Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 69/2017-T
Data da decisão: 2017-12-11  IVA  
Valor do pedido: € 33.295,73
Tema: IVA - sujeito passivo do imposto - prestações de serviços consistentes em lições sobre matérias do ensino escolar ou universitário.
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DECISÃO ARBITRAL

 

    I. Relatório[1]

 

a) Partes e constituição do Tribunal Arbitral

 

1. A…, LDA, pessoa coletiva com o número de identificação …, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… … (a seguir designada por Requerente), apresentou em 19.01.2017, em conformidade com os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento de 19.10.2016 da reclamação graciosa com o n.º …2016…, e do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2016…, de 12.1.2016, no montante de €28.850,40, referente ao período 2011-12-T, bem como do correspondente ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, de 14.1.2016, no montante de €4.445,33.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo, não tendo as partes, devidamente notificadas dessa designação, oposto recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

3. Por força do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 30.03.2017.

 

b) Cronografia processual

 

4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente peticionou a anulação da decisão de indeferimento de 19.10.2016 da reclamação graciosa objecto do procedimento n.º …2016…, do ato de liquidação de IVA n.º 2016…, de 12.1.2016, no montante de €28.850,40, referente ao período 2011-12-T, bem como do correspondente ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, de 14.1.2016, no montante de €4.445,33, aos quais imputou os seguintes vícios, que determinariam a respetiva anulação:

i) falta de fundamentação dos atos de liquidação do imposto e dos juros compensatórios (arts. 6.º a 33.º da PI);

ii) caducidade do direito à liquidação do imposto (arts. 42.º a 56.º da PI);

iii) falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação das conclusões do relatório de inspeção tributária (arts. 57.º a 105.º da PI);

iv) erro sobre os pressupostos de facto e de direito (arts. 106.º a 127.º da PI);

v) violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material (arts. 128.º a 137.º da PI);

vi) incompetência do autor do ato de liquidação (arts. 138.º a 157.º da PI);

vii)  violação do disposto no artigo 95.º do CIVA (arts. 158.º a 163.º da PI);

viii) ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por inexistência dos respectivos factos constitutivos e omissão da audição prévia (arts. 164.º a 202.º da PI);

ix) ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, dada a manutenção dos atos impugnados e por falta de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pela Requerente (arts. 203.º a 206.º da PI).

 

5. A AT apresentou resposta em que peticiona que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por falta de sustentação legal ou, caso assim não se entenda, por não provado.

 

6. Em 6.6.2017 teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à prestação de declarações de parte da gerente da Requerente, B…, tudo conforme ata constante dos autos, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para apresentação de alegações escritas sucessivas, o que foi devidamente concretizado, respetivamente em 16.6.2017 e em 3.7.2017, tendo as partes, no essencial, analisando as declarações de parte da indicada gerente, reiterado as posições sustentadas nos seus articulados.

Com as suas alegações, a Requerida juntou dois documentos, pelo que, por despacho de 4.7.2017, em ordem ao exercício do contraditório nos termos do princípio estabelecido pelo art. 16.º, al. a) do RJAT, foi notificada a Requerente para, querendo, se pronunciar sobre tais documentos no prazo de 5 dias, o que não se verificou.

 

7. Por despacho de 29.9.2017, na sequência da detecção pelo Tribunal Arbitral de que a procuração forense junta aos autos não tinha sido conferida pela Requerente A…, LDA, NIPC…, mas sim por C…, contribuinte n.º…, ao abrigo do art. 48.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, foi fixado prazo à Requerente para sanação da falta de mandato para a prática dos atos processuais, mediante a junção aos autos de procuração e de ratificação do processado.

Em face do assim determinado, foi prorrogado, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 21.º do RJAT, o prazo para a prolação da decisão arbitral.

Por requerimento de 9.10.2017, a Requerente juntou aos autos procuração forense com declaração de ratificação do processado. No referido requerimento, a Requerente solicitou ainda a junção aos autos das decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 71/2017-T e 72/2017-T, invocando que a factualidade e as questões de direito a elas subjacentes são precisamente as que estão em causa nos presentes autos.

Por último, foi fixada como data limite para a emissão da decisão arbitral o dia 11.12.2017.

 

II. Saneamento

 

8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões suscitadas (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3) e, na sequência da junção de procuração forense e da ratificação do processado concretizadas pela Requerente em 9.10.2017, encontram-se devidamente representadas, não ocorrendo quaisquer nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

 

III. Questões a decidir

 

9. O thema decidendi objecto dos presentes autos respeita à legalidade do ato de indeferimento de 19.10.2016 da reclamação graciosa n.º …2016… e dos atos antecedentes de liquidação de IVA n.º 2016…, de 12.1.2016, no montante de €28.850,40, referente ao período 2011-12-T, e de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, de 14.1.2016, no montante de €4.445,33.

Consabidamente, quando instaurado na sequência e por causa do indeferimento expresso de reclamação graciosa, de que resulta a manutenção do ato tributário de liquidação reclamado, o processo impugnatório de atos tributários – como é, na sua essência, o processo arbitral tributário – tem por objecto imediato esse indeferimento e por objecto mediato o ato de liquidação cuja anulação se pretende de modo final (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2011, proc. n.º 0723/11), pelo que, integrando ambos os atos o conhecimento do Tribunal, cabe apreciar os vícios ou ilegalidades que são invocados tanto em relação ao indeferimento da reclamação como em relação ao ato de liquidação.

Como acima se indicou (n.º 4), são alegados pela Requerente relativamente aos atos impugnados os seguintes vícios de violação de lei:

i)                     falta de fundamentação dos atos de liquidação do imposto e dos juros compensatórios (arts. 6.º a 33.º da PI, igualmente reiterado no n.º 3 das alegações);

ii)                   caducidade do direito à liquidação do imposto (arts. 42.º a 56.º da PI);

iii)                 falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação das conclusões do relatório de inspeção tributária (arts. 57.º a 105.º da PI, igualmente reiterado no n.º 3 das alegações);

iv)                 erro sobre os pressupostos de facto e de direito (arts. 106.º a 127.º da PI, igualmente reiterado no n.º 4 das alegações);

v)                    violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material (arts. 128.º a 137.º da PI, igualmente reiterado no n.º 5 das alegações);

vi)                 incompetência do autor do ato de liquidação (arts. 138.º a 157.º da PI, igualmente reiterado no n.º 6 das alegações);

vii)               violação do disposto no artigo 95.º do CIVA (arts. 158.º a 163.º da PI, igualmente reiterado no n.º 7 das alegações);

viii)             ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por inexistência dos respectivos factos constitutivos e omissão da audição prévia (arts. 164.º a 202.º da PI, igualmente reiterado no n.º 8 das alegações);

ix)                 ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, dada a manutenção dos atos impugnados e por falta de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pela Requerente (arts. 203.º a 206.º da PI, igualmente reiterado no n.º 9 das alegações).

Por conseguinte, são estes vícios imputados pela Requerente aos atos impugnados que consubstanciam as questões que este Tribunal é chamado a resolver no quadro do presente litígio.

 

10.   O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

Dado que os vícios invocados pela Requerente, a procederem, conduzem, prima facie, à anulação dos atos impugnados, cumpre atender ao disposto na al. b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, pelo que, caso seja estabelecida pelo impugnante uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos (vd. o art. 101.º do CPPT que prevê que: “O impugnante pode arguir os vícios do ato impugnado segundo uma relação de subsidiariedade”), deve-se respeitar essa ordem – como se escreveu no acórdão do STA de 18.6.2014, proc. n.º 01942/13, “sempre que o impugnante estabeleça uma ordem de precedência do conhecimento dos vícios geradores de anulabilidade é essa ordem que deve ser seguida pelo juiz, não lhe sendo permitido alterá-la, assim como não lhe é permitido alterar a ordem do conhecimento dos vícios geradores de nulidade ou de inexistência, que se encontra legalmente estabelecida”.

Conforme resulta do recurso às expressões “sem conceder” ou “sempre sem conceder”, “por mera cautela”, “por cautela, sem conceder”, “desde já se requer”, “sempre sem conceder no que à falta de fundamentação respeita” utilizadas pela Requerente (cfr. arts. 33.º, 34.º, 37.º, 39.º, 56.º, 115.º, 162.º da PI), verifica-se que foi estabelecida uma relação de subsidiariedade no conhecimento dos vícios invocados (cfr. art. 101.° do CPPT), pelo que devem ser apreciados pelo Tribunal os vícios pela ordem estabelecida pela Requerente acima indicada nos n.ºs 4 e 9 (ainda que isso não implique dispensar o conhecimento de todas as ilegalidades invocadas que não sejam substantivamente prejudiciais em relação a outros vícios alegados).

Cabe, então, apreciar e decidir.

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

11. Examinadas as alegações constantes das peças processuais apresentadas, a prova documental produzida, quer a que foi apresentada pelas partes, quer a que resulta do procedimento administrativo junto aos autos (a seguir PA), consistente no procedimento de reclamação graciosa n.º …2016…, que inclui o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) datado de 22.12.2015 (a fls. 86 e seguintes do PA), e apreciadas as declarações de parte prestadas na audiência de 6.6.2017, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os factos a seguir indicados, os quais são enunciados em ordem lógica e cronológica:

 

a) Factos provados

 

I. A Requerente é uma sociedade por quotas, com sede na Rua…, n.º…, …, …-… …, que exerce a atividade económica com o CAE 85593 – Outras Atividades Educativas NE, com início em 06.03.2008, enquadrada no regime normal trimestral de IVA, com o capital social de €100.000,00, no qual C… detém uma quota de €50.000,00 e B… detém uma quota de €50.000,00, estando a gerência no ano de 2011 a cargo dos dois sócios (factualidade referida no RIT, ponto II.3, a pp. 6 e 7, não impugnada ou contrariada na PI).

II. A atividade desenvolvida pela Requerente consiste no acompanhamento escolar e preparação para os exames do ensino secundário e ingresso no ensino superior (explicações) e cursos de línguas, sem reconhecimento do Ministério competente (factualidade referida no RIT, ponto II.3, a p. 6, não impugnada ou contrariada na PI).

III. C…, contribuinte n.º…, sócio-gerente da Requerente no ano de 2011, iniciou em 27.9.2010 atividade em nome individual, com enquadramento no regime de isenção nos termos do art. 9.º do CIVA, e no regime simplificado de tributação conforme art. 28.º do CIRS (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 11, não impugnada ou contrariada na PI).

IV. C… prestava serviços que, nos termos dos recibos por si emitidos, consistiam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, declaradas como isentas de IVA, nos termos do n.º 11 do art. 9.º do Código do IVA (factualidade referida no RIT, ponto II.3.1.4, a p. 7, não impugnada ou contrariada na PI; cfr., igualmente, as referências nos arts. 108.º, 111.º e 112.º da PI ao exercício da atividade pessoal de professor do referido sócio-gerente).

V. Os cônjuges C… e B… apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod. 3 de IRS para o exercício de 2011 com indicação de rendimentos de categoria A – rendimentos de trabalho dependente (art. 2º CIRS) – pagos pela Requerente A…, Lda no montante total de €18.000,00 (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 11, não impugnada ou contrariada na PI).

VI. C… declarou no exercício de 2011 rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente – explicações) no montante de €86.092,75 (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 11, não impugnada ou contrariada na PI).

VII. Nos termos da respetiva declaração de rendimentos, a Requerente apresentou, em sede de IRC, no exercício fiscal de 2011 os seguintes valores:

Rubricas

2011

Prestações de serviços

102 596, 78

Resultado Líquido do Exercício

- 32.317,86

 (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 11, não impugnada ou contrariada na PI).

VIII. A Requerente não possuía, em seu nome, no ano de 2011, uma conta bancária para efeitos dos seus recebimentos e pagamentos, utilizando para tal finalidade as contas bancárias dos seus sócios-gerentes, a saber, as contas à ordem no D… com o n.º …/2010…, tituladas por C…, a conta bancária à ordem no D… n.º …/2010…, titulada por B…, bem como a conta bancária no D… n.º…/2010… do filho dos referidos sócios-gerentes, E… (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a pp. 8, 9, 11).

IX. Os movimentos bancários a crédito registados na conta bancária com o n.º …/2010…, titulada por E…, estudante, que consta da declaração periódica de rendimentos (Mod. 3 do IRS) dos sócios-gerentes da Requerente como dependente sem rendimentos, correspondem a recebimentos resultantes das atividades da sociedade Requerente e do seu sócio-gerente C… enquanto explicador (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a pp. 9-10).

X. Os valores entrados, depositados ou transferidos, no ano de 2011, nas contas bancárias no D… n.º …/2010… e …/2010…, de que eram, respetivamente, titulares o sócio da Requerente, C… e o seu filho, E…, constituem a retribuição recebida pelas prestações de serviços desenvolvidas pela Requerente e rendimentos da categoria B auferidos por C… (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 12).

XI. No exercício de 2011, as contas bancárias identificadas no número antecedente foram aprovisionadas com um montante total de €337.724,46; a Requerente declarou proveitos no montante de €102.596,78, tendo obtido recebimentos no total de €126.194,03, correspondentes à totalidade da faturação emitida (soma dos proveitos declarados com o IVA liquidado); o sócio-gerente C… declarou rendimentos (isentos de IVA) no total de €86.092,75; retirando os valores declarados aos montantes creditados nas referidas contas bancárias, obtém-se o montante de €125.436,54, que corresponde a proveitos omitidos pela Requerente no ano de 2011 (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 12).

XII. A Ordem de Serviço n.º OI2013…, de 7.3.2013, para procedimento de inspeção externa geral para o exercício de 2011 da Requerente, foi aberta por proposta de inspeção n.º PIP2012…, de 10.8.2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, que se refere à prática de operações bancárias suspeitas, nomeadamente operações realizadas em conta bancária à ordem aberta na dependência do D… no …  em 1.07.2011, titulada por E…, de 19 anos de idade, e relacionadas com a atividade comercial desenvolvida pela Requerente A…, Lda (factualidade referida no RIT, ponto II.2, a p. 5).

XIII. O procedimento inspetivo sob as ordens de serviço n.º OI2013…, OI2014… e OI2014…, referentes, respetivamente, aos anos de 2011, 2012 e 2013, decorreu no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB (factualidade referida no RIT, ponto VII, a p. 19).

XIV. Em 25.5.2015, no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB, a Divisão de Processos Criminais Fiscais ouviu em Auto de Interrogatório de Arguido, C…, B… e E…, tendo em 1 de julho de 2015 sido autorizada a extração de certidão dos mencionados autos de interrogatório que foram remetidos pela Divisão de Processos Criminais Fiscais aos Serviços de Inspeção Tributária, constando dos Autos de Interrogatório de C… que este declarou que: “aproximadamente em Julho de 2011, quando o franchising da A… correu mal, o F… penhorou a casa de família, uma propriedade no Alentejo e os reembolsos de IRS, acharam que as suas contas iam ser penhoradas e abriram uma conta em nome do seu filho, E…, para onde todos os clientes começaram a fazer pagamentos dos serviços prestados pela A…” (factualidade referida no RIT, ponto III.2, a p. 9).

XV. Da ação de inspeção externa de âmbito geral, com base nas Ordens de Serviço n.ºs OI2013…, OI2014… e OI2014…, referentes, respetivamente, aos anos de 2011, 2012 e 2013, a que foi sujeita a Requerente, resultou o Relatório de Inspeção Tributário, datado de 22.12.2015, junto a fls. 86 e seguintes do PA, notificado pelo Ofício n.º…, datado de 30.12.2015, junto a fls. 98 do PA (cfr. igualmente facto reconhecido no art. 36.º da PI).

XVI. Previamente à conclusão do relatório final de inspeção, em sede de direito de audição prévia relativo ao projeto de relatório, conforme documento de exercício do direito de audição constante a fls. 81 a 83 do PA, para que foi notificada pelo Ofício n.º…, de 20.11.2015, junto a fls. 84 do PA, “C… por si e na qualidade de gerente da sociedade denominada A…, LDA” declarou o seguinte, que releva citar para o presente caso:

“6 - como o ora respondente demonstrou, mostrando toda a faturação referente à A… LDA., parte dos montantes monetários depositados na dita conta bancária, dizem respeito ao pagamento efetuado ao contribuinte C…, pelo facto de este ter ministrado aulas de explicação de matemática a vários alunos do ensino pré-universitário e universitário

 7- (...) o contribuinte C… disponibilizou-se e contínua disponível para apresentar tais alunos a quem ministrou explicações de matemática, de forma a que este possam confirmar tudo aquilo que a esse respeito, o aqui contribuinte C… aventou em sede de inspeção tributária;

8 - é certo que o contribuinte C…, facto que nunca negou, admite estar em falta, ou seja, admite ser devedor de algum montante monetário à Administração Fiscal em sede do seu IRS (...)

9 - aliás, sempre o aqui contribuinte C…, mostrou interesse, continuando a protestar a sua total disponibilidade para, em conjunto com a Inspeção Tributária, indagar tudo o que seja necessário indagar, tendo em vista encontrar o real valor eventualmente em dívida para de seguida, se for o caso, realizar o acordo com a Administração Fiscal tendo como objetivo proceder ao seu integral pagamento; (...)

14 - (...) a Inspeção Tributária deverá, em conjunto com o contribuinte C…, fazer uma análise profunda e objetiva aos dados fornecidos pelo sobredito contribuinte, apurando a receita que diz respeito à A… LDA. e ao mesmo tempo, apurar também, qual a receita referente ao contribuinte C… por força da sua atividade individual de explicador de matemática; (...)

17 – (...) se a Inspeção tiver dúvidas pode e deve deslocar-se ao local, que é o espaço onde o contribuinte C… ministra, em termos individuais, não societários, as explicações de matemática, o qual é independente, com acesso próprio e único, que não se confunde com qualquer outro, das instalações onde a A… LDA desenvolve a sua atividade, onde vários professores lecionam várias matérias do ensino secundário;

18 - afirmar como a Inspeção Tributária afirmou, que o contribuinte C… presta serviço nas instalações pertencentes à A…, beneficiando desta de todo o apoio logístico é demonstrar grande desconhecimento sobre a atividade desenvolvida pelo contribuinte C… qual seja, a ministração de explicações de matemática;

19 - o contribuinte C… para desempenhar as suas funções de explicador de matemática aos alunos pré e universitários, não necessita de nenhum apoio logístico, quer seja da A…, quer seja de qualquer outra entidade, o contribuinte C… para realizar a sua tarefa de explicador de matemática, necessita somente e de tal predicado é possuidor, de sapiência, erudição no campo da matemática e todos esses ingredientes não se encontram incorporados numa qualquer cadeira, mesa ou parede pertencentes à A…, encontram-se sim presentes no cérebro do contribuinte C…, o qual tanto pode estar confinado a um espaço fechado, como pode circular ou manter-se sediado em qualquer outro local a céu aberto; (...)

22 - chegados aqui, sempre norteados pelo espírito da boa fé, não deixando de ter presente o direito Constitucional, que supra foi citado, entendemos que a Inspeção Tributária deve reformular todo o projeto de relatório por si apresentado, devendo por isso, atender a tudo o que acima ficou dito, devendo para esse efeito, obter a colaboração, que mais uma vez protesta total disponibilidade para tal, do aqui contribuinte C… por si só e em representação da A… LDA., o que se requer”.

XVII. Constam do mencionado RIT, conforme documento a fls. 86 e segs. do PA, as seguintes passagens com incidência no ano de 2011, que é relevante transcrever (págs. 5 a 16 e 19 a 20):

II.2. – Motivo, âmbito e incidência temporal

A Ordem de Serviço OI2013… para o exercício de 2011, foi aberta por proposta de inspeção n.° PIP2012… de 10 de agosto de 2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, que se refere à prática de operações bancárias suspeitas, nomeadamente operações realizadas em conta bancária à ordem aberta na dependência de D… no … em 01-07-2011, titulada por E… de 19 anos de idade, e relacionadas com a atividade comercial desenvolvida pela sociedade "A…, Lda" pertencente aos pais. (...)

II.3.1. - Caracterização do sujeito passivo

II.3.1.1. - Identificação e descrição sumária da atividade (...)

A atividade desenvolvida pela "A…, Lda." consiste essencialmente no acompanhamento escolar e preparação (explicações) para os exames do ensino secundário e ingresso ao ensino superior e cursos de línguas, mas sem reconhecimento do ministério competente. Pelo que, as aulas ministradas, quer a grupos, quer individualmente, não beneficiam de isenção de IVA, dado que não têm enquadramento no n° 10 do artigo 9º do CIVA. Assim, as prestações de serviços efetuados pela sociedade estão sujeitas a Iva à taxa normal.  (...)

C…, exercia à data dos factos (2011, 2012 e 2013) e exerce no ano do procedimento de inspeção, as funções de gerente, conforme os documentos demonstrativos de atos materiais de administração, que se anexam ao presente relatório de inspeção. (...)

Concomitantemente, o sócio gerente, C…, presta serviços que, de acordo com os recibos por si emitidos, consistem em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, as quais declara como isentas de IVA, nos termos do n° 12 do art. 9.º do Código do IVA. (...)

III.2. - Descrição dos fatos e enquadramento legal

A Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) remeteu aos Serviços de Inspeção Tributária a cópia da informação n° …/2012, que tem por anexo a informação da Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, onde é visado o sujeito passivo, "A…, Lda.", NIPC -…, e os seguintes contribuintes (todos com residência fiscal na Rua … - …- … -…, …-… …) relativamente aos quais é referido o seguinte:

- B… NIF…, sócio gerente da A…, Lda., exerce a atividade profissional como explicador e é titular de duas contas bancárias à ordem no D… com os n°s …/2010…e …/2010… .

É referir que a conta n° …/2010… apresenta movimentos registados no ano de 2011 e nos dois primeiros meses do ano de 2012, sendo que em 2011 apresenta a crédito o valor de 247.411,36 € e a débito o montante de 248.594,72 € dos quais foram transferidos 22.946.00 euros, para a conta n° …/2010…, titulada por B…, conforme consta dos quadros a seguir elaborados:

Conta N°… 2010…: (...)

Entradas

2011

Depósitos Cheques

46.740,57

Dep. Misto (num/cheques)

8.223,13

Numerário

13.753,76

Transf. (particulares/ATM)

138.536,26

Transf. da conta … – E…

40.150,00

Diversos

7,64

Total de Débito

247.411,36

 

Saídas

2011

Transf. p/B… - …2010…

- 22.946,00

Transf. p/B…

-77.630,00

Transf. p/C…

- 142.020,00

Transf. p/E…

- 2.000,00

Diversos

-3.998,72

Total de Crédito

- 248.694,72

(...)

- B… NIF -…, sócia gerente da sociedade anteriormente identificada, esposa de C…, e titular da conta bancária à ordem no D… com o n° …/2010… .

No decorrer da ação inspetiva, foi-nos informado pelo sócio gerente, que as transferências realizadas para a conta titulada pela B… foram utilizadas para efetuar pagamentos de despesas da sociedade.

- E… NIF -…, estudante, filho dos contribuintes antes identificados, e titular da conta bancária à ordem no D… com o n° …/200….

Em 25 de Maio de 2015, no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB, a Divisão de Processos Criminais Fiscais ouviu em Auto de Interrogatório de Arguido, o Sr. C…, B… e E…, tendo posteriormente solicitado junto do Ministério Público autorização para extração de certidão dos autos de interrogatório dos arguidos antes referidos.

Em 1 de julho de 2015, o pedido foi autorizado, tendo a Divisão de Processos Criminais Fiscais remetido aos Serviços de Inspeção Tributária, as cópias dos Autos de Interrogatório.

Analisados os Autos, constatamos que C… afirmou e consta do Auto de Interrogatório, que “...aproximadamente em Julho de 2011, quando o franchising da A… correu mal, o F… penhorou a casa de família, uma propriedade no Alentejo e os reembolsos de IRS, acharam que as suas contas iam ser penhoradas e abriram uma conta em nome do seu filho, E…, para onde todos os clientes começaram a fazer pagamentos dos serviços prestados pela A…”. (...)

Acresce que, de acordo com as declarações prestadas a conta bancária com o n° …/2001… titulada pelo E… é movimentada pelo C… (pai) como se da conta da sociedade se tratasse, apresentando a crédito nos exercícios em análise (2011, 2012 e 2013) o somatório dos proveitos da sociedade e dos rendimentos da cat B obtidos pelo C… no exercício da sua atividade profissional como explicador, nos montantes globais de 130.463,10 euros, 300.454,92 euros e 155.906,66 euros, respetivamente, conforme consta do quadro a seguir elaborado: (...)

Conta n.º …

2011

(...)

Depósitos Cheques

20.258,67

(...)

Dep. Misto (num/cheques)

3.814,38

(...)

Numerário

44.681,29

(...)

Transf. (particulares/ATM)

61.706,14

(...)

Diversos

2,62

(...)

Total de Crédito

130.463,10

(...)

Com efeito, a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, apurou ainda da análise efetuada aos movimentos a crédito:

- que os cheques depositados foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem de C…;

- que as transferências foram igualmente ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como "inscrição'’, "pagamento", “A…”, "mensalidade’', "matemática", "explicações", etc.

No que se refere aos movimentos a débito relativamente aos exercícios em análise, foram registados operações que totalizam nos anos de 2011, 2012 e 2013, os montantes de 129.566,41 euros, 297.922,20 euros e 149.561,26 euros, respetivamente a cada um dos exercícios analisados, sendo a maioria relativos a transferências ordenadas pela internet a favor do titular da conta, conforme consta do quadro infra:

Conta n.º … 2010 …

2011

(...)

Transf. p/B… - …

51.540,00

(...)

Transf. p/C…

40.150,00

(...)

Transf. p/E…

4.135,26

(...)

Transf. p/particulares

7.290,87

(...)

Cheques

19.300,00

(...)

Compras

5.231,13

(...)

Levantamentos

1.040,00

(...)

Pagamentos Serviços

0,00

(...)

Diversos

879,15

(...)

Total de Crédito

129.566,41

(...)

As transferências realizadas para as contas dos pais do titular da conta em causa, foram utilizadas para pagamento de despesas diversas, compras e levantamentos em numerário através de cheques ao balcão.

Em 01-08-2011, foram ordenadas 11 transferências a favor de particulares no total de 6.166,48 euros, tendo-se apurado que os destinatários das mesmas prestaram serviços em 2011 à sociedade A… (rendimentos da categoria B). (...)

A informação da UIF atrás referida teve por base a investigação da Polícia Judiciária aos movimentos bancários registados na conta titulada pelo E…, os quais se revelaram incompatíveis com a sua profissão de estudante, E… consta da declaração periódica de rendimentos dos pais (Mod. 3 de 1RS) como dependente sem rendimentos, refletindo antes os resultados das atividades da sociedade "A…, Lda" e do sócio gerente enquanto explicador.

Com efeito, foram identificados diversos movimentos a crédito e a débito que sugerem por um lado, pagamentos à empresa em virtude do descritivo das transações, e por outro lado, pagamentos a favor de indivíduos que prestaram serviços à mesma, sendo ainda de destacar o facto de a maior parte dos fundos creditados terem sido transferidos a favor de contas particulares dos dois sócios da mencionada A… .

Assim, abertas as ordens de serviço supra identificadas, apurou-se ainda que C… e a esposa B…, apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod.3 de IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A - rendimentos de trabalho dependente (artº 2º CIRS) - pagos pela sociedade “A…, Lda." nos montantes totais de 18.000,00 euros, 18.317,52 euros e 17.748,24 euros, respetivamente.

Sendo de referir que, em 27 de Setembro de 2010, C… iniciou a atividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção nos termos do art.º 9.º do CIVA, e no regime simplificado de tributação conforme dispõe o art. 28° do CIRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente - explicações) nos montantes de 86.092,75 euros, 32.156,38 euros e 35.903,75 euros, respetivamente.

Analisadas as declarações de rendimentos, constata-se que a “A…, Lda”, apresentou em sede de IRC, nos anos de 2011, 2012 e 2012, os seguintes valores:

Rubricas

2011

(...)

Prestações de Serviços

102 596,78

(...)

Resultado Líquido do Exercício

-32.317,86

(...)

Sendo de salientar que no período compreendido entre 2007 a 2014, o sujeito passivo apresentou os seguintes resultados fiscais:

Ano

Lucro Tributável

Prejuízo Fiscal

2007

-

-86 532, 07

2008

-

-23 527,64

2009

-

- 67 349,04

2010

-

- 63 870,08

2011

-

- 26 218,13

2012

-

- 40 691, 26

2013

-

- 3 866,55

2014

13.114,70

 

Total

13.114,70

- 312 054,77

Questionado sobre o(s) motivo(s) da apresentação sucessiva dos resultados negativos, o sócio gerente justificou-se com o franchising da A… que correu mal, facto também referido no Auto de Interrogatório de Arguido. (...)

Todavia, considerando que os únicos rendimentos auferidos pela família proveem da prestação de serviços de explicações, onde se incluem os que foram declarados como prestações de serviços por parte da sociedade e por parte do sócio-gerente, não sendo conhecida outra fonte, é de concluir, pela comparação do total de entradas nas contas bancárias conhecidas e o total dos rendimentos declarados que existiu uma significativa omissão de proveitos nos anos em análise.

III.2.1. - Rendimentos omitidos

III.2.1.1. - 2011

Assim, e para calcular o valor dos rendimentos não declarados, houve que examinar os extratos bancários titulados por C…, B… e E… . (...)

Apresentam-se de seguida os cálculos demonstrativos dos valores de rendimentos omitidos:

Entradas nas contas bancárias

 

2011

Conta N.º … – E…

 

130.463,10

Conta N.º … – C…

 

207.261,36

Total das Entradas

a

337.724,46

Proveitos declarados na A… (inclui IVA)

b

126.195,17

Rendimento de cat. B declarado por C…

c

86.092,75

Total dos Rendimentos não declarados

=a-b-c

125.436,54

 

Tal como demonstrado, no ano de 2011, as contas bancárias identificadas foram aprovisionadas com um montante total de 337 724,46 euros.


Considerando que, neste exercício, a sociedade declarou proveitos no montante de 102.596,78 € e que de acordo com os elementos existentes, os clientes pagam os montantes em dívida quando lhes é emitida a fatura, então a sociedade obteve recebimentos no total de 126.194,03 €, a que corresponde a totalidade da faturação emitida, ou de outra forma à soma dos proveitos declarados com o IVA liquidado. (...)

Da mesma forma, o sócio-gerente declarou, na sua esfera pessoal, rendimentos (isentos de IVA) no total de 86.092,75 euros. (...)


Assim, retirando os valores declarados aos montantes creditados nas contas bancárias, ficamos com 125,436,54 euros, correspondente aos proveitos omitidos em 2011. (...)

III.2.2. - Destino dos valores depositados nas contas bancárias

As informações recolhidas, quer pelas declarações prestadas, quer pela própria análise dos descritivos das operações registadas nos extratos bancários (compra … Fnac Cascais, … - pag.tsu, Sdd cob … securitas direct, Compra … focojit - informática, Pag. impostos, Trf p/ …- loja b, 115 Deposito Cheque(s) OIC, Trf. p/ cálculo seguro) demonstram que as contas bancárias identificadas serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efetuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio.

Assim, tornou-se necessário alargar a análise de forma a determinar quais os valores utilizados na atividade empresarial e quais foram, de facto afetos à esfera privada do sujeito passivo e da sua família.


O sócio-gerente, durante o procedimento inspetivo, informou que os valores transferidos para a conta da esposa, B…, eram usados para efetuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações.

De facto, se considerarmos que estas contas serviram de destino aos recebimentos da sociedade, teremos igualmente de ter em conta que a A… precisou fazer face às suas obrigações de pagamento e que para tal efeito foram igualmente utilizadas as contas bancárias.

Desta forma, iremos ter em consideração os registos contabilísticos efetuados pela técnica de contas. Ou seja, para este efeito, vamos ter em conta o facto de contabilisticamente terem sido lançados todos os pagamentos por contrapartida de uma conta 11- caixa, podendo assim aferir que os lançamentos efetuados a crédito nessa conta correspondem aos pagamentos efetuados pela A… para fazer face às suas obrigações. É de referir a declaração do sócio gerente, cuja cópia anexa ao presente projeto de relatório, em que informa aos serviços de contabilidade "... designadamente à TOC G…, que deverá fazer todos os movimentos contabilísticos por caixa ou empréstimo de sócios, visto a A…, Lda. ter as contas bancárias penhoradas pela Segurança Social (...)”.

Durante o período em análise, verifica-se a existência de transferências entre contas, sendo que os créditos na conta de B… provêm das contas que são provisionadas pelos recebimentos da A… .


Por outro lado, seguindo esta metodologia, apura-se igualmente que só em 2012 é que os valores transferidos para a conta de B… são suficientes para efetuar os pagamentos da empresa, pelo que na análise efetuada tivemos em conta a possibilidade de terem sido utilizadas verbas provenientes das restantes contas bancárias.

III.2.2.1 - 2011

No ponto III.2.1.1 deste relatório foi apresentado o valor total das entradas nas contas bancárias, expurgado das transferências entre contas. De acordo com a metodologia apresentada, a este valor, correspondente aos recebimentos dos rendimentos obtidos, deveremos retirar o valor apurado de pagamentos contabilizados pela sociedade (...). Assim temos:

Total das entradas

a

337.724,46

Saídas registas na conta Caixa da A… - pagamentos

e

173.015,56

Diferenças

=a-e

164.708,90

 

Significa isto que, no final temos o total de 164.708,90 euros para os quais não existe justificação da sua utilização no âmbito da atividade da empresa, permanecendo este valor na esfera jurídica dos titulares das contas bancárias. (...)

III.2.3. - Calculo das correções

Para calcular os rendimentos não declarados houve que examinar os extratos bancários disponibilizados pela Divisão de Processos Criminais Fiscais titulados pelo C…, B… e E… .

Conforme abaixo relatado, foi assumido pelo socio gerente C… que a conta bancária titulada em nome do seu filho E…, foi movimentada nos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos rendimentos de categoria B por si auferidos e objeto de liquidação em sede de IRS, bem como pelo recebimento da faturação emitida pela sociedade A… .

Nos termos do n° 12 do artigo 9º do ClVA estão isentas do imposto "as prestações de serviços que consistam em lições ministradas a titulo pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior".

Atendendo que a atividade desenvolvida pela "A…", consiste no acompanhamento e orientação escolar, mas sem reconhecimento do ministério competente, as aulas ministradas quer individualmente, quer em grupos, não beneficiam de isenção de Iva, porque não tem enquadramento no nº 10 nem no n° 12, ambos do art.º 9° do CIVA.

No que se refere a lições ministradas pelo sócio gerente a título pessoal, de acordo com entendimento da Administração Fiscal beneficiam de isenção desde que não haja intervenção de qualquer entidade terceira.

Ora, o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e por conseguinte não poderá beneficiar de isenção.

Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, não tendo por isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 63°-C da LGT. (...)

III.2.3.2 – Em sede de IVA

As prestações de serviços de explicações são sujeitas a IVA nos termos do art.º 1°, n.° 1 a), conjugado com o art.º 2º, n.° 1 a) e art.º 4º, n.° 1, todos do CIVA. São, no âmbito deste imposto, localizadas em território nacional, tal como dispõe o artigo 6º, n.° 6, b) do mesmo código. O valor tributável destas operações é o valor da contraprestação obtida do adquirente (art.º 16°, n° 1, CIVA). A taxa a aplicar aos serviços em questão está prevista no artigo 18°, n.° 1, c) do CIVA, a qual permaneceu fixada em 23% durante os anos em análise.

Considerando o caso em apreço, e os valores antes calculados de rendimentos omitidos, as correções em sede de IVA são as que se apresentam:

 IVA

2011

(...)

Base tributária omitida

125.436,54

(...)

Imposto em falta

28.850,40

(...)

 

Atendendo a elevada dificuldade na distribuição exata dos valores do IVA em falta pelos diversos trimestres, iremos considerar para efeitos de elaboração do respetivo documento de correção, a omissão ocorrida no último período de imposto de cada exercício, considerando a inexistência de prejuízo deste procedimento para o sujeito passivo.

A falta de liquidação do imposto devido constitui infração ao artigo 27° do CIVA, prevista e punível nos termos do n° 1 e alínea a) do n° 5 do artigo 114° do RGIT. (...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo depois de notificado no passado dia 20 de Novembro de 2015, para que, nos termos do artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPIT exercesse o direito de audição (escrito ou oral) sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção que lhe foi remetido, exerceu por escrito (...) em 15 de dezembro de 2015, uma pronúncia que apesar de extemporânea, se aprecia de seguida.

Na sua pronúncia, o sujeito passivo não nega os factos descritos no projeto de relatório, nem o seu enquadramento para efeitos de IRC, IVA, e IRS.

Na verdade, a argumentação do sujeito passivo limita-se a:

a) Invocação dos princípios constitucionais em matéria de tributação;

b) Afirmação da disponibilidade do gerente do sujeito passivo, nessa qualidade e a título pessoal, para colaborar com a AT;

c) Afirmação da vontade do gerente do sujeito passivo de contribuir para a manutenção da atividade.

Para comprovar a sua disponibilidade para colaborar e a sua afirmação de vontade de contribuir para a manutenção do sujeito passivo, o gerente invoca que o sujeito passivo fez acordos com a Administração Tributária para pagamento de dívidas fiscais, no âmbito das quais já terá procedido a pagamento de cerca de 300 000,00 €.

Esse facto em nada põe em causa o conteúdo do projeto de relatório, que se refere a exercícios posteriores.

Acresce ainda, que o que está em causa não são as intenções do gerente, mas sim o cumprimento pelo sujeito passivo, nos exercícios ora em análise, das suas obrigações tributárias.

As correções propostas pela Inspeção Tributária tiveram por base jurídica os Códigos do IRC, do IVA e do IRS, criados nos termos da lei e em obediência à CRP.

Nada se vê nos preceitos dos Códigos do IRC, do IVA, e do IRS invocados que contraria os princípios constitucionais referidos pelo sujeito passivo.

Em especial, no tocante a IVA, as correções propostas levaram em conta o entendimento da AT (cfr. informação n.º 1053 – P79691001 de 92:01:13 da DSCA, do SIVA) e as decisões do TJUE (processo C-445/05 - caso Haderer e processo C-473/08 - caso Eulitz) sobre "a isenção das lições ministradas a título pessoal” segundo o qual essa isenção só se aplica aos serviços de tal índole prestados diretamente pelos professores aos alunos, sem intervenção de outras entidades.

Ao nível factual, as correções propostas assentam essencialmente em sede de IRC na imputação ao sujeito passivo de rendimentos omitidos correspondente a prestações de serviços (explicações) para os quais não foram emitidas faturas nem documentos de quitação, as quais são igualmente sujeitas em sede de IVA, e em sede de IRS, os valores omitidos na esfera jurídica da família.

Essa imputação teve por base a análise de contas bancárias do gerente do sujeito passivo, da esposa e do filho de ambos, nas quais se verificaram entradas e saídas de valores relativos a serviços prestados.

O sujeito passivo não invoca factos e muito menos provas, que ponham em causa a análise de rendimentos feita no projeto de relatório.

O único argumento que a este nível, merece referência é o de que os rendimentos omitidos devem ser imputados, a título pessoal, ao gerente do sujeito passivo e não ao sujeito passivo (com a consequência de sendo a imputação feita a título pessoal ao gerente não haver lugar a IVA). No entanto, esse argumento não pode ser acolhido, pois a verdade é que o gerente do sujeito passivo prestou os serviços que geraram os rendimentos no quadro da atividade do sujeito passivo, usando os meios deste. Diz o sujeito passivo que, para prestar serviços não necessitava de tais meios. No entanto, o facto é que os usou”.

 

XVIII. Consta do Ofício n.º…, datado de 30.12.2015, pelo qual se notificou à Requerente o RIT, junto a fls. 98 do PA, o seguinte:

“Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do art. 62º do RCPIT, do relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efetuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório.

A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.

Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação”.

 

XIX. Na sequência das correções técnicas promovidas pelo RIT, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º 2016…, de 12.1.2016, no montante de €28.850,40, referente ao período 2011-12-T, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, de 14.1.2016, no montante de €4.445,33, ambos assinados pela Diretora-Geral da AT/Área de Cobrança-Imposto sobre o Valor Acrescentado (conforme documentos juntos agregadamente como doc. n.º 2 à PI).

XX. No documento da liquidação adicional de IVA, referido no número anterior, em sede de “Fundamentação” consta o seguinte: “Liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”.

 XXI. O documento de liquidação de juros compensatórios, referido no número XVIII, apresenta o seguinte teor:

Liquidação Juros

Valor Base

Duração                                 Taxa %

Valor

Juros compensatórios por retardamento da liquid. de parte ou totalidade do imposto

2016…            28.850,40        2012-02-16 a 2015-12-22      4,000               4.445,33

                                                                                                             Total    4.445,33

indicando em sede de “Fundamentação”:

Juros calculados nos termos do artº 96.º do CIVA e dos artº 35.º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte.

A sua contagem teve em conta a data em que foram enviados os pagamentos e ou, na sua falta ou insuficiência, a data de disponibilização de outros créditos”.

 

 XXII. A Requerente apresentou em 12.7.2016 reclamação graciosa das liquidações de IVA e juros compensatórios referidas, conforme documento a fls. 1 a 46 do PA e doc. n.º 3 à PI, invocando as seguintes ilegalidades:

- Falta de fundamentação dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, não identificando as correções que terão estado na origem do apuramento do imposto em falta, nem as disposições legais ao abrigo das quais são liquidados o imposto e os juros compensatórios, nem remete expressamente para qualquer relatório de inspeção tributária, parecer ou informação;

-Falta de notificação nos termos e para efeitos da al. a) do n.° 1 do art.º 60.° da LGT;

- Caducidade do direito à liquidação, porquanto estando em causa um ato de liquidação de IVA referente ao ano de 2011, mas erradamente imputado ao último período de tributação do ano civil de 2011, o direito à liquidação caducaria em 31.12.2015, não tendo a liquidação sido validamente notificada dentro do prazo de caducidade;

- Falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de inspeção tributária, que se limita a elencar juízos conclusivos e a afirmar a utilização dos equipamentos da Reclamante por parte do seu sócio na prestação de serviços enquanto professor e que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais e sujeito a IVA, isto num enquadramento em que a Reclamante explicou o porquê da utilização das referidas contas bancárias e explicou que um dos sócios exerce uma outra atividade profissional, de forma independente e sem relação direta com a Reclamante, pela qual é remunerado, assim como a afirmar, sem explicar, o motivo para se considerar que o rendimento foi obtido no último período de tributação;

- Erro nos pressupostos de facto e de direito porque a Reclamante não omitiu quaisquer rendimentos, nem foram utilizados os equipamentos da Reclamante para a prestação de serviços pelo sócio enquanto professor e, ainda que assim fosse, os serviços prestados ascenderiam a € 85.025,54 e não a € 125.436,54 e não se verificariam apenas no último período de tributação do ano civil;

- Violação do princípio do inquisitório e da prossecução da verdade material;

- Incompetência do autor do ato uma vez que, à data em que foram praticados os atos de liquidação em apreço, a entidade competente para os praticar era o Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Cobrança e não a Diretora-Geral, porquanto o Decreto-Lei n° 102/2008, de 20.06 que deu nova redação ao art. 87.º do CIVA padece de inconstitucionalidade por ter extravasado a autorização legislativa ao abrigo do qual foi aprovado;

- Violação do art.º 95° do CIVA dado que terão que ser praticados tanto atos de liquidação quantos os períodos de tributação em causa;

- Ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios dado que não consta da mesma os motivos pelos quais tais juros foram liquidados, não foi demonstrada a culpa da Reclamante no retardamento da liquidação, nem consta do relatório de inspeção tributária qualquer referência aos juros compensatórios, nem a Reclamante foi ouvida em sede de audição prévia.

 

XXIII. A Requerente foi notificada do projeto de decisão relativo a esta reclamação graciosa em 21.9.2016 para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que não realizou (cfr. referência constante do despacho junto como doc. n.º 1 à PI).

XXIV. Esta reclamação graciosa foi indeferida por Despacho de 19.10.2016 da Chefe de Divisão (Em substituição) da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, conforme doc. n.º 1 junto à PI e fls. 113 e segs. do PA, que se dá aqui por reproduzido, de que se destacam as seguintes passagens da informação de 18.10.2016, proc. 833 REC 01664/16, em que se sustentou aquele despacho:

i) - “Refira-se que tendo a ora reclamante sido notificada do relatório de inspeção tributária, tal facto permitiu-lhe ter conhecimento efetiva e exaustivamente dos fundamentos da liquidação, o que se depreende pelos argumentos alegados pela ora reclamante em sede da presente reclamação graciosa. (...).

Assim, constata-se o seguinte:

a) Na notificação da demonstração de liquidação de IVA é referido tratar-se de “Liquidação efetuada com base em correção pelos Serviços de Inspeção Tributária” (...), na qual constam as correções efetuadas e o montante de Imposto a pagar resultante dessas correções.

b) Por outro lado, a liquidação dos juros compensatórios refere tratar-se de “Juros calculados nos termos do art.º 96° do CIVA e dos art.° 35 e 44 da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte” (...).

Assim, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo exigidas pelo n° 2 do art.º 77° da LGT, bem como os meios de reação, estão mencionadas nos documentos de cobrança/nota de liquidação. (...)

Saliente-se, pois, que, tendo em conta os fundamentos de facto e de direito alegados pela ora reclamante nos presentes autos, se afere ser do conhecimento da ora reclamante o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração Fiscal para a determinação dos atos aqui controvertidos.

Por fim, e tal como já foi referido, a ora reclamante alega falta de fundamentação das liquidações aqui controvertidas. Ora, a este propósito, se assim o pretendesse, sempre teria ao seu dispor o mecanismo previsto no art.º 37° do CPPT referente a comunicação e notificação insuficientes.

Assim, não há vício de falta de fundamentação e o ato tributário de liquidação não é anulável porque a simples irregularidade, ou falta de notificação dos fundamentos não gera invalidade do ato tributário de liquidação, dado que aquela é posterior e exterior a este, e a ilegalidade da notificação é diferente da ilegalidade do ato notificado” (pp. 5 e 6).

ii) - “consta do relatório de inspeção tributária que “É de referir que, o presente procedimento inspetivo sob as ordens de serviço n° 012013…, 012014… e 012014…, encontra-se a decorrer no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB

Assim, o prazo geral de 4 anos previsto no n° 1 do art.° 45° da LGT não se aplica ao caso em apreço.

Com efeito, aplica-se o alargamento do prazo previsto no n° 5 do referido preceito legal dado que os factos que foram objeto de uma investigação em sede criminal e relativamente aos quais foi instaurado o referido inquérito criminal, são os mesmos factos subjacentes aos atos tributários de liquidação controvertidos, concluindo-se não ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto” (p. 7).

iii) - “(...) tal como consta do relatório de ação de inspeção, foram apurados rendimentos não declarados, tendo em conta os depósitos bancários e o facto de não terem sido emitidas faturas ou documentos de quitação referentes à prestação de serviços em causa nos presentes autos, pelo que cessa a presunção de veracidade.

A atividade desenvolvida pela ora reclamante consiste no acompanhamento escolar e preparação para os exames do ensino secundário e ingresso no ensino superior, os quais não são reconhecidos pelo ministério competente pelo que as prestações de serviços realizadas pela ora reclamante encontram-se sujeitas a IVA à taxa normal.

C…, NIF …, exerce funções de sócio gerente da ora reclamante e, simultaneamente, presta serviços, conforme recibos por si emitidos, através dos quais ministra lições a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, as quais declara como isentas de IVA, nos termos do n° 12 do art. 9º do CIVA, tal como consta do relatório de inspeção tributária (...).

Nos termos do n° 12 do art. 9 do CIVA, estão isentas de imposto “as prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior."

Conforme entendimento da Administração Fiscal consubstanciado nas Informações Vinculativas n° 5266, de 06-09-2013, e n° F400 2007035, de 02-01-2008, e atento o seu caráter vinculativo nos termos do art.º 68° da LGT, a isenção apenas se aplica quando se trate de lições que são ministradas a título pessoal, isto é, quando efetuadas e faturadas diretamente pelo professor ao aluno, pressupondo uma relação direta professor/aluno, sem interferência de qualquer outra entidade, sendo que as referidas lições devem versar sobre matérias do ensino escolar ou superior.

Dado que na prestação de serviços por C…, há intervenção da sociedade ora reclamante, aquele não poderá beneficiar de isenção de IVA, estando as explicações sujeitas a IVA, nos termos da al. a) do n° 1 do art. 1º, da al. a) do n° 1 do art. 2º e do n° 1 do art.º 4º do CIVA.

A ação de inspeção teve como origem transferências para contas bancárias particulares nas quais são titulares C…, sócio gerente, e E…, filho do sócio gerente.

No caso em apreço, a ora reclamante alega erro nos pressupostos de facto e de direito porque não omitiu quaisquer rendimentos, nem foram utilizados os equipamentos da reclamante para a prestação de serviços pelo sócio enquanto professor.

Ora, no âmbito da ação de inspeção, constatou-se ter havido omissão de proveitos, dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados, bem como o sucessivo apuramento de prejuízos fiscais. (...)

A ora reclamante alega que os serviços prestados ascenderiam a €85.025,54 e não a €125.436,54, no entanto, a ora reclamante não apresenta fundamentos de facto e de direito que justifiquem o montante pretendido.

Assim, o montante de € 125.436,54 apurado pelos serviços de inspeção tributária resultou do cálculo dos seguintes valores, tal como consta expressamente do relatório de inspeção tributária:

Entradas nas contas bancárias 2011

Montante

Conta N.º … – E…

€130.463,10

Conta N.º … – C…

€207.261,36

Total das Entradas a

€337.724,46

Proveitos declarados na A… (inclui IVA) b

€126.195,17

Rendimento de cat. B declarado por C…

€86.092,75

Total dos Rendimentos não declarados d=a-b-c

€125.436,54

 

A ora reclamante alega que os referidos rendimentos não se verificariam apenas no último período de tributação do ano civil, pelo que há violação do art.° 95° do CIVA, dado que terão que ser praticados tanto atos tributários de liquidação quantos os períodos de tributação em causa.

No entanto, tal procedimento não altera o montante apurado da liquidação aqui controvertida, pelo que, e tal como consta do relatório de inspeção tributária, tal procedimento não acarreta prejuízo para a ora reclamante” (pp. 7 a 9).

iv) - “o Princípio do Inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que substitua completamente as obrigações que recaem sobre os contribuintes, nomeadamente, a de apresentarem os documentos necessários a demonstrar a sua pretensão, nos termos do art.º 74° da LGT.

(...) no âmbito da ação de inspeção, verificou-se que os Serviços de Inspeção Tributária realizaram as diligências necessárias à descoberta da verdade material, nomeadamente, através do cruzamento de informação e da cooperação de entidade terceiras, nos termos do art. 63° da LGT”. (p. 10)

v) - “Quanto à alegada inconstitucionalidade do Decreto-Lei n° 102/2008, de 20-06, invocada pela ora reclamante, cumpre observar que não cabe à Administração Fiscal pronunciar-se sobre a mesma, sendo essa apreciação da competência do Tribunal Constitucional, nos termos dos art. 276° e seguintes da CRP, encontrando-se a Administração Fiscal vinculada ao Princípio da Legalidade Tributária, nos termos do art. 8º da LGT. (...)

Quanto à incompetência do autor do ato, realce-se que o art.º 87° do CIVA estipula (tal como à data dos factos) que "a Direcção-Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.

Refira-se que, no caso em apreço, estamos perante uma liquidação adicional de IVA, nos termos do art.º 87° do CIVA, e não perante uma liquidação oficiosa, nos termos dos art.º 88° e 89° do mesmo código” (pp. 10-11).

vi) - “Nos termos do art.º 35° da LGT dispõe que são “devidos juros compensatórios, quando por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido (...).”

Ora, no caso em apreço, verifica-se que a ora reclamante não cumpriu o disposto do art. 27° do CIVA, dado que se constatou em sede de ação inspetiva, haver IVA não liquidado e não entregue nos Cofres do Estado” (p. 11).

 

12. Ainda com relevo para a decisão da causa à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, considera-se não provada a seguinte factualidade:

 

b) Factos não provados

 

A.    Não provado que, no ano de 2011, o sócio gerente da Requerente, C…, para o exercício da sua atividade de professor e para ministração de lições a alunos, utilizou exclusivamente a loja ao lado da atual morada da Requerente, loja essa que não tem qualquer relação com a Requerente, que não a utiliza.

 

13. Não foram alegados ou manifestados outros factos com relevo para a decisão de mérito que releve considerar como não provados.

 

c) Motivação da decisão de facto

 

14. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos carreados para os autos pelas partes, das informações oficiais não impugnadas constantes do RIT, das declarações de parte efetuadas pela sócia-gerente e do reconhecimento de factos ou do seu carácter não controvertido, nos termos que se passam a expor.

Os elementos atinentes à factologia procedimental administrativa, que são elencados nos n.ºs XII a XXIV do probatório, resultaram demonstrados por força dos documentos que são especificados nesses pontos da matéria de facto provada.

Os factos materiais que se extraíram do RIT enunciados nos n.ºs I a VII do probatório não tiveram, conforme se indica nesses pontos, qualquer impugnação, por desconhecimento ou oposição, por parte da Requerente. Como tal, tendo presente a observância do princípio do contraditório e a fundamentação em elementos objetivos em que assentam tais informações constantes do RIT, consideraram-se provados os factos n.ºs I a VII, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 115.º do CPPT (“As informações oficiais só têm força probatória  quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objetivos” – cfr. também n.º 1 do art. 76.º da Lei Geral Tributária (LGT): “As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”).

Isto posto, explicite-se seguidamente que a impugnação efetivada pela Requerente relativamente aos dados na base das correções técnicas promovidas pelo RIT se cifra estritamente na alegação de que o sócio da Requerente não utilizou equipamentos desta na prestação de serviços enquanto professor (art. 70.º da PI) e que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais não constituem rendimento da Requerente, mas do sócio da Requerente pelo exercício da sua atividade profissional de professor (arts. 70.º, 72.º e 80.º da PI).

A este respeito, o Tribunal deu como provada a factualidade, invocada no RIT, que consta dos n.ºs VIII a XI do probatório, porquanto a valoração da prova, nos termos de uma apreciação racional e crítica, assente na ponderação lógica e nas máximas da experiência comum, conduziu à convicção da respetiva verificação.

Desde logo, principie-se por referir que a utilização das contas bancárias dos sócios-gerentes e do seu filho para recebimentos e pagamentos da Requerente (em infração, consequentemente, ao disposto no n.º 1 do art. 63.º-C da LGT) é matéria especificamente reconhecida pela Requerente, conforme resulta de: i) declarações do sócio gerente C… indicadas no RIT (vd. n.º XVII v.g.: “As informações recolhidas, quer pelas declarações prestadas, quer pela própria análise dos descritivos das operações registadas nos extratos bancários (compra … Fnac Cascais, … - pag.tsu, Sdd cob … securitas direct, Compra … focojit - informática, Pag. impostos, Trf p/ …- loja b, 115 Deposito Cheque(s) OIC, Trf. p/ cálculo seguro) demonstram que as contas bancárias identificadas serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efetuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio”; “O sócio-gerente, durante o procedimento inspetivo, informou que os valores transferidos para a conta da esposa, B…, eram usados para efetuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações”; cfr. igualmente n.º XIV), ii) de afirmações proferidas em sede de audição prévia (vd. o n.º XVI do probatório) e, por fim, iii) de referência constante do art. 71.º da PI (“a Autora explicou o porquê da utilização das referidas contas bancárias”). Acrescente-se que a sócia-gerente B…, no âmbito das suas declarações de parte, confirmou a inexistência de uma conta bancária da A…“devido à existência de um processo com o F…, que penhorou todos os bens”, pelo que “para se fazer face às despesas da A… foi criada uma conta em meu nome pessoal”, também utilizada pelo C…, o qual “não fazia todos os depósitos nessa conta” (já no que concerne à utilização pela A… de conta na titularidade de E… apenas referiu que: “Sei que o meu Marido falou em abrir uma conta em nome de E…, mas depois já não sei mais nada sobre isso”, tendo, porém, reconhecido, quando interrogada sobre se o seu filho E… trabalhava e tinha algum rendimento, que: “Não, o E… estava a estudar”).

Depois, mostra-se fundamentada e pormenorizada a análise realizada no RIT sobre os movimentos bancários relativos às mencionadas contas dos sócios-gerentes e seu filho, bem como devidamente desenvolvido o exame comparativo dos extratos bancários com os elementos contabilísticos disponíveis e as declarações fiscais pertinentes, comprovando a divergência entre os montantes creditados nas contas bancárias e os rendimentos declarados.

A questão fáctica nuclear subsequente, atentas as mencionadas alegações da Requerente, prendia-se com verificar se os montantes entrados nas contas bancárias utilizadas pela Requerente que não foram faturados nem objeto das competentes declarações fiscais pela Requerente ou pelo sócio-gerente B… correspondiam a rendimentos daquela ou deste.

Este Tribunal, por força da instrução perante ele especificamente realizada, considerou comprovado que tais montantes correspondiam a proveitos obtidos pela Requerente tendo em consideração as declarações de parte da sócia-gerente B… que, questionada sobre se as declarações de IRS apresentadas conjuntamente com o seu cônjuge C… (cfr. factos provados n.ºs V e VI)eram verdadeiras, respondeu, em termos taxativos, de modo afirmativo (“Essa é uma das coisas que nós como casal mentiras fora de questão e omitir”), assim como declarou “Eu acho que não” quanto à existência de outros rendimentos no agregado familiar para além dos declarados pelo cônjuge (diga-se que, questionada sobre outras possíveis fontes de recebimentos nas contas bancárias que não os provenientes da A… ou os auferidos pelo cônjuge no exercício da sua atividade profissional a título pessoal, como doações ou empréstimos, declarou simplesmente não saber responder a tal questão).

Em face destas afirmações, que confirmaram a veracidade da declaração de rendimentos apresentada pelos cônjuges (a qual, aliás, não foi posta em causa pela Requerente na PI), onde se incluem os rendimentos de trabalho independente do cônjuge C… pela sua atividade profissional independente de professor e explicador (cfr. factos provados n.ºs III, IV e VI), o Tribunal, por força da bem conhecida regra lógica tertium non datur, pela qual, perante duas proposições contraditórias, uma é verdadeira e outra é falsa, excluiu a alegação, que constitui a argumentação essencial da Requerente, de que os montantes entrados nas contas bancárias não justificados fiscalmente não correspondiam a proveitos omitidos da Requerente, mas constituíam antes rendimentos do sócio-gerente C… pelo exercício da atividade de professor, de modo independente, sem ligação com a Requerente (vd., por exemplo, nas alegações da Requerente o ponto n.º 3) e julgou demonstrada a factualidade enunciada no n.º XI do probatório.

Impõe-se ainda referir que o juízo probatório assim formado não foi contraditado ou abalado por quaisquer elementos apresentados pela Requerente. Pelo contrário, cabe assinalar que a Requerente alegou que os “serviços omitidos”, muito embora – contraditoriamente – “sem conceder” na sua existência, “ascenderiam a €85.025,54 e não a €125.436,54” conforme documentos que protestou juntar (art. 117.º da PI), o que, porém, nunca concretizou.

Deste modo, julgou-se demonstrado que o montante de €125.436,54, constante das indicadas contas bancárias no ano de 2011, que não foram objeto de devida faturação ou declaração fiscal, respeita a recebimentos da Requerente relativos às contraprestações obtidas pelos serviços por ela fornecidos.

 

15. Quanto à factualidade dada como não provada, o Tribunal não considerou demonstrada a alegação acima indicada na alínea A), por não ter sido objeto de meios probatórios atendíveis e convincentes quanto à sua realidade.

Assim, o depoimento prestado, em sede de declarações de parte, pela gerente B… foi, a este respeito, inconclusivo, e mesmo contraditório com o próprio enquadramento fáctico da Requerente. Por um lado, inconclusivo, porquanto questionada sobre os termos do uso das duas lojas declarou que eram arrendadas, mas não sabia se em nome do seu cônjuge [C…] ou da “A…”, assim como não sabia, quanto à fração alegadamente utilizada pelo cônjuge para a sua atividade a título pessoal, se as despesas de eletricidade ou de comunicações eram suportadas pela “A…”. Por outro lado, contraditório com a própria situação fáctica da Requerente, porquanto esta possui sede social na Rua…, n.º … em … (vd. facto provado n.º I), mas a depoente, ao declarar que as aulas não eram “no mesmo espaço físico”, afirmou que: “a A… está numa loja B e o C… está numa loja A, são completamente distintas”; “A A… tem uma loja que é a … em … e o C… está noutra loja que é a …, são espaços diferentes, lado a lado, com entradas diferentes, com espaços diferentes”.

Acresce que, em termos de elementos documentais, verifica-se que, no âmbito da informação cadastral prestada pela Requerente, surge indicada como morada a loja com o n.º … da Rua …, conforme resulta do documento n.º 2 junto pela Requerida com as suas alegações, mas já em sede de divulgação via internet das atividades da Requerente, onde se coloca em destaque o “Diretor Pedagógico C..”, conforme documento n.º 1 junto pela Requerida com as suas alegações, se referencia a sede social no referido n.º … da Rua … . Acrescente-se ainda que não foi junto pela Requerente qualquer documentação a respeito do título de ocupação das referidas lojas, por ela própria ou pelo referido sócio-gerente.

Deste modo, em face daquelas declarações imprecisas e do material documental junto, o Tribunal julgou que o ponto acima enunciado, quanto à utilização de salas alheias à Requerente pelo sócio gerente C… para a sua atividade, não foi demonstrado. Impõe-se assinalar, ainda, que a pertinência desta factualidade para o objeto destes autos em atenção às várias soluções plausíveis de Direito, prende-se estritamente com o circunstancialismo de a loja com o n.º … não ser usada pela Requerente para os seus fins empresariais próprios – a questão de o sócio-gerente a utilizar para o exercício da sua atividade pessoal de professor e explicador não concerne à tributação em IVA das prestações de serviços da Requerente, que é o que se encontra em causa neste processo.

 

V. Do Direito

 

16. Fixados os factos relevantes, segue-se agora proceder à aplicação do Direito, apreciando os vícios de violação de lei invocados pela Requerente em relação aos atos impugnados.

 

 

a) Falta de fundamentação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios

 

17. A primeira ilegalidade invocada pela Requerente relativamente aos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados respeita à omissão da necessária fundamentação, de facto e de direito, que se traduziria no seguinte:

i) “não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a IVA do período de Dezembro de 2011”, pelo que “do ato de liquidação adicional de IVA apenas resulta a identificação do período, do montante a pagar e dos meios de reação, não resultando qualquer identificação quanto às correções que terão estado na origem do apuramento do imposto, alegadamente, em falta” (arts. 8.º e 9.º da PI);

ii) “[d]e igual modo, não são identificadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto, e os Juros Compensatórios, são liquidados” (art. 10.º da PI).

iii) “contra o exposto não pode ser invocada a fundamentação operada por via de remissão para anterior procedimento de Inspeção Tributária”, “[d]esde logo, porque não há, sequer, qualquer remissão para qualquer documento concreto que contenha essa mesma fundamentação, ou seja, não há qualquer remissão para um concreto Relatório de Inspeção, nem identificado o respetivo procedimento de Inspeção Tributária”, sendo que “nos casos em que se admita a fundamentação por remissão, impõe-se que essa remissão seja expressa, de modo a que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio ato”, “exige-se que o autor expressamente se refira e identifique o relatório, parecer, informação ou proposta com que manifesta essa mesma concordância (cfr. artigos 63.° do RCPIT, 77.°, n° 1, da LGT e 125.°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo)”  (arts. 18.º, 19.º, 22.º, 24.º e 27.º da PI).

Como se observa, sustenta a Requerente, em substância, não conseguir alcançar, em face das notificações realizadas, se as liquidações de IVA e juros compensatórios em apreço tiveram origem no relatório de inspeção tributária e nos fundamentos fácticos e jurídicos dele constantes.

 

18. Consabidamente, determina o art. 77.º da LGT que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” (n.º 1) e que: “A fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (n.º 2). Pelo seu lado, estabelece o n.º 1 do art. 63.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT) que: “Os atos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório”.

Pois bem, ao contrário do pretendido pela Requerente, entende-se que nenhuma dúvida é possível configurar de que a “origem do ato de liquidação de IVA e de Juros Compensatórios” são as correções promovidas pelo RIT reportado no n.ºs XV e XVII do probatório: conforme resulta do n.º XVIII do probatório, o Ofício de notificação do RIT à Requerente reporta-se especificamente às correções aritméticas efectuadas cujos fundamentos constam do RIT e que os Serviços da AT procederão à “notificação da liquidação respectiva”; conforme resulta do n.º XX do probatório, o documento de liquidação do IVA (n.º XIX) indica que a liquidação é “efetuada com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”; conforme resulta do n.º XXI do probatório, o documento de liquidação de juros compensatórios indica expressamente o montante do IVA liquidado e as disposições legais constantes do art. 96.º do CIVA e dos arts. 35.º e 44.º da LGT. Nestes termos, em face desta sucessão de elementos, é manifesto para qualquer destinatário normal, medianamente diligente e razoável, que os documentos de liquidação/cobrança de imposto e juros compensatórios com os valores neles reportados (IVA no montante de €28.850,40, referente ao período 2011-12-T e juros compensatórios no montante de €4.445,33) prendem-se com a correção aritmética de IVA respeitante ao ano de 2011 relativa à base tributária omitida de €125.436,54 e ao imposto em falta de €28.850,40, a qual se mostra fundamentada, em termos de facto e de direito, no RIT (cfr. factos provados n.ºs XVII, designadamente o ponto II.2.3.2. do RIT, e XIX e XX).

Destarte, ainda que por força da remissão para o RIT, conforme previsto no n.º 1 do art. 77.º da LGT e no n.º 1 do art. 63.º do RCPIT, verifica-se que a fundamentação da liquidação de IVA e de juros compensatórios é acessível, clara e suficiente, possibilitando o conhecimento efetivo dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Aliás, que a Requerente inteiramente apreendeu o itinerário cognoscitivo e valorativo e as razões na base dos atos sindicados é bem patenteado, não obstante a protestatio contra factum realizada no art. 34.º da PI, nos arts. 35.º e seguintes da PI, onde se toma como origem e fundamento dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios o RIT (vd. igualmente o teor da reclamação graciosa deduzida conforme n.º XXII do probatório).

Improcede, pois, o alegado vício de omissão da fundamentação legalmente exigida quanto à liquidação de IVA e de juros compensatórios sub judice.

 

b) Caducidade do direito à liquidação

 

19. Invoca, seguidamente, a Requerente a caducidade do direito à liquidação do imposto, porquanto, estando em causa na situação em apreço “um ato de liquidação de IVA referente ao ano de 2011, mas erradamente imputado ao último período de tributação do ano civil de 2011, o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira à liquidação deste tributo, caducaria, em princípio, em 31 de Dezembro do ano de 2015”, pelo que “não tendo as liquidações cuja legalidade também se contesta sido validamente notificadas à Autora no prazo legal, caducou o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira a fazê-lo, nos termos do citado n.° 1, do artigo 45.°, da Lei Geral Tributária” (arts. 45.º e 48.º da PI).

Efetivamente, nos termos do disposto no art. 45.°, n.° 1, da LGT, o “direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, sendo que, de acordo com o n.° 4 do mesmo art. 45.°, o “prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário” (cfr. igualmente n.º 1 do art. 94.º do CIVA).

Sucede, porém, que, na situação em causa nos autos, é indispensável ter presente a previsão legal do n.º 5 do art. 45.º da LGT, nos termos da qual: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Observou-se sobre este preceito no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.04.2017, proc. n.º 1198/11.8BELRA o seguinte, que é pertinente invocar aqui: “O artº. 45, nº. 5, da L.G.T., introduzido pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (...) consagra um vector de alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o ato tributário em causa derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento do inquérito ou o trânsito em julgado da sentença exarada no respectivo processo criminal, em ambos os casos acrescido de um ano. Por outras palavras, o alargamento do prazo de caducidade em causa só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos. Por outro lado, o citado alargamento do prazo de caducidade somente se verifica face aos casos em que se deva aplicar, em teoria, o prazo geral de caducidade previsto no nº. 1 da mesma norma”; “O facto de o legislador consagrar que a caducidade só ocorre após um ano sobre o arquivamento do inquérito ou o termo do processo criminal, destina-se a permitir que haja lugar aos procedimentos e diligências legal e tecnicamente indispensáveis à estruturação de uma liquidação válida e sua notificação ao sujeito passivo. Aí se incluem, por exemplo, a elaboração do projeto de relatório de inspeção e notificação do mesmo, para efeitos de audição prévia, a elaboração do relatório definitivo da inspeção e sua notificação, ou seja, o desenvolvimento dos procedimentos técnicos de promoção da liquidação”.

 

20. Tendo em atenção o teor da previsão legal e a sua concretização jurisprudencial, cumpre concluir que se verificam, in casu, os pressupostos necessários para a extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação determinado pelo n.º 5 do art. 45.º da LGT.

Resulta, na verdade, dos factos provados sob os n.ºs XII e XIII do probatório (cfr. igualmente as indicações constantes do RIT reproduzidas no n.º XVII), que o procedimento inspetivo e as liquidações de IVA e juros compensatórios dele resultantes e aqui sindicadas tiveram na sua base os factos que são objeto do processo de inquérito n.º …/2013… TDLSB1.

Em consequência, não estando comprovado nos autos o arquivamento do inquérito ou o termo do processo crime, cabe reconhecer que não se verificou a caducidade do direito à liquidação do imposto relativamente aos factos tributários em sede de IVA ocorridos no ano de 2011 que aqui estão em apreciação.

 

c) Falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação das conclusões do relatório de inspeção tributária

 

21. Sustenta a Requerente “a falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do Relatório de Conclusões da ação de inspeção”, para o que invoca que a AT “limita-se a elencar meros juízos conclusivos”, “não explica limitando-se a afirmar as suas conclusões como se de um dogma se tratasse”, “limita-se a ficcionar e elencar factos e pressupostos que considera permitir a liquidação adicional de imposto, concluindo a partir delas não explicando em momento algum como chegou a essas mesmas conclusões” (arts. 69.º, 73.º, 82.º da PI), “limitam-se a afirmar a utilização dos equipamentos da Autora por parte do seu sócio na prestação de serviços enquanto professor e que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais e sujeito a IVA” (art. 70.º da PI), assim como não explica “porque motivo se considerou que o rendimento foi obtido no último período de tributação do respetivo ano civil”  (arts. 74.º, 75.º, 76.º da PI), pelo que “não foi possível à Autora apreender o iter cognoscitivo dos Serviços de Inspeção Tributária em resultado do qual foram apuradas as correções em sede de IVA, uma vez que os serviços da Autoridade Tributária apenas baseiam as conclusões do Relatório de Inspeção em meras extrapolações e juízos conclusivos” (art. 83.º da PI).

Não procedem tais imputações de falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação das conclusões do RIT.

 

22. Como se observa das transcrições realizadas no n.º XVII do probatório, mostram-se devidamente expostas no RIT, em conformidade com o determinado pelos já acima citados n.ºs 1 e 2 do art. 77.º da LGT, as razões de facto e de direito que sustentam as correções meramente aritméticas promovidas em sede de IVA relativamente ao ano de 2011. Senão veja-se.

Em face da detecção do uso pela Requerente de contas bancárias na titularidade dos seus sócios-gerentes e do respetivo filho (cfr.  ponto n.º III.2, pp. 9-10, do RIT), desenvolveu-se no RIT, para indagação de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo, a análise dos movimentos bancários, em confronto com a declaração de rendimentos da Requerente, em ordem à verificação dos recebimentos respeitantes a prestações de serviços sujeitas a IVA que o sujeito passivo realizou e que não faturou ou reportou fiscalmente (cfr. ponto n.º III.2, pp. 10-11, do RIT). Como tal, confrontados os documentos contabilísticos e fiscais disponíveis, os dados concretos relativos aos factos tributários e à sua quantificação foram fixados e justificados em função dos elementos revelados pelas contas bancárias, em cujo exame assentou o apuramento do quantum tributário. O que se entende perante a circunstância, necessariamente relevante, que é assumida pela própria Requerente, da utilização, em desconformidade com o disposto no art. 63.º-C, n.ºs 1 e 2, da LGT, das contas bancárias dos seus sócios e do respetivo filho, para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à sua atividade empresarial própria.

A imputação desses factos fiscalmente relevantes à Requerente enquanto prestadora dos serviços em causa e credora da correspondente contrapartida (e não ao sócio-gerente) assentou na consideração, em face dos valores totais entrados nas contas bancárias, da declaração conjunta de rendimentos dos sócios, cujos elementos foram acolhidos, designadamente a indicação de rendimentos de categoria B pelo sócio-gerente C… no montante de €86.092,75 no ano de 2011 (cfr. n.º III.2, pp. 11 e 12, do RIT), e na afirmação do desenvolvimento de atividade de professor e explicador pelo sócio-gerente no âmbito da Requerente (vd. a referência no RIT, p. 20: “o gerente do sujeito passivo prestou os serviços que geraram os rendimentos no quadro da atividade do sujeito passivo, usando os meios deste”).

Deste modo, mostram-se explicitadas pelo RIT as razões pelas quais se considerou que os valores entrados nas contas bancárias correspondiam a remuneração da Requerente pelos serviços prestados e não do sócio pelo exercício, a título pessoal, da sua atividade profissional. Em consequência, julga-se desprovida de cabimento a questão colocada pela Requerente no art. 72.º da PI quanto ao motivo porque “a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou que tal diferença [nas contas bancárias] corresponde à remuneração, não da Autora, mas do sócio pelo exercício da sua atividade profissional de professor?”.

Não se pode deixar de notar, a este propósito, que o RIT faz alusão a matéria que extravasa a averiguação da situação tributária da Requerente quando se observa que (n.º II.3.1.4, p. 7): “o sócio gerente C… presta serviços que, de acordo com os recibos por si emitidos, consistem em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino secundário e superior, as quais declara como isentas de IVA, nos termos do n° 12 do art. 9.º do Código do IVA” e se explicita seguidamente que (n.º III.2.3, p. 15): “No que se refere a lições ministradas pelo sócio gerente a título pessoal, de acordo com entendimento da Administração Fiscal beneficiam de isenção desde que não haja intervenção de qualquer entidade terceira.”; “Ora, o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e por conseguinte não poderá beneficiar de isenção”. Esta análise respeita, evidentemente, ao comportamento fiscal do próprio sócio-gerente e não à sociedade Requerente. Todavia, estas menções, especificamente concernentes à situação fiscal do sócio-gerente, não põem em crise a congruência da fundamentação do RIT quanto à imputação dos rendimentos à Requerente, sendo, aliás, compreensíveis pelo facto de se reportarem a membro dos corpos sociais da sociedade, que atuou no procedimento “por si e na qualidade de gerente da sociedade”, invocando argumentos para ambas essas qualidades (vd. n.º XVI dos factos provados).

No que concerne às razões de Direito das correções realizadas, observa-se que o RIT enuncia explicitamente que (ponto III.2.3): “Atendendo que a atividade desenvolvida pela “A…”, consiste no acompanhamento e orientação escolar, mas sem reconhecimento do ministério competente, as aulas ministradas quer individualmente, quer em grupos, não beneficiam de isenção de Iva, porque não tem enquadramento no nº 10 nem no n° 12, ambos do art.º 9° do CIVA” e que (III.2.3.2): “As prestações de serviços de explicações são sujeitas a IVA nos termos do art.º 1°, n.° 1 a), conjugado com o art.º 2º, n.° 1 a) e art.º 4º, n.° 1, todos do CIVA. São, no âmbito deste imposto, localizadas em território nacional, tal como dispõe o artigo 6º, n.° 6, b) do mesmo código. O valor tributável destas operações é o valor da contraprestação obtida do adquirente (art.º 16°, n° 1, CIVA). A taxa a aplicar aos serviços em questão está prevista no artigo 18°, n.° 1, c) do CIVA, a qual permaneceu fixada em 23% durante os anos em análise”.

Refira-se ainda que também não procede a alegação de que o RIT não explica “porque motivo se considerou que o rendimento foi obtido no último período de tributação do respetivo ano civil”: independentemente da adequação jurídica do fundamento, a apreciar em ponto subsequente, é cristalino (como a Requerente afinal o aceita no art. 125.º da PI) que no RIT se explica que (n.º III.2.3.2): “Atendendo a elevada dificuldade na distribuição exata dos valores do IVA em falta pelos diversos trimestres, iremos considerar para efeitos de elaboração do respetivo documento de correção, a omissão ocorrida no último período de imposto de cada exercício, considerando a inexistência de prejuízo deste procedimento para o sujeito passivo”.

Por fim, ainda a propósito da alegação deste vício de falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação das conclusões do RIT, deve-se notar que aquilo que, neste âmbito, a Requerente sobretudo manifesta é a sua discordância com os juízos formulados (vd. art. 70.º da PI: “o que se repudia veementemente”; art. 80.º da PI: “não é verdade que a Autora tenha omitido rendimentos”; art. 81.º da PI: a AT “limita-se a ficcionar factos e pressupostos”). Isto, porém, é matéria que não se prende com a ausência de fundamentação, mas sim com o erro nos pressupostos de facto e de direito da liquidação impugnada, abaixo examinado. Efetivamente, deve-se ter sempre presente, conforme se explicita no acórdão do STA de 5.04.2009, proc. n.º 065/09, que: “Se, eventualmente, a decisão for errada, por não se verificarem os pressupostos de facto necessários para proferir a decisão que foi tomada, ou as normas legais indicadas não forem aplicáveis ao caso ou tiverem sido deficientemente interpretadas e aplicadas, estar-se-á, na terminologia conceitual há muito consolidada na doutrina administrativa e tributária e na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, perante vícios de erros sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito, mas não perante deficiência de fundamentação”.   

 

23. Nestes termos, conclui-se que, independentemente da valia das razões expostas, que constitui temática que respeita ao vício, a seguir examinado em atenção à factualidade provada, do erro nos pressupostos de facto e de direito da liquidação realizada, o RIT apresenta, em termos cabais, perceptíveis e congruentes, os fundamentos fácticos e jurídicos na base da correção e consequente liquidação de IVA aqui em apreciação.

Dada, pois, a apresentação pelo RIT, em consonância com o disposto no n.º 1 do art. 77.º da LGT, das razões que sustentam as correções técnicas promovidas e a inteligibilidade do discurso decisório dele constante, julga-se improcedente o vício alegado quanto à “falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da ação de inspeção”.

 

d) Erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

24. Cabe, agora, apreciar o vício alegado atinente à violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, verificando se a liquidação de IVA que foi realizada se mostra em conformidade com os competentes pressupostos legais vinculativos.

A este respeito, como decorre do já anteriormente exposto, invoca a Requerente (cfr. o referido nos arts. 106.º, 107.º, 109.º, 110.º, 111.º, 114.º, 115.º da PI) serem “falsas as afirmações e pressupostos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira (…) sustenta a sua pretensão de tributar adicionalmente”, o que sustenta nos seguintes dois elementos: i) “inexiste qualquer rendimento obtido pela Autora e portanto qualquer prestação de serviço sujeita a tributação que não conste da sua contabilidade e das suas declarações fiscais”; ii) “o sócio, no desenvolvimento da sua atividade, nunca utilizou os equipamentos da Autora”; “nunca o sócio da Autora utilizou os espaços físicos em que (a Autora) presta serviços e desenvolve a atividade económica que constitui o seu objeto”.

A decisão da matéria fáctica acima efetuada (cfr. n.ºs 11 e 12) implica a improcedência desta alegação de erro sobre os pressupostos de facto na liquidação de IVA aqui em apreciação.

Com efeito, foi dado como provado que o montante de €125.436,54, entrado nas contas bancárias do sócio-gerente C… e do seu filho E…, que eram utilizadas pela Requerente para recebimentos relativos à sua atividade (cfr. factos provados n.ºs VIII e IX), corresponde a proveitos omitidos pela Requerente no ano de 2011 relativos à remuneração das prestações de serviços por si desenvolvidas no âmbito da sua atividade de acompanhamento escolar e preparação para os exames do ensino secundário e ingresso no ensino superior (explicações) e cursos de línguas (cfr. factos provados n.ºs II, IX, X e XI). Nestes termos, mostra-se conforme com os factos apurados a individualização da Requerente como sujeito passivo do imposto operada pela liquidação de IVA impugnada.

Assinale-se ainda, já agora, que a alegação fáctica (que, recorde-se, não foi dada como provada – vd. alínea A da factualidade não provada), de que o sócio da Requerente não utilizou os equipamentos desta para as suas prestações de serviços a título pessoal enquanto professor não possui influência sobre a situação objeto dos autos, a qual respeita à obtenção de proveitos não declarados por prestações de serviços efetuadas pela Requerente. É que aquela matéria apenas poderia importar para a verificação da possibilidade de o próprio sócio gerente beneficiar de isenção de IVA pelas suas atividades de professor a título pessoal, que não abrange os casos em que um professor presta colaboração numa escola para ensinar os respetivos alunos (cfr. n.º 11 do art. 9.º do CIVA; vd. igualmente o que se refere no ponto seguinte sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça).

Como já se indicou (supra n.º 14), a Requerente alegou igualmente, ainda a este respeito, que, a admitir os “serviços omitidos”, “os valores apurados estão calculados em erro”, pois “ascenderiam a €85.025,54 e não a €125.436,54”. Porém, o que foi dado como provado quanto às quantias auferidas, até porque a Requerente nunca apresentou a documentação que protestou juntar para comprovar aquele valor (cfr. art. 117.º da PI), é o que consta do ponto n.º XI do probatório, pelo que se mostra igualmente correta a determinação do quantum devido operada pela liquidação de IVA impugnada.

 

25. Em face desta comprovação de que o montante de €125.436,54, constante das indicadas contas bancárias no ano de 2011, que não foi objeto de competente faturação e declaração periódica de IVA, respeita a recebimentos da Requerente relativos às contraprestações obtidas pelos serviços por ela realizados em explicações e cursos de línguas, encontram-se verificados os pressupostos legais, cuja prova incidia sobre a AT (art. 74.º, n.º 1 da LGT), para a liquidação adicional de IVA em apreciação, dada a ocorrência dos factos tributários pertinentes e a substanciação material das normas de incidência tributária.

Desde logo, a Requerente é um sujeito passivo de IVA nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA, enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 41.º do CIVA (cfr. n.º I do probatório).

Depois, a factualidade em presença não se subsume às hipóteses legais de isenção de IVA em operações internas consagradas no n.º 9 (“As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”) e no n.º 11 (“As prestações de serviços que consistam em lições ministradas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”) do art. 9.º do CIVA (correspondentes aos n.ºs 10 e 12 do art. 9.º do CIVA antes da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20.6).

Não se subsume ao disposto no n.º 9 do art. 9.º do CIVA, porquanto a Requerente, conforme foi dado como provado (vd. facto provado n.º II), desenvolve a atividade de prestação de serviços de ensino sem reconhecimento do ministério competente. Assim, por não possuir o reconhecimento exigido por este preceito, a Requerente não beneficia desta isenção de IVA.

Não se subsume ao disposto no n.º 11 do art. 9.º do CIVA, porquanto a fenomenologia das “lições ministradas a título pessoal” reporta-se estritamente a serviços prestados por docentes (pessoas singulares) por sua própria conta e responsabilidade. Assim o esclareceu o Tribunal de Justiça da União Europeia que, a propósito do então art. 13.°, A, n.° 1, alínea j) da Sexta Diretiva IVA, sobre lições dadas, a título pessoal, por docentes, relativas ao ensino escolar ou universitário, declarou, no seu acórdão de 14.6.2007, C-445/05, Haderer, que a isenção respeita a serviços “que são efetuados por docentes, por sua própria conta e sob a sua própria responsabilidade”, pelo que não compreende a situação do professor independente que é remunerado por um organismo ao abrigo de contratos com ele celebrado, e, no seu acórdão de 28.1.10, C-473/08, Eulitz, que a isenção não compreende a situação em que, uma pessoa, na qualidade de docente, se coloca à disposição de uma entidade terceira, que remunera como prestador de serviços no âmbito do sistema educativo administrado por essa entidade.

Desta forma, as prestações de serviços de explicações em apreço são sujeitas a tributação em IVA nos termos conjugados do art. 1.º, n.º 1, al. a), do art. 2.º, n.º 1, al. a) e do art. 4.º, n.º 1, do CIVA (disposição esta que, consabidamente, considera como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens), sendo localizadas em território nacional, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 6, al. b) do CIVA.

O valor tributável destas operações é, conforme estabelecido no art. 16.º, n.º 1 do CIVA, o valor da contraprestação obtida do adquirente, e a taxa a aplicar aos serviços em causa no ano de 2011 é de 23%, conforme previsto no art. 18.º, n.º 1, al. c) do CIVA.

Em conclusão, em face dos factos materiais da causa (cfr. n.ºs 11 e 12), em que se considerou demonstrado que a Requerente omitiu rendimentos auferidos no montante de €125.436,54 respeitantes a operações tributáveis ativas por si efetuadas (prestações de serviços de ensino), conforme as correções em sede de IVA promovidas, segue-se que, pela aplicação da taxa de IVA de 23% à base tributária omitida em 2011, o imposto em falta é de €28.850,40, conforme foi concretizado pela liquidação de IVA aqui sindicada.

Improcede, pois, esta alegação de erro nos pressupostos de facto e de direito da liquidação impugnada.

 

26. Aprecie-se agora de modo específico, ainda em sede de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, a invocação pela Requerente de que “mesmo que existisse um rendimento tributável nos termos pretendidos, no que não se concede, a verdade é que os factos tributários ter-se-iam distribuído ao longo dos diversos períodos de tributação do ano civil”, pelo que “os supostos (mas inexistentes) serviços tributáveis não se verificaram apenas no último período de tributação do respetivo ano civil”, pelo que a AT deveria imputar “de forma adequada e correta o imposto ao respetivo período de tributação”, já que “a incidência em IVA em cada período de tributação depende da existência da prestação de serviços tributáveis nesse mesmo período” (arts. 119.º a 124.º da PI).

Julga-se que esta argumentação, em face das circunstâncias em presença reveladas pelos factos dados como provados, não legitima a pretendida anulação da liquidação de IVA realizada.

Lembre-se que, como se refere no RIT, n.º III.2.3.2 (e já acima se citou no n.º 22), a justificação para esta atuação prendeu-se com “a elevada dificuldade na distribuição exata dos valores do IVA em falta pelos diversos trimestres” sendo que a consideração da omissão dos serviços tributáveis no último período de imposto de cada exercício envolve “inexistência de prejuízo deste procedimento para o sujeito passivo”.

Pois bem, antes de mais, impõe-se reconhecer que, efetivamente, a imputação do imposto ao último período de tributação do exercício, como forma de ultrapassar as dificuldades na determinação do período exato a que respeita o imposto, que é devido com referência ao momento da prestação do serviço e não ao momento do pagamento da contrapartida, não prejudica o contribuinte, mas pelo contrário implica que este beneficie de um cálculo menos oneroso de juros compensatórios pelo atraso de liquidação por força do menor lapso temporal considerado.

Depois, não se pode desprezar que a imputação pela AT das operações tributáveis ao último período de tributação é direta consequência do incumprimento pela contribuinte dos seus deveres de faturação e de declaração fiscal dos proveitos auferidos. Recorde-se que a Requerente, enquanto sujeito passivo de IVA (art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIVA), estava obrigada, pela al. b) do n.º 1 do art. 29.º do CIVA, a emitir fatura ou documento equivalente por cada prestação de serviços nos prazos gerais do art. 36.º do CIVA. Cabe, aliás, ter presente que o art. 31.º, n.º 2 da LGT reputa “obrigações acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações” e que o art. 59º da LGT estabelece no n.º 1 que: “Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco” e no n.º 4 que: “A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros”. Nesta medida, não é compreensível que a Requerente, ao censurar tal atuação da AT, não demonstre, para o que é seguramente a entidade melhor colocada, as datas ou momentos da realização das concretas prestações de serviços que – indevidamente – não faturou. Ora, a Requerente limita-se a fazer uma invocação hipotética e condicional de que “os factos tributários ter-se-iam distribuído ao longo dos diversos períodos de tributação do ano civil” sem qualquer mínima concretização, não ficando, pois, evidenciado a não realização pela Requerente de operações tributáveis ativas no último período de tributação de 2011.

Nesta sequência, em razão das indicadas circunstâncias do caso quanto à dificuldade em proceder à distribuição exata dos valores do IVA em falta pelos diversos trimestres, julga-se carecer de fundamento a pretendida anulação do ato de liquidação adicional de IVA pelo facto de ter sido emitido em relação ao último período de tributação do exercício de 2011. É que resulta do disposto no art. 95.º do CIVA (onde se prevê que as “liquidações referidas nos artigos 87.º e 88.º podem ser agregadas por anos civis num único documento de cobrança”) a viabilidade de proceder a uma liquidação adicional por ano do IVA, mesmo que reportando as operações tributáveis e o imposto correspondente ao último período de tributação.

Subscreve-se, a este propósito, o decidido no acórdão do STA de 8.2.2012, proc. n.º 0931/11, que observou o seguinte, que se considera inteiramente aplicável e válido para a liquidação sub judice:

- “As regras de apuramento mensal ou trimestral do IVA, (...) ou seja, os artigos 7º, 8º, 22º, e 40º do CIVA, impõem obrigações tributárias ao sujeito passivo, mas não impedem a liquidação adicional anual com base em inexatidões ou omissões praticadas em várias declarações periódicas do mesmo ano”;

- “o valor anual da liquidação adicional representa apenas a soma das diferenças decorrentes da retificação das declarações periódicas desse ano. A liquidação adicional não revoga as autoliquidações mensais, que mantêm todos os efeitos, mas apenas «adiciona-lhe» o excedente ou a diferença que não foi previamente objeto de declaração. É evidente que não lhe adiciona o valor anual, mas apenas a parte que nesse valor corresponde à retificação efetuada na declaração periódica. Mas, sendo o ato tributário divisível, “tanto por natureza como na própria expressão legal” (...), a liquidação adicional anual pode ser dividida em tantas quantas as retificações mensais efetuadas. Apesar de formalmente unitária, a liquidação adicional anual contém assim tantos atos tributários quantas as correções efetuadas às declarações periódicas”;

- “O CIVA, em concretização do princípio da praticabilidade, aponta no sentido da «anualização da liquidação», quando prescreve no artigo 88º- A (atual art. 95º) que as «liquidações referidas nos artigos 82º e 83º (atuais arts. 87º e 88º) podem ser agregadas por anos civis num único documento de cobrança». Com esta norma, o legislador pretende que a liquidação adicional ou oficiosa do IVA não se circunscreva ao período em causa, podendo abranger “anos civis” num único documento de cobrança. Ou seja, o imposto em falta de um, dois, ou mais anos de exercício pode ser incluído num só documento de cobrança. Ora, esta norma deve ser interpretada como contendo implicitamente uma autorização para agregar numa única liquidação o imposto devido nos 12 meses ou nos quatros trimestres do respetivo ano, pois, ao reportar a agregação às liquidações de anos civis, pressupõe a anualização da liquidação do IVA”.

Cite-se também o decidido pelo acórdão do Tribunal Arbitral deste CAAD proferido no proc. n.º 86/2017-T que explicitou o seguinte, igualmente aplicável à situação sub judice:

“sem prejuízo de, para os sujeitos passivos de IVA, as declarações periódicas e o correspondente apuramento deste imposto terem, em princípio, uma periodicidade mensal ou trimestral, o artigo 95.º contém a expressa permissão de anualização dos atos de liquidação, ao contrário do preconizado pela Requerente que nele pretende ver o que dele não consta.

Acresce que existem diversas obrigações de IVA cujo cumprimento é anual e não mensal ou trimestral, como o apuramento definitivo do IVA dedutível, quanto a sujeitos passivos que tenham um regime de direito à dedução parcial (cálculo do pro rata ou da afetação real constante do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA); ou as regularizações de IVA contempladas no artigo 24.º do Código deste imposto.

À face do exposto não se vislumbra suporte legal para obrigar a AT a fazer uma liquidação por período mensal ou trimestral, sendo que, caso tivessem sido emitidas liquidações nesses moldes, a Requerente até resultaria prejudicada no período de contagem de juros compensatórios. Assim, não só não se encontra previsto o dever legal invocado pela Requerente, como, se existisse, perante a inexistência de lesão dos interesses da Requerente, em princípio, consubstanciaria a preterição de uma formalidade não essencial que não deveria conduzir à invalidade”.

Improcede, assim, também nesta parte, o invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação de IVA sub judice.

 

e) Violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material

 

27. Vejamos agora a invocada violação do princípio do inquisitório e da prossecução da verdade material.

Dispõe o art. 58.º da LGT que: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”. Pelo seu lado, o art. 6.º do RCPIT estabelece que: “O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo”.

Por força destas prescrições, a Administração Tributária, no âmbito da sua missão de fiscalização do cumprimento pelo contribuinte dos deveres tributários legalmente impostos, está vinculada a recolher todos os elementos probatórios que sejam relevantes para apuramento da situação fáctica em causa na adoção e fundamentação do ato tributário, independentemente do sentido dessas provas ser favorável ou desfavorável aos interesses do sujeito passivo ou aos interesses da arrecadação tributária. Trata-se aqui de direta decorrência do dever de imparcialidade que incide sobre a Administração Tributária.

Perante a factualidade dada como provada (vd. n.º 11), cabe reconhecer que a Requerida se desincumbiu devidamente desta obrigação, tendo recolhido a prova adequada a sustentar as correções promovidas em sede de IVA do ano de 2011.

Sustenta, todavia, a Requerente que, no decurso do procedimento de inspeção, refutou as acusações e “apresentou sucessivamente elementos que contrariam o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira”, daí retirando a violação do disposto no art. 58.º da LGT e no art. 6.º do RCPIT (cfr. arts. 132.º e 136.º da PI e n.º 5 das alegações).

Sucede que a Requerente não aponta nem identifica nas peças processuais apresentadas nestes autos os elementos a que se refere.

Ora, a omissão de diligências probatórias essenciais, constitutivo de um vício de insuficiência do procedimento dirigido à descoberta da verdade material exige, como regra, que o interessado indique quais as diligências que a AT não levou a cabo ou os elementos probatórios relevantes à instrução do procedimento que não foram recolhidos, não bastando a mera invocação de que o princípio do inquisitório foi violado.

De qualquer modo, percorrendo o exercício do direito de audição e a reclamação graciosa deduzida (vd. n.ºs XVI e XXII), as únicas diligências propostas que se descobrem prendem-se com a apresentação de alunos a quem o contribuinte C… ministrou explicações de matemática e a indicação de que “se a Inspeção tiver dúvidas pode e deve deslocar-se ao local, que é o espaço onde o contribuinte C… ministra, em termos individuais, não societários, as explicações de matemática”.

Manifestamente, estes elementos, que se reportam diretamente à situação tributária do sócio-gerente C…, não assumem relevância decisiva, em face do exame realizado das contas bancárias e dos elementos contabilísticos e fiscais, para concluir pela possibilidade de formação de distinta convicção sobre os factos pertinentes e, logo, pela omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade. Tanto é assim que, em sede de exercício do direito de audição, se referencia, afinal, que “a Inspeção Tributária deverá, em conjunto com o contribuinte C…, fazer uma análise profunda e objetiva aos dados fornecidos pelo sobredito contribuinte, apurando a receita que diz respeito à A… LDA”. Ora, foi essa análise dos dados bancários, fiscais e contabilísticos que se realizou no RIT, para a qual não se observa que a Requerente (ou o seu sócio-gerente) tenha contribuído com dados e documentos atinentes à realização de cada uma das prestações de serviços de ensino, ao momento da sua concretização e ao montante da contraprestação auferida.

Termos em que se julga improcedente a imputação ao ato de liquidação sindicado da violação do princípio do inquisitório e da prossecução da verdade material.

 

f) Incompetência do autor do ato

 

28. Invoca, também, a Requerente a ilegalidade do ato de liquidação por falta de competência do autor do ato, porquanto foi praticado pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo do art. 87.º do CIVA, na redação do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20.6, diploma este que foi elaborado com base na autorização legislativa constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 91.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31.12, a qual já se encontrava caducada e não permitia a alteração da competência para a liquidação de atos, mas sim a mera renumeração e alteração de remissões, o que implica a inconstitucionalidade daquele diploma por violação do disposto nos arts. 112.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa; consequentemente, a competência para a prática do ato era do Chefe do Serviço de Finanças da área de residência do contribuinte ou do Diretor da Direção de Serviços de Cobrança do IVA, conforme resultava da redação originária do art. 87.º do CIVA (arts. 138.º a 157.º do CIVA).

Comecemos por mencionar que, nos termos da factualidade dada como provada (facto n.º XIX), as liquidações impugnadas foram emitidas pela Diretora-Geral da AT e resultaram de correções aritméticas apuradas em ação de fiscalização.

Nestes termos, encontra-se aqui em causa a previsão do art. 87.º do CIVA, segundo o qual, no que aqui importa: “Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença” (n.º 1); “As inexatidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar diretamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua” (n.º 2); “As inexatidões ou omissões podem igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efetuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento” (n.º 3).

Pois bem, questão idêntica a que é assim colocada à apreciação deste Tribunal já foi objeto de detida e desenvolvida análise e resolução no âmbito deste CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído em relação ao processo n.º 86/2017-T em termos que inteiramente se subscrevem, pelo que não se pode aqui senão, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, convocar o decidido no acórdão prolatado nesse processo:

A Requerente invoca a inconstitucionalidade do diploma que atribuiu a competência de emissão do ato de liquidação à Direcção-Geral dos Impostos (cf. Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho, em particular o seu artigo 2.º), por ter na sua base uma autorização legislativa já caducada, aquela constante da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (cf. artigo 91.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), em violação do disposto nos artigos 112.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o que prefiguraria, a verificar-se, uma inconstitucionalidade orgânica.

A autorização legislativa vertente era válida pelo período de 90 dias e a Requerente procede à contagem do prazo desde a data de publicação da lei de autorização – 31 de dezembro de 2007 – até ao momento da promulgação, por Sua Excelência o Presidente da República, do Decreto-lei “autorizado”, em 5 de junho de 2008. (…)

Porém, o Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência uniforme, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, não tendo de atender-se à circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após o prazo de caducidade – ou dies ad quem – da autorização legislativa, conforme, a título ilustrativo, julgam os Acórdãos n.ºs 461/99, de 13 de julho; 507/96, de 21 de março; 672/95, de 23 de novembro; 265/93, de 30 de março e 150/92, de 8 de abril, todos do Tribunal Constitucional (…). Neste sentido se manifesta também Gomes Canotilho confirmando a tese prevalecente – cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição (4.ª reimpressão), Almedina, Coimbra, 2003, p. 769.

No caso em apreço, o Decreto-Lei n.º 102/2008 foi aprovado em Conselho de Ministros em 27 de março de 2008. De 31 de dezembro de 2007 a 27 de março de 2008 ainda não haviam transcorrido os 90 dias de duração da autorização legislativa, pelo que soçobra a alegação de inconstitucionalidade orgânica da Requerente.

Em matéria de inconstitucionalidade, a Requerente entende ainda que o Governo não estava autorizado a introduzir alterações com a amplitude do Decreto-Lei n.º 102/2008, designadamente no que se refere às regras de competência para a prática de atos de liquidação adicional, excedendo os limites materiais da lei de autorização legislativa, ou seja, dispondo sobre matéria de competência reservada sem para tal estar provido de diploma e norma habilitante.

Na situação dos autos, a autorização legislativa concedida ao Governo previa que a revisão e publicação do Código do IVA dotasse este diploma “de melhor sistematização e coerência interna, através da alteração, fusão, eliminação e organização de capítulos, secções e subsecções, da transferência de números ou da fusão entre artigos, sem alteração do sentido substancial dos preceitos vigentes”, corrigisse incongruências remissivas e procedesse a renumerações (cf. artigo 91.º, n.º 2 da LOE 2008). Reconhece-se, pois, que o teor da autorização legislativa não compreende a determinação do órgão ou serviço que, dentro da AT, tem competência para emitir liquidações.

No entanto, a autorização legislativa não previa, nem podia prever essa determinação, sob pena de invalidade da própria lei de autorização, porquanto não se trata de matéria de competência reservada da Assembleia da República que se circunscreve, segundo o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, à criação de impostos e sistema fiscal e ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, em articulação com o princípio da legalidade tributária do artigo 103.º da CRP que estipula que os “impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

A organização interna da AT e a definição da competência dos seus órgãos cabe ao Governo como órgão superior da Administração Pública (artigo 182.º da CRP) e no âmbito da sua competência legislativa concorrente, conforme dispõe o artigo 198.º n.º 1, infra transcrito: “Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: a) fazer decretos-leis em matérias não reservadas à AR”.

Dispõe, assim, o Governo de competência para legislar sobre a matéria em causa, razão pela qual a mesma não consta, nem poderia constar, da lei de autorização legislativa proveniente da assembleia parlamentar.

Refira-se, aliás, que mesmo que o vício invocado (de inconstitucionalidade) procedesse (que não procede), sendo a Diretora-Geral dos Impostos a superior hierárquica de todos os órgãos da AT e, por conseguinte, dos Chefes dos Serviços de Finanças e do Diretor de Serviços de Cobrança, os atos de liquidação apenas padeceriam de incompetência relativa caso estivéssemos perante uma competência (primária ou dispositiva) exclusiva e não uma competência concorrente do órgão subalterno.

Porém, o entendimento que se afigura correto é o de que à data (…) há muito que a competência para proceder à retificação das declarações dos sujeitos passivos de IVA não era competência exclusiva do Chefe do Serviço de Finanças, sendo também da competência do Diretor-Geral de Impostos, conforme resulta da jurisprudência reiterada do STA – cf. designadamente, os Acórdãos n.º 76/16, de 6 de abril de 2016, e n.º 087/12, de 27 de junho de 2012.

Deste modo, o Decreto-lei n.º 102/2008, de 20 de junho não enferma das inconstitucionalidades suscitadas, sendo válida a redação do artigo 87.º do Código do IVA que atribui à Direcção-Geral dos Impostos a competência para emitir liquidações adicionais, conforme introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho. Pelo que, estando os atos de liquidação em crise assinados pela Senhora Diretora-Geral da AT, não ocorre o vício de incompetência relativa do autor do ato”.

Aderindo integralmente a esta doutrina, julga-se que carece ab ovo de fundamento esta alegação de incompetência do autor da liquidação impugnada.

 

g) Violação do disposto no artigo 95.º do CIVA

 

29. Segundo a Requerente, a liquidação impugnada é igualmente ilegal por violação do art. 95.º do CIVA, dado que terão de ser praticados tantos atos de liquidação quanto os períodos de imposto em causa, o que não sucedeu porquanto o ato foi praticado “apenas por referência ao mês de dezembro” (arts. 160.º a 162.º da PI).

Este fundamento constitui, em substância, a renovação da alegação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito em atenção à imputação das operações tributáveis ao último período de tributação do ano de 2011.

A improcedência deste fundamento e a inexistência de violação do disposto no art. 95.º do CIVA resulta do que já se expôs acima no n.º 26, para que se remete, convocando-se em particular o decidido pelo acórdão do STA de 8.2.2012, proc. n.º 0931/11 e pelo acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral deste CAAD no proc. n.º 86/2017-T, aí citados, que é aqui inteiramente aplicável.

 

h) Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

30. No que concerne à invocada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por inexistência dos respetivos factos constitutivos e por omissão da audição prévia (arts. 164.º a 201.º da PI), cabe lembrar, no que aqui importa, que os juros compensatórios são devidos pelo sujeito passivo à Administração Tributária em ordem ao ressarcimento do atraso, por ele incorrido em termos de imputabilidade, na liquidação do tributo em causa. Com efeito, segundo o n.º 1 do art. 35.º da LGT: “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”. Do mesmo modo, o n.º 1 do art. 96. º do CIVA estabelece que: “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária”.

Nestes termos, os pressupostos legais necessários para a liquidação de juros compensatórios consistem na existência de um atraso na concretização da liquidação causado pelo contribuinte e a imputabilidade, em termos de juízo de culpa, desse atraso à atuação do contribuinte.

Não cabe duvidar da verificação de tais pressupostos da liquidação de juros compensatórios aqui em apreciação em face da factualidade acima dada como provada (cfr. factos provados n.ºs VIII, IX, X, XI): dada a omissão reprovável da liquidação do IVA devido pela Requerente pelas prestações de serviços de ensino que efetuou, que lhe é imputável senão a título de dolo, pelo menos enquanto inobservância do dever de diligência exigível segundo o padrão normal, tal conduta ilícita acarreta a aplicação de juros compensatórios como reparação civil das consequências do atraso na liquidação do imposto causado pela atuação censurável do contribuinte. Lembremos, aliás, que, como se refere nos acórdãos do STA de 16.12.2010, proc. n.º 578/10 e de 30.11.2011, proc. n.º 0619/11, posição igualmente retomada pelos acórdãos de 22.1.2014, proc. n.º 01490/13 e de 16.11.2016, proc. n.º 0954/16, “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infração tributária”.

 

31. Relativamente à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, mostram-se cumpridas as exigências legais, desde logo as prescritas pelo n.º 9 do art. 35.º da LGT (“A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas”).

O documento de demonstração da liquidação de juros compensatórios, como se referencia no n.º XXI do probatório, refere: “Juros calculados nos termos do artº 96.º do CIVA e dos artº 35.º e 44º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso ou insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte” e indica o imposto em falta sobre o qual incidem os juros (€28.850,40), o período a que se aplica a taxa de juro (2012-02-16 a 2015-12-22), a taxa de juro aplicável ao período (4%) e o valor dos juros (€4.445,33).

Tendo presente que, como se declarou no acórdão do STA de 1.7.2009, proc. n.º 871/08, a “mínima fundamentação exigível em matéria de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, diretamente ou por remissão para algum elemento anexo”, constata-se que tais elementos se encontram presentes no documento reportado no n.º XXI.

 

32. No que concerne à alegação de que não foi dada à Requerente oportunidade para se pronunciar em sede de audição prévia sobre a liquidação de juros compensatórios entende-se que não procede essa pretendida preterição de formalidade legal essencial.

Desde logo, importa destacar que o RIT identifica inteiramente (cfr. n.º XVII do probatório) o retardamento da liquidação do imposto imputável à Requerente, que omitiu a faturação e a declaração fiscal dos proveitos resultantes das prestações de serviços realizadas.

Por outro lado, os juros compensatórios operam como um agravamento da dívida de imposto, da qual não se autonomizam por força do disposto no n.º 8 do art. 35.º da LGT, que determina que: “Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”, muito embora, como se citou, “A liquidação dev[a] sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas” (n.º 9 do art. 35.º da LGT).

Ora, tendo a Requerente sido ouvida relativamente ao projeto de RIT (cfr. n.º XVI do probatório), em conformidade com a al. e) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, “é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado” (n.º 3 do art. 60.º da LGT).

 

 

i) Ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

33. Na sua PI (arts. 203.º a 206.º), para além de pedir a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa com fundamento no não acolhimentos dos vícios invocados e na manutenção dos atos impugnados, invoca a Requerente, como vício autónomo, que tal decisão não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas na reclamação (“no que respeita aos erros sobre os pressupostos de facto e de direito, a Senhora Chefe de Divisão limita-se a reproduzir os elementos constantes de relatório de conclusões de inspeção tributária não se pronunciando circunstanciadamente sobre as concretas ilegalidades apontadas”), o que envolveria a infração do disposto no artigo 56.º da LGT.

Atento o acima exposto quanto à legalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios, dada a demonstração da verificação do facto tributário e da correspondente quantificação, fica, naturalmente, prejudicada, por não consubstanciada, a alegação de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa por não acolhimento dos vícios apontados aos atos reclamados.

Resta, pois, apreciar o vício específico invocado em relação à decisão da reclamação graciosa de falta de pronúncia circunstanciada sobre o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Resulta das transcrições realizadas no n.º XXIV do probatório, designadamente na al. iii), que na decisão de indeferimento da reclamação graciosa se apreciou especificamente o pretendido erro sobre os pressupostos de facto e de direito (cfr. facto provado n.º XXII) elucidando-se que ele não se verifica por se ter constatado “ter havido omissão de proveitos, dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados, bem como o sucessivo apuramento de prejuízos fiscais”.

Não ocorre, pois, o vício invocado, sendo certo que foi cumprido o n.º 1 do art. 56.º da LGT, dada, precisamente, a decisão adotada de indeferimento da reclamação graciosa.

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide:

a) julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios impugnados nos autos, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;

b) condenar a Requerente nas custas processuais.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €33.295,73, que constitui o montante das liquidações cuja anulação é objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

VIII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836.00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência do pedido de pronúncia arbitral objeto dos presentes autos.

 

 Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de dezembro de 2017.

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efetuadas.