Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 735/2016-T
Data da decisão: 2017-07-11  IRC  
Valor do pedido: € 231.853,17
Tema: IRC - Periodização do lucro tributável - Contrato de locação - Alteração do valor das prestações.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Luís Alberto Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 12 de Dezembro de 2016, “A…, LDA.”, titular do NIPC…, com sede em…, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2015… e 2015…, emitidos, respectivamente, em 24 de agosto de 2015 e 07 de dezembro de 2015, relativos aos períodos de tributação de 2012 e 2013, no valor de € 231.853,17 (duzentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta e três euros e dezassete cêntimos), bem como dos actos de indeferimento das reclamações graciosas n.º …2016… e …2016…, que tiveram aqueles como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os actos referidos enfermam de erro sobre os pressupostos de direito.

 

  1. No dia 13-12-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 08-02-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 23-02-2017.

 

  1. No dia 29-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 03-04-2017, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes, e foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias, uma vez, e por mais 14 dias.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à indústria hoteleira, empreendimentos turísticos e similares e a prestação de serviços inerentes, exploração agrícola e vitivinícolas, industrialização de bebidas e o seu comércio.

2-      Em 31 de Dezembro de 2012 o seu capital social era de €50.000,00, representado por duas quotas, uma com valor nominal de €40.000,00, pertencente a B… e outra com valor nominal de €10.000,00 pertencente à sociedade C…, SA (doravante C…).

3-      A Requerente, no âmbito da sua actividade, efectuou dois projectos de investimento: a reabilitação da “…” e das suas estruturas anexas em … e a construção de um Parque Aventura e Academia de Golfe integrado no Complexo Desportivo …, em … .

4-      A Requerente contou com incentivos do Instituto de Turismo de Portugal, no âmbito do PRIME – Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (projeto…) que ascenderam a Euro 3.535.564,00, sendo o montante de Euro 1.980.518,40, a título de incentivo reembolsável, e a quantia de Euro 1.555.045,60 a título de incentivo não reembolsável.

5-      Em 02-07-2009, a Requerente efectuou com a C… um contrato de locação de estabelecimento cujo objecto consistiu, face ao disposto na cláusula primeira, na transferência temporária do gozo do edifício “…”, em conjunto com a exploração do estabelecimento e equipamentos nele já instalados, ao C… para que neles, este possa desenvolver a actividade de hotelaria e de restauração, pelo período de 11 anos, por um preço mensal de €37.500,00 ao qual acrescia IVA, à taxa legal em vigor.

6-      A C… vinculou-se, através da cláusula sexta do mencionado contrato de locação, a garantir a plena execução das condições estipuladas no contrato de concessão de incentivos celebrado entre a Requerente e o Instituto de Turismo de Portugal, nomeadamente o volume de vendas e prestação de serviços e a criação de postos de trabalho previstas na candidatura, contribuindo para a boa execução dos compromissos assumidos.

7-      O contrato estabeleceu o pagamento de uma renda mensal que, de acordo com cláusula terceira, seria objecto de actualização anual a partir de 2010, de acordo com o coeficiente de atualização vigente no ano anterior, para os arrendamentos não habitacionais.

8-      A propriedade dos activos cedidos para exploração não se transmitiu nem foi prevista a sua transmissão no referido contrato de locação.

9-      Os valores acordados para as rendas foram mensalmente debitados pela Requerente à C…, cumprindo o plano de rendas estabelecido.

10-  Os valores debitados foram regularmente pagos conforme se resume no quadro seguinte:

11-  De acordo com o contrato celebrado com a C…, pela Requerente foram registados na conta SNC 7211100000 – Prestações de Serviços – relativas ao contrato de locação da “…”, para os anos de 2011 a 2013, os seguintes valores:

12-  O referido contrato de locação encontrava abrangido por um programa de incentivos do Instituto de Turismo de Portugal, sendo fundamental para a viabilidade do projecto a obtenção pela Requerente de aprovação formal do novo plano de rendas por parte desta entidade.

13-  A Requerente, em 13 de Outubro de 2011, solicitou junto daquele Instituto, a reestruturação do plano de reembolso do incentivo.

14-  A Requerente registou, no período de tributação de 2012, na conta do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) #2721040000 (devedores por acréscimos de rendimentos) o valor de Euro 434.430,00, de acordo com o seguinte quadro:

15-  Este registo teve como contrapartida o registo de um débito de igual valor na conta SNC #7211100000, relativamente a rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012.

16-  Deste modo, relativamente às facturas emitidas pela Requerente à C…, relativas à locação da “…”, no valor global de €455.580,00, a Requerente apenas considerou sujeito a tributação no ano de 2012 o montante de €21.150,00, de acordo com o seguinte quadro:

17-  As prestações de serviços relevadas nas declarações de IVA relativas ao ano de 2012, incluíram a totalidade das rendas do contrato de locação da “…”, debitadas à C… .

18-  A C… considerou nos seus registos contabilísticos igual diferimento nos correlativos gastos.

19-  Em Outubro de 2013 a Requerente teve conhecimento, de um modo informal, que a Turismo de Portugal iria aprovar o seu pedido.

20-  Em 9 de Outubro de 2013 foi celebrada uma Adenda contratual ao contrato de arrendamento supra-referido.

21-  De acordo com a cláusula primeira da Adenda contratual, foi acordada uma redução nas rendas de 2011 a 2016, que seriam compensadas com um agravamento nas rendas de 2017 a 2028.

22-  As percentagens de redução e agravamento incidiriam sobre o valor mensal de €37.500,00, conforme quadro infra:

23-  Em 31 de Dezembro de 2013, a Requerente emitiu a nota de crédito n.º…, no montante de €927.412,69, de forma a desconsiderar os rendimentos referentes aos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013, debitando a conta #72111000000 e, cumulativamente, regularizou a conta #272 por contrapartida da conta #72111000000.

24-  O reconhecimento da nota de crédito e consequente regularização da conta #272 implicou os seguintes movimentos:

a.       Foi creditada a conta #72111000000, por contrapartida da conta #272, no montante de €434.430,00, referente aos rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012, de acordo com o seguinte quadro:

b.      Com o reconhecimento da nota de crédito foi abatido aos rendimentos reconhecidos o montante de €927.412,69.

25-  Com os referidos movimentos na conta #72, os rendimentos da Requerente sujeitos a tributação no ano de 2013 ascenderam a €63.533.25, conforme o prazo seguinte:

26-  A pretensão formulada pela Requerente ao Turismo de Portugal, acima referida, foi oficialmente aceite em Maio de 2014.

27-  A Requerente foi, objecto de uma acção inspectiva, que incidiu sobre os períodos de tributação de 2011 e 2012, em sede de IRC, a coberto da Ordem de Serviço OI2014… .

28-  A coberto da Ordem de Serviço OI2015… foi igualmente alvo de uma acção de inspecção que incidiu sobre o período de tributação de 2013, em sede de IRC.

29-  Constatado que parte dos rendimentos decorrentes do referido contrato, relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 foram objecto de diferimento e não foram considerados rendimentos para efeitos de tributação em sede de IRC nos exercícios de 2012 e 2013 foram solicitados pela AT, em ambos os procedimentos inspectivos, esclarecimentos à Requerente, sobre esses diferimentos.

30-  Após análise da justificação então apresentada consideraram os SIT que se verificou o diferimento dos rendimentos relativos ao contrato de locação celebrado com a C…, com base nos seguintes factos/elementos:

                                                              i.            Pedido de prorrogação do reembolso do incentivo do projecto … …3 (Hotel…) - recomposição temporal das rendas acordadas pelas partes envolvidas;

                                                            ii.            Acordo de renegociação das rendas com o C… através da realização de uma adenda ao contrato de locação do estabelecimento “…”, atendendo que o C… alegou insustentabilidade do negócio. Esta adenda visou alterar as prestações mensais que passaram de prestações mensais constantes para mensais prestações crescentes ao longo do prazo do contrato.

                                                          iii.            Reconhecimento da nota de crédito n.º … referente ao reconhecimento dos ajustamentos inerentes à redefinição do plano de renda acordado com a C…– anulação de rendimentos conforme adenda ao contrato.

31-  O registo, em 2012, dos valores na conta SNC 272 – Devedores por acréscimo de rendimentos, teve por base o pedido apresentado ao Turismo de Portugal para reestruturação do plano de reembolso do incentivo do projecto … … (Hotel…).

32-  Em 2011, a Requerente não registou o diferimento de qualquer rendimento, tendo contabilizado como rendimento 12 rendas de 37.500,00.

33-  Em Dezembro de 2012, a Requerente registou os diferimentos relativos aos três meses de 2011.

34-  Dos Relatórios de Inspecção Tributária, consta, para além do mais, que:

- «Face a tudo exposto, conclui.se que inerente ao reconhecimento de rendimentos na A… em análise na presente acção inspectiva está o contrato de locação do estabelecimento “…”, que passamos a enquadrar:

Estamos na presença de uma locação de um estabelecimento comercial em que ocorre a cedência temporária (prazo 11 anos), mediante retribuição (renda periodicidade mensal), do gozo e usufruto do estabelecimento como um todo, como uma unidade económica “…”, pelo que a entidade cedente, estando vinculada à aplicação do SNC (ver ponto III.2) deve contabilizar a operação atendendo ao preconizado na NCRF 9.

Face ao prescrito na NCRF 9 a locação é considerada uma locação operacional, nos termos dos § 42 a §50.

Tratando-se de rendimentos associados e uma locação operacional, face ao disposto no §43 da NCRF 9, os rendimentos deverão ser reconhecidos de uma forma linear ao longo do contrato.

A entidade não cumpriu este princípio contabilístico de balanceamento entre rendimentos e gastos. Por outro lado,

- Os rendimentos facturados relativos ao contrato de locação, constituem rendimentos face ao disposto no art. 20.º do CIRC;

- Estes rendimentos devem ser considerados no apuramento do resultado proporcionalmente à execução;

- Face ao disposto no art.º 18.º do CIRC, os réditos e os gastos devem ser reconhecidos quando são obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Esta regra de imputação assenta, portanto, no critério da competência económica, dos exercícios, em oposição ao denominado critério da competência financeira que a entidade invoca para rendimentos.

Ou seja, o s. p., não cumpriu estas disposições legais do CIRC»;

- «Face ao exposto concluímos que a anulação de rendimentos do exercício de 2012 operada pela contabilização de rendimentos a reconhecer registados na conta - conta SNC 272 – Devedores por acréscimo de rendimentos, no montante global de €434.430,00, não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal pelo que se procede à sua correção em sede de IRC, conforme seguidamente se apresenta:

2012

A desconsideração no exercício de 2012 dos rendimentos objeto de diferimento por parte da entidade origina a seguinte alteração ao resultado fiscal deste exercício:

O acordo em causa, caso fosse aceite fiscalmente teria como consequência a alteração/manipulação dos resultados fiscais, permitindo o diferimento no tempo dos resultados fiscais devidos.»;

- «Face ao exposto concluímos que a anulação de rendimento do exercício de 2013 operada pela contabilização da nota de crédito, no montante global de €927.412,69, não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal pelo que se procede à sua correcção no montante global de €927.412,69.

De referir que o montante de €434.430,00 constituem rendimentos já objecto de tributação no exercício de 2012, correcção essa efectuada através da OI2014… . Este montante foi considerado, pelo s.p., rendimento de 2013 operado pela regularização da conta 272 – rendimentos a reconhecer e objecto de regularização (anulação) através da nota de crédito em análise.

2013

A desconsideração no exercício de 2013 dos rendimentos objecto de anulação por parte da entidade origina a seguinte alteração ao resultado fiscal deste exercício:

»

35-  Notificado para o exercício do direito de audição (através dos ofícios n.º … … de 06/11/2015 - relativamente ao Projecto de Relatório de Inspecção Tributária de 2012 - e … … de 03/07/2015 - Relativamente ao Projecto de relatório de Inspecção Tributária de 2013), a Requerente não exerceu o referido direito.

36-  A AT procedeu à liquidação de IRC n.º 2015…, de 24 de Agosto de 2015, corrigindo o resultado tributável referente ao período de tributação de 2012 e diminuindo o valor do prejuízo fiscal anteriormente declarado pela Requerente, conforme a seguinte tabela:

37-  A AT procedeu à liquidação de IRC n.º 2015…, de 7 de Dezembro de 2015, corrigindo o resultado tributável, referente ao período de tributação de 2013 e diminuindo o valor do prejuízo fiscal anteriormente declarado pela Requerente, conforme a seguinte tabela:

38-  Em 04/01/2016 e 06/04/2016 apresentou reclamação graciosa, junto da Direcção de Finanças de …, contestando as correcções levadas a cabo quanto aos exercícios de 2012 e 2013, as quais foram instauradas sob os n.ºs …2016… e …2016…, respectivamente.

39-  Por despachos de 13/09/2016, notificados a 14/09/2016, foram indeferidas ambas as reclamações.

40-  Da decisão das reclamações graciosas consta, para além do mais o seguinte:

«32.Ora, a presente reclamação graciosa é indissociável dos factos exaustivamente dissecados no Relatório de Inspeção e de todos os factos elencados nos anexos que o compõe, pelo que aqui se dá por integralmente reproduzido todo o enquadramento e descrição factual das operações e dos intervenientes que despoletaram a aplicação das descritas correções fiscais (...)

A adenda ao contrato não altera o valor global do contrato que se manteve inalterado, configurando apenas uma alteração nas condições de pagamento (prazo e valor mensal).

76. Os serviços prestados e a prestar no âmbito do contrato de locação não tiveram qualquer alteração.

77. Com a celebração do contrato de locação do estabelecimento designado “…” a entidade adquiriu um direito mensal, quantificável pelo montante das rendas estipuladas entre as partes.

78. A C… usufruiu do “gozo” do estabelecimento “…”, tendo mensalmente efetuado, no exercício em análise, o pagamento das rendas estipuladas entre ambos no referido contrato de locação.

79. Os gastos suportados pela reclamante relativos a estes rendimentos são de montante fixo: as depreciações e o contrato subarrendamento não foram objeto de qualquer redução.

80. Sendo que, a adenda ao contrato não respeita a diminuição das rendas, configurando apenas uma renegociação dos prazos de recebimento/pagamento entre a reclamante e a sociedade C…, já que o preço acordado em termos contratuais (contrato de locação celebrado em 02/07/2009) não sofreu qualquer alteração.

81. A adenda ao contrato, assim como com o pedido ao Turismo de Portugal, que só foi deferido em maio de 2014, não originou uma incerteza acerca da cobrabilidade de uma quantia já incluída no rédito, atendendo a que os montantes faturados já se encontravam pagos.

82. Aliás, a reclamante com a adenda e com o pedido ao turismo limitou-se a negociar o prazo de recebimento/pagamento.

83. Diga-se, também, que o Turismo de Portugal não tem uma relação direta entre o prestador de serviço, sendo apenas um financiador do projeto “…”, pelo que não se justifica a relação estabelecida pela reclamante entre o pedido ao Turismo de Portugal e o diferimento dos réditos.

84. A adenda ao contrato de locação e o seu reconhecimento contabilístico/fiscal através da nota de crédito traduziu-se numa alteração dos resultados fiscais ao longo da duração do contrato de locação em função de um mero acordo de pagamento, situação não fiscalmente permitida, face ao disposto no artigo 18º do CIRC (os rendimentos e os gastos devem ser reconhecidos quando são obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento), não cumprindo igualmente os princípios contabilísticos insertos na NCRF 9 do SNC.

85. A regra de imputação estabelecida no artigo 18º do CIRC assenta no critério da competência económica dos exercícios, em oposição ao denominado critério da competência financeira.

86. Os elementos das demonstrações financeiras (ativos, passivos, capital próprio, rendimentos e gastos) são reconhecidos quando satisfaçam as definições e os critérios de reconhecimento contidos na estrutura conceptual e NCRF’s do SNC, independentemente das datas de recebimento, pagamento ou de emissão dos documentos.

87. Os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos em que se relacionem.

88. Pelo que, o diferimento de rendimentos efetuado pela reclamante, com o reconhecimento da nota de crédito, tendo como suporte a renegociação das condições de pagamento com a C… relativo ao contrato de locação do estabelecimento “…”, bem como o pedido de prorrogação do prazo de reembolso do incentivo ao Turismo de Portugal, carece de enquadramento contabilístico e fiscal em sede de SNC e IRC.».

41-  O volume de negócios do empreendimento turístico “…”, nos anos de 2009 a 2014, corresponde à tabela infra:

 

A.2. Factos dados como não provados

1- A 4 de Outubro de 2011, a Requerente e C… chegaram a acordo relativamente à alteração das prestações mensais devidas pela locação, acordo esse que não foi reduzido a escrito nessa data.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

O facto dado como não provado, deve-se essencialmente à falta de prova que o corrobore, e à existência de facto indiciários em sentido oposto.

Com efeito, embora a Requerente questione se faria algum sentido submeter à aprovação do Turismo de Portugal, no dia 13 de Outubro de 2011, no âmbito da Portaria no 1020/2010, de 6 de Outubro, a flexibilização e reestruturação do plano de reembolso do incentivo, com base na renegociação da renda com a C…, sem ter chegado a acordo prévio com a sua contraparte, o certo é que as rendas continuaram a ser facturadas, contabilizadas e pagas de acordo com a redacção original do contrato, e não de acordo com a Adenda contratual de 9 de Outubro de 2013, o que aponta, justamente, no sentido de que o acordo que haja existido entre a Requerente e a C… seria no sentido de proceder à revisão das rendas, apenas e se o Turismo de Portugal desse a sua aprovação, ainda que, como veio a acontecer, com a reformulação retroactiva das rendas entretanto vencidas, o que, de resto, é confirmado pela circunstância de, logo que houve conhecimento que aquela aprovação estava assegurada, ter sido outorgada a Adenda contratual e, passado pouco tempo, dado início à respectiva execução.

Daí que não fosse possível dar por provado o facto dado como não provado, com a redacção apresentada.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão de Direito decidenda nos presentes autos, reconduz-se, essencialmente, a saber se, tendo a Requerente, enquanto locadora, celebrado uma adenda a um contrato de locação operacional, em Outubro de 2013, na qual, para além do mais e no que ao caso interessa, as rendas facturadas e contabilizadas nos anos de 2011, 2012 e 2013 foram reduzidas, por contrapartida com um aumento das mesmas nos anos de 2017 a 2028, lhe é lícito reduzir o montante das rendas facturado, contabilizado e recebido, naqueles anos de 2011 a 2013, de acordo com o regime original do contrato, ou se, como entende a AT, está a Requerente obrigada a contabilizar as rendas de acordo com uma base linear, independentemente da forma como o pagamento daquelas seja acordado pelas partes.

 

*

            As liquidações contra as quais a Requerente se insurge, fundam-se juridicamente no disposto nos artigos 17.º/1, 18.º e 20.º/1/a) do CIRC, e nos § 42 a §50 da NCRF 9.

            Dispõe a primeira daquelas normas:

“O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a)
do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado liquido do período e das
variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidas nos termos deste Código.”.

            Dispõe a segunda daquelas mesmas referidas normas:

“1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

3 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:(...)

b) Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, exceto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução;”

            Por sua vez, dispõe o artigo 20.º/1/a) do CIRC:

“Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: a) Os relativos a vendas ou prestações de serviços... ”.

            Por fim, os § 42 a §50 da NCRF 9 têm o seguinte teor:

  1. Os locadores devem apresentar os activos sujeitos a locações operacionais nos seus balanços de acordo com a natureza do activo.
  2. O rendimento proveniente de locações operacionais deve ser reconhecido no rendimento numa base linear durante o prazo da locação, salvo se outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal em que o beneficio do uso do activo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador.
  3. Os custos, incluindo a depreciação, incorridos para se obter o rendimento de locação são reconhecidos como um gasto. O rendimento de locação (excluindo recebimentos de serviços proporcionados tais como seguros e manutenção) é reconhecido numa base linear durante o período da locação mesmo que os recebimentos não o sejam, a menos que uma outra base sistemática seja mais representativa do modelo temporal em que o beneficio do uso do activo locado seja diminuído.
  4. Os custos directos iniciais incorridos pelos locadores ao negociar e aceitar uma locação operacional devem ser adicionados à quantia escriturada do activo locado e reconhecidos como um gasto durante o prazo da locação na mesma base do rendimento da locação.
  5. A política de depreciação para activos locados depreciáveis deve ser consistente com a política de depreciação normal do locador para activos semelhantes, e a depreciação deve ser calculada de acordo com a NCRF 6 - Activos Intangíveis e a NCRF 7 – Activos Fixos Tangíveis.
  6. Para determinar se um activo locado ficou em imparidade, uma entidade aplica a NCRF 12 – Imparidade de Activos.
  7. Um locador fabricante ou negociante não reconhece qualquer lucro de venda ao celebrar uma locação operacional porque esta não é equivalente a uma venda.
  8. Os locadores devem fazer as seguintes divulgações para as locações operacionais:

(a) os futuros pagamentos mínimos da locação sob locações operacionais não canceláveis no agregado e para cada um dos períodos seguintes;

(i) não mais de um ano;

(ii) mais de um ano e não mais de cinco anos;

(iii) mais de cinco anos;

(b)  o total das rendas contingentes reconhecidas como rendimento durante o período;

            (c)  uma descrição geral dos acordos de locação do locador.

  1. Além disso, os requisitos de divulgação segundo a NCRF 6 - Activos Intangíveis, NCRF 7 - Activos Fixos Tangíveis, NCRF 11 - Propriedades de Investimento, NCRF 12 - Imparidade de Activos e NCRF 17 - Agricultura, aplicam-se a locadores por activos segundo locações operacionais.

 

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            Como se verifica dos factos provados, na situação sub iudice a Requerente celebrou em 2009 um contrato qualificável como sendo de locação operacional, por 11 anos, com renda fixa e constante, e em Outubro de 2013 celebrou uma Adenda contratual pela qual foi reduzido o valor das rendas de 2011 a 2016, e aumentado o valor das mesmas de 2017 em diante, tendo o contrato sido prorrogado até 2018.

            Antes de prosseguir para a questão de fundo que se apresenta a decidir, torna-se necessário compreender quais as implicações da celebração da Adenda contratual em 2013 na relação de locação e, concretamente, nos direitos da Requerente.

            Verifica-se, então, que quando a Adenda contratual foi outorgada, estavam já vencidas as rendas decorridas desde 2011 até à data daquela outorga, tendo-se formado na esfera jurídica da Requerente, o direito ao crédito respectivo, que foi facturado, contabilizado e, na sua quase totalidade, pago.

            A partir da celebração daquele mesma Adenda, foi alterado o valor da renda (para menos, até 2017, e para mais daí em diante), pelo que os créditos que se foram formando, daí em diante, na esfera jurídica da Requerente correspondem ao valor das rendas fixadas na Adenda.

            Vistas assim as coisas compreende-se, desde logo, que a alteração do valor das rendas relativas aos períodos anteriores à celebração da Adenda, não corresponde, rigorosamente, a uma alteração das rendas, como pretende a Requerente, nem, igualmente, a uma alteração da forma de pagamento de um crédito vencido, como refere a AT.

            Efectivamente, e no que diz respeito ao referido entendimento propugnado pela Requerente, o seu crédito a cada renda formou-se na altura do respectivo vencimento, como contrapartida do gozo do locado cedido, e de acordo com a regulamentação contratual vigente nesse momento, pelo que o valor do crédito resultante das rendas vencidas é o que decorre da contrato, tal como se vigorava no momento do respectivo vencimento, sendo que, como decorre do quadro constante do ponto 10 dos factos provados, tais créditos foram, na sua quase totalidade, pagos e, consequentemente, liquidados, dessa forma se extinguindo.

            Por outro lado, a Adenda contratual, devidamente compreendido, não se traduz num diferimento do pagamento das rendas (nos termos que se vem de ver) vencidas, para o momento em que se prevê o montante de rendas aumentado, já que o direito da Requerente a estas apenas se formará naquele momento, em função do gozo do locado que faculte à locatária. Ou seja, a Requerente não tem neste momento, e não tinha à data quer da Adenda, quer dos factos tributários ou das correcções ora contestadas, nenhum direito formado às rendas (nomeadamente as aumentadas) que se formarão no futuro, nem sequer ao valor da diferença entre as rendas vencidas de acordo com a redacção inicial do contrato, e aquele que veio a ser considerado, para os mesmos períodos, na Adenda contratual.

            Não se corrobora assim, o entendimento constante do RIT de que a Requerente “com a adenda ao contrato e com o pedido ao Turismo de Portugal limitou-se a negociar o prazo de recebimento/pagamento[1].

            Com efeito, se o contrato de locação, por força de qualquer vicissitude, vier a terminar antes dos períodos para o qual foram previstas, naquela Adenda, rendas aumentadas, à Requerente não assistirá qualquer direito a exigir a diferença entre o valor das rendas originalmente fixado e o valor fixado, para esses períodos, na Adenda[2], como aconteceria se este fosse um mero acordo de pagamento.

            Não se pode, note-se, deixar de ter em conta, que o contrato de locação não é análogo, por exemplo, a uma venda a prestações, em que, não obstante o pagamento ser protelado no tempo, o direito à totalidade do preço gera-se, com a formação válida e eficaz do contrato, ab initio, na esfera jurídica do vendedor.

            Pelo contrário, no contrato de locação, sendo um contrato de execução periódica[3], o direito às rendas apenas se gera como correspectivo do gozo da coisa efectivamente prestado, à medida que esse gozo vai sendo prestado, pelo que as rendas futuras são meramente eventuais, constituindo um evento incerto e não dependente exclusivamente do controlo do locador[4].

            Assim, na realidade, o que se passou foi que a Requerente, por um lado,  renunciou aos seus créditos vencidos e não pagos até ao momento da Adenda, correspondentes à diferença entre os valores originais não pagos (num total de €159.733,78[5]) e os novos valores acordados, e por outro lado, assentiu em financiar a locatária nas rendas subsequentes àquela Adenda, no montante correspondente à diferença entre os valores originalmente previstos e efectivamente pagos[6], por troca com a fixação de rendas futuras, de valor mais elevado, e da extensão do prazo de vigência do contrato.

            Deste modo, e em suma, considera-se que:

a)      a Adenda contratual não procedeu a uma alteração do valor das rendas vencidas nos períodos anteriores à sua outorga, porquanto tais rendas se tinham já vencido, e o correspondente crédito da Requerente se tinha já formado na sua esfera jurídica;

b)      tal crédito, de resto, extinguiu-se à medida que os pagamentos a que se refere o ponto 10 dos factos dados como provados, foram feitos pela locatária;

c)      a referida Adenda não se traduz num mero acordo de pagamento, ou num diferimento deste, já que:

                                                                                                 i.       por um lado, os pagamentos a que se refere o ponto 10 dos factos dados como provados foram feitos;

                                                                                               ii.      por outro lado, e com a outorga daquela Adenda, a Requerente perdeu – por renúncia – o direito à diferença entre o valor das rendas vencidas e não pagas e o novo valor fixado, e apenas no futuro e de forma eventual e incerta (ou seja, se o contrato se mantiver nos mesmos termos até lá), terá direito à diferença de valor de entre as rendas inicialmente acordadas e as rendas aumentadas;

d)      a Adenda contratual integra, assim:

                                                                                                 i.       um financiamento à locatária, nas rendas subsequentes àquela Adenda, no montante correspondente à diferença entre os valores originalmente previstos e efectivamente pagos por aquela, anteriormente à outorga da Adenda;

                                                                                               ii.       uma renúncia da Requerente aos seus créditos vencidos em valor correspondente à diferença entre os valores originalmente previstos e não pagos, e os novos valores acordados.

 

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            Posto isto, o dissídio nos presentes autos de processo arbitral, decorre, em primeiro lugar, da interpretação a dar ao § 43 da NCRF 9, designadamente, no que diz respeito a saber se, como refere a regra daquela norma, os rendimentos da locação operacional ora em questão devem ser reconhecidos numa base linear, como entendeu a AT, ou se, como admite a excepção daquela mesma norma, poderão ser reconhecidos numa outra base sistemática, por ser mais representativa do modelo temporal em que o beneficio do uso do activo locado seja diminuído por incentivo concedido pelo locador.

            A NCRF 9, tem correspondência na IAS 17, que no seu ponto 49 dispõe que “Lease income should be recognised over the lease term on a straight-line basis, unless another systematic basis is more representative of the time pattern in which use benefit derived from the leased asset is diminished.”.

            Ora, a excepção à regra da base linear consagrada nestas normas (NCRF§43 e IAS17.49) tem sido entendida como pressupondo uma diminuição na utilização física do bem locado, o que, de resto, a Requerente parece compreender, ao referir, no ponto 67 do seu Requerimento inicial, que “nos casos em que os pagamentos da locação não são constantes ao longo do contrato, sendo crescentes ou decrescentes [como é o presente caso], o rendimento com a locação operacional deverá ser reconhecido numa base constante a não ser que uma outra base seja mais consistente com a utilização física do ativo objeto de locação operacional.[7].

            Sucede que, da matéria de facto apurada, nada permite concluir que a utilização física do locado haja sido, por qualquer forma, diminuída.

            Pelo contrário. Toda a argumentação da Requerente vai no sentido de que o benefício económico que a locatária retira do imóvel, será, previsivelmente, maior, à medida que o tempo decorre, o que, de resto, não se poderá deixar de considerar um risco normal inerente à própria actividade daquela.

            Não tem sustentação, assim, o entendimento da Requerente, segundo o qual seria “o ativo locado utilizado de forma crescente”, o que seria “comprovado pelo aumento do rendimento decorrente da exploração do ativo[8]. Com efeito, o aumento do rendimento será exclusivamente decorrente de um maior sucesso económico, na exploração do mesmo activo locado. Dito de outro modo, a utilização do locado pelo locatário é sempre a mesma (disponibilização da totalidade da mesma unidade hoteleira aos seus clientes), sendo que aquele poderá ser alvo de uma utilização mais ou menos intensa por parte dos clientes que a locatária logre angariar, não se identificando, todavia, esta utilização com aquela que é facultada ao locatário, por meio do contrato de locação.

            Em todo o caso, considera-se – na sequência do que é, como se viu, reconhecido pela própria Requerente – que o teor das normas contabilísticas a aplicar, com base nas quais se deve calcular o lucro tributável da Requerente, não acomoda a interpretação de que a regra de contabilização dos proveitos da locação numa base constante possa ser afastada com base numa diferenciação dos benefícios económicos previsíveis que o locatário possa retirar da coisa locada.

            Daí que não haja dúvidas que, no caso, se haja de proceder à contabilização do rendimento proveniente da locação numa base linear, o que de resto é pacífico que a Requerente fez em 2011, 2012 e 2013, tendo inscrito na conta correspondente os rendimentos facturados em correspondência com o contrato de locação então vigente.

            Sucede, porém, que no ano de 2012 a Requerente lançou na conta #2721040000 (devedores por acréscimos de rendimentos) o valor de € 434.430,00, registo este que teve como contrapartida o registo de um débito de igual valor na conta #7211100000, relativamente a rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012.

            Foi relativamente a este registo que a AT, para o período de tributação em causa, considerou que a anulação de rendimentos do exercício de 2012 não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal, daí decorrendo a primeira correcção contra a qual a Requerente se insurge.

            Face a tudo o quanto anteriormente se expôs, não se pode deixar de considerar que assiste, nesta parte, razão à AT.

            Com efeito, e como se aponta no RIT respectivo:

a.       A Adenda contratual, face aos factos provados, não ocorre no ano de 2012, ou antes, mas no ano de 2013;

b.      No ano de 2012 foram facturadas, contabilizadas e pagas as rendas em conformidade com a regulamentação contratual então vigente;

c.       Por força dessa mesma regulação contratual, formou-se no ano de 2012, na esfera jurídica da Requerente, o direito ao crédito das rendas previstas no contrato de locação original, por contrapartida do gozo do locado cedido, crédito esse que foi extinto pelo cumprimento do pagamento das rendas pela locatária.

Assim sendo, nenhum fundamento existia, ou existe, para a Requerente ter procedido como procedeu, ao lançar na conta #2721040000 (devedores por acréscimos de rendimentos) o valor de € 434.430,00, como contrapartida o registo de um débito de igual valor na conta #7211100000, relativamente a rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012.

Não integra, a conclusão formulada, qualquer violação do princípio da autonomia privada da Requerente, já que não está a retirar quaisquer efeitos à Adenda contratual por esta outorgada, antes, pelo contrário, se está a enquadrar juridicamente e a delimitar, correctamente, qual a forma pela qual o mesmo deve ser repercutido na sua contabilidade, dentro do que, nos autos, se prova, e tendo em conta que não se provou o alegado pela Requerente a propósito de o novo plano de rendas ter sido negociado em Outubro de 2011, no sentido de, desde essa data, ter sido assumido como um compromisso definitivo e acabado entre as partes.

De resto, note-se que sendo o contrato de locação de estabelecimento um contrato formal (cfr. art.º 1069 do Código Civil), as alterações ao mesmo deverão revestir a mesma forma do contrato, pelo que sempre a autonomia privada da Requerente estaria, à partida, limitada pelas exigências de forma.

Face ao exposto, deverá ser mantida a correcção, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

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            Relativamente ao ano de 2013, verifica-se que a Requerente emitiu a nota de crédito n.º…, no montante de €927.412,69, cujo reconhecimento e consequente regularização da conta #272 implicou os seguintes movimentos:

a.                  Foi creditada a conta #72111000000, por contrapartida da conta #272, no montante de €434.430,00, referente aos rendimentos cuja tributação foi diferida em 2012;

b.                  Com o reconhecimento da nota de crédito foi abatido aos rendimentos reconhecidos o montante de €927.412,69.

Face a estes registos, a AT considerou que a anulação de rendimento do exercício de 2013 operada pela contabilização da nota de crédito, no montante global de € 927.412,69, não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal, pelo que se procedeu à sua correcção no montante global de € 927.412,69, tendo em conta que o montante de € 434.430,00 se reportava a rendimentos já objecto de tributação no exercício de 2012, por meio da correcção essa através da OI2014… .

Deste modo, a correcção operada limitou-se à repercussão da nota de crédito n.º…, no montante de € 492.982,69, por ter sido considerado como referente a rendimentos anulados sem enquadramento legal.

Conforme acima se detalhou, face aos factos dados como provados, verifica-se que por meio da Adenda contratual, em 2013, a Requerente procedeu a:

                                           i.      um financiamento à locatária, nas rendas subsequentes àquela Adenda, no montante correspondente à diferença entre os valores originalmente previstos e efectivamente pagos por aquela, anteriormente à outorga da Adenda;

                                         ii.      uma renúncia da Requerente aos seus créditos vencidos em valor correspondente à diferença entre os valores originalmente previstos e não pagos, e os novos valores acordados naquela Adenda.

Ora, o referido financiamento será insusceptível de se repercutir contabilisticamente por meio da nota de crédito referida, pelo que, também aqui assistirá razão à AT quando procedeu à correcção em causa, considerando que a nota de crédito não apresenta enquadramento contabilístico e fiscal, não havendo aqui, pelas mesmas razões atrás apontadas, qualquer atropelo à autonomia privada da Requerente.

            Quanto aos créditos, no valor de € 159.733,78, a que a Requerente renunciou por troca (juntamente com o financiamento atrás referido) com a prorrogação do contrato de locação e um aumento futuro das rendas, está contido na nota de crédito, pelo que nesta parte, ao contrário do que considerou a AT, nessa parte os rendimentos anulados têm fundamento legal.

            Com efeito, como se refere no §92 da Estrutura Conceptual do SNC, “o reconhecimento de gastos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de um aumento de passivos ou de uma diminuição de activos”.

Ora, o direito de crédito da Requerente – na sequência de uma resolução de natureza empresarial cuja bondade não é questionada[9] – extinguiu-se no seu património, diminuindo o seu activo, pelo que, naturalmente, tal se há-de necessariamente reflectir no cômputo do seu lucro tributável, sendo a nota de crédito emitida meio idóneo a realizar tal operação.

            Note-se que o quanto se vem de dizer, não contende com o acerto da interpretação feita pela AT relativamente ao § 43 da NCRF, nem com o correspondente desacerto da correspondente interpretação propugnada pela Requerente, já que, como se viu e resulta da matéria de facto, a locação foi registada na conta correspondente em conformidade com o que dispunha o contrato respectivo. De resto a correcção contestada e ora sob apreço diz respeito à desconsideração da nota de crédito n.º …, e não à contabilização da locação operacional na conta #72111000000.

 

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            Tendo presente alguma confusão que se tem vindo a gerar na matéria, nota-se que, embora se possa entender que a argumentação acima expendida não coincide, ponto por ponto, quer com a argumentação da Requerente, quer com a argumentação da AT, nas matérias decididas favoravelmente a cada uma delas, se considera que não ocorre qualquer excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal arbitral se limitou a aplicar o direito invocado pelas partes, aos factos provados e não provados alegados pelas partes, sendo que se tem pacificamente entendido que:

“Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).”[10].

 

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Por fim, embora a Requerente veicule, no seu Requerimento inicial, o entendimento de que, tendo a A… e a C… relações especiais, face ao disposto no artigo 63.º, n.º 4 al. a) e d) do Código do IRC, caso improceda o pedido arbitral formulado, se devesse proceder a um ajustamento (para menos) ao lucro tributável individual daquela entidade, com impacto no resultado fiscal do RETGS do Grupo D…, nos períodos de tributação em questão, o certo é que não formula qualquer pedido concreto a este respeito, pelo que nada cumpre a este Tribunal arbitral, a tal respeito, conhecer.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular parcialmente o acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2015…, referente ao ano de 2013, na parte em que não considerou o valor de € 159.733,78 contido na nota de crédito n.º…, bem como, na mesma medida, a decisão da reclamação graciosa que o teve como objecto;

b)      Julgar improcedente os restantes pedidos arbitrais formulados;

c)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando em € 3.605,00 o montante a cargo da Requerente, e em € 679,00, o montante a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 231.853,17 (duzentos e trinta e um mil oitocentos e cinquenta e três euros e dezassete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 11 de Julho de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Luís Alberto Ferreira Alves)

 

 

 

 

 



[1] P. 25 do RIT/2012 e 24 do RIT/2013.

[2] Sem prejuízo de eventual direito a indemnizações que lhe possa caber e que possa ter em conta a diferença de valores em questão, mas que, em todo caso, se tratará sempre de direito novo e distinto, do direito ao crédito correspondente às rendas vencidas, e reduzidas, no seu montante, pela Adenda contratual.

[3] Razão pela qual, p. ex., a resolução não tem, em princípio, efeito retroactivo, nos termos do artigo 434.º/2 do Código Civil.

[4] Podendo corresponder, por isso, à definição de activo contingente, na acepção do §8 da NCRF 21.

[5]  € 239.686,34 (saldo em 12/2013) - € 79.952,56 (rendas de 11/2013 e 12/2013, posteriores à Adenda).

[6] Com efeito, tendo a Requerente facturado, contabilizado e recebido as rendas de acordo com a redacção original do contrato, até à outorga da Adenda, o rendimento correspondente às rendas efectivamente pagas consolidou-se na sua esfera jurídica. A diminuição do valor a considerar pelas rendas passadas e recebidas, prevista na Adenda, corresponde à disposição de tal rendimento. Efectivamente, de modo a balancear as contas com a locatária, a Requerente terá, das duas, uma: ou entregar de uma só vez o montante recebido em excesso do que foi acordado no Aditamente, recebendo-o de volta, à medida que se forem vencendo as rendas futuras; ou ir dispensando a Requerente do pagamento de rendas futuras, até se perfazer aquele montante recebido em excesso, reavendo tal montante à medida que se forem vencendo as rendas agravadas, a partir de 2017. Quer num caso, quer noutro, a execução da Adenda contratual funcionará, no que às rendas vencidas e pagas à data da sua outorga diz respeito, como um crédito da Requerente à locatária.

[7] Sublinhados nossos.

[8] Ponto 68 do requerimento inicial.

[9] Não se pondendo, por isso, equacionar a aplicação da doutrina do Ac. do STA de 04-11-2015, proferido no processo 0963/13, e disponível em www.dgsi.pt, sendo que as situações de facto, entre o presente processo e aquele, se configuram, igualmente, de modo distinto.

[10] Cfr. Ac. do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13, disponível em www.dgsi.pt