Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 731/2016-T
Data da decisão: 2017-05-11  IUC  
Valor do pedido: € 452,91
Tema: IUC – Incidência Subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-12-2016. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o subscritor e notificou as partes dessa designação em 03-02- 2017.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral singular ficou constituído em 20-02-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

  I – RELATÓRIO

 

1- No dia 10-12-2016, a sociedade “A…, S. A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2- Pretendendo a declaração de ilegalidade e anulação dos actos de indeferimento dos Recursos Hierárquicos n.ºs … 2015 …, … 2015 …, … 2015 …, … 2015 … e … 2015 …, interpostos contra os atos que indeferiram as reclamações graciosas, por ela apresentadas relativamente a cada um dos atos de liquidação de IUC em apreço (cfr. Docs juntos aos autos com a P.I e de 5 (cinco) atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) referentes ao período de 2013, respeitantes a 5 veículos, no valor global de € 452,91, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, previstos no art.o 43.º da LGT.

 

3- A Requerente requer a anulação referida, pois entende que a AT faz uma errada interpretação da lei, nomeadamente sobre o disposto no n.º 1 e n.º 2 do art. 3.º do CIUC (na redação à data dos factos) por entender que vigorando um contrato de locação financeira no momento em que se torna exigível o IUC, é ao locatário, e não ao locador (ainda que seja este que detém a propriedade do veículo), que compete liquidá-lo.

 

4- Argui abundante jurisprudência arbitral em seu favor.

 

5- Por seu turno, a AT…

Alega que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, estão devidamente fundamentadas, não padecendo de vício de violação de lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida devendo ser absolvida do pedido.

 

6- No seu entender, em síntese, adianta a AT…

O legislador tributário ao estabelecer no n.º 1 do art.º 3.º quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que esses são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, porquanto é esta a interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

 

7- Trata-se de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, fossem considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

 

8- O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversos atos de liquidação de Imposto Único Automóvel (IUC). Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT à cumulação de pedidos.

 

9- O processo não enferma de nulidades.

 

10- Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

II- MATÉRIA DE FACTO

 

1- A Requerente é uma instituição de crédito que engloba na sua área de actividade, o financiamento ao sector automóvel, celebrando, contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

 

2- Nesses contratos o cliente, locatário, durante o tempo que é estipulado, mantém o gozo temporário do veículo – que permanece propriedade da Requerente – mediante remuneração sob a forma de rendas.

Podendo o locatário vir a adquirir o veículo, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual.

 

3- Os veículos automóveis identificados na listagem junta aos autos foram dados em locação financeira, pela Requerente, aos clientes ali também identificados,  (Doc.s 6 a 10).

 

4- Locação essa que se encontrava em vigor no ano (ou, mais concretamente, do mês relevante do ano) em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo.

 

5- A propriedade pertencia à Requerente, enquanto entidade locadora, não tendo, contudo, a mesma, usufruído da utilização dos veículos, que por força do contrato foram entregues aos locatários.

 

6- A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação em causa o que efetuou em tempo oportuno.

 

Factos dados como provados

Todos os referidos.

 

Factos dados como não provados

Ainda que sem decisivo relevo para o sentido da decisão, refere-se como facto não provado:

- Cumprimento do dever que recai sobre as entidades locadoras, nos termos do artigo 19.º do Código do IUC, de “fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados” (art. 19.º do Código do IUC).

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III- DO DIREITO

 

1- A questão controvertida na presente ação arbitral centra-se na determinação da qualidade de sujeito passivo do IUC devido na vigência de um contrato de locação financeira: se o locatário, ou a entidade locadora (ainda que proprietária).

Vejamos

 

2- Tal questão tem vindo a ser tratada de forma insistente neste CAAD, conforme, entre outras, dá conta a PI:

Proc.s 170/2013-T, 256/2013-T, 286/2013-T, 45/2014-T, 60/2014-T, 129/2014-T, 136/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 225/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T, 232/2014-T, 235/2014-T, 645/2014-T, 655/2015-T, 371/2015-T, 654/2015-T.

Ou mencionados na decisão do Proc. 173/2016-T:

Proc.s 14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T,  217/2013--T,  289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T,  173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T,  227/2014-T,  233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T,  414/2014-T, 646/2014-T.

 

3- Confiram-se no mesmo sentido os processos 580/2016-T, 586-2016T, 598/2016-T.

Por com ele concordar, seguimos, de muito perto, transcrevendo, com a devida vénia, o entendimento propugnado nas decisões proferidas nestes processos, na parte em que afirmam:

 

Proc. 580/2016-T

(…) Está, pois, em causa, determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido …, por, à data da exigibilidade do tributo, … vigorarem contratos de leasing, ou outros contratos de locação com opção de compra, ainda que tais contratos não tenham sido objeto de registo junto da Conservatória de Registo Automóvel, neste se mantendo identificada como proprietária a locadora.

 17. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:

 "1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 18. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas n.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 19. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 20. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.

 21. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 22. Porém, a conclusão de que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível não afasta uma outra questão que, para o presente caso, importa dilucidar, qual seja a de saber se a verificação da circunstância prevista no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC afasta ou não a regra de incidência consagrada no n.º 1 do mesmo artigo, no caso de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC.

 23. Estabelecia este preceito, em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, que " Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados."

 23. Da norma do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, conjugada com o citado artigo 19.º do mesmo Código, não subsistem, pois, dúvidas de que estando os veículos cedidos a terceiros em regime de locação financeira ou de outros contratos de locação com opção de compra, o sujeito passivo deste imposto será o locatário e não o respetivo proprietário, ficando, assim, afastada a regra de incidência subjetiva do n.º 1 daquele artigo, desde que feita prova bastante para ilidir a presunção que o mesmo encerra.

 24. Não será esse, porém, o entendimento da Requerida que, de resto, assinala que “Não obstante a Requerente alegar ter celebrado contratos de locação financeira, certo é que aquela é responsável pelo pagamento dos respetivos IUC, uma vez que não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19.º do CIUC.”

 25. Salienta-se que a relevância do incumprimento de tal obrigação no tocante à incidência do tributo em causa, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral, de 14-07-2014, no Proc. 136/2014-T:

 " Com efeito, o disposto no artigo 3º, nº 2, do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjetiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.

Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido artigo 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.

A incidência subjetiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no artigo 3º do CIUC e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória. "

 26. É, pois, a esta orientação jurisprudencial, a que, sem reservas, se adere, não se acompanhando, assim, o entendimento da Requerida acima expresso(…).

 

Proc. 586-2016T

(…)61 - A questão decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

62 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, entendendo que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;

63 - A Requerida, por seu lado, considera que o legislador tributário, ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC, determinou, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se, como tais, as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

64 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T e do n.º 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.”

Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, …, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.

Trata-se de um entendimento em que, de todo, nos louvamos e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão(…).

Proc. 598/2016-T

(…)Pode inferir-se que a estreita ligação do IUC ao princípio da equivalência (ou princípio do benefício) não permite a associação exclusiva dos “contribuintes” aí referidos à figura dos proprietários mas antes à figura dos utilizadores (ou dos proprietários económicos). Como bem se assinalou na DA proferida no proc. n.º 73/2013-T: “na verdade, a ratio legis do imposto [IUC] antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o «proprietário económico» no dizer de Diogo Leite de Campos, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade.”

 Do exposto retira-se a conclusão de que limitar os sujeitos passivos deste imposto apenas aos proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontrem registados - ignorando as situações em que estes já não coincidam com os reais proprietários ou os reais utilizadores dos mesmos -, constitui restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação. E, ainda que se alegue a intenção do legislador foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que, como tal, constem do registo automóvel, é necessário ter presente que tal registo, em face do que foi dito anteriormente, gera apenas uma presunção ilidível, i.e., uma presunção que pode ser afastada pela apresentação de prova em contrário. Neste sentido, vd., p. ex., o Acórdão do TCAS de 19/3/2015, processo 8300/14: “O [...] art. 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível”.

 Seria, aliás, injustificada a imposição de uma espécie de presunção inilidível, uma vez que, sem uma razão aparente, estar-se-ia a impor uma (reconhecidamente discutível) verdade formal em detrimento do que realmente podia e teria ficado provado; e, por outro lado, a afastar o dever da AT de cumprimento do princípio do inquisitório estabelecido no art. 58.º da LGT, i.e., o dever de realização das diligências necessárias para uma correcta determinação da realidade factual sobre a qual deve assentar a sua decisão (o que significa, no presente caso, a determinação do proprietário actual e efectivo do veículo).

 Acresce que, se não se permitisse ao vendedor a ilisão da presunção constante do art. 3.º do CIUC, estar-se-ia a beneficiar, sem uma razão plausível, os adquirentes que, na posse de formulários de contratos de aquisição correctamente preenchidos e assinados, e usufruindo das vantagens associadas à sua condição de proprietários, se tentassem eximir, por via de um “formalismo registral”, ao pagamento de portagens ou coimas.

A este propósito, convém notar, também, que o registo de veículos não tem eficácia constitutiva, funcionando, como antes se disse, como uma presunção ilidível de que o detentor do registo é, efectivamente, o proprietário do veículo. Neste sentido, vd., v.g., o Ac. do STJ de 19/2/2004, proc. 03B4639: “O registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (art.s 1.º, n.º 1 e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º 2, do C.Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos dele constantes.”

 Note-se, ainda, a DA proferida no proc. n.º 27/2013-T, de 10/9/2013, onde se salienta que “os documentos apresentados, particularmente as cópias das facturas que suportam, desde logo, as vendas [dos] veículos [...] referenciados, [...] corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no registo, tal como consagrada no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, documentos, esses, que gozam, aliás, da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT.”

 …

vd., p. ex., Agostinho Cardoso Guedes (em “A incidência subjectiva do imposto único de circulação no âmbito dos contratos de locação financeira ou outros contratos de locação com opção de compra”, in: Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, 23, 2013, pp. 17-18): “O locatário financeiro é tratado pela lei como um quase-proprietário. [...]. Percebe-se, assim, que a obrigação de pagamento do IUC recaia sobre o locatário financeiro e não sobre o locador atentas as características da sua posição jurídica. O mesmo se passa relativamente ao adquirente com reserva de propriedade. [...]. Ainda semelhante à posição do locatário financeiro é a do locatário com opção de compra. Também aqui o locatário tem o gozo exclusivo do bem locado e tem o direito de adquirir a respectiva propriedade (sem que o locador se possa opor a essa aquisição). Ou seja, nas três situações referidas pelo legislador no art. 3.º, n.º 2, do CIUC, temos dois aspectos comuns: o locatário/adquirente tem o gozo exclusivo do bem e tem o direito (ou a expectativa) de se tornar proprietário a curto ou médio prazo.”

….

Alega, ainda, a Requerida … que, para efeitos da ilisão da presunção do art. 3.º do CIUC, é forçoso que os locadores financeiros (como a ora Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19.º do CIUC para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto.

Não procede, contudo, o referido entendimento da AT, dado que, como bem se referiu, por exemplo, na DA proferida no proc. n.º 14/2013-T, de 15/10/2013, “o locatário financeiro é equiparado a proprietário para efeitos do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, o mesmo é dizer para ser sujeito passivo do IUC (Cfr. n.º 2 do art. 3.º). [...] não dispondo o locador, por imposição legal e contratual, do potencial de utilização do veículo e tendo o locatário o gozo exclusivo do automóvel, [e reafirmando-se] a conclusão a que já tínhamos chegado de que [...] manda a ratio legis do CIUC que, nos termos do referido n.º 2 do artigo 3.º deste Código, seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, uma vez que é ele que tem o potencial de utilização do veículo e provoca os custos viários e ambientais a ele inerentes. À mesma conclusão se chega quando se verifica a importância dada aos utilizadores dos veículos locados no artigo 19.º do CIUC. Com efeito, nos termos do disposto neste artigo, as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos ficam obrigadas a fornecer à AT (ex-DGCI), a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3.º do CIUC (incidência subjectiva), bem como do n.º 1 do artigo 3.º da Lei da respectiva aprovação, uma vez que nos termos desta norma da Lei n.º 22-A/2007, se a receita gerada pelo IUC for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador [...] [Mas, apesar dessa obrigação, tal não impede que,] na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigor[e] um contrato de locação financeira que tem por objecto um automóvel, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nºs. 1 e 2, do CIUC, [sendo que o] sujeito passivo do IUC é o locatário mesmo que o registo do direito de propriedade do veículo se encontre feito em nome da entidade locadora, desde que esta faça prova da existência do referido contrato.”

 Pelo exposto, improcede a alegação da AT relativa ao art. 19.º do CIUC, uma vez que a mesma visa sobrepor uma obrigação de cariz formal a uma realidade substancial claramente demonstrativa da condição da Requerente como entidade locadora nos contratos subjacentes(…).

 

4. Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral nesta parte, quanto à ilegalidade das liquidações.

5- Importa referir, porque invocado na resposta da AT, que não conseguimos vislumbrar, (sem prejuízo da esforçada, mas deslocada, justificação), em que medida é que com o entendimento propugnado poderá estar em causa a violação dos princípios constitucionais da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

Não notamos, efetivamente, qualquer violação de preceitos e princípios constitucionais.

 

Concluindo…

Ante o sentido da jurisprudência consolidada, supra transcrita, ao qual se adere por inteiro, pois que importa contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), impõe-se concluir que não há fundamento legal para os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativamente aos veículos e períodos identificados no pedido de pronúncia arbitral, que, à data da exigibilidade do imposto, se encontravam cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação.

Nessa razão, as liquidações contestadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a respectiva anulação.

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso, o erro que afecta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o ato de liquidação por sua iniciativa.

Com efeito, a Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a Lei (arts. 266°, n° 1, da C.R.P. e 55° da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, será imputável a culpa dos próprios serviços.

 

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou, (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  a- Não atender ao pedido de declaração de inconstitucionalidade;

  b- Declarar a anulação dos despachos de indeferimento dos Recursos Hierarquicos e atos tributários de liquidação, no valor global de € 452,91, impugnados;

c- Determinar o reembolso do imposto indevidamente pago;

d- Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto até o reembolso integral da quantia paga;

e- Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 452,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi considerado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 11 de Maio 2017

 

O Árbitro,

 

(Fernando Miranda Ferreira)