Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 65/2017-T
Data da decisão: 2017-09-29  IRC  
Valor do pedido: € 216.605,95
Tema: IRC - Dedução à coleta dos PEC e SIFIDE.
*Decisão arbitral anulada no segmento por acórdão do STA de 23 de maio de 2017, recurso n.º1201/17-50.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Amândio Silva e Filomena Oliveira designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

Relatório

 

  1. No dia 18 de janeiro de 2017, a sociedade A…, LDA., NIPC …, com sede na Avenida …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, bem como do acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes aos períodos de 2011 e 2012, a que correspondem, respetivamente, a liquidação n.º 2012 … e a liquidação n.º 2013 …, no valor total de € 216.605,95.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que não foi deferido o seu pedido de dedução dos montantes de SIFIDE e PEC à coleta apurada nos períodos de tributação de 2011 e 2012 e que respeitam exclusivamente aos montantes pagos a título de tributação autónoma.

 

  1. No dia 19 de janeiro de 2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 13-03-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 29-03-2017.

 

  1. No dia 15-05-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

  1. No dia 29-05-2017, notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se, por escrito, sobre a matéria de exceção contida na resposta da Requerida.

 

  1. Por despacho de 05-06-2017, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

  1. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações escritas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias, para efeitos da parte final do art.º 18.º/2 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

Decisão

 

  1. Matéria de facto

Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

A Requerente, nos períodos de 2011 e 2012, efetuou as respetivas autoliquidações de IRC, tendo apresentado as declarações Modelo 22 respetivamente em 27 de agosto de 2012 e 30 de agosto de 2013, nas quais apurou prejuízo fiscal.

Nos mesmos períodos, a Requerente autoliquidou e pagou, a título de tributação autónoma, o montante de € 106.479, 58, em 2011, e € 110.126,37, em 2012.

Conforme documentos n.ºs 5 a 7, juntos ao Pedido, a Requerente candidatou-se ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) nos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, tendo-lhe sido conferidos créditos fiscais.

Nos períodos de 2011 e 2012, a Requerente efetuou os seguintes pagamentos especiais por conta de IRC:

Período

Prestação

 Valor (€)

2011

1.ª Prestação

35.000,00

2.ª Prestação

35.000,00

2012

1.ª Prestação

35.000,00

2.ª Prestação

35.000,00

 

 

Nos períodos de tributação em causa, a coleta de IRC correspondeu exclusivamente aos montantes apurados a título de tributação autónoma.

A Requerente não deduziu os montantes de SIFIDE e PEC à coleta apuradas nos períodos de 2011 e 2012.

Em 28-03-2016 apresentou um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações referentes aos períodos de 2011 e 2012.

Com fundamento em indeferimento tácito, foi apresentado, em 22-08-2016, recurso hierárquico.

Pelo Ofício n.º…, de 11 de outubro de 2016, foi a Requerente notificada do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que, por despacho da Diretora de Serviços da Direção do IRC, de 7 de novembro de 2016, foi convolado em decisão definitiva.

A Factos que se consideram não provados

Inexistem.

 

Fundamentação da matéria de facto.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. Matéria de Direito

 

  1. Da matéria de exceção de incompetência material do tribunal arbitral

 

Começa a Requerida a sua defesa por suscitar a questão da incompetência material do tribunal arbitral por estarem excluídos, nos termos do artigo 2.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, da competência dos tribunais arbitrais os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do CPPT. Tal resulta também, segundo o alegado pela Requerida, dos princípios constitucionais do Estado de Direito e de separação de poderes, bem como do direito de acesso à justiça, legalidade e ainda o princípio de indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

 

Esta questão já foi amplamente discutida pela jurisprudência arbitral. Citamos, a titulo de exemplo, o Acórdão n.º 203/2015-T, a cuja argumentação, fundamentos e demais jurisprudência arbitral expressamente referida, se adere sem reservas:

 

“A Portaria de vinculação da ATA à jurisdição dos tribunais arbitrais estabelece limitações, designadamente, em função do tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável no art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela Portaria de vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

 

Posto isto, resulta da alínea a), do art. 2.º da Portaria de vinculação que cabe à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário remete para a reclamação graciosa, nos casos em que ela é obrigatória e condição prévia para o recurso à via da impugnação judicial. Nos casos aí previstos, a reclamação graciosa está prevista como meio de reação administrativa prévia, da qual dependerá a futura possibilidade de impugnação judicial. Muito bem, é compreensível que, também nos casos em que o sujeito passivo opta pelo recurso à instância arbitral, tal exigência se imponha, mas, note-se, apenas e só nos exatos termos em que o CPPT a prevê como pressuposto para a impugnação judicial.

 

Tal reclamação prévia não é em todos os casos obrigatória. Pelo que, também em sede de determinação da competência do tribunal arbitral, apenas é exigível a impugnação ou reclamação administrativa prévia nos mesmos casos previstos nos termos do artigo 131º do CPPT, nos mesmos termos em que é pressuposto para a impugnação judicial por recurso aos tribunais administrativos e fiscais.

(…)

 

Dispõe o artigo 131º do CPPT, sob a epígrafe “Impugnação em caso de autoliquidação”:

 

«1-Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração”

 

2- (…)

 

3- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº1 do artigo 102º.”

 

23. Na alínea a), do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

Ora, se é certo que no caso concreto não ocorreu prévia reclamação graciosa, a verdade é que o Requerente recorreu ao mecanismo da revisão oficiosa do ato de autoliquidação. Tendo em conta que, como vimos, a portaria de vinculação exclui expressamente do âmbito da arbitragem tributária os atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa prévia, obrigatória, nos termos previstos nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, importa analisar, antes de mais, se o indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

 

Na verdade, o art. 2.º do RJAT não se faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede na lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, na qual se faz menção expressa aos “pedidos de revisão de actos tributários” e “aos actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”.

 

Como se afirma no Acórdão arbitral proferido no processo nº 117/2015-T, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» utilizada na alínea a) do nº1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da ilegalidade de atos de segundo grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do nº1 do art. 10º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”

 

A análise da questão da competência dos tribunais arbitrais em funcionamento junto do CAAD está particularmente bem desenvolvida e fundamentada neste Acórdão arbitral, ao qual se adere, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.

 

Contudo, sempre se dirá, ainda, que foi neste sentido que o Governo, na Portaria de vinculação interpretou as competências dos tribunais arbitrais tributários, ao afastar do seu âmbito de competência as pretensões relativas à declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do CPPT.

 

Assim sendo, é de concluir que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo. E, sendo assim, é nosso entendimento que a competência do tribunal arbitral abrange também os casos em que o ato de segundo grau seja, como no caso concreto, um ato de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário, tanto mais que é entendimento do próprio STA (o que, aliás, é reconhecido pela AT na decisão de indeferimento proferida) que nos casos em que o pedido de revisão do ato tributário é efetuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. Não se vê, aliás, qualquer razão que justificasse a restrição dessa competência.

 

24. Entende, contudo, a ATA que aquele normativo deve ser entendido na sua literalidade, excluindo do âmbito da jurisdição arbitral tributária as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidas de reclamação nos termos das referidas normas do CPPT.

 

 

Toda a argumentação da ATA nesta matéria acaba por se reconduzir à defesa do entendimento segundo o qual foi intenção do legislador restringir a competência da jurisdição arbitral tributária, no que ao conhecimento de ilegalidades dos atos de autoliquidação diz respeito, unicamente às situações em que exista uma reclamação apresentada nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto é isso que resulta expressamente do texto da norma interpretada.

 

Porém, analisados os argumentos invocados pela ATA a este propósito não se descortina uma razão substancial que sustente este entendimento. Na verdade, não se vê qual a razão para excluir da competência dos tribunais arbitrais esta matéria, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados para o conhecimento da legalidade dos atos de autoliquidação. Ao que acresce que, a letra da lei, desde que devidamente contextualizada, não conduz ao resultado defendido pela AT nos autos.

 

Como bem se refere no Acórdão arbitral nº 55/2015-T, “com efeito, a expressão empregue por tal norma é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da assumida, e pacificamente reconhecida, intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

 

A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação, sem precedência de pronúncia administrativa prévia. Ou seja: tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela AT, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.”

 

 

 

25. Acresce que a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, do Código Civil. Resulta destes dispositivos legais que a interpretação da norma jurídica não pode cingir-se exclusivamente ao seu teor literal. É fundamental descortinar o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a mesma surgiu e os objetivos que visa prosseguir.

 

Não se aceita, pois, a alegação da ATA nesta matéria. Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta uma correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Apenas estão vedadas interpretações que não tenham qualquer correspondência na letra da lei, o que não é o caso. Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação que atendendo aos demais elementos de interpretação, explicite de forma congruente e racional o alcance do teor literal e o pensamento do legislador que lhe está subjacente.

 

26. É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de atos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como justificação legitima o facto de relativamente à matéria em apreciação seja permitido uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada, evitando o contencioso judicial, se possível, e dando a oportunidade da ATA revogar ou corrigir o ato. Ora tais propósitos são perfeitamente alcançados no caso concreto com o pedido de revisão do ato tributário que deu origem ao ato de segundo grau, que consistiu no indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação.

 

Assim, não é defensável uma interpretação diferente da norma prevista no CPPT e da prevista em sede de arbitragem tributária, até porque a letra da norma contida na Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente” (vd. art. 131º, nº1 do CPPT), nem se refere a “reclamação graciosa” mas antes a expressão “via administrativa”. Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa. Tal interpretação é, ainda, perfeitamente compatível com os termos previstos nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

À semelhança da jurisprudência vertida nos Acórdãos arbitrais proferidos nos processos 48/2012-T, 117/2013–T e 55/2015-T, entre outros, citados pela própria ATA é entendimento deste tribunal arbitral que o mesmo se encontra dotado de competência material para conhecer a matéria em questão e em discussão nos presentes autos. A propósito, citando o Acórdão 117/2013-T, conclui-se que “a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (art. 11º, n. 1, da LGT) e o artigo 9º, nº1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseados no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei» devendo, antes, reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada»

 

É de concluir, em sintonia com a jurisprudência arbitral supra citada que o artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 112-A/2011 (Portaria de vinculação) devidamente interpretado com os princípios de interpretação da lei acima expostos e previstos no art. 9º do Código Civil, aplicável às normas tributárias por força do disposto no artigo 11º, nº1 da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

 

Pelo exposto, não há qualquer violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito, legalidade ou separação dos poderes, por corresponder à letra e sentido da do artigo 2.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, a interpretação aqui sufragada.

 

Assim, improcede a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela AT.

 

  1. Da inimpugnabilidade do ato de liquidação de IRC n.º 2013 …

 

Alega ainda a Requerida que o ato de liquidação n.º 2013 … ora impugnado pela Requerente foi substituído pela liquidação n.º 2015 …, por força e uma ação inspetiva em que foram efetuadas correções à matéria tributável.

 

Conclui, assim, que a inimpugnabilidade deste ato de liquidação consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição parcial da entidade requerida, nos termos da al. i) do n.º 4 do artigo 4 do artigo 89.º do CPTA e do artigo 576.º, n.º 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Na resposta, a Requerente defende que a liquidação adicional não é uma nova liquidação, autónoma e distinta da anterior. Acrescenta ainda que os pressupostos das liquidações e fundamentos das impugnações são distintos, pelo que as razões que subjazem à presente impugnação estão ainda em vigor.

 

Na senda do defendido pelo Acórdão do TCAS, de 18 de fevereiro de 2016, relativo ao Proc. n.º 08712/15, há que verificar se os elementos da liquidação objeto de impugnação já estava refletidos na liquidação original que deverá, assim, ser sindicado pelo tribunal; se os fundamentos da liquidação adicional corresponderem ao objeto da presente ação, deverá ser este o ato a impugnar.

 

Conforme referido pela Requerida, o ato de liquidação adicional resulta de uma correção ao apuramento do lucro tributável da qual resultou um apuramento de lucro tributável e não de prejuízo fiscal, pelo que não seria de aplicar o disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC.

 

            No presente processo, discute-se a dedução à tributação autónoma do crédito fiscal e do PEC constante da autoliquidação efetuada.

 

            Conclui-se, assim, pela improcedência da exceção de inimpugnabilidade da liquidação n.º 2013 … .

 

*

Quanto ao Mérito

  1. Tributações autónomas e coleta de IRC

A questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir se a Requerente tem o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, do crédito fiscal decorrente do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) sendo, em caso afirmativo, anulados os atos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, bem como do ato de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos períodos de tributação de 2011 e 2012, respetivamente objeto da Liquidação n.º 2012 … e da Liquidação n.º 2013 …, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução do SIFIDE, nos montantes de Euros 106.479,58 e de Euros 110.126,37, referentes a tributação autónoma paga, respetivamente nos períodos de tributação de 2011 e 2012, com fundamento na não dedução do SIFIDE.

 

Submetida ao Tribunal está ainda, a título subsidiário, caso dê resposta negativa à primeira questão, a anulação dos atos de indeferimento expresso da revisão oficiosa e de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, bem como ser anuladas as autoliquidações de IRC com os n.ºs 2012 … e 2013 …, referentes aos períodos de tributação de 2011 e 2012, respetivamente, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução dos PEC, mediante o reembolso do montante de € 140.000,00, referente a tributação autónoma paga nos períodos de tributação de 2011 e 2012, por não dedução dos PEC.

 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequência da autoliquidação em crise.

Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IRC sub judice e do eventual direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

Seguiremos nesta decisão muito de perto o que foi decidido nos processos n.ºs 673/2015-T, de 28 de Abril de 2016, 775/2015-T, de 28 de Junho de 2016, e 672/2016-T, de 14 de Agosto de 2017.

 

Vejamos:

 

O regime das tributações autónomas em vigor nos exercícios de 2011 e de 2012 é o resultado de numerosas alterações legislativas.

 

A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de Junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas.

 

Posteriormente, as tributações autónomas foram incluídas no Código do IRC, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que veio integrar a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC.

 

Desde então, o regime das tributações autónomas tem vindo a passar por um processo de expansão progressiva, em parte ditado pela aparente intenção contínua de aumentar a receita fiscal por via deste mecanismo.

 

Tendo em conta o artigo 88.º do Código do IRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

No entanto, as tributações autónomas em sede de IRC não se esgotam no artigo 88.º do Código do IRC. Efetivamente, são igualmente exemplos de tributação autónoma, as realidades previstas no n.º 10 do artigo 43.º do Código do IRC e na alínea b) do n.º 2 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no que se refere a contribuições para Fundos de Pensões efetuados por empresas a favor de trabalhadores, quando incumpridos os requisitos de dedução ou de isenção fiscais.

 

Temos assim, tributações autónomas previstas no Código do IRC, tributações autónomas previstas no Código do IRS e tributações autónomas previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

No que se refere à questão em análise, ou seja, quanto ao IRC e à natureza das tributações autónomas, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

 

A coleta por elas proporcionada constitui coleta do imposto respetivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis.

 

Ao contrário do que por vezes se defende, as tributações autónomas não constituem, na sua génese, impostos especiais sobre o consumo, correspondendo a cada despesa um facto tributário, de formação instantânea.

 

Desde logo, porque uma tal conceção forçaria, em IRC, a que se apreciasse a respetiva constitucionalidade à luz do princípio da tributação pelo rendimento real das empresas e, por outro lado, porque não há aqui verdadeiramente uma manifestação de riqueza que deva ser tributada, além do que muitas das despesas sujeitas são também dedutíveis, reconhecendo-se assim que se relacionam com a atividade da empresa e não com gastos que manifestem capacidade contributiva.

 

As tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS, como se explica na decisão do Tribunal Arbitral proferida n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de “(…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.

 

A questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é “apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC”, pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas.

 

O artigo 90.º do Código do IRC refere-se às formas de liquidação do imposto, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do IRC devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

 

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se, na maioria das situações, às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º.

 

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e a resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do Código do IRC, mas não nas formas de liquidação, que se prevêem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

Por isso, sendo o artigo 90.º inserido neste Capítulo V, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de poderem ser distintas as taxas e/ou as formas da determinação da matéria tributável.

 

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso.

 

É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes suscetíveis de afetarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

 

O Código do IRC refere-se, na sua versão atual, de modo expresso, às tributações autónomas apenas em cinco artigos. No artigo 12.º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no artigo 23.º-A, n.º 1 (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no artigo 88.º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria coletável das tributações autónomas), no artigo 117.º n.º 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do artigo 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas) e no artigo 120.º n.º 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos). Por outro lado, e não obstante a sua natureza especifica, no artigo 43.º, n.º 10 prevê-se igualmente uma tributação autónoma – “ao valor do IRC liquidado relativamente a esse período de tributação deve ser adicionado o IRC correspondente aos prémios e contribuições considerados como gasto em cada um dos períodos de tributação anteriores…” – relativamente à reposição da dedutibilidade fiscal das contribuições entregues a Fundos de Pensões em caso de incumprimento dos requisitos de dedutibilidade fiscal. Também aqui, a tributação autónoma efetivar-se-á, mesmo que a empresa apresente prejuízo fiscal, embora à taxa de IRC do artigo 87.º.  Não existindo no Código do IRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas, não é menos verdade que existe ainda, no artigo 18.º, n.º 2, alínea b) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), uma tributação autónoma de IRC, com impacto direto na coleta deste imposto. Esta norma do EBF sujeita a tributação autónoma de IRC, à taxa de 40%, as contribuições para Fundos de Pensões entregues por empresas a favor de trabalhadores, sempre que estes trabalhadores incumprem os requisitos que os permitiram beneficiar de isenção de IRS (diferimento de tributação para o momento de recebimento dos benefícios). É uma tributação autónoma de IRC que funciona como uma reposição parcial do IRC que deixou de ser pago no momento em que as contribuições, fiscalmente elegíveis como gasto fiscal, foram entregues ao Fundo de Pensões. Neste caso, o legislador não coloca em causa a dedutibilidade do gasto, obrigando apenas a empresa a repor parcialmente a coleta de IRC que deixou de ser paga. Estamos, claramente, perante uma coleta de IRC, com a especificidade de tributação autónoma.

 

Em relação às normas em vigor à data dos factos em apreciação, a novidade reside apenas no artigo 23.º-A, introduzido pela recente Reforma do IRC, o qual vem estabelecer que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável , mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, determinados encargos, sendo que a redação da alínea a) é esclarecedora: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”. (destaque nosso)

 

Ou seja, não só o legislador expressa que o IRC inclui as tributações autónomas, como não existem no Código do IRC, designadamente, nos capítulos que tratam da incidência (Capítulo I), liquidação (Capítulo V) e pagamento (Capítulo VI) quaisquer outras referências expressas às tributações autónomas, do que é forçoso concluir que estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no Código do IRC.

 

A parte da coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do Código do IRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’, para além das situações referidas a propósito do artigo 43.º ou do artigo 18.º, n.º 2, alínea b) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Estes artigos delimitam a matéria coletável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enunciam as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal. A coleta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são, em alguns casos, o produto da matéria coletável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra, inferior, quando o resultado tributável for positivo.

 

Assim, a coleta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado que é de formação sucessiva.

 

Também alguns gastos que não coincidem com as despesas que extinguem e que são sujeitas a tributação autónoma, nomeadamente as depreciações e as contribuições entregues a Fundos de Pensões em caso de incumprimento dos requisitos fiscalmente impostos, são de formação contínua.

 

Conforme já referido, na redação atual do artigo 23.º- A, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, conclui-se, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC (são uma parte do IRC).

 

O mesmo se conclui do articulado do artigo. 12.º, quando nele se dispõe que “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, ao apresentar as tributações autónomas como um subconjunto do IRC.

 

A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas ou que mediante determinados comportamentos de incumprimento penalizam e corrigem, até em algumas situações passados vários anos, deduções que foram efetuadas e acabaram por reduzir o rendimento tributável.

 

Mas não é, porém, a finalidade, a natureza ou a incidência do imposto, a questão essencial aqui. O que interessa neste caso saber, em nossa opinião, refere-se exclusivamente ao modo com se efetua a liquidação (da parte do imposto que provém) das tributações autónomas e a de saber se estão incluídas no n. º1 do artigo 90.º do Código do IRC, ou se estão fora dele.

 

Reconhecendo-se a matéria em causa como inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, através da qual o sistema, como se pode ler no Acórdão 617/12 do Tribunal Constitucional, mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procuram desencorajar, criando uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. “Em resumo”, diz o TC, “o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.".

 

Sendo que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC. É que, mesmo que se aceitasse que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende agravar com o imposto.

 

Se assim fosse, teriam de ser taxadas todas as despesas previstas, realizadas por todos os sujeitos e não apenas por alguns deles.

 

Ou seja, as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas. São, no fundo, regras especiais de dedutibilidade de certos custos.

 

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o

IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua

integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

 

As tributações autónomas ora em causa são, como tal, indubitavelmente entendidas

pelo legislador como uma forma de obstar a determinadas actuações abusivas, que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir ou que seriam mais onerosas ou trabalhosas para a administração tributária ou, até, eventualmente, para o contribuinte.

 

Este carácter antiabuso das tributações autónomas será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva.

Neste prisma, como refere a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 187/2013-T, as tributações autónomas em análise, terão então subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

 

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a

sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da relação das despesas em questão com a atividade empresarial, optou por consagrar o regime atualmente vigente.

 

Esta presunção de empresarialidade parcial, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do artigo 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura conforme a uma adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas cuja relação com a atividade prosseguida poderá não ser, à partida, evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto. Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Face a tudo o que se vem de expor, consideramos que as tributações autónomas em crise integram o regime do IRC e que a respetiva liquidação é efetuada nos termos do artigo 90.º do respetivo Código.

 

  1. Quanto à dedutibilidade do crédito fiscal do SIFIDE à quantia devida a título de tributação autónoma

 

Aqui chegados debrucemo-nos sobre a questão de saber o que é dedutível à colecta resultante das tributações autónomas em IRC. A norma em crise é a do artigo 90.º do Código do IRC, sendo a alínea a) a que se aplica à liquidação feita pelo sujeito passivo (autoliquidação).

 

Era esta a redação do artigo resultante Lei n.º 3-B/2010 e vigente até 31.12.2013:

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(...)

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 (…)

7 — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

9 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

         Não existe no Código do IRC outro artigo para além do artigo 90.º que se distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos – tributações autónomas e restante IRC –  é única e tem o mesmo suporte legal.

 

         As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto.

 

         Tendo em conta o enquadramento realizado e conclusões no ponto anterior, a primeira questão concreta que se coloca neste âmbito é a de saber se os créditos fiscais reconhecidos à requerente nos anos de 2011 e de 2012, em sede de SIFIDE, também podem ser deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneram nesse exercício fiscal, na parte em que não podem ser deduzidos à restante coleta.

 

         Para responder a esta questão analisemos as normas que regiam o SIFIDE nas circunstâncias de tempo que relevam para os presentes autos.

 

         O SIFIDE foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto. Segundo o seu artigo 4.º (Âmbito da dedução) na redação em vigor em 2010:

1—Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º[1] do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas no período de tributação que se inicie em 1 de Janeiro de 2006, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base—20% das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental—50%do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 750 000, o qual poderá ser revisto por decreto-lei.

2—A dedução é feita, nos termos do artigo 83.º1 do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3—As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.

4—Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.”

 

O artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, cria o SIFIDE II, a vigorar nos períodos de tributação de 2011 a 2015.

 

No artigo 4.º (Âmbito da dedução), em vigor em 2011, é referido:

1 — Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base — 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental — 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de € 1 500 000.

2 — Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica -se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 — A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 — As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 — A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para atividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de € 1 800 000.

7 — Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de atos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica -se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais

 

         Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 4.º (tanto da Lei n.º 40/2005, como do art.º 133.º da Lei n.º 55-A/2010) se faz à “dedução (…) nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (…)” como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a coleta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a coleta única de IRC.

 

            O facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à coleta do art.º 90.º do Código do IRC – “(…) e até à sua concorrência (…)” – não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

 

Quanto à dedução do SIFIDE (I e II) estar condicionada a que o “(…) lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos” não significa, conforme afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira que “o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria coletável”.

 

Apenas uma interpretação restritiva desta norma poderia impedir a dedução das tributações autónomas por considerar que as mesmas não são apuradas com base na matéria coletável. O legislador apenas impediu a dedução do crédito fiscal do SIFIDE nos casos em que a matéria coletável é apurada por métodos indiretos, nos termos do art.º 87.º da Lei Geral Tributária. 

 

Conforme decidido no Acórdão proferido no Processo n.º 673/2015-T, “Sendo esta a interpretação que resulta do teor literal, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à coleta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excecionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica.

Referindo ainda: “No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”.

 

            Tendo a Requerente junto aos autos os Documentos emitidos pelo Ministério da Economia e do Emprego comprovativos dos créditos fiscais atribuídos a título de SIFIDE I e SIFIDE II (Doc. 5, 6 e 7, anexos à Petição) e, no caso em apreço, não tendo a Requerida questionado a legitimidade dos mesmos, nem o preenchimento dos requisitos subjetivos e objetivos para que a Requerente possa beneficiar do SIFIDE, entendemos estar cumprido o disposto no art.º 3.º da Lei n.º 40/2005 e do art.º 6.º da Lei n.º 55-A/2010.

 

Não permitindo o sistema informático a dedução do crédito fiscal do SIFIDE à coleta de IRC proveniente das tributações autónomas, por tudo o que ficou referido, entendemos que a solução informática existente carece de suporte legal.

 

Aqui chegados, há que analisar a questão do n.º 21 do artigo 88º do Código do IRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de Março).

 

Na verdade, foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do Código do IRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

E, no artigo 135.º, dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

 

A Administração Tributária entende que a nova redação do artigo 88.º impede a dedução, nos termos do artigo 90.º, dos benefícios fiscais e pagamentos especiais por conta à coleta que resulte das tributações autónomas.

 

Não obstante, no nosso entender, tal não é evidente. O artigo 90.º não foi alterado, continua a referir-se à coleta de IRC e, por tudo o que atrás se deixa dito, a coleta que resulta da aplicação das normas do artigo 88.º ou de outras tributações autónomas “avulsas” continua a ser coleta de IRC.

 

O que o número 21 do artigo 88.º proíbe é que, a esta coleta, se efetuem quaisquer deduções até ao momento em que, apurada a coleta global de IRC, se efetuam as deduções do artigo 90.º.

 

Conforme evidenciado no Acórdão do CAAD proferido no Processo 775/2015, “Aceita-se que o legislador quisesse, de facto, proibir que as deduções do artigo 90.º fossem efetuadas à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, mas se assim era, deveria tê-lo dito claramente, no que teria andado melhor em alterar o artigo 90.º e não o artigo 88.º”.

 

O que nos leva a concluir que, se o regime não era claro antes da publicação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, continua a não o ser.

 

Não nos cabe, porém, analisar aqui de forma mais aturada o regime que atualmente resulta do disposto no número 21 do artigo 88.º do Código do IRC, uma vez que, mesmo que se entendesse que a referida alteração passou a impedir a dedução à parte da coleta de IRC decorrente das tributações autónomas, a natureza interpretava dada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março já foi analisada pelo Tribunal Constitucional.

 

Assim, nos termos do Acórdão 267/2017, de 31 de Maio de 2017, do Tribunal Constitucional, a norma constante do Orçamento de Estado para 2016 que impossibilita a dedução dos valores pagos a título de pagamento especial por conta (ou de benefícios fiscais) aos anos fiscais anteriores a 2016, padece de inconstitucionalidade, “na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.

A determinação da aplicação de tal solução a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da Lei de Orçamento do Estado para o ano de 2016 torna-a substancialmente retroativa e, por conseguinte, incompatível com a proibição constitucional da imposição de impostos retroativos. Com efeito, tal norma é inovadora e agrava desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC, sendo por isso inconstitucional.”.

 

No caso sub judice, por tudo o que se deixou já explicitado supra, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução dos benefícios fiscais, como é o caso do SIFIDE à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas.

 

Termos em que se conclui que os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2011 e 2012, na medida correspondente à não dedução do SIFIDE à parte da colecta do IRC proveniente da tributação autónoma enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

 

 Fica, pois, prejudicada a análise da questão subsidiária suscitada pela Requerente de dedução dos PEC, uma vez que à coleta resultante das tributações autónomas deverão ser deduzidos os créditos fiscais do SIFIDE.

 

5.    Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

Requerente pede ainda que a AT seja condenada a reembolsá-la das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos competentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

Esta mesma questão já foi suscitada em diversos processos anteriores em que se analisa matéria em tudo idêntica à dos autos, entre os quais o Processo 303/2015-T do CAAD, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve:

“De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros  indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em  reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços  de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.”

 

Na sequência da ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC de 2011 e de 2012 e de juros compensatórios, objeto do presente processo, dúvidas não subsistem que a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá proceder, não só à restituição dos montantes indevidamente pagos pela Requerente no montante de Euros 216.605,95, dando cumprimento ao imperativo do artigo 100.º da LGT supra citado, bem como ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios que são devidos desde as datas em que os pagamentos foram efetuados pela Requerente até à data em que venha a ocorrer o respetivo reembolso.

Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência:

 -  declarar a ilegalidade das autoliquidações com os n.ºs 2012 … e 2013 … relativas, respetivamente aos exercícios de 2011 e de 2012, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução do SIFIDE aos montantes das tributações autónomas e anulá-las, nas partes respetivas;

-   anular os atos de indeferimento expresso da revisão oficiosa e de indeferimento tácito do recurso hierárquico, referentes aos períodos de tributação de 2011 e 2012;

 - condenar a Requerida a reembolsar a Requerente nos montantes de Euros 106.479,58 e de Euros 110.126,37, referentes à dedução do SIFIDE à tributação autónoma paga, respetivamente nos períodos de tributação de 2011 e 2012, e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao momento em que vier a ocorrer o reembolso dos valores correspondentes às tributações autónomas.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de Euros 216.605,95.

 

 

  1.  Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 4.284,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 de Setembro de 2017

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

José Pedro Carvalho (Presidente – vencido, conforme declaração)

 

 

 

Amândio Silva (vogal)

 

 

 

Filomena Salgado Oliveira (vogal)

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

 

Votei vencido na presente decisão porquanto, pelos argumentos constantes, entre outras, das decisões que fizeram vencimento nos processos arbitrais 34/2016T, 174/2016T, 122/2016T, 567/2016T e 587/2016T, considero que o artigo 90.º/2 do CIRC, na redacção anterior à entrada em vigor da redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março, deve ser objecto de uma interpretação correctiva, limitando a sua abrangência ao IRC stricto sensu, excluindo, portanto, as tributações autónomas, mantendo assim o seu sentido original, que era aquele que o mesmo tinha antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

Com efeito, a questão que se está a colocar, decorre – exclusivamente – da falta de perspectiva do legislador aquando da introdução das tributações autónomas no CIRC, que não permitiu que se apercebesse de todas as implicações de tal operação, o que levou a que, entre outros[2], o artigo 90.º/2 do CIRC se tivesse mantido inalterado e que a tenha que ser a jurisprudência a, casuisticamente, ir determinando as partes do regime do IRC que se  aplica às tributações autónomas[3].

De resto, a posição que fez vencimento sustenta a conclusão – totalmente avessa à presunção de um legislador razoável – de que será possível proceder-se às deduções previstas no artigo 90.º/2 do CIRC à colecta de tributações autónomas relativas a despesas não documentadas ou a pagamentos a entidades com regime fiscal privilegiado, entre outras.

Assim, atenta a natureza e a teleologia próprias das tributações autónomas, tal como desenvolvido nas decisões arbitrais supra-citadas, bem como a evolução histórica da sua emergência no quadro do IRC, não tenho quaisquer dúvidas que aquela norma não foi criada, nem mantida, tendo em vista a sua aplicação às tributações autónomas, carecendo, por isso, de ver a sua letra interpretada correctivamente, no sentido acima apontado.

 

 

Lisboa, 29-09-2017

 

 

José Pedro Carvalho (Presidente)

 



[1] Que corresponde ao artigo 90.º do Código do IRC na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04.

[2] O que levou à introdução de sucessivos remendos no regime do IRC, como acontece, p. ex., com os actuais artigos 12.º, 23.º-A/1/a), 117.º/6, 120.º/9, para além do artigo 88.º/21, introduzido pela referida Lei 7-A/2016, de 30 de Março.

[3] Cfr., p. ex. Acs. do STA de 12-04-2012, proferido no processo 077/12 (aplicação das tributações autónomas a entidades isentas de IRC), e de 06-04-2016, proferido no processo 01613/15 (não dedutibilidade da colecta de tributações autónomas à colecta de IRC).