Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2017-T
Data da decisão: 2017-08-28  IMT  
Valor do pedido: € 12.082,20
Tema: IMT - Revogação do Ato - Juros indemnizatórios
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Decisão Arbitral

 

 

O árbitro, Nuno de Oliveira Garcia designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 21 de março de 2017, decide no seguinte:

 

 

I.                   RELATÓRIO

1.    O A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral, requerendo a anulação da liquidação de IMT no montante de € 12.082,20 junta como Doc. n.º 5 em anexo ao Requerimento Inicial, bem como o consequente reembolso da quantia indevidamente paga relativamente àquela liquidação de IMT, acrescida dos juros indemnizatórios devidos.

2.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 20 de janeiro de 2017.

3.    Por despacho datado de 27 de fevereiro de 2017 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Amadora …, e respetiva Informação anexa, foi determinada a revogação do ato contestado e consequente deferimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, apesar de meses antes – novembro de 2016 – o mesmo Serviço de Finanças da Amadora … ter decidido indeferir a mesma reclamação, o que implicou que a Requerente tivesse sentido necessidade de solicitar a constituição do presente Tribunal Arbitral.

4.    Em 1 de março de 2017, a Entidade Requerida remeteu ofício ao mandatário da Requerente no sentido de o informar da referida revogação.

5.    O ora Signatário comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e o CAAD notificou as partes dessa designação em 6 de março de 2017.

6.    Ainda em 6 de março de 2017, o CAAD remeteu ofício de notificação para o mandatário da Requerente informando-o da revogação do ato em crise.

7.    Não tendo a Requerente informado o CAAD sobre a desistência da lide, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21 de março de 2017.

8.    Em 8 de maio de 2017, a Entidade Requerida, após ter sido devidamente notificada para o efeito, apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, a sua Resposta na qual realçou, entre outros aspetos, que já tinha procedido à revogação do ato tributário contestado e, nesses termos e de acordo com a sua posição, existia uma impossibilidade da lide, ocorrida anteriormente à constituição do Tribunal Arbitral.

9.    O presente Tribunal Arbitral, confrontado com o teor da Resposta e com o despacho de revogação da liquidação de IMT em crise, notificou a Requerente para pronunciar-se sobre a utilidade da presente lide.

10.    Em 19 de Julho de 2017, a Requerente pronunciou-se no sentido de não se opor à inutilidade superveniente da lida, desde que lhe sejam garantidos os juros decorrentes do pagamento da liquidação, mais esclarecendo que por a revogação do ato em crise ter ocorrido (quase 2 meses) após o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, as custas processuais deveriam as custas serem suportadas pela AT.

 

II.                SANEADOR

11.              O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. 

12.              As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

13.              Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do pedido.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO

 

a. Factos provados

14.              Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos Autos, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Em 17 de Junho de 2014, por adjudicação a Requerente adquiriu onze prédios urbanos, destinados a terrenos para construção, sitos na freguesia de … e Município de Odemira, descrito na Conservatória do Registo Predial do Odemira e inscritos na matriz da referida freguesia sob o artigos…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, no âmbito do processo de insolvência da sociedade B…, Lda., que correu termos no … Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, sob o n.º …/12… TBLGS – cfr. doc. n.º 1 junto ao Requerimento Inicial.
  2. O imóvel em questão foi arrolado e apreendido para a massa insolvente e a Requerente comprou-o pelo preço de € 185.880,00 (cento e oitenta e cinco mil oitocentos e oitenta euros) – cfr. doc. n.º 2 junto ao Requerimento Inicial.
  3. A Requerente apresentou perante o competente Serviço de Finanças a declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo (IS), tendo sido emitidos comprovativos nos quais se certifica que a transmissão em causa se encontrava isenta de IMT, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE – cfr. doc. n.º 3 junto ao Requerimento Inicial.
  4. A Requerente foi notificada pelo ofício n.º…, de 10.02.2016, remetido pelo Serviço de Finanças de Amadora -…, para se pronunciar, em sede de audição prévia, fazendo prova que procedeu ao pagamento do IMT pretensamente em falta ou de que solicitou o seu pagamento – cfr. doc. n.º 4 junto ao Requerimento Inicial.
  5. A Requerente procedeu ao pagamento perante a Autoridade Tributária do IMT no montante de no montante de € 12.082,20 (doze mil e oitenta e dois euros e vinte cêntimos) – cfr. doc. n.º 5 junto ao Requerimento Inicial –, tendo, em 12 de Julho de 2016, apresentado reclamação graciosa da liquidação – cfr. doc. n.º 6 junto ao Requerimento Inicial.
  6. Em 4 de Novembro de 2016, o Demandante foi notificado do indeferimento da sua reclamação por ofício remetido Serviço de Finanças de Amadora –…– cfr. doc. n.º 7 junto ao Requerimento Inicial.
  7. Por despacho datado de 27 de fevereiro de 2017 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Amadora…, e respetiva Informação anexa, foi determinada a revogação do ato impugnado e consequente deferimento de reclamação graciosa apresentada pela Requerente – cfr. documento junto pela AT aos Autos em 3 de março de 2017.

 

 

  b. Factos não provados

15.               Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

c. Fundamentação da matéria de facto

16.               Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas partes ao processo, incluindo o processo administrativo, e que não são controvertidos.

 

 

IV.             OBJETO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

17.              Determinada a revogação do ato de liquidação contestado, e tendo ainda assim sido constituído este Tribunal Arbitral, importa pronunciarmo-nos sobre o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide apresentado pela Entidade Requerida, mas também sobre a parte do pedido expresso no Requerimento Inicial (e, de resto, reafirmado por requerimento da Requerente datado de 18 de julho de 2017) respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios peticionadas no Requerimento Inicial.

 

V.                DIREITO

       

18.              Relativamente ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios cabe decidir se tendo sido determinada a revogação do ato após a solicitação de constituição do Tribunal Arbitral – e ainda na pendência da Reclamação Graciosa no entender do Serviço de Finanças da Amadora … –pode ser, ainda, reconhecido em sede arbitral o direito ao pagamento de juros sobre o montante pago.

19.              Ora, como bem se refere no Acórdão CAAD n.º 153/2016, decisão que acompanhamos integralmente, os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa. Esta disposição estabelece que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

20.              A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração. Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cit. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 08862/15, em 10-09-2015 in www.dgsi.pt).

21.              Deve-se, pois, entender-se que determinada a revogação de atos após o pedido de constituição de Tribunal Arbitral pode ser, ainda, reconhecido nesta sede o direito ao pagamento de juros sobre o montante pago desde que verificados os respetivos requisitos legais.

22.              Com efeito, «[…] considerar numa situação destas que a anulação oficiosa não era constitutiva do direito aos juros indemnizatórios pedidos era colocar, como bem assinala a recorrida na sua contra alegação, arbitrariamente, na mão da Administração Tributária a constituição desse mesmo direito sempre que ocorresse erro dos serviços o que constituiria manifesto abuso que a lei não pode tolerar ou consentir», logo tendo sido anuladas as liquidações pela Administração Tributária e Aduaneira «[…] durante a pendência da impugnação judicial, instaurada contra tais liquidações e onde para além de se pedir a anulação destes actos tributários se pedia também a condenação da AT em juros indemnizatórios, tal facto é de per si demonstrativo de erro imputável aos serviços e  do pagamento dos juros ao abrigo do artigo 43 da LGT» (cit. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0574/14, de 07-01-2016, in www.dgsi.pt).

23.              Ora se assim é nos tribunais judiciais, não vemos razão para que não o seja nos Tribunais Arbitrais.

24.              De resto, neste sentido segue a decisão arbitral proferida no Processo n.º 360/2014-T de acordo com a qual «[o] contrário seria conferir à AT a possibilidade de evitar o pagamento de juros indemnizatórios nos casos em que ocorre um erro que lhe é imputável, bastando para tal limitar-se a revogar o acto no prazo da sua contestação» (cit.).

25.              Importa, portanto, determinar se no caso vertente se verificam os requisitos legais para que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

26.              Ora, estabelece o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

27.              E de acordo com o número 5, do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

28.              Para que haja lugar ao reconhecimento do direito a juros indemnizatório é necessário que no processo se determine que na liquidação houve erro imputável aos serviços, entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal» (cit.).

29.              No caso vertente, este requisito deve-se ter por verificado em virtude da revogação do ato contestado ter sido determinada pela alteração do entendimento da Entidade Requerida sobre a questão em apreciação.

30.              Acresce que in casu a AT, por via do Serviço de Finanças da Amadora…, acabou mesmo por revogar o ato deferindo a Reclamação Graciosa – cfr. documento junto pela AT aos Autos em 3 de março de 2017.

31.              Sendo que esse deferimento, só por si, logo consagrou o contribuinte (ora Requerente) no direito a receber juros indemnizatórios nos termos do artigo 100.º da LGT que é expresso nesse sentido referindo-se em concreto à situação de «procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos» (cit.).

32.              Termos em que, para além do reembolso de € 12.082,20 pago a título de liquidação de IMT já revogada, se condena a AT no pagamento de juros indemnizatórios incidentes sobre o referido montante, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

33.              Finalmente, e quanto ao restante, em virtude da revogação do ato de liquidação contestada determina-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com referência ao pedido de anulação desse mesmo ato com fundamento na respetiva ilegalidade.

 

VI.  DECISÃO

 

Termos em que se determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com referência ao pedido de anulação do ato contestado, em virtude da respetiva revogação nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC e, bem assim, condena-se a Autoridade Tributária no reembolso dos valores pagos e no pagamento de juros indemnizatórios incidentes sobre os referidos montantes nos termos do artigo 43.º da LGT.

Tendo o Tribunal Arbitral sido devidamente constituído, condena-se em custas a cargo da Entidade Requerida no montante de € 918, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Fixa-se o valor do processo em € 12.082,20 (doze mil, oitenta e dois euros e vinte), nos termos do artigo 32.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

Lisboa 28 de agosto de 2017

 

O Árbitro

 

 

(Nuno de Oliveira Garcia)