Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 743/2016-T
Data da decisão: 2017-04-21  Selo  
Valor do pedido: € 10.562,90
Tema: IS – Verba 28
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, contribuinte fiscal…, B…, contribuinte fiscal … e C…, contribuinte fiscal … apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade da segunda prestação da liquidação de Imposto do Selo (IS) relativo a 2015, no valor de €5.281,44.

 

Os Requerentes fundam o seu pedido nos seguintes argumentos:

 

a)      Cada um dos Requerentes é titular de um 1/3 do prédio urbano sito na Avenida …, N.º … a N.º…, tornejado para o …, em Lisboa, descrito na … conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia …;

b)      Consta na matriz predial do referido imóvel que o mesmo é um prédio urbano em propriedade total, constituído por 9 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, destinados a comércio e habitação, sendo o valor patrimonial total do prédio é de €1.184.297,44;

c)      Para efeitos de liquidação do IS, a AT dividiu o valor de €1.056.289,04 por oito (número de andares/divisões, com exclusão da Loja, destinada a comércio) e multiplicou por 1/3 (quota de cada uma das Requerentes), valor ao qual aplicou a taxa de 1%, daí resultando uma colecta anual no valor €440,12 por cada um dos andares/divisões com utilização independente.

d)      Ou seja, em vez de considerar cada andar/divisão de forma autónoma, o que excluiria a aplicação do Imposto do Selo, a AT considerou um valor patrimonial total do prédio, que repartiu pro rata pelas oito divisões com afectação habitacional.

e)      Procedimento este que viola o disposto na lei, concretamente o disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aplicável ex vi artigo 67.º do CIS.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 29.12. 2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 01.03.2017.

 

A AT respondeu, defendendo a sua absolvição do pedido, face à verificação da excepção de inutilidade originária da lide, de dupla extemporaneidade do pedido, de incompetência absoluta, de ilegitimidade passiva, ou caso assim não se entenda, a improcedência do pedido, em face da legalidade dos actos tributários impugnados, alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:

 

a)      No dia 12-10-2016 foi proferida decisão arbitral no âmbito do processo n.º 327/2016-T, cujo objecto era o mesmo imposto, o mesmo prédio e o mesmo ano;

b)      Pelo que sobrevém a inutilidade originária da lide, o que desde já se requer, bem como o pagamento das respectivas custas ser da responsabilidade dos Requerentes, uma vez que foram eles que deram origem ao processo arbitral;

c)      O presente pedido de pronúncia arbitral é, manifestamente, extemporâneo;

d)      Na situação em apreço, o pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelos Requerentes deu entrada em 2016-12-15, tendo a liquidação sido efectuada em 2016-04-05, sendo o imposto apurado dividido para pagamento em prestações, constantes das notas de cobrança;

e)      Donde se conclui a extemporaneidade do pedido apresentado pelos Requerentes;

f)       Na verdade, os Requerentes não impugnam um acto tributário, mas impugnam, antes, o pagamento da 2.ª prestação do ano de 2015 de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, isto é, o objecto do processo é a anulação, não de um acto tributário (ou de 1/3 de um acto tributário, o que não seria legalmente possível), mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de 2015 do imposto, como os Requerentes fazem constar do pedido e como resulta da análise dos documentos que juntam;

g)      Matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do artigo 2.º do RJAT, ou seja, o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança;

h)      Vêm ainda os Requerentes alegar que apesar da demolição do aludido imóvel apenas restarem as respectivas fachadas, a CML certificou apenas “… que o imóvel em causa foi demolido com preservação/contenção de fachadas”, decisão que impugnaram judicialmente;

i)       Assim, o objecto da presente acção atinge interesses pessoais e directos de entidades que não estão vinculadas a esta jurisdição, nem representadas em juízo, sendo que tal circunstância acarreta necessariamente a impossibilidade de um tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD se considerar dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos, tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações escritas facultativas.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    A 15 de Dezembro de 2017, os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral do acto de liquidação de IS referente ao ano 2015, da verba 28.1 da TGIS, relativo ao imóvel, em propriedade total, constante da matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …;

 

B)    O acto de liquidação de IS sub judice foi anulado por decisão arbitral de 12 de Outubro de 2016, proferida no processo n.º 327/2016 que correu termos neste CAAD, que julgou procedentes o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação em sede de IS relacionado com os documentos de cobrança da primeira prestação de IS n.º: 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016 …, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…;

 

C)    Os Requerentes pretendem obter a declaração de ilegalidade da segunda prestação da liquidação de IS relativo a 2015 no valor de €5.434,24 referente aos documentos de cobrança n.ºs: 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, emitidos pela AT para pagamento, em Novembro de 2016.

 

D)     O IS relativo ao ano 2015 foi integralmente pago pelos Requerentes.

 

Não existem factos com relevo para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

Na resposta apresentada, vem a AT invocar excepções que, a verificarem-se, conduzirão à absolvição da instância.

 

Assim, alega a AT na sua Resposta que “ No dia 12 de Outubro de 2016, foi proferida decisão arbitral no âmbito do processo n.º 327/2016-T, cujo objecto era o mesmo imposto, o mesmo prédio e o mesmo ano.”

 

A este propósito, dispõe o artigo 24.º, n.º 2 do RJAT o seguinte:

 

Sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código de Procedimento e Processo Tributário, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação.”

 

Resulta, assim, do referido normativo que a operatividade da excepção do caso julgado depende, pois, da relação subsistente entre o que já foi julgado e o que está submetido a decisão com a nova acção, no caso, o novo pedido de pronúncia arbitral.

 

No fundo, os limites objectivos do caso julgado definem-se por referência ao objecto do processo, que se delimita através do pedido e da causa de pedir (Vide Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo 419/11, de 7.12.2011).

 

Ora, na situação em análise, a pretensão dos Requerentes dirige-se à remoção da ordem jurídica de um acto jurídico inválido, in casu, o acto de liquidação de IS já identificado, com os mesmos fundamentos aceites pelo Tribunal Arbitral na decisão proferida no âmbito do processo n.º 327/2016-T.

 

Entende-se, por isso, que a presente petição arbitral visa o mesmo efeito que a petição arbitral apresentada no âmbito do processo n.º 327/2016. De facto, através da decisão proferida no âmbito daquele processo, que determinou a anulação do acto de liquidação de IS relativo ao ano 2015 consubstanciado nos documentos de cobrança emitidos até àquela data, impõe-se a anulação do acto de liquidação de IS relativo ao ano 2015, na íntegra, isto é, no valor total de €10.562,89.

 

Embora na decisão não tenha sido expressamente indicado que o documento de cobrança correspondente à segunda prestação do acto de liquidação de IS, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, se encontraria abrangido pela declaração de ilegalidade, a verdade é que o acto de liquidação de imposto apreciado foi apenas um, tendo a AT sido condenada a anular todo o acto de liquidação de IS em causa e a devolver o valor total do acto de liquidação, incluindo o valor que é agora objecto de novo pedido de pronúncia arbitral.

 

Na verdade, nos termos do artigo 23.º, n.º 7 do Código do IS, “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela, Geral, o imposto é liquidado anualmente, (…), aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMT.”

 

Daqui decorre que sendo o imposto liquidado anualmente, existe apenas um acto de liquidação anual, embora tal acto possa ser dividido em várias prestações para efeito de arrecadação de receitas (Vide Acórdão do CAAD, proferido no processo n.º 726/2014).

 

Embora os actos de liquidação, tal como o acto de liquidação de IS subjacente ao presente processo, possam ser divisíveis quer por natureza, por respeitar a uma obrigação pecuniária, quer por definição (Vide Acórdãos do STA proferidos no âmbito do processo n.º 298/12, de 10.04.2013, n.º 5874, de 9.07.1997, n.º 24101, de 22.09.1999, n.º 287/05, de 27.09.2005 e n.º 583/10, de 12.01.2011, entre outros), a anulação parcial do acto de liquidação de IS sub judice só poderia verificar-se se a ilegalidade do acto fosse apenas parcial.

 

Ora, a este propósito foi já decidido em vários acórdãos que “O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.” – Cfr., entre outros, o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo n.º 298/12, de 10 de Abril.

 

No caso em análise, é indubitável a ilegalidade da liquidação de IS relativo ao ano 2015, sendo este acto indivisível, na medida em que a ilegalidade do acto tributário de liquidação de IS afecta-o no seu todo.

 

Tal como já foi esclarecido em várias decisões do CAAD (Vide decisão proferida no âmbito do processo n.º 205/2013 e 726/2014), “Da circunstância do valor da liquidação poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações, não estando o sujeito passivo impedido de impugnar a mesma devido ao facto de ainda só ter decorrido o prazo de pagamento de uma delas.”

 

 

Em consequência, tendo sido anulado o acto de liquidação de IS, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, através da decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 327/2016-T e não havendo outro assunto a discutir no processo, tem necessariamente de se julgar procedente a excepção de caso julgado, assim, se evitando que se renovem indefinidamente litígios entre as mesmas pessoas, pelos mesmos fundamentos e sobre o mesmo assunto, que coloquem em causa a confiança e a paz social e potenciem a possibilidade de decisões contraditórias com o desprestígio para a justiça.

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide declarar procedente a excepção de caso julgado e, em consequência, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é corrigido para €10.562,90.

 

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo dos Requerentes.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Abril de 2017

 

A Árbitro,

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)