Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2017-T
Data da decisão: 2017-09-15  IMT  
Valor do pedido: € 41.015,04
Tema: IMT - Isenção artigo 270.º, n.º 2 CIRE - Inutilidade Superveniente da Lide - Juros Indemnizatórios
Versão em PDF

 

 

 

                                                       

Decisão Arbitral

 

 

I - RELATÓRIO

1. Em 8 de janeiro de 2017, as sociedades A…, Lda., número de identificação fiscal…, com sede na Av…, freguesia e concelho … e B…, Lda., número de identificação fiscal…, com sede na Rua … n.º…, ..., freguesia e concelho … (doravante designadas por “Requerentes”) requereram a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado, em 20 de janeiro de 2017, à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).

3. As Requerentes pretendem a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (a seguir “IMT”) no valor total de € 41.015,04 (quarenta e um mil e quinze euros e quatro cêntimos).

4. No pedido de pronúncia arbitral, as Requerentes optaram por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

5. As partes foram notificadas, em 6 de março de 2017, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. A Directora-Geral da AT, em 6 de março de 2017, remeteu ao Presidente do CAAD, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o despacho de revogação dos atos tributários objeto dos presentes atos arbitrais.

 

7. O Presidente do CAAD, em 6 de março de 2017, notificou as Requerentes da comunicação da AT, referida na alínea anterior, e solicitou que as Requerentes, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, informassem o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.

8. As Requerentes, em 13 de março de 2017, solicitaram ao Presidente do CAAD o prosseguimento dos autos.

9. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22 de março de 2017.

10. Em 19 de abril de 2017, a Requerida solicita a junção aos autos de novo despacho de designação de juristas e do despacho de revogação de ato de liquidação do IMT em causa nos autos.

11. O Tribunal Arbitral por despacho, de 5 de maio de 2017, deferiu o requerimento da Requerida, referido no n.º anterior.

12. Em 5 de maio de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta.

13. O Tribunal Arbitral por despacho, de 14 de junho de 2017, concedeu às Requerentes o prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide alegada pela Requerida na Resposta. As Requerentes pronunciaram-se em 26 de junho de 2017.

14. Em 17 de agosto de 2017, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não haver lugar à produção de prova constituenda, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Tribunal fixou, ainda, o dia 11 de setembro de 2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. O referido prazo foi prorrogado, por despacho de 11 de setembro, para o dia 15 de setembro de 2017.

15. A posição das Requerentes, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:

15.1. Nos termos do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

15.2. A transmissão em causa nos autos é uma transmissão efetuada através de venda, no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo que deve aplicar-se a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do C.I.R.E.

15.3. Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, através dos acórdãos n.º 765/13, 1085/14, 1067/15, 968/13, 575/15, 788/14, 95/2015, 99/2015, 200/2015, 664/2015, 6693/2015, 74/2016, 81/2016, 131/2016 e 132/2016.

15.4. Também tem sido o mesmo entendimento adotado pelo Tribunal Arbitral, conforme resulta das decisões proferidas no âmbito dos processos n.ºs 259/2016-T, 321/2016-T e 371/2016-T.

15.5. Nestes termos, deve ser reconhecido que as Requerentes beneficiam, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, de isenção de IMT na aquisição do imóvel, identificado nos autos, no âmbito do processo de insolvência, com a consequente anulação das liquidações impugnadas e a devolução das importâncias pagas com os correspondentes juros indemnizatórios.

16. A posição da Requerida, expressa na Resposta, pode ser sintetizada no seguinte:

16.1. Devido ao facto do Chefe de Finanças de …, por despacho de 2 de março de 2017, ter deferido a isenção do IMT requerida verifica-se a desnecessidade de recair pronúncia arbitral sobre a pretensão das Requerentes, pelo que se requer a extinção da instância, sem quaisquer custas a pagar pela Requerida, já que esta impossibilidade é prévia à constituição deste Tribunal, nos termos da alínea e) do artigo 277.º CPC ex vi 29.º do RJAT.

16.2. Ainda que as Requerentes afirmem que mantêm interesse relativamente aos juros indemnizatórios peticionados, havendo total impossibilidade de apreciar o pedido principal, todo o pedido que seja acessório, não pode ser aqui apreciado.

16.3. Acresce, que como resulta de forma clara do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, existe uma exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, para apreciar o pedido acessório de juros indemnizatórios autonomamente.

16.4. Pelo exposto, conclui-se que se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral, o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito e implica a absolvição da Instância da Requerida, conforme estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 576.º, 577.º e 578.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.

16.5. No que respeita à responsabilidade em custas, a Requerida revogou em tempo os atos impugnados, pelo que, não é da sua responsabilidade a constituição do Tribunal Arbitral. Razão pela qual, não poderá ser responsabilizada pelas custas do processo, nem o seria por força do estipulado no n.º 1 do artigo 527.º do CPC.

17. As Requerentes, em 25 de junho de 2017, em cumprimento do despacho do Tribunal Arbitral, de 14 de junho de 2017, informaram que já foram ressarcidas do imposto que lhes tinha sido exigido, mas que essa devolução não foi acompanhada dos juros indemnizatórios pedidos. Assim, entendem as Requerentes que a Requerida estava obrigada à devolução do imposto liquidado acrescido dos juros indemnizatórios pedidos e não devolvidos e que, como tal, não se verifica a alegada inutilidade superveniente da lide.

II – SANEAMENTO

18. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

19. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

20. A Requerida suscitou a inutilidade superveniente da lide e a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido acessório de juros indemnizatórios autonomamente, questões prévias cuja análise deverá preceder o conhecimento do mérito do pedido.

21. Não foram suscitadas outras exceções de que cumpra conhecer.

22. O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

III – MATÉRIA DE FACTO

23. Factos provados

Com base na prova documental junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A) As Requerentes adquiriram em compropriedade, em partes iguais, em 20 de outubro de 2016, por escritura de compra e venda realizada no Notário C… na Rua … n.º…, em …, o prédio urbano sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º… e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/… .

B) O prédio, identificado na alínea anterior, fazia parte do ativo da sociedade “D… S.A.”, NIF n.º…, com sede na … …, …, tendo a aquisição ocorrido no âmbito de processo de insolvência da referida pessoa coletiva, que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, Instância Central –… secção de Comércio … sob o n.º…/14… TBFAF.

C) As Requerentes apresentaram, em 18 de outubro de 2016, requerimento (com n.º de entrada E…) a solicitar a isenção de IMT e de Imposto do Selo na aquisição referida na alínea A).

D) O Chefe de Finanças de…, por despacho de 10 de novembro de 2016, indeferiu o pedido de isenção de IMT, com base na Instrução IMT 2014/01 e na Circular n.º 10/2015, uma vez que o bem imóvel adquirido, em compropriedade, não integrava a universalidade da empresa insolvente.

E) O Chefe de Finanças de…, por despacho, de 2 de março de 2017, revogou o seu despacho de 10 de novembro de 2016, na parte alusiva ao indeferimento de IMT, deferindo a isenção nos termos solicitados e mandou proceder à instauração de procedimento administrativo de restituição dos valores pagos, nomeadamente € 20.507,52 a favor da B… e € 20.507,52 a favor da A… .

24. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

IV – DO DIREITO

IV. 1 A questão da inutilidade superveniente da lide

25. A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC. Sendo o CPC de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

26. O Chefe de Finanças de…, por despacho, de 2 de março de 2017, revogou o seu despacho de 10 de novembro de 2016, na parte alusiva ao indeferimento de IMT. Assim, a decisão arbitral que conheceria do mérito das pretensões formuladas pelas Requerentes seria destituída de qualquer efeito útil, caso o resultado que as Requerentes pretendiam obter com o presente processo arbitral fosse totalmente atingido.

27. Atenta a factualidade dos presentes autos arbitrais (vd., n.ºs 8, 13 e 17), verifica-se que as Requerentes requereram o prosseguimento do processo, porque subsistia a questão dos juros indemnizatórios, uma vez que o Serviço de Finanças de … entendia que não eram devidos quaisquer juros.

28. A este respeito importa citar a Professora Clotilde Palma que na decisão do CAAD proferida o processo n.º 360/2014-T afirmou: “ (…) embora a revogação tenha efeitos desintegrativos ou destruidores, no todo ou em parte, o acto anterior, mesmo em caso de revogação total o requerente pode ter interesse na declaração de ilegalidade do acto revogado como suporte para eventual pedido indemnizatório pelos danos que lhe foram causados até à produção de efeitos do acto revogatório.

29. Nestes termos, impõe-se o prosseguimento dos presentes autos para a apreciação do eventual direito a juros indemnizatórios.

IV.2 O direito a juros indemnizatórios

30. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

31. De igual modo, estipula o artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que a “… administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

32. Segundo o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT não cabendo recurso ou impugnação da decisão arbitral, a mesma vincula a AT, devendo esta “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

33. Acresce que nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, nos processos arbitrais “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e do Processo Tributário”.

34. Atendendo ao enquadramento legal vigente e acima exposto, este tribunal considera que é permitido o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em sede de processo arbitral.

35. A jurisprudência arbitral nomeadamente através das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 360/2014-T, 392/2014-T e 152/2016-T, pronunciou-se no sentido da competência dos tribunais arbitrais para determinarem o pagamento de juros indemnizatórios.

 

36. O ato tributário de liquidação de IMT, em causa nos presentes autos, é imputável à AT, que o praticou de forma ilegal e posteriormente o revogou, alterando o entendimento que deu origem ato tributário objeto do presente processo arbitral. Verificou-se um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.

37. Neste contexto, as Requerentes têm direito, além do reembolso do montante de imposto indevidamente pago (que já se verificou), ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

V- DAS CUSTAS

38. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

39. Dos presentes autos arbitrais resulta que a liquidação de IMT objeto do presente pedido de pronúncia arbitral só foi revogada pela Requerida, através do despacho de 2 de março de 2017, ou seja, após a entrada no CAAD do pedido de constituição do tribunal arbitral, que ocorreu em 8 de janeiro de 2017. Além, disso, o processo arbitral teve de prosseguir para a apreciação do direito a juros indemnizatórios, que a AT não reconheceu.

40. Na ordem jurídica portuguesa vigora o princípio de que suporta as custas do processo a parte que lhe tenha dado causa (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT).

41. Em consequência do exposto, deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas, na sua totalidade, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide

a)      Condenar a Requerida, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, no pagamento de juros indemnizatórios;

b)      Condenar a Requerida nas custas do presente processo.

 

Fixa-se o valor do processo em € 41.015,04 (quarenta e um mil e quinze euros e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar integralmente pela Requerida, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de setembro de 2017

O árbitro

 

Olívio Mota Amador