Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 38/2017-T
Data da decisão: 2017-11-20  ISP  
Valor do pedido: € 9.013,11
Tema: Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos - Contribuição Rodoviária – gasóleo colorido e marcado.
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Decisão Arbitral

 

RELATÓRIO

 

  1. Em 10 de Janeiro de 2017, A…, contribuinte n.º…, residente na Rua …, …-R/C …, Montijo, doravante designado por Requerente, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
  2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, Dr.ª B… e a Requerida é, actualmente, representada pelas juristas, Dr.ª C… e Dr.ª D… .
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 20 de Janeiro de 2017.
  4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, o Requerente pretende a declaração de nulidade do procedimento inspectivo de que foi objecto com incidência entre 01.01.2014 e 23.06.2016 e a declaração de ilegalidade do acto tributário, praticado pela Alfândega do Jardim do Tabaco, datado de 19.12.2016, de liquidação a posteriori de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), no montante de € 8.707,25 (oito mil, setecentos e sete euros e vinte e cinco cêntimos) e juros compensatórios no montante de € 305,86 (trezentos e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), tudo num total de € 9.013,11 (nove mil, e treze euros e onze cêntimos).
  5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
  6. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 21 de Março de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
  7. Depois de notificada para o efeito, através de despacho de 22 de Março de 2017, apresentou, a Requerida, a sua resposta, o que o fez no dia 5 de Maio de 2017.
  8. No dia 4 de Julho de 2017, o Tribunal, tendo em vista aquilatar a utilidade de produção de prova testemunhal solicitada no requerimento inicial, notificou o Requerente para indicar os factos objecto de inquirição em sede audiência, tendo, no dia 7 de Julho de 2017, o Requerente cumprido o despacho do Tribunal.
  9.  No dia 30 de Agosto de 2017, o Tribunal, através de despacho, designou o dia 28 de Setembro de 2017, para a realização da reunião do tribunal arbitral, prevista no artigo 18.º do RJAT e audição de testemunhas, bem como, determinou, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, a prorrogação do prazo para proferir a decisão, por mais dois meses, designando o dia 21 de Novembro de 2017 para a prolação de decisão.
  10. Na reunião do artigo 18.º do RJAT, o Requerente prescindiu da inquirição de duas testemunhas indicadas no requerimento inicial, e alterou a ordem de inquirição das testemunhas por si arroladas, o que o Tribunal arbitral admitiu. Terminada a produção de prova, o Tribunal notificou o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias. Ainda, nesta reunião, o Tribunal, ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º do RJAT confirmou o dia 21 de Novembro de 2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral, tendo, por último, advertido o Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  11. O Requerente apresentou as suas alegações no dia 30 de Outubro de 2017, tendo a Requerida apresentado as suas contra-alegações no dia 16 de Outubro de 2017.

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

O Requerente aduz dois pedidos, a saber: a) nulidade do procedimento inspectivo de que foi objecto no período compreendido entre 01.01.2014 e 23.06.2016; b) declaração de ilegalidade e respectiva anulação, da liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) n.º …/…, de 24.11.2016, efectuada pela Alfândega do Jardim do Tabaco, no valor total de € 9.013,11, por se encontrarem os mesmos feridos de ilegalidade, no seguinte:

 

A nulidade do procedimento inspectivo

 

  1. Entende o Requerente que o procedimento inspectivo é nulo, porque «foi notificado por carta aviso datada de 21.06.2016, e nos termos e para os efeitos do art.º 49.º [RCPTIA] de acção de natureza fiscalizadora a ser iniciada em 23.06.201[6]. A carta aviso foi recebida pelo sujeito passivo em 23.06.2016, em mão pela entidade fiscalizadora, dia da fiscalização. Pelo que a acção fiscalizadora iniciou-se no mesmo dia 23.06.2016, pelas 9.50h. Ora nos termos do n.º 1 do art.º 49.º [R]CPIT a notificação do início do procedimento inspectivo deve ser feita com uma antecedência mínima de 5 dias. Ora, no caso sub judice tal não aconteceu pelo que o procedimento é nulo
  2. Mais refere, o Requerente, por forma a contrariar o argumento da Requerida quanto à alegada dispensa da notificação prévia do procedimento de fiscalização nos termos do disposto no artigo 50.º do RCPITA, que «na verdade, não se pode subsumir o procedimento em causa na inventariação de bens, porquanto, a AT bem sabia que o sujeito passivo, ora recorrente, não dispunha de reservatório do G.C.M. pelo que a inventariação nunca seria possível. (…) Acresce que o que visava o procedimento conforme consta do relatório (ponto 1, fls.2 ) era o controlo de comercialização de GCM no período de 1.1.2015 a 23.06.2016, e não qualquer inventariação de bens, pelo que não tendo havido prévia notificação o procedimento é nulo.»
  3. Mais refere, o Requerente já em sede de alegações, quanto a esta matéria que a Requerida «(…) teria de cuidar na audição de testemunhas para apurar a verdade material dos factos. O que não cuidou de fazer. (…) Como tal, o processo administrativo em causa nestes autos está pois inquinado de vício de forma, por violação de uma formalidade que aqui se demonstrou ser essencial para a defesa do impugnante, sendo pois nulo (…). Não havendo assim lugar ao aproveitamento da audição das testemunhas nestes autos, pois que o vício é anterior à instauração do presente processo judicial, e é o próprio processo administrativo que está inexoravelmente ferido de nulidade, não podendo nem devendo o tribunal julgar actos que são nulos ab initio, e como tal os devia declarar

 

Acto de liquidação de ISP n.º …/…, de 24.11.2016, efectuada pela Alfândega do Jardim do Tabaco, no valor total de € 9.013,11

 

  1. Entende o Requerente pertinente esclarecer quanto à situação relativa à sociedade E…, S.A. que esta «(…) assim como a sociedade denominada F…, S.A. são ambas clientes do sujeito passivo, [a]s duas sociedades são administradas por administradores comuns. (…) Por contrato de arrendamento celebrado [entre estas duas sociedades] (…) o administrador comum das duas sociedades encomendava gasóleo ao sujeito passivo para a F…, sendo que por sua solicitação, a factura era emitida em nome da arrendatária, ou seja, E…, S.A. Aquando da venda às sociedade E…, S.A. era passado o cartão do beneficiário F… S.A.N.º … com o N.º de beneficiário …/...»
  2. Pelo que, na verdade, não houve dolo por parte do sujeito passivo que faturou e passou o cartão eletrónico. Sendo a desconformidade dos sujeitos passivos completamente extrínseca ao sujeito passivo, que apenas anuiu em emitir a factura à arrendatária da sociedade, ela sim é também titular do cartão eletrónico. Não existiu, assim qualquer fuga a qualquer imposto não existindo qualquer lesão para o Estado, porquanto houve facturação equivalente ao passado pelo TPA, sendo que ambas as entidades eram titulares do cartão eletrónico. Pelo que não poderá o sujeito passivo ser penalizado por qualquer valor, devendo em consequência serem anuladas as verbas referentes a ISP devido no montante de 2.495,20€, acrescida de juros de 108,11€ e 2.735,20€, acrescida de juros de 11,09€.»
  3. Menciona o Requerente, no que respeita às facturas B/140210, datada de 1.9.2014 referente a 5.000 litros e à factura B/14300 datada de 29.12.2014, referente a 500 litros, que:« foram emitidas pelo sujeito passivo a K…, titular do cartão de beneficiário n.º…, activo em 2014. Foi registado no TPA, não do sujeito passivo mas sim do fornecedor I…, tendo sido passado o cartão de beneficiário de H…, Lda no TPA de I…, com o cartão de H…, Lda em 2.9.2014 e 30.12.2014. Pelo que na realidade não houve vendas de GCM sem registo no TPA, esse registo do TPA foi feito, não no TPA do sujeito passivo mas sim do TPA do seu fornecedor I…, o que era prática habitual até ao sujeito passivo ser ele mesmo titular do seu próprio TPA, o que só aconteceu em Fevereiro de 2015 (…), [p]elo que se houve alguma irregularidade a mesma terá de ser imputada ao titular do TPA I… e não ao sujeito passivo que lavrou as respectivas facturas (…) pelo que deverá ser assim anulado o valor de € 1.605,45 € e juros no montante de € 114,92€.»
  4. No que toca às facturas de 2015, nomeadamente a Factura n.º B/150079, refere o Requerente que: «foi emitida pelo sujeito passivo em 28.5.2016 factura correspondente a 8.000 litros; foi passado no TPA em 28.5.2015, o abastecimento dos referidos 8.000 litros beneficiário n.º …, NIPC …, F…, S.A. face ao contrato de arrendamento existente e por solicitação do cliente final (…). Não há referente à factura B/150079 qualquer venda a cliente sem cartão eletrónico já que a referida factura corresponde a cartão eletrónico…, beneficiário … . Por outro lado, a venda de 8.000 litros de gasóleo de 28.5.2015, registada no TPA corresponde à factura B/150079.»
  5. Menciona quanto à «factura de 20.5.2016 emitida em nome de E…, S.A., correspondente à passagem do cartão em 16.5.2016 do beneficiário…» que «não existe qualquer fuga a qualquer imposto sobre o gasóleo
  6. No que toca à factura B/150123, alega o Requerente que «[r]elativamente a Sociedade J… refira-se que no dia 10.8.2015 só foram vendidos 3.000 litros de gasóleo, e não conforme alegado 6000 litros. Tendo sido emitida a factura B/150123, e tendo a na mesma data sido passado o cartão…, do contribuinte …, na senda dos mesmos 3.000 litros. Pelo talão de encerramento do TPA do dia 10.8.2015, constata-se que só foram registados 3.000 litros, pelo que não existe registo no TPA superior a 3.000 litros e foi emitido o correspondente documento de venda. Acresce, [ainda quanto a esta matéria] que pelo extracto do SIBS, do TPA são mencionados 3 erros ocorridos no dia 10/08/2015. (…) Na verdade existe apenas uma passagem válida e sem erro no TPA e que corresponde a 3.000 litros de gasóleo agrícola
  7. Concluindo a sua posição no sentido de que «no caso em apreço não existe qualquer violação das regras de comercialização resultante do art.º 109.º do RGIT relativa a 2014» por não ser «titular de TPA, pelo que não houve violação das regras de comercialização por parte do sujeito passivo (…).» bem como não a há, «[r]elativamente aos anos de 2015 e 2016 (…) pelo que a liquidação no montante de 9.013,11€ é nula, porque ilegal, sendo que tendo o sujeito passivo à procedido ao seu pagamento deverá ser reembolsado do valor pago indevidamente acrescido de juros.»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Por seu lado, a AT vem apresentar a sua defesa, por impugnação, invocando, desde logo, quanto à alegada nulidade do procedimento inspectivo que, «(…) estamos perante um procedimento genericamente designado pela lei como procedimento de inspecção tributária ou procedimento de inspecção (artigo 1.º do RCPITA) tal procedimento abrange diferentes tipos de actuação juntos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários. Com efeito, de acordo com o artigo 2.º do mesmo regime, o procedimento de inspecção, visando a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias (n.º 1) compreende as actuações que se encontram descritas no n.º 2 do mesmo artigo.»
  2. Menciona, ainda a Requerida que «(…) quando está em causa, entre outras situações, procedimento que vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documento destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário, a inventariação de bens, bem como quando o procedimento vise a avaliação do cumprimento de pressupostos de isenção que dependa do fim ou da utilização dada às mercadorias, não há lugar à notificação prévia exigida pelo artigo 49.º do RCPITA (artigo 50.º, n.º 1, alínea a), c), e g)).»
  3. «Quanto à afirmação do Requerente de que o procedimento não teve em vista a inventariação de bens, clarifica-se que, no caso concreto estava em causa um produto (petrolífero), o qual se encontra abrangido pela designação genérica de bens. Mas, ainda que assim não fosse, como se aludiu, sempre se verificam, na presente situação, o previsto nas alíneas a) e g), factos que determinam a dispensa de notificação prévia.»
  4. No que toca à pretensão da declaração de nulidade do procedimento inspectivo, por não se ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas em sede de audição prévia, entende a Requerida ser de referir que: «[a] a audição prévia no procedimento externo de inspecção tributária, prevista no artigo 60.º do RCPITA, tem por objectivo a descoberta da verdade material. Ora, (…) os inspectores responsáveis pela acção tiveram em conta, toda a matéria constante da resposta apresentada pelo sujeito passivo em sede de audiência prévia, tendo mesmo acolhido as suas justificações relativamente a uma das situações e considerado não pertinente a inquirição das testemunhas então apresentadas em face da suficiência da prova documental existente.»
  5. Concluindo, no sentido da improcedência da «(…) invocada nulidade do procedimento inspectivo, por inutilidade na audição de testemunhas em fase de audição prévia.» 
  6. No que respeita às «Vendas de GCM sem o correspondente registo no terminal TPS», refere a Requerida que «[t]odas as situações de vendas facturadas de GCM sem o correspondente registo no Terminal TPA violam as obrigações decorrentes dos artigos 3.º e 6.º da Portaria n.º 361-A/2008 e n.º 5 do artigo 93.º do CIEC
  7. Especificando, quanto a estas que « [é] o caso das vendas de GCM efectuadas pelo Requerente a K… (…) através das facturas n.º B/14210, de 01.09.2014 e B/140300, de 29.12.2014, as quais não foram nem poderiam ser registadas no Terminal do TPA do Requerente, pois este só se tornou titular do seu próprio Terminal a partir de Fevereiro de 2015.» sendo que, «[n]esta matéria, não tem qualquer validade os argumentos apresentados pelo Requerente, porquanto o n.º 5 do art.º 93.º do CIEC, na redacção dada pela Lei n.º 82-B/2014, estabelece a responsabilidade tributária, objectiva do proprietário ou od responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo.».
  8.  Por outro lado, e no que toca «às vendas de GCM efectuadas pelo Requerente a E…, S.A., sem que esta fosse à data titular de cartão electrónico, concluindo-se que estas situações não tendo o registo válido no Terminal TPA do Requerente, configura uma violação das obrigações constantes dos art.ºs 5.º e 6.º da Portaria n.º 361-A/2008 e n.º 5 do art.º 93.º do CIEC. Efectivamente, as vendas de GCM efectuadas através das facturas n.º B/150079, de 28.05.2015 e C/35, de 20.05.2016, a cliente que à data não era titular de cartão de beneficiário (o cartão electrónico que veio a ser atribuído ao beneficiário E…, S.A, só foi emitido em 28.11.2016, não podem ser consideradas validamente registadas no Terminal TPA do Requerente. (…) não pode o titular de um posto de abastecimento de GCM ignorar que este é um produto de venda condicionada à titularidade de um cartão electrónico, o qual nos termos do art.º 6.º da Portaria n.º 117-A/2008 é pessoal e intransmissível.»
  9. No que respeita «às vendas de GCM sem emissão de faturas», considera a Requerida que «foi vendido, correspondente a 6.000 litros de produto, e que foi objecto de registo no terminal TPA (…)» não tendo, contudo, sido emitidas as respectivas facturas.
  10. Com efeito, entende a Requerida que, não obstante, o Requerente afirmar «(…) com referência ao dia 10.08.2015 que só foram vendidos 3.000 litros de GCM, tendo sido emitida a factura N/ 150123 ao contribuinte com o NIF … com o cartão … . Mais acrescentando o Requerente que, no mesmo dia 10.08.2015, ocorreram erro no TPA, e que pelo talão de encerramento se constata que só foram registados 3.000 litros com emissão do correspondente documento de venda», a verdade é que na acção de fiscalização, e do confronto/cruzamento dos elementos relativos aos registos no terminal e as vendas, concluiu-se «existir uma diferença atinente a vendas que não foram facturadas, perfazendo um total de 6.000 litros e não de 3.000 litros como defende o Requerente.», porquanto, «(…) a consulta à base de dados da DGADR que contém os registos do GCM vendido aos beneficiários/titulares do benefício fiscal, com referência aos respectivos cartões, permitiu constatar que, no dia indicado, foram efectuados três registos de 3.000 litros cada, que foram vendidos à Sociedade J… (…) sendo que só foi emitida factura relativamente a 3.000 litros de gasóleo (cartão 2427906). E, conforme se extrai da conta corrente do operador da DGADR (…), na parte relativa às vendas à Sociedade J… conclui-se que, de facto, no dia 10.08.2015 constam três registos que foram considerados válidos por se tratarem de quantidades efectivamente registadas como fornecimentos/vendas na mesma base de dados do Ministério da Agricultura.».
  11. Assim sendo, considera que, no que diz respeito ao alegado erro no terminal quanto a esta venda, «de acordo com o art.º 12.º da Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio impende sobre o operador a obrigação de comunicação imediata, por escrito, à DGADR, dos casos de erros de digitação ou outras anomalias que se verifiquem nos terminais POS (TPA) para efeitos de correcção.»
  12. Concluindo, no sentido de que, «no caso em apreço, é atinente a 6.000 litros de GCM relativamente aos quais não foram emitidas as faturas correspondentes, sendo, por isso, devido o ISP incidente sobre aquelas quantidades
  13. Finalizando a Requerida a sua posição, defendendo que: «(…) encontrando-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, deve a liquidação impugnada, efectuada pela Alfândega do Jardim do Tabaco, manter-se na ordem jurídica.»

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, e a prova testemunhal produzida, tendo sido apresentadas duas testemunhas, pelo Requerente, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados.

 

De referir que a prova testemunhal apresentada pelo Requerente mostrou-se credível, idónea e conhecedora dos factos em causa nos presentes autos, razão pela qual foi a mesma considerada e ponderada devidamente.

 

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente, é uma pessoa singular que tem como actividade o comércio por grosso de produtos petrolíferos, CAE 46711. (cfr. Acordo das partes);
  2. O Requerente é revendedor de gasóleo colorido e marcado (GCM) e não dispõe de reservatórios para armazenagem do referido produto, o qual adquire ao fornecedor I…, Lda. (cfr. Acordo das partes); 
  3. O Requerente tem, desde Fevereiro de 2015, o terminal de TPA n.º…, registado na Direcção Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR). ( cfr. Acordo das partes);
  4. O Requerente emitiu a Factura n.º B/140210, datada de 01.09.2014, no montante de € 4.730,00, referente a 5.000 litros de GCM a K…, (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento de exercício do direito de audição anexo à petição inicial, e fls. 36 do PAT), tendo sido registado o fornecimento no Terminal TPA do fornecedor I…, com o cartão de H…, Lda (cfr. Acordo das partes);
  5. O Requerente emitiu a Factura n.º B/140300, datada de 29.12.2014, no montante de € 402,00, referente a 500 litros de GCM a K…; (cfr. Doc. n.º 5 junto com o requerimento de exercício do direito de audição anexo à petição inicial, e fls. 37 do PAT), tendo sido registado o fornecimento no Terminal TPA do fornecedor I…, com o cartão de H…, Lda (cfr. Acordo das partes);
  6. O Requerente emitiu a Factura n.º B/150079, datada de 28.05.2015, no montante de € 6.320,00, referente a 8.000 litros de GCM, da qual consta «fornecimento no dia 24.04.2015» a E…, S.A.; (cfr. Doc. n.º 6 e 7 junto com o requerimento de exercício do direito de audição anexo à petição inicial e a fls. 38 e 39 do PAT), tendo sido registado o fornecimento ao beneficiário com o cartão n.º…, da F…, S.A. (cfr. Acordo das partes);
  7. O Requerente emitiu a Factura n.º B/150123, datada de 10.08.2015, no montante de € 2.232,00, referente a 3.000 litros de GCM a Sociedade J… . (cfr. Docs. n.º 10, 11 e 12 juntos com o requerimento de exercício do direito de audição anexo à petição inicial e a fls. 42, 43 e 44 do PAT);
  8. O Requerente emitiu a Factura n.º C/35, datada de 20.05.2016, no montante de € 5.839,84, referente a 8.000 litros de GCM a E…, S.A.; (cfr. Doc. n.º 8 e 9 junto com o requerimento de exercício do direito de audição anexo à petição inicial e a fls. 40 e 41 do PAT) tendo sido registado o fornecimento ao beneficiário com o cartão n.º…, da F…, S.A. (cfr. Acordo das partes);
  9. O Requerente vendeu 3.000 litros de GCM à Sociedade J…, S.A., venda essa, constante da factura n.º B/150123, datada de 10.08.2015 (cfr. depoimento da testemunha L…);
  10. O Requerente foi notificado, a 23.06.2016, por carta aviso, datada de 21.06.2016, da acção de fiscalização aduaneira levada a cabo pela Alfândega do Jardim do Tabaco, tendo por âmbito o controlo de comercialização de gasóleo colorido e marcado (GCM) no período compreendido entre 01.01.2014 e 23.06.2016, com início nesta última data, incidente sobre o terminal POS (Point of Sales) n.º… . (cfr. Acordo das partes). 
  11. O Requerente, através do ofício n.º IEC-…, de 16.10.2016, da Alfândega do Jardim do Tabaco, foi notificado do projecto do relatório da acção de inspecção e para exercer, querendo, o direito de audição prévia. (cfr. Acordo das partes, Doc. n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 12 do PAT);
  12. O Requerente exerceu o direito de audição, a 14.11.2016, através de requerimento, no qual expendeu os argumentos que entendeu por convenientes para contrariar o acto de liquidação aqui em crise. (cfr. Doc. n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 12, 23 a 32 do PAT);
  13. O Requerente foi notificado do relatório final da acção de fiscalização, através do ofício n.º … da Alfândega do Jardim do Tabaco, datado de 24.11.2016. (cfr. fls. 4 e seguintes do PAT);
  14. O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 9.013,11 (nove mil e treze euros e onze cêntimos), através de cheque sacado do M…, com o n.º… . (cfr. fls. 1 e 3 do PAT);

 

 

 

 VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos e o processo administrativo juntos aos autos, bem como a prova testemunhal, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados.

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

São as seguintes as questões a apreciar e decidir:

  1. Saber se o procedimento inspectivo levado a cabo pela Alfândega do Jardim do Tabaco, incidente sobre o período compreendido entre 01.01.2014 e 263.06.2016 é nulo, face aos vícios invocados pelo Requerente;
  2. Saber se o acto tributário, praticado pela Alfândega do Jardim do Tabaco, datado de 19.12.2016, de liquidação a posteriori de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e juros compensatórios é ilegal, face aos vícios invocados pelo Requerente;
  3. Saber se em caso de procedência deste último, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

Vejamos,

 

A - Da  nulidade do procedimento inspectivo

 

  1. O Requerente inicia o pedido de pronúncia arbitral no sentido de ser declarada a nulidade do procedimento de inspecção tributária de que foi objecto, levada a cabo pela Alfândega do Jardim do Tabaco, relativa ao período entre o dia 01.01.2014 e 23.06.2016, cujo Relatório final de Inspecção levou aos actos de liquidação sindicados nos presentes autos, invocando para o efeito, por um lado, que «(…) nos termos do n.º 1 do art.º 49.º [R]CPIT a notificação do início do procedimento inspectivo deve ser feita com uma antecedência mínima de 5 dias. Ora, no caso sub judice tal não aconteceu pelo que o procedimento é nulo.» e, por outro, que «(…) teria de cuidar na audição de testemunhas para apurar a verdade material dos factos. O que não cuidou de fazer. (…) Como tal, o processo administrativo em causa nestes autos está pois inquinado de vício de forma, por violação de uma formalidade que aqui se demonstrou ser essencial para a defesa do impugnante, sendo pois nulo (…).»

 

  1. Vício que a Requerida refutou, alegando, para o efeito, por um lado, que «quando está em causa, entre outras situações, procedimento que vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documento destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário, a inventariação de bens, bem como quando o procedimento vise a avaliação do cumprimento de pressupostos de isenção que dependa do fim ou da utilização dada às mercadorias, não há lugar à notificação prévia exigida pelo artigo 49.º do RCPITA (artigo 50.º, n.º 1, alínea a), c), e g)).», e por outro, que «a audição prévia no procedimento externo de inspecção tributária, prevista no artigo 60.º do RCPITA, tem por objectivo a descoberta da verdade material. Ora, (…) os inspectores responsáveis pela acção tiveram em conta, toda a matéria constante da resposta apresentada pelo sujeito passivo em sede de audiência prévia, tendo mesmo acolhido as suas justificações relativamente a uma das situações e considerado não pertinente a inquirição das testemunhas então apresentadas em face da suficiência da prova documental existente.» Concluindo, no sentido da improcedência da «(…) invocada nulidade do procedimento inspectivo, por inutilidade na audição de testemunhas em fase de audição prévia.» 

 

  1. Sucede que a declaração de nulidade do procedimento inspectivo não é matéria de que o Tribunal arbitral possa conhecer, por vedado o seu conhecimento pelo RJAT.

 

  1. Na verdade, e não obstante esta excepção não ter sido arguida pela Requerida, é a mesma de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal arbitral vem agora conhecê-la, o que o faz da seguinte forma:

 

  1. Prevê o artigo 16.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)[1], aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT:

 «1. A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.

2. A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final

 

  1. Na verdade, e segundo a doutrina[2] «as questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso e o seu conhecimento precede o de qualquer outra questão (arts. 16, n.º 2 do CPPT e 13.º do CPTA). Assim, as incompetências em razão da matéria e em razão da hierarquia, em processos judiciais, devem ser conhecidas oficiosamente, precedendo o conhecimento de quaisquer outras questões (…)

 

  1. No entanto, e porque estamos no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral, torna-se absolutamente necessário recorrer ao RJAT, por nos cingirmos a esta sede.

 

  1. Assim compulsando o n.º 1 do artigo 2.º deste diploma, podemos constatar que:

«A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;».

 

  1. Ora, de uma leitura cuidada deste preceito legal constatamos que a requerida declaração de ilegalidade do procedimento de inspecção tributário não se encontra ali elencada, pelo que e por esta razão, é, a mesma, matéria que se encontra fora da competência de apreciação pelo Tribunal Arbitral, constatando-se, deste modo, a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta, por via da incompetência o tribunal em razão da matéria, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a qual se declara, desde já, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 16.º do CPPT, determinando-se, como consequência a absolvição da instância da Requerida, cfr. artigo 99.º, n.º 1 e artigo 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por via do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

  1. Com efeito, o reconhecimento (oficioso) da incompetência deste tribunal para declarar a ilegalidade do procedimento de inspecção tributária levada a cabo pela Alfândega do Jardim do Tabaco, respeitante ao período entre o dia 01.01.2014 e 23.06.2016, inviabiliza a apreciação do mérito da causa, no que a esse pedido respeita.

 

B. Da declaração de ilegalidade do acto tributário, praticado pela Alfândega do Jardim do Tabaco, datado de 19.12.2016, de liquidação a posteriori de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e juros compensatórios

 

O regime de ISP aplicável à comercialização do gasóleo colorido e marcado

 

  1. No que respeita à apreciação da ilegalidade da liquidação controvertida que se prende com o regime de ISP aplicável à comercialização do gasóleo colorido e marcado, importa apurar atendendo às disposições legais aplicáveis – que analisaremos de imediato – se a não realização do registo/leitura do cartão microcircuito no terminal TPA do Requerente, no momento da transacção/abastecimento do GCM determina ou não a responsabilidade tributária do proprietário ou responsável pela exploração do POS nos termos resultantes do n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, bem como quais as consequências para o Requerente das vendas do GCM sem emissão da respectiva factura.

 

Ora, vejamos,

 

  1. O regime fiscal relativo ao gasóleo colorido e marcado (GCM), aplicável ao caso em apreço, encontra previsão no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, com as respectivas alterações legislativas.[3].

 

  1. Ora, nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 4º do CIEC, «são sujeitos passivos de impostos especiais de consumo (IEC): “As pessoas singulares ou coletivas que introduzam no consumo, vendam ou utilizem produtos sujeitos a imposto, nas demais situações de irregularidade”.

 

  1. Especificamente, no que toca ao GCM, prevê o artigo 93.º do CIEC, sob a epígrafe “Taxas reduzidas”, que:

«1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 

2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3. 

3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por: 

a) Motores estacionários utilizados na rega; 

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) Tratores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar; 

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro; e) Motores fixos; 

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes. 

4 - O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico. 

5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão electrónico instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema electrónico de controlo. 

6 - A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.os 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial. 

7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.

8 - Enquanto não existirem condições técnicas para a implementação do gasóleo de aquecimento com as características previstas no anexo vi do Decreto-Lei n.º 89/2008, de 30 de Maio, pode ser utilizado na Região Autónoma da Madeira, colorido e marcado, o gasóleo classificado pelos códigos NC 2710 19 41, 2710 19 45 e 2710 19 49. 

9 - Na aquisição do gasóleo colorido e marcado na Região Autónoma da Madeira é dispensada a utilização do cartão electrónico, enquanto não existirem as condições técnicas descritas no número anterior.»

 

  1. Ora, dispõe o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, que aprovou o CIEC, sob a epígrafe “Disposições transitórias” que «As disposições regulamentares do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, constantes de portaria ou de despacho ministerial mantêm-se em vigor até à entrada em vigor da regulamentação prevista no CIEC

 

  1. Assim, é premente ter presente as regulamentações constantes das Portarias n.ºs 117-A/2008, de 8 de fevereiro, e n.º 361-A/2008, de 12 de maio, aprovadas na vigência do anterior Código dos Impostos Especiais de Consumo, ao abrigo do respectivo artigo 106.º.

 

  1. Com efeito, a Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de fevereiro (alterada pela Portaria n.º 762/2010, de 20 de agosto e Portaria n.º 206/2014, de 8 de outubro) regula as formalidades e os procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e controlo das isenções e das taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, actualmente previstas no n.º 1 do artigo 89.º e no artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo.

 

  1. Sendo de destacar pela sua importância, as disposições regulamentares constantes dos n.ºs 2.º a 13.º, 55.º a 62.º:

«2.º Podem beneficiar de isenção ou da aplicação de uma taxa reduzida do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, comprovadamente, utilizem produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a ISP nas actividades ou nos equipamentos previstos nas disposições legais referidas no número anterior, desde que cumpram as seguintes condições:

a) Essa actividade esteja devidamente declarada, nos termos da legislação tributária aplicável, excepto quando dispensada por lei ou pela natureza da isenção;

b) Tenham a sua situação tributária e contributiva regularizada;

c) Tenham cumprido as suas obrigações declarativas em sede de impostos sobre o rendimento e do imposto sobre o valor acrescentado.

3.º A competência para o acto de reconhecimento e subsequente controlo e reavaliação dos pressupostos e condições dos benefícios fiscais encontra-se definida nos n.os 17.º, 32.º, 36.º, 38.º, 39.º, 41.º, 46.º, 50.º, 56.º, 60.º, 61.º e 64.º da presente portaria.

4.º Os pedidos de isenção ou de redução de taxa do imposto devem ser acompanhados de fotocópia dos seguintes documentos, sem prejuízo de outra documentação considerada necessária:

a) Cartão de identificação fiscal;

b) Documento de licenciamento da actividade exercida, quando exigível.

5.º Os benefícios fiscais concretizados através da utilização de gasóleo colorido e marcado são efectuados obrigatoriamente através da utilização de um cartão de microcircuito, previsto no n.º 5 do artigo 74.º do CIEC, o qual é emitido pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e remetido aos requerentes pela entidade competente para o reconhecimento do benefício fiscal em causa.

6.º Os cartões referidos no número anterior são pessoais e intransmissíveis, sendo os respectivos titulares responsáveis pela sua regular utilização.

7.º Os beneficiários ficam sujeitos, sob pena de incorrerem em infracção tributária, às seguintes obrigações:

a) Comunicar às autoridades competentes qualquer alteração dos pressupostos do benefício fiscal;

b) Comunicar outras alterações relevantes, designadamente alteração de localização das instalações ou dos equipamentos autorizados, transferência de propriedade dos equipamentos bem como a cedência ou substituição destes;

c) Colaborar com as autoridades competentes na realização dos controlos que vierem a ser determinados, com vista a comprovar a efectiva afectação dos produtos aos destinos ou utilizações com benefício fiscal e fornecer todos os elementos de informação solicitados.

8.º Os beneficiários que sejam titulares de um cartão de microcircuito, para abastecimento de gasóleo colorido marcado, estão ainda obrigados a:

a) Devolver o cartão de microcircuito no caso de cessação dos pressupostos do benefício, no prazo máximo de cinco dias úteis;

b) Comunicar qualquer situação de extravio ou de anomalia no cartão de microcircuito atribuído.

9.º As comunicações referidas na presente portaria devem ser efectuadas por escrito, preferencialmente por correio electrónico, no prazo máximo de cinco dias úteis.

10.º Os benefícios fiscais referidos na presente portaria estão sujeitos a reavaliação periódica pelas autoridades competentes, tendo em vista aferir da manutenção dos respectivos pressupostos e do cumprimento das demais condições exigíveis nos termos da legislação aplicável.

11.º Constituem fundamento para a revogação da autorização do benefício fiscal, sem prejuízo de instauração de processo por infracção tributária nos termos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias, a violação dos pressupostos do benefício bem como a inobservância imputável ao beneficiário das condições exigidas no n.º 2.º

12.º Em caso de violação dos pressupostos do benefício fiscal, é ainda liquidado o imposto que se mostre devido.

13.º Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que há violação dos pressupostos do benefício fiscal, designadamente, em caso de:

a) Utilização de produtos, sem reconhecimento prévio do benefício fiscal;

b) Utilização dos produtos autorizados em fim diferente do declarado;

c) Utilização de produtos em equipamentos não autorizados.

 (…)

Título III

Taxas reduzidas de ISP

CAPÍTULO I

Taxas reduzidas do ISP para utilização em equipamentos agrícolas e florestais

55.º A aplicação de uma taxa reduzida de ISP aos equipamentos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 93.º do CIEC abrange as utilizações que, para os efeitos da presente portaria, se designam por equipamentos agrícolas, aquícolas e florestais.

56.º Os pedidos de benefício fiscal são, no caso de equipamentos agrícolas e florestais, apresentados junto das direções regionais de agricultura e pescas, que procedem à instrução dos mesmos, ou, no caso de equipamentos aquícolas, apresentados junto da DGRM ou do ICNF, I. P., conforme as áreas das respetivas competências, que procedem à instrução dos mesmos.

57.º Sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 2.º, o exercício de uma actividade declarada pode ser dispensado relativamente a beneficiários cujos plafonds anuais indicativos ou de referência não ultrapassem 3600 l.

57.º- A O disposto no número anterior não se aplica aos equipamentos utilizados na atividade aquícola.

58.º Os pedidos de benefício fiscal, para além dos documentos previstos no n.º 4.º, devem ainda ser acompanhados de manifesto, contendo a identificação dos equipamentos destinados a serem abastecidos com gasóleo colorido e marcado, bem como de prova da respectiva titularidade ou legítima detenção.

59.º A comprovação da titularidade ou da legítima detenção dos equipamentos manifestados deve ter em conta, designadamente, os seguintes critérios:

a) No caso dos tractores agrícolas de rodas, deve ser apresentado o respectivo livrete e título de registo de propriedade ou documento único;

b) Para os restantes equipamentos deve ser apresentado o respectivo documento de aquisição ou declaração emitida pela junta de freguesia da área do candidato ao benefício, atestando a sua legítima detenção;

c) No caso de o equipamento constituir propriedade de terceiros, deve ser apresentada uma declaração de cedência em conformidade;

d) Para as áreas regadas por bombagem a gasóleo deve ser apresentada prova da respectiva titularidade, designadamente caderneta predial, contrato de arrendamento ou declaração de cedência.

60.º Concluída a instrução do pedido, a DGADR, a DGRM e o ICNF, I. P., nas áreas das respetivas competências, enviam semanalmente à AT uma listagem em suporte informático, com proposta de decisão dos pedidos recebidos, respetivamente, pelas direções regionais de agricultura e pescas, pela DGRM ou pelo ICNF, I. P., para efeitos de reconhecimento do benefício fiscal.

61.º As autoridades competentes para a reavaliação dos pressupostos do benefício fiscal, bem como para efeitos do cumprimento do disposto nos n.os 7.º e 8.º, são a DGADR, a DGRM e o ICNF, I. P., nas áreas das suas respetivas competências, devendo ser comunicadas à AT todas as situações que impliquem:

a) Reconhecimento de um novo benefício fiscal;

b) Revogação de um benefício fiscal.

62.º Para efeitos do disposto no número anterior, os beneficiários devem comunicar, junto das direções regionais de agricultura e pescas competentes, da DGRM, do ICNF, I. P., ou das instituições por estas devidamente credenciadas para o efeito, qualquer alteração dos pressupostos do benefício fiscal, designadamente a cessação da atividade, ou outras alterações relevantes, como sejam a alteração dos equipamentos autorizados, a transferência da propriedade dos equipamentos, a cedência ou a substituição destes, ou as alterações nas áreas regadas por bombagem a gasóleo.»

 

  1. Pelo seu lado, a Portaria n.º 361-A/2008, de 12 de maio, «estabelece as regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e os respectivos mecanismos de controlo, tendo em vista a correcta afectação do produto aos destinos que beneficiam de isenção ou de aplicação de taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), nos termos previstos no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, abreviadamente designado por CIEC.» (cfr. respectivo n.º 1), pelo que, e com relevo para o caso em discussão nos presentes autos, de mencionar as disposições regulamentares constantes dos n.ºs 2.º a 14.º:

«2.º O gasóleo colorido e marcado é um produto de venda condicionada, cuja disponibilização no mercado nacional só pode ser efectuada pelas empresas petrolíferas que tenham celebrado com o Estado, representado pela Direcção-Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DGADR), um contrato para o efeito, no qual aquelas se comprometam a disponibilizar a venda ao público de gasóleo colorido e marcado, na proporção de, pelo menos, um posto de abastecimento por cada 600 000 l vendidos.

3.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais point of sale (POS).

4.º O disposto no número anterior é aplicável aos distribuidores, desde que disponham igualmente de terminais POS.

5.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito emitidos para o efeito pela DGADR, através dos quais são registadas todas as transacções de gasóleo colorido e marcado no sistema informático gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS).

6.º As vendas a que se refere o número anterior são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

7.º Os abastecimentos aos equipamentos autorizados a consumir gasóleo colorido e marcado que não possam ser efectuados no local do posto de abastecimento, nomeadamente alguns equipamentos agrícolas e florestais e os motores fixos, podem ser registados em terminal POS móvel, no acto e no local do respectivo abastecimento.

8.º O registo no sistema informático, através dos terminais POS, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito.

9.º Os registos das transacções referidas no n.º 5.º são enviados em suporte informático pela SIBS à DGADR, a qual, para além das funções de coordenação nacional que lhe incumbem, gere a base de dados relativa ao gasóleo colorido e marcado e é responsável pela emissão, suspensão ou cancelamento dos cartões.

10.º A instalação de terminais POS, bem como qualquer alteração da sua localização, deve ser comunicada pelas empresas petrolíferas à DGADR e à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), obrigatoriamente, no prazo máximo de cinco dias úteis.

11.º O gasóleo colorido e marcado só pode ser abastecido aos equipamentos previstos no n.º 3 do artigo 74.º do CIEC, após a verificação, pela entidade competente, dos pressupostos e das condições exigíveis nos termos da legislação aplicável e a atribuição aos respectivos beneficiários do cartão referido no n.º 5.º

12.º Em caso de erros de digitação ou outras anomalias verificadas na utilização dos terminais POS, devem os mesmos ser imediatamente comunicados, por escrito, preferencialmente por correio electrónico, à DGADR, a fim de serem efectuadas as respectivas correcções.

13.º As empresas petrolíferas devem enviar à DGAIEC, até ao último dia útil de cada mês, uma listagem em ficheiro informático com as vendas ou fornecimentos de gasóleo colorido e marcado aos postos de abastecimento ou a distribuidores, efectuados no mês anterior, com indicação dos respectivos números de identificação fiscal e do terminal POS.

14.º No caso de os distribuidores procederem a fornecimentos a postos de abastecimento, devem as empresas petrolíferas obter dos referidos distribuidores a informação sobre os fornecimentos por estes efectuados aos referidos postos de abastecimento, com indicação dos respectivos números de identificação fiscal e do terminal POS.»

(Negrito nosso das partes da legislação mais relevante para o caso em apreço nos presentes autos)

 

  1. Na verdade, e tal como acima referido, é necessário ter-se presente as seguintes condições que têm que ver com «regras de comercialização do gasóleo colorido e marcado e respectivos mecanismos de controlo, com vista à correta afectação do produto aos destinos que beneficiam da aplicação de taxas reduzidas do ISP» (n.º 1 da Portaria n.º 361-A/2008), «representando formalidades e procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e controlo das taxas reduzidas do ISP (n.º 1 da Portaria n.º 117-A/2008), para que o contribuinte possa beneficiar da isenção ou redução de ISP, nos termos previstos na Lei. São elas:
  1. o GCM só pode ser fornecido ou vendido a titulares de postos de abastecimento devidamente licenciados que sejam detentores de terminais de pagamento automático-point of sale, TPA-POS (Terminais TPA); - cfr. n.º 5 do artigo 93.º do CIEC e n.º 3 da Portaria n.º 361-A/2008, de 08.02;
  2. o GCM só pode ser vendido nos postos de abastecimento aos beneficiários de uma isenção ou redução de taxa de ISP que sejam titulares de cartões de microcircuito/electrónico – os quais são, aliás, pessoais e intransmissíveis, que é através destes que são registadas todas as transacções de GCM no sistema informativo gerido pela Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS); - cfr. n.º s 5 e 6 da Portaria n.º 117-A/2008, de 12.05;
  3. as vendas são obrigatoriamente registadas no sistema informático, através dos Terminais TPA, no momento em que ocorram; - cfr. n.º 6 da Portaria n.º 117-A/2008, de 12.05;
  4. o registo no sistema informático, através dos Terminais TPA, de cada abastecimento efectuado, não dispensa a emissão da respectiva factura ou documento equivalente, emitida em nome do titular do respectivo cartão de microcircuito; - cfr. n.º 8 da Portaria n.º 117-A/2008, de 12.05;
  5. O proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda de GCM, é responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao GCM, em relação às quantidades que venderem e não registadas devidamente no sistema electrónico de controlo e para as quais não seja(m) emitida(s) a(s) correspondente(s) factura(s) em nome do titular do cartão – cfr. n.º 5 do artigo 93.º do CIEC. 

 

  1. Na verdade, e como refere o n.º 12 da Portaria n.º 117-A/2008 estas condições são, nada mais nada menos, do que os “pressupostos do benefício fiscal”.

 

  1. Com efeito, a aplicação de taxas reduzidas do ISP – em causa nos presentes autos - previstas no artigo 93.º do CIEC, constitui um benefício fiscal, na acepção dos n.º 1 e 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o qual depende da verificação dos seus pressupostos/condições/requisitos, conforme alude o Preâmbulo da Portaria n.º 117-A/2008, de 8 de Fevereiro segundo o qual «[a]s isenções e a aplicação de taxas reduzidas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) previstas (...) dependem do reconhecimento dos pressupostos e das condições previstas na lei para a concretização do direito ao benefício fiscal

 

  1. De uma leitura cuidada do disposto nos n.º 5 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, é manifesta a consagração de um dever de registo, no momento da transacção, das vendas de GCM. Com efeito, dessas normas legais resulta que as vendas de gasóleo colorido e marcado nos postos de abastecimento aos beneficiários titulares de cartões de microcircuito, através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático, são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

 

  1. Assim sendo, se ou quando estas vendas não forem registadas nos terminais POS no momento em que ocorram, não se verifica uma condição/um pressuposto de que depende a concretização do direito ao benefício fiscal de redução de taxa previsto no artigo 93.º do CIEC.

 

  1. Na verdade, e nesta sequência, entende o presente tribunal trazer à colação, pela clareza na sua exposição – que, aliás, acompanha na integra - o sustentado na decisão arbitral proferida no processo n.º 483/2014-T, com aplicação ao caso em apreço, quanto à situação de vendas não registadas nos terminais POS no momento em que ocorrem, o qual manifesta o que:

“Esta condição explica-se em atenção à necessidade de verificar imediatamente pelos registos efectuados nos terminais POS com o cartão microcircuito no momento da venda do GCM que o adquirente dispõe então de cartão válido e eficaz.

O sistema POS identifica automaticamente o número do cartão microcircuito e o seu titular, bem como a data e a quantidade do abastecimento, dados estes que permitem verificar logo se o gasóleo colorido e marcado foi vendido a pessoas que cumpriam os requisitos exigidos para a respectiva aquisição e que não ocorreu desvio das finalidades visadas com o GCM.

Assim, a condição estabelecida da obrigatoriedade de as vendas serem registadas nos terminais POS no momento em que ocorram destina-se a assegurar o controlo imediato das quantidades vendidas de GCM aos respectivos beneficiários mediante os dados do terminal POS, controlo do destino do gasóleo agrícola que o legislador não quis deixar para momento posterior, mas assegurar ab initio, porquanto, precisamente, como expressamente se declara no Preâmbulo da Portaria n.º 361-A/2008, pretendeu reforçar “os mecanismos de controlo, visando uma maior eficácia na prevenção da fraude fiscal”.

 

  1. Ora, regressando ao caso em concreto, são identificadas duas situações para análise:
  1. “vendas de GCM sem o correspondente registo no TPA” e
  2. “vendas de GCM sem emissão de factura”

 

Apreciemos, então, os pedidos formulados no âmbito da presente demanda arbitral:

 

Da Declaração de ilegalidade do acto de liquidação de ISP n.º …/…, de 24.11.2016, efectuado pela Alfândega do Jardim do Tabaco, no valor total de € 9.013,11

 

 - Vendas de GMC sem o correspondente registo no TPA

 

  1. Da matéria de facto que consta dos autos, podemos constatar que o Requerente, por um lado, emitiu em nome de K…, titular do cartão de beneficiário n.º…, activo desde 2014:
  1. a factura n.º B/140210, datada de 01.09.2014, referente a 5.000 litros, no montante de € 4.730,00; (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento de exercício do direito de audição junto à petição inicial, e fls. 36 do PAT);
  2. a factura n.º B/ 140300, datada de 29.12.2014, referente a 500 litros, no montante de € 402,00; (cfr. Doc. n.º 5 junto com o requerimento de exercício do direito de audição junto à petição inicial, e fls. 37 do PAT);

sendo que, e como refere o Requerente, « Foi registado no TPA, não do sujeito passivo mas sim do fornecedor I…, tendo sido passado o cartão de beneficiário de H…, Lda no TPA de I…, com o cartão de H…, Lda em 2.9.2014 e 30.12.2014. Pelo que na realidade não houve vendas de GCM sem registo no TPA, esse registo do TPA foi feito, não no TPA do sujeito passivo mas sim do TPA do seu fornecedor I…, o que era prática habitual até ao sujeito passivo ser ele mesmo titular do seu próprio TPA, o que só aconteceu em Fevereiro de 2015 (…),», ou seja, confirma o Requerente que estas vendas «correspondiam aos talões TPA de I… [I…] do beneficiário H…, Lda» (artigo 31.º da douta petição inicial) e à «data da emissão das facturas, o sujeito passivo [aqui Requerente] não tinha TPA; » (ponto XXII das doutas alegações apresentadas).

 

  1. …e, por outro, em nome de E…,  S.A., as seguintes facturas:
  1. a Factura n.º B/150079, datada de 28.05.2015, no montante de € 6.320,00, referente a 8.000 litros de GCM, da qual consta «fornecimento no dia 24.04.2015» (cfr. Doc. n.º 6 e 7 junto com o requerimento de exercício do direito de audição junto à petição inicial e a fls. 38 e 39 do PAT);
  2. a Factura n.º C/35, datada de 20.05.2016, no montante de € 5.839,84, referente a 8.000 litros; (cfr. Doc. n.º 8 e 9 junto com o requerimento de exercício do direito de audição junto à petição inicial e a fls. 40 e 41 do PAT),

sendo que, conforme menciona, por um lado, o Requerente, «foi emitida pelo sujeito passivo em 28.5.2016 factura correspondente a 8.000 litros; foi passado no TPA em 28.5.2015, o abastecimento dos referidos 8.000 litros beneficiário n.º…, NIPC…, F…, S.A. face ao contrato de arrendamento existente e por solicitação do cliente final (…)[Vide petição inicial], e por outro, explica que o contribuinte[leia-se E…, S.A.] «caducado o cartão e não tinha procedido à sua renovação» (ponto XXXV).

 

  1. Na verdade, considera o presente tribunal que estas vendas não ficaram devidamente registadas no terminal TPA, pelo que, estabelecendo o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC especiais responsabilidades para os proprietários ou responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento de combustíveis autorizados para a venda ao público, devem estes responder pelo pagamento da diferença de ISP, em relação às quantidades de GCM que vendam, sem observância das regras legais aplicáveis à comercialização deste produto.

 

  1. Sendo de referir, por total concordância com o seu teor e interesse prático para o caso em apreço, o aresto arbitral acima referido, nos termos do qual:

«17. Ora, perante o teor taxativo do disposto nos n.º 5 e 6 da Portaria n.º 361-A/2008, é inquestionável a consagração de um dever de registo, no momento da transação, das vendas de GCM – nos termos do disposto nesse n.º 6, bem como no n.º 5, dessa Portaria, as vendas de gasóleo colorido e marcado nos postos de abastecimento aos beneficiários titulares de cartões de microcircuito, através dos quais são registadas todas as transações de gasóleo colorido e marcado no sistema informático, são obrigatoriamente registadas nos terminais POS no momento em que ocorram.

Desta forma, quando as vendas não forem registadas nos terminais POS no momento em que ocorram não se verifica uma condição de que depende a concretização do direito ao benefício fiscal, pelo que falece um pressuposto para a redução de taxa prevista no art. 93.º do CIEC. »

 

  1. Referindo, ainda, com interesse a citada decisão arbitral, que:

«Cite-se, a este respeito, o que se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.5.2007, proc. n.º 0243/07[4] (a propósito de anterior disposição com conteúdo menos exigente do que a norma hoje constante do n.º 5 do art. 93.º do CIEC):

“para dar por verificado o benefício fiscal, [requer-se] que o comprador seja titular de um cartão microcircuito e esta condição não pode ser dispensada nem, tão pouco, substituída por outra.

O que bem se compreende, atenta a intenção do legislador de evitar a fraude fiscal.

Aquela titularidade constitui, então, uma formalidade substancial que se caracteriza por ser “absolutamente insubstituível por qualquer outro género de prova“, sendo que “a sua falta é de todo irremediável”: se o comprador não for titular do dito cartão, caduca o benefício de que goza o gasóleo colorido e marcado e é aplicável o regime-regra da tributação do gasóleo. (...).

E, embora num plano secundário face à exigência da titularidade do cartão microcircuito, o mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente à obrigação (geral) das transações ficarem documentadas na contabilidade do posto”.

(…)

Insista-se, com efeito, que sem a concretização imediata do registo das transações no terminal POS coloca-se em causa o mecanismo de controlo da venda de gasóleo agrícola assente na utilização obrigatória do cartão com microcircuito em todos os abastecimentos, o que exige, pois, que os abastecimentos estejam vinculados à utilização de cartão microcircuito válido e eficaz.»

 

  1. A operação de registo imediato do abastecimento efectuado no sistema informático de controlo mediante a utilização do cartão electrónico constitui, assim, uma formalidade essencial, cuja inobservância afecta a usufruição do benefício.

 

  1. Nestes termos, e face a tudo o expendido, é entendimento do presente tribunal que, ambas as situações consubstanciam vendas irregulares de GCM, tendo-se constatado:

a) quanto às facturas emitidas em nome de K…, a violação das obrigações decorrentes dos pontos 3.º, 5.º, 6.º e 11.º da Portaria n.º 361-A/2008, da al. h) do n.º 2 do artigo 4.º e do n.º 5 do artigo 93.º, ambos, do CIEC, os quais determinam que o fornecedor de GCM tem que estar devidamente licenciado, ser titular e possuidor de um TPA para registo das vendas, no momento em que estas ocorrem, e que a venda está condicionada à titularidade de um cartão electrónico, o qual é pessoal e intransmissível (ponto 6.º da Portaria n.º 117-A/2008, 08.02), e;

b) no que toca às facturas emitidas em nome de E…, S.A, a violação das obrigações decorrentes dos pontos 5.º e 11.º da Portaria n.º 361/2008, 12.05, da al. h) do n.º 2 do artigo 4.º e do n.º 5 do artigo 93.º, ambos, do CIEC, por o GCM ser um produto de venda condicionada à titularidade de um cartão electrónico, sendo por isso de se manter a liquidação sindicada quanto a estas situações.

 

 - venda de GCM sem emissão de facturas

 

  1. No que toca a esta questão, e estando em causa a emissão pelo Requerente da factura n.º B/150123, datada de 10.08.2015, à Sociedade J…, referente a 3.000 litros de GCM, alega o mesmo que «[r]elativamente a Sociedade J… refira-se que no dia 10.8.2015 só foram vendidos 3.000 litros de gasóleo, e não conforme alegado 6000 litros. Tendo sido emitida a factura B/150123, e tendo a na mesma data sido passado o cartão …, do contribuinte …, na senda dos mesmos 3.000 litros. Pelo talão de encerramento do TPA do dia 10.8.2015, constata-se que só foram registados 3.000 litros, pelo que não existe registo no TPA superior a 3.000 litros e foi emitido o correspondente documento de venda. Acresce, [ainda quanto a esta matéria] que pelo extracto do SIBS, do TPA são mencionados 3 erros ocorridos no dia 10/08/2015. (…) Na verdade existe apenas uma passagem válida e sem erro no TPA e que corresponde a 3.000 litros de gasóleo agrícola

 

  1. Da produção de prova – inquirição de testemunhas efectuada em simultâneo com a reunião do artigo 18.º do RJAT  - resultou que o Requerente apenas vendeu 3.000 litros de GCM, e não 6.000 litros.

 

  1. Com efeito, foi possível constatar que o TPA n.º…, no dia 10.08.2015, teve 4 passagens, (operação 14) sendo que 3 deram erro (às 12.15.42 operação 14, às 12.23.49 operação 14 e às 12.32.13 operação 14), com movimento a zeros, tendo o fecho do TPA, pela SIBS, ocorrido às 12.33.37.

 

  1. Na verdade, do talão de encerramento do TPA do dia 10.08.2015, junto aos autos como Doc. n.º 12 do requerimento de audição prévia anexo à petição inicial (fls. 44 do PAT) constata-se que um movimento válido que regista apenas 3.000 litros de gasóleo agrícola, e não 9.000 litros como alegado pela Requerida.

 

  1. Com efeito, o incumprimento da comunicação imediata, por escrito, à DGADR, dos casos de erro de digitalização ou outras anomalias que se verifiquem nos terminais POS (TPA) para efeitos de correcção não culmina na  inobservância de um requisito do regime de tributação privilegiado, e a sua consequente inaplicabilidade, por movimentos não verificados (9.000 vs 3.000), mas tão só a eventual responsabilidade contra-ordenacional, em conformidade com o disposto na alínea p) do n.º 2 do artigo 109.º Regime Geral das Infracções Tributárias nomeadamente quanto a «Introduzir no consumo, expedir, detiver ou comercializar produtos com violação das regras de selagem, embalagem, detenção ou comercialização, designadamente os limites quantitativos, estabelecidas pelo Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo e em legislação complementar» , pelo que a liquidação de ISP no montante de € 1.871,40 e € 65,84 de juros compensatórios é anulada, por ilegal.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

  1. O Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.
  2. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
  4. Ora, resultando dos actos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
  5. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade parcial dos actos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  6. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
  7. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
  8. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, têm os Requerentes direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

  1. Manter na ordem jurídica os actos de liquidação de ISP impugnados pelo Requerente, no montante de € 6.835,85 e de € 234,02 de juros compensatórios, no total de € 7.069,87, relativo a vendas irregulares de GCM contantes das facturas n.º B/140210, datada de 01.09.2014, n.º B/140300, datada de 29.12.2014, n.º B/150079, datada de 28.05.2015 e C/35, datada de 20.05.2016;
  2. Anular o acto de liquidação de ISP respeitante a 6.000 litros de GCM vendidos à Sociedade J…, Lda, no montante de € 1.871,40 de imposto e de € 65,84 de juros compensatórios, no total de € 1.937,24, por ilegal.
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o Requerente da quantia que pagou relativamente à factura identificada em 2.supra, acrescida de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 9.013,11 (nove mil e treze euros e onze cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo do Requerente e Requerida, em proporção do decaimento (78,5% para o Requerente, 21,5% para a Requerida), de acordo com o art.º 12, n.º 2 do RJAT, do art.º 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, de acordo com o que se fixam no montante de € 918,00.

  

Notifique-se.

Lisboa, 20 de novembro de 2017

 

***

O Árbitro

 

 

 

(Jorge Carita)

 

 



[1] Conteúdo constante, igualmente, dos artigos 577.º, al. a) e 578.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), também aqui aplicável por força das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

[2] In Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol.I, 6.º Edição, 2011, Jorge Lopes de Sousa, pág. 218

[3] Com efeito, e tratando-se de tributação relativa ao ano de 2014 a 2016, é aplicável o CIEC na redacção dada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, com início de vigência em 1 de Outubro de 2014 e produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2014;  - Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro - com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2015; - Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro - com entrada em vigor em 5 de Janeiro de 2015; - Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março - com entrada em vigor em 31 de Março de 2016.