juros, decorrentes do atraso no pagamento a fornecedores, se inserem na capacidade, interesse e objectivo societários, no respeito da sua política normativo/estatutária interna de actuação, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa e, desde que se conectem com a obtenção do lucro, e com o pré-determinado para o efeito.

E, ao contrário do que a reclamante alega na Pl, no artigo 154.° al. a) e referido no n° 6.2.1-) antecedente, e conforme acima explicitado no n.° 6.4), não recai sobre a AT o ónus de prova da indispensabilidade dos gastos, mas antes sobre o reclamante.

6.6-) No mais, e no essencial, é dizer, da questão substantiva referente à violação das regras de dedutibilidade dos gastos e perdas face à não aceitação da indispensabilidade de gastos, o objecto de dissenso assenta entre:

O considerar-se - pelo Reclamante - que o recurso às contribuições financeiras constituem uma mera faculdade decorrente da observância do princípio da autonomia e liberdade de gestão empresarial, e, nessa lógica de conveniência e oportunidade empresarial, assumido como preferencial o pagamento de juros aos fornecedores;

E o considerar-se - pela AT- que o reclamante estava estatutariamente obrigado, a obter financiamento próprio, através da prestação de contribuições financeiras provindas das empresas Agrupadas, conforme consignado no Contrato de Constituição de Agrupamento Complementar de Empresas e respectivos Estatutos, bem como no Acordo Interno Complementar.

De facto, aceita-se, e reconhece-se, porquanto jurisprudencial e doutrinalmente assente e unânime, que a AT está impedida de exercer um controlo administrativo sobre o mérito concreto das decisões empresariais, e não deve emitir juízos de conveniência e oportunidade sobre as mesmas nem sobre qualidade dos resultados da gestão, antes devendo focar o exercício de fiscalização, para efeitos de considerar da indispensabilidade de gastos, na observância de uma relação causal e justificada entre os gastos incorridos e a actividade produtiva da empresa, devendo considerar-se que os gastos sejam avessos à prossecução de interesses alheios à empresa, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, (face as necessidades, política e capacidades objectivas da empresa.

6.6.1-) Ora, assim devidamente enquadrado, a pergunta que se deve colocar e se o reclamante podia optar pela contracção de juros de mora aos fornecedores ao invés de solicitar a prestação de contribuições financeiras às empresas agrupadas.

E a resposta não pode deixar de ser negativa.

Desde logo é de reter que, nos temos do Artigo Quinto do Contrato de Constituição de Agrupamento Complementar de Empresas e respectivos Estatutos, o ACE é constituído sem capital próprio.

Nessa lógica, nos termos do Artigo Nono do Contrato de Constituição de Agrupamento Complementar de Empresas e respectivos Estatutos, “Cada uma das agrupadas, na proporção da respectiva participação, obriga-se a contribuir financeiramente para os gastos e despesas do agrupamento...".

Consequentemente, e nos termos da Cláusula Décima Terceira do Acordo Interno Complementar, é estipulado que, para efeitos de execução da política financeira do ACE, e para efeitos de execução das obras previstas no contrato de empreitada, o Conselho de Administração deve solicitar às Partes, leia-se, empresas agrupadas, com 60 dias de antecedência, que aportem as contribuições financeiras necessárias - Cfr. cláusula 13.1 e 13.2

Contribuições financeiras que devem igualmente ser solicitadas em situações imprevistas e não contempladas – Cfr. cláusula 13.3.

Sendo que, do respectivo inadimplemento decorre o pagamento de juros de mora, bem como, no caso de não prestação voluntária das contribuições financeiras, prevê-se a utilização do mecanismo de retenção e utilização dos pagamentos seguintes a efectuar pelo Agrupamento à Parte inadimplente, e, em caso de necessidade, a parte não faltosa aportará as contribuições financeiras em falta provisoriamente, sendo depois reembolsada pelos valores pagos acrescidos de juros. Cfr. cláusula 13.4 e 13.5.

6.6.2-) Portanto, é estatutariamente previsto um rigoroso e disciplinado mecanismo de financiamento das operações societárias, e a que a reclamante está inquestionavelmente vinculada, na execução da sua política financeira, para a realização de todos os actos necessários a execução das obras previstas no contrato de empreitada de construção do aproveitamento hidroeléctrico do A…, adjudicada pela E…, S.A. (Dono da Obra).

Ao fugir deste regime, estatutariamente vinculativo, de execução de política financeira do ACE, e especificamente, de financiamento das operações societárias, equivale a dizer-que se desvia da sua política normativa (financeira) interna de actuação e prossegue interesses com nítido excesso, desviante, face às necessidades, política e capacidades objectivas da empresa, comprometendo a relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa e respectiva conexão com a obtenção do lucro.

Numa palavra, ao fugir deste regime, estatutariamente vinculativo, foge, nos sobreditos termos, à consecução do seu escopo social.

A reclamante ao não conduzir a sua política financeira nos termos a que estatutariamente se encontrava vinculada, nomeadamente, desconsiderando o iter procedimental exigível a entrega das contribuições financeiras para esse fim, incorreu, na prática de política financeira estranha, ou, no mínimo, com nítido excesso desviante, face às necessidades, política e capacidades objectivas da empresa, e fora do quadro da sua política normativa interna de actuação, em suma, estranha ao escopo social.

6.7-) A finalizar, tratando da alegação na Pl referente à circunstância de que as contribuições financeiras estariam sempre sujeitas a encargo associado através da prestação de juro remuneratório, dada a relação de especialidade entre a reclamante e as empresas agrupadas, e aplicação das regras de preços de transferência, a dizer, apenas, que, nos termos da Cláusula Décima Terceira do Acordo Interno Complementar, só no caso de inadimplemento, bem como, no caso de não prestação voluntária das contribuições financeiras, decorre o pagamento de juros de mora.

Donde, apertadas as contribuições financeiras, nos termos estatutariamente previstos, não decorre qualquer encargo acrescido ou suplementar.

Ill PROPOSTA

7-) Em conformidade, propõe-se:

Proferir decisão de indeferimento total da Reclamação Graciosa, contra a nota de liquidação adicional de IRC n° 2016…, no valor total de €2.429.191,39.

Consequentemente manterem-se na ordem jurídica, por legal, valida e regular, a liquidação ora reclamada.


 

·          A construção da barragem do A…, a que se destinava o ACE, sofreu consideráveis atrasos devido a paragens da obra e realização de trabalhos com lentidão por razões arqueológicas, que foram muito superiores ao que estava previsto (depoimento da testemunha M…);

·          A obra da construção da barragem do A…, que era finalidade do ACE, estava prevista para ser realizada em 60 meses, mas iniciou-se em Junho de 2008 e terminou em Setembro de 2016, tendo sofrido atrasos devido a condicionamento dos trabalhos por razões relacionadas com o acompanhamento arqueológico, pois o património arqueológico encontrado foi muito superior ao que estava previsto e houve necessidade de o salvaguardar, realizando muitos trabalhos a mais (depoimento da testemunha M…);

·          Os atrasos referidos e trabalhos a mais relacionados com o património arqueológico que não foram pagos pela E… (entidade adjudicante) provocaram dificuldades financeiras ao ACE (depoimento da testemunha M…);

·          Em 2012, houve uma suspensão da linha de crédito pelo Banco do …, com necessidade de pagamento do que tinha sido recebido ao seu abrigo, o que motivou que fosse pedido apoio às duas agrupadas (depoimento da testemunha M…);

·          A agrupada C… tinha dificuldades económicas em 2012, pelo que não teve possibilidade de proporcionar apoio financeiro, sendo a agrupada B… (D…) quem o proporcionou, na medida do que faltava ao ACE para proceder àquele pagamento (€2.400,000,00), ficando o ACE completamente descapitalizado (depoimento da testemunha M…);

·          No mês subsequente, o ACE não tinha dinheiro para pagar salários, pelo que as duas agrupadas tiveram de financiar o ACE na medida do necessário, cerca de 425.000 euros (depoimento da testemunha M…);

·          A agrupada B… (D…) tinha feito um esforço muito superior ao da C… por prestações de serviços, designadamente fornecimento de mão-de-obra (depoimento da testemunha M…);

·          Em Maio de 2013, houve uma reunião do Conselho de Administração do ACE em que foi decidido que seriam pagos juros relativos à prestação de serviços pelas agrupadas e foram fixadas as taxas que seriam aplicada, inferiores à taxa do financiamento bancário (depoimento da testemunha M…);

·          Foram fixadas as taxas de juro se 4,5% relativamente ao ano de 2010 e de 6,5% quanto aos anos de 2011 e 2012 (depoimento da testemunha M…);

·          Não havia sido comunicado ao ACE, designadamente ao seu Director Financeiro, antes daquela reunião, que iriam ser debitados juros pelas agrupadas, pelo que não tinha sido decidido provisionar esses juros (depoimento da testemunha M…);

·          Só em Agosto o ACE terminou a verificação das facturas das agrupadas relacionadas com essa prestação de serviços (depoimento da testemunha M…);

·          Os outros fornecedores debitaram juros a taxa comercial supletiva da época (depoimento da testemunha M…);

·          Por vezes a exigência de juros por fornecedores foi utilizada como forma de pressionar a que os pagamentos fossem tempestivos, sendo anulados os juros depois de pago o capital em dívida (depoimento da testemunha M…);

·          Para o ACE era indiferente contabilizar os juros no ano de 2013 ou nos anos anteriores a que respeitavam, pois todos os anos fechava as contas com as agrupadas, transferindo para estas os resultados positivos ou negativos, de harmonia com o regime de transparência fiscal (depoimento da testemunha M…);

·          A exigência de juros pelas agrupadas foi decidida por haver grande desequilíbrio no esforço financeiro de ambas as agrupadas, sendo muito superior o da B… (D…), pelo que se pretendeu repor justiça no esforço de ambas (depoimento da testemunha N…);

·          Nos anos de 2010 a 2013, os resultados da D… foram positivos, sendo indiferente a facturação dos juros nesse ano ou nos anos de 2010, 2011 e 2012 (depoimento da testemunha M…);

·          Nos anos de 2010, 2011 e 2012 o ACE tinha resultados negativos, considerando os gastos de financiamento (depoimento da testemunha N…);

·          A agrupada D… tinha possibilidade de financiar o ACE, mas o mesmo não sucedia com a agrupada C…, pelo que não era possível recorrer a financiamento pelas agrupadas mantendo o equilíbrio das prestações de ambas (depoimento da testemunha M…);

·          Os trabalhos a mais importaram em valor elevado, tendo a obra sido adjudicada por cerca de 250 milhões de euros e o valor final foi de cerca de 490 milhões de euros (depoimento da testemunha M…);

·          Os atrasos nos pagamentos de trabalhos a mais pela E… implicaram os atrasos do ACE no pagamento aos subempreiteiros, apesar de lhes ter sido dada preferência em relação ao pagamento de serviços às agrupadas (depoimento da testemunha M…);

·          No sector das empreitadas de obras é prática frequente haver atrasos nos pagamentos e é frequente não serem debitados juros pelos atrasos (depoimento da testemunha M…);

·          Nunca aconteceu algum anúncio de que iriam ser debitados juros antes de 2013, apesar de já haver mora no pagamento há vários anos (depoimento da testemunha M…);

·          As contas do ACE eram fechadas anualmente e auditadas por entidade independente e nunca foi sugerido por esta que fossem provisionados juros ou efectuado acréscimo de custo relativo a juros, designadamente relativos às dívidas às agrupadas (depoimento da testemunha N…);

·          Em 16-12-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

            2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

            A prova baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e na prova testemunhal (não foi junto processo administrativo, mas os documentos mais relevantes foram apresentados pela Requerente).

            As testemunhas M… e N… aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que se pronunciaram, não se vislumbrando fundamento para duvidar da veracidade dos seus depoimentos.

 

            3. Matéria de direito

 

            3.1. Questão da aplicação do princípio da especialização dos exercícios (agora em SNC designam-se por períodos)

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção à matéria tributável da Requerente por entender que os juros de mora contabilizados pela Requerente em 2013 e que se reportavam aos anos de 2010, 2011 e 2012, não podiam ser considerados gastos de 2013, por força do princípio da especialização dos exercícios, dizendo, em suma:

.3. Não obstante estarmos perante alguns documentos datados de 2013, não há dúvida de que a serem efetivos aqueles gastos, os mesmos respeitam a exercícios anteriores, e atendendo aos montantes dos mesmos e ao conhecimento pelo A… ACE e Agrupadas do atraso no pagamento, não se aceita a sua imprevisibilidade e desconhecimento à data de encerramento das contas, sob pena de todo o sistema interno do A… A.C.E. ser posto em causa, razão pela qual não se pode derrogar o princípio da especialização dos exercícios, implicando assim a sua não-aceitação como gastos em IRC de acordo com o artigo 18.º do respetivo Código.

 

O artigo 18.º do CIRC estabelece o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2, que aqui interessam:

 

Artigo 18.º

 

Periodização do lucro tributável

 

1 – Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

           

            À face deste princípio, os juros de mora relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 deveriam ser imputados aos anos a que se referem, só podendo ser imputados ao exercício de 2013 se, nas datas de encerramento das contas dos anos de 2010, 2011 e 2012, fossem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

            A Requerente defende, em suma, que os encargos com os referidos juros eram imprevisíveis, pois é usual nos contratos de construção ocorrerem atrasos nos pagamentos e nem sempre serem exigidos juros.

            Para além disso, a Requerente defende que a aplicação do princípio da especialização dos exercícios a situações deste tipo, em que não houve uma actuação intencional visando transferir gastos entre exercícios.

            A prova produzida aponta no sentido defendido pela Requerente, o que é corroborado pelo facto de os juros relativos aos períodos de 2010, 20111 e 2012, nos casos em que vir a ser reclamado o seu pagamento, não terem sido exigidos pelos credores nesses anos, mas apenas em 2013.

            De qualquer forma, a questão deixa de ter relevo à face do princípio da justiça invocado pela Requerente, com apoio em reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

O princípio da justiça é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto

O Supremo Tribunal Administrativo tem decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos (agora gastos) referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ([1] )          

Aliás, há muito que a Administração Tributária reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-Circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

 

            Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

            a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

            - está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

            - o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

            - o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

         b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.

 

É uma situação deste tipo que ocorre no caso em apreço, pois a Requerente dá uma explicação para a não contabilização dos juros antes de eles serem debitados pelos credores com alguma razoabilidade, pois ocorreram situações em que não foram exigidos juros por atrasos e não se vislumbra uma actuação intencional no sentido de diminuir a carga fiscal.

Na verdade, a falta de interesse fiscal da própria Requerente em beneficiar com o diferimento para 2013 da consideração dos gastos com juros é evidente, pois estava sujeita ao regime de transparência fiscal, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 2, do CIRC, sendo os respectivos lucros ou prejuízos imputados às agrupadas. Por outro lado, quanto à eventual vantagem fiscal auferida por qualquer das agrupadas com a contabilização dos juros em 2013, não é sequer aventada pela Administração Tributária e Aduaneira na fundamentação das correcções efectuadas, em que nem sequer se faz referência à tributação das agrupadas nesses anos de 2010 a 2013. Aliás, a única referência à tributação das agrupadas é feita pela Requerente, nos artigos 94.º e 175.º do pedido de pronúncia arbitral, no sentido de ambas terem registado resultados positivos em 2013, afirmação que não é contrariada pela Administração Tributária e Aduaneira.

Para além disso, não se tendo demonstrado que a Administração Tributária e Aduaneira tenha efectuado correcções à matéria tributável dos anos de 2010, 2011 e 2012, correspondentes à correcção efectuada em 2013 por aplicação do princípio da especialização dos exercícios (o que nem sequer é aventado) a aplicação do princípio da especialização dos exercícios conduziu a uma situação manifestamente injusta, que é a de esses juros não serem considerados gastos nem no período de 2013 nem nos anteriores, apesar de ser inquestionável que devem ter relevância negativa na formação do lucro tributável, em face do preceituado no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do CIRC.

Pelo exposto, a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei, por errada aplicação do princípio da especialização dos exercícios interpretado à luz do princípio da justiça, o que justifica a anulação da liquidação e da decisão da reclamação graciosa, na parte correspondente (artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

 

3.2. Questão da não relevância das despesas com juros como gastos

 

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente em 2013, estabelece a regra de que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que não devem ser considerados como gastos os juros pagos pela Requerente, por, em suma, estar prevista no contrato de criação do ACE que «cada uma das Agrupadas, na proporção da respectiva participação, obriga-se a contribuir financeiramente para os custos e despesas do Agrupamento, incluindo no que se refere à prestação de garantias, sempre que a realização dessas contribuições for deliberada por unanimidade, em Assembleia Geral.” e a Requerente não utilizou esta possibilidade de financiamento de forma a evitar atrasos nos pagamentos aos seus fornecedores que lhe debitaram juros de mora.

            A Requerente apenas por duas vezes recorreu a financiamento pelas Agrupadas, nos montantes de € 2.400.000,00 e € 425.000,00 respectivamente, entendendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que deveria ter recorrido a mais financiamentos em vez de suportar juros com dívidas aos seus credores.

            Consequentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que:

 

            Assim, todos os encargos registados nas contas mencionadas no ponto III.1., no valor total de €2.429.191,39, sem prejuízo da inobservância do disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 18.º do CIRC relativamente ao valor de €1.597.484,12, não se encontram nas condições previstas no artigo 23.º do CIRC, por não se tornarem necessários ou garantirem os rendimentos sujeitos a IRC do A… ACE, uma vez que, contratualmente, este possuía a faculdade de solicitar às Agrupadas as contribuições financeiras necessárias conforme os estatutos e acordo interno complementar por forma a proceder aos pagamentos das faturas nas datas dos respetivos vencimentos, o que não fez.

Com este procedimento, à revelia dos próprios estatutos, provocou atrasos nos pagamentos e consequentemente um acréscimo de gastos que influenciaram negativamente o seu resultado fiscal, assumindo-os como seus e não os imputando às Agrupadas como era devido.

 

Constata-se, desde logo, que este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao não considerar indispensável para a formação do rendimento qualquer gasto com juros por a Requerente poder financiar-se através das Agrupadas, tem ínsito o pressuposto errado de que os financiamentos pelas Agrupadas seriam gratuitos, o que não tem suporte jurídico, pois, tratando-se de entidades entre as quais existem relações especiais, nos termos do artigo 63.º, n.º 4, do CIRC, as regras dos preços de transferência imporiam que fosse considerado, para efeitos fiscais, que os financiamentos eram feitos nos termos em que o seriam entre entidades independentes e, por isso, suportando a Requerente os respectivos juros.

Sendo assim, partindo do pressuposto de que a Requerente teria de suportar juros pelos financiamentos que lhe fizessem as Agrupadas, insere-se entre as opções de estratégia empresarial contrair esses financiamentos ou atrasar pagamentos aos seus credores, sendo certo que em relação a estes, por não existirem relações especiais, não era forçoso que fiscalmente tivessem de ser considerada a existência de juros e estes poderiam não ser reclamados, como não foram nalguns casos, segundo resultou da prova testemunhal.

Para além disso, para ser obtido o cumprimento de obrigações contratuais é indispensável que quem se obriga tenha possibilidade de cumprir e, no caso em apreço, resulta da prova produzida que a Agrupada C… não estava em condições financeiras de suportar os financiamentos a que estaria obrigada se houvesse uma deliberação unânime do Conselho de Administração da Requerente (como se prevê no contrato).

Por isso, não se pode sequer considerar demonstrado que a Requerente pudesse obter das Agrupadas os financiamentos que poderiam obstar a que atrasasse o pagamento de dívidas aos seus fornecedores.

Consequentemente, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que assenta no errado pressuposto de que a Requerente tinha tal possibilidade, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que constitui vício de violação de lei e justifica a anulação da liquidação efectuada e da decisão da reclamação graciosa que a confirmou, na parte respectiva.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral pelas razões referidas, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

 

            4. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Anular a liquidação de IRC n.º 2016…, relativa ao exercício de 2013 e a  decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… .

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €2.429.191,39.

 

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 31.518,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 11-09-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(José Coutinho Pires)

 

(Ana Maria Rodrigues)

 

 

 



[1]Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

                Na mesma linha, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5-2-2003, processo n.º 01648/02, de 25-6-2008, processo n.º 0291/08 e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.