Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 59/2017-T
Data da decisão: 2017-06-28  IRC  
Valor do pedido: € 125.362,41
Tema: IRC – Tributações autónomas – Interpretação autêntica. Constitucionalidade – SIFIDE
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Ana Teixeira de Sousa e Dr. José Manuel Aurélio dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-03-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, S.A. (doravante designada por “Requerente” ou “A…”), pessoa colectiva número …, com sede na …, n.º…, …, …-… Algés, veio apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… e, bem assim, a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da aA…, relativa ao exercício de 2014, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 125.362,41, com a sua consequente anulação nesta parte, por afastamento indevido da dedução à colecta, atenta a manifesta ilegalidade da liquidação nesta parte, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2015.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja ser declarada a ilegalidade da liquidação das tributações autónomas (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação (cfr. artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LGT, e artigo 103.º, n.º 3, da constituição), com o consequente reembolso do mesmo montante e pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.

 É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-01-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13-03-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-03-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 10-05-2017 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

Apenas a  Requerente apresentou alegações.

O Tribunal Arbitral é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Não são suscitadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     Em 28 de Maio de 2015 a Requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) referente ao exercício de 2014 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)     Nessa declaração a Requerente procedeu à autoliquidação de tributações autónomas em IRC desse mesmo ano de 2014, no montante de € 125.362,41;

c)     A Requerente dispunha de SIFIDE para utilização no final do exercício de 2014 no montante de € 4.607.428,18 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); 

d)     A Requerente não efectuou dedução de qualquer montante do SIFIDE à colecta derivada de tributações autónomas;

e)     A Autoridade Tributária e Aduaneira não apurou lucro tributável da A… por métodos indirectos;

f)      A Requerente não é e não era entidade devedora ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições relativamente aos anos de 2009 a 2015 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)     O sistema informático da AT impede que se deduza o montante do SIFIDE à colecta relacionada com as tributações autónomas (artigos 21.º, 22.º, 27.º e 28.º do pedido de pronúncia arbitral, que não são contestados);

h)     Em 29-02-2016, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação, e veio a ter o n.º …2016… (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)       A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 13-10-2016, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j)      O referido despacho manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

l - DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE

1 - Vem o contribuinte identificado em epígrafe apresentar uma reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2014 efetuada na declaração de rendimentos mod. 22 (fls. 19 a 27 do processo).

2 - Solicita o reembolso do montante de € 125.362,41, alegando, em síntese, o seguinte:

• É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que as tributações autónomas assumem a natureza de IRC.

• Não existindo no Código do IRC qualquer disposição que preveja termos específicos para a liquidação das tributações autónomas, ter-se-á que concluir que o seu art° 90" abrange o apuramento do montante de coleta que resulta das taxas aplicáveis aos factos tributários que, por força do art° 88° do mesmo Código, se encontram sujeitos a tributação autónoma, tanto mais que este tributo assume a natureza do IRC.

• A DSIRC, tendo em consideração o seu entendimento quanto à natureza das tributações autónomas (junta documento a fls. 29 a 36), admite a possibilidade de serem deduzidos ao seu valor, quer os créditos fiscais de SIFIDE aprovados no próprio período de tributação, quer aqueles que respeitam a períodos anteriores e que se encontrem ainda disponíveis para dedução.

• Uma vez que a reclamante apurou uma coleta de tributação autónoma no montante de € 125.362,41, à luz daquele entendimento, poderia ter deduzido, até à sua concorrência, o valor de benefícios fiscais - no caso, o SIFIDE - ainda disponível. O valor do SIFIDE que se encontrava disponível para dedução no período de 2014, e que não foi deduzido por alegada insuficiência de coleta, ascendia a € 4.603.239,40.

• A título subsidiário, se a AT entender não ser possível efetuar a dedução do crédito fiscal de SIFIDE ao montante das tributações autónomas, argumentando que a sua liquidação não tem enquadramento no art° 90° do CIRC, então a reclamante considera que aquelas tributações autónomas não se mostrariam devidas por inexistência de norma de liquidação, pelo que solicita o reembolso do respetivo montante.

3 - Solicita ainda juros indemnizatórios, ao abrigo do art° 43° da LGT, sobre o montante pago indevidamente.

II - ANÁLISE DO PEDIDO

1 - A reclamante tem legitimidade (art° 9° do Código de Procedimento e Processo Tributário), e o pedido é legal e foi apresentado em tempo, dentro do prazo de dois anos após a entrega da declaração, nos termos do n° 1 do art° 131° do CPPT (datas de entrega da declaração m/22, 28-05-2015, fl. 19; reclamação entregue em 29-02-2016, fl. 4).

Para efeitos do disposto no n" 3 do art° 111° do CPPT, verificou-se, por consulta ao Sistema Informático, que até à presente data não foi apresentada impugnação judicial com o objeto da reclamação em análise.

2 - A reclamante alega que o valor do benefício fiscal SIFIDE por deduzir com referência ao exercício de 2014 deve poder ser deduzido ao das tributações autónomas apuradas na declaração mod. 22 desse exercício, com base no n° 2 do art° 90° do CIRC, por as tributações autónomas revestirem a natureza do IRC e por não haver norma de liquidação além desse artº 90°.

Com efeito, as tributações autónomas a que se refere o art° 88° do CIRC têm a natureza de IRC, mas liquidado autonomamente.

Ao contrário do afirmado na reclamação, não consta na informação da DSIRC junta à mesma (fls. 29 a 36) a possibilidade de qualquer dedução ao montante das tributações autónomas.

De acordo com o disposto no n° 21, aditado ao art° 88° do CIRC pela Lei n" 7-A/2016 de 30/3 (Lei do OE para 2016): "A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.° e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado."

A esse n° 21 foi atribuída natureza interpretativa pelo art° 135° da mesma lei.

Assim, com base nessa norma legal, os benefícios fiscais não são dedutíveis ao montante das tributações autónomas.

Quanto à alegação, a titulo subsidiário, de ausência de base legal para a liquidação das tributações autónomas, é de referir, conforme expresso na norma acima transcrita, que a respetiva liquidação é efetuada nos termos previstos no artigo 89°, com base nos valores e taxas que resultam do disposto no art° 88°, ambos do CIRC.

3 - Dado que, conforme exposto no ponto anterior, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação de IRC objeto de reclamação.

Acrescenta-se, ainda, que por não se verificarem in casu os pressupostos do n° 1 do art° 43° da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.

III - AUDIÇÃO PRÉVIA

A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento por transmissão eletrónica de dados no dia 06-09-2016, conforme consta a fls. 45 e 46 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no artº 60° da Lei Geral Tributária.

Com a notificação foi enviada cópia do projeto de decisão, tendo sido respeitado o prazo de 15 dias conforme o n° 6 do art» 60° da Lei Geral Tributária.

Decorrido o referido prazo, a reclamante não exerceu o direito.

Dado o exposto, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados nos pontos anteriores e que reproduzem o referido projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido do indeferimento (cf. ponto 111-3 acima).

 

k)      Em 16-01-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Quanto aos factos relativos ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira e inviabilidade de deduzir os montantes de benefícios fiscais à colecta derivada de tributações autónomas a própria Autoridade Tributária e Aduaneira confirma que assim é e defende, em suma, que assim deve ser (artigos 124.º e 125.º da resposta)

Não é controvertida a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A questão que é objecto do processo é a de saber se as despesas de investimento que beneficiam do SIFIDE podem ser deduzidas às quantias devidas a título de tributações autónomas.

 

3.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente durante o ano de 2014:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/2010)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 - Relativamente aos sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao montante apurado nos termos do n.º 1 apenas são de efectuar as deduções previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2.

9 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

10 - Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

11 - Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o  resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [1] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente. ( [2] )

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

Fica, assim, prejudicado, desde já, o conhecimento do pedido subsidiário que a Requerente subordina à condição de se entender que o artigo 90.º do CIRC não é aplicável às tributações autónomas.

 

3.2. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

Em 2014, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e alterado pelo artigo 163.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

 

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

O diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo 4.º confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE II afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas ( [3] ) uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE II, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

Assim, apontando o teor literal do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [4] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [5] ).

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderá aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

Mas, o desincentivo desses comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere da fundamentação no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável em 2014 reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nesse ano e nos anteriores, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

            Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada a Proposta de Orçamento do Estado para 2012, por isso, é de supor que tenha sido considerado na ponderação do alcance do benefício fiscal), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [6] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida. Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento melhor, na perspectiva legislativa, do que a arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer no Relatório do Orçamento para 2011, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, como é o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [7] )

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE II têm em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que o SIFIDE II prometeu aos contribuintes que, com justificada confiança, adoptassem o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis à «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pois é ilegal a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa que a confirmou.

Estas ilegalidades justificam a anulação da autoliquidação, na parte em causa, e da decisão da reclamação graciosa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere no artigo 134.º da sua Resposta o seguinte:

 

«Sempre se diga que qualquer interpretação que não aplique a norma constante da Lei Orçamento de Estado para 2016, vertida no artigo 133.º, que aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que

«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»

e que, por conseguinte, permita a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais efectuados em sede de IRC, in casu, SIFIDE/CFEI/RFAI, essa decisão é materialmente inconstitucional, por

a) violação do princípio da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP,

b) violação do princípio da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP,

c) violação do princípio da protecção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP,

d) violação do princípio da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP».

 

Constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica qual a razão ou razões pelas quais entende que são violados esses princípios, limitando-se a aludir a eles, pelo que não cumpriu, quanto a estas hipotéticas questões, ónus de alegar indispensável para ser assegurado o direito de contraditório.

De qualquer forma, com a brevidade que a insuficiência de alegação justifica, pode dizer-se que não se vê como possa ser violado o princípio da legalidade, pois a legalidade tem precisamente o alcance que atrás se referiu e, designadamente, a norma geral do número 21 ao artigo 88.º do CIRC, mesmo aplicada a situações anteriores não tem potencialidade, para revogar normas especiais, como são as do SIFIDE II que prevêem a dedução à colecta de IRC, que inclui a das tributações autónomas. Sendo esta a interpretação adequada das referidas normas, o que seria incompaginável com o princípio da legalidade seria aplicá-las com alcance diferente do que resulta das regras interpretativas adequadas.

Quanto ao princípio da separação dos poderes, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis. No caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não com outro. Por isso, a presente decisão arbitral é uma concretização do princípio da separação de poderes.

No que concerne ao princípio da protecção da confiança, mesmo que se entenda que o seu âmbito de protecção se estende à Administração Estadual, não abrange, decerto, a confiança em que os tribunais adoptarão uma determinada interpretação, quando a jurisprudência não é pacífica.

No que respeita ao princípio da igualdade, não é identificada qualquer situação equiparável a que tenha sido dado um tratamento distinto. Para além disso, as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia tributária concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.

Pelo exposto, não ocorre violação dos princípios invocados.

 

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso da quantia de € 125.362,41 referente ao montante de tributações autónomas indevidamente pago e entregue nos cofres do Estado em resultado da não dedução do SIFIDE.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios calculados sobre o montante a restituir, contados desde 01-09-2015, dia seguinte àquele em que entende que deveria ter sido reembolsada da quantia referida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A colecta de tributações autónomas foi de € 125.362,41 e a Requerente não deduziu o montante de € 4.607.428,18, relativos a aplicação do SIFIDE.

O n.º 4 do artigo 4.º do SIFIUDE estabelece que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

Tendo já havido um exercício posterior ao de 2014, em que poderia ter sido deduzido o montante do SIFIDE que, não tendo sido deduzido no exercício de 2014, transitou para exercícios seguintes, não é possível decidir se há ou não direito a reembolso da quantia de quantia de € 125.362,41, que não foi deduzida, relativamente ao exercício de 2014, mas pode tê-lo sido no exercício de 2015, pelo que se trata de matéria que só poderá se apreciada e decidida em execução de julgado.

No que concerne a juros indemnizatórios, o regime substantivo é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte relativa à questão da dedução do SIFIDE à colecta de tributações autónomas, é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No que concerne à autoliquidação, que foi efectuada pela Requerente, a imputabilidade do erro à Autoridade Tributária e Aduaneira deriva da conformação do sistema informático que se provou não permitir a dedução do SIFIDE à colecta de IRC proveniente de tributações autónomas.

Na verdade, a obrigatoriedade de preencher a declaração modelo 22 sem deduzir o montante de benefícios fiscais a colecta resultante das tributações autónomas é equiparável a orientações genéricas da administração tributária que o contribuinte cumpra, até por maioria de razão por não haver alternativa a esse cumprimento.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, 61.º do CPPT e 104.º, n.º 6, do CIRC desde 01-09-2015, dia seguinte à data limite para reembolso de imposto prevista no n.º 3 deste artigo 104.º do CIRC.

Os juros indemnizatórios são devidos até que seja efectuado o reembolso ou até que já tenha sido deduzida a quantia de € 125.362,41, se isso tiver sucedido.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação, na parte respectiva, bem como a decisão da reclamação graciosa;

b)      Julgar procedentes os pedidos de reembolso de quantia e de juros indemnizatórios, nos termos definidos no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 125.362,41.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária.

 

Lisboa, 28-06-2017

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

(José Manuel Aurélio dos Santos)

(vencido nos termos de declaração junta)

 

Vencido, conforme voto que se segue e integra o presente acórdão)

Não acompanho a orientação que fez vencimento pelas razões constantes do Acórdão Arbitral Processo n.º: 59/2017-T, cujo teor passo a reiterar, ainda que de forma resumida.

 

Voto de vencido

 Quando manifestei a minha opinião sobre o assunto em observação Processo nº 59/2017-T  percebi que ( assunto " SIFIDE - Tributação Autónoma" )as opiniões convergem e divergem no próprio CAAD, não sendo o mesmo consensual. Em minha humilde opinião, vejo uma abordagem excelente das partes que interpretam de forma diferente a problemática das tributações autónomas.

 

O meu raciocínio assenta não só no calculo do Imposto sobre o Rendimento, mas também na interpretação do Artº 88 IRC Tributações Autónomas.

 

A tributação autónoma surgiu no ano 2000, com o intuito de combater a fraude e evasão fiscal, e tem sido amplamente utilizada, procurando abranger um conjunto cada vez mais vasto de categorias, sobretudo em tempos de crise económica.

Apurada de forma independente do IRC e da derrama – imposto municipal – devidos em cada exercício, a tributação autónoma não está directamente relacionada com a obtenção de resultados positivos, isto é, passíveis de tributação em sede de IRC.

Em termos práticos, este imposto visa a tributação de encargos ou despesas realizadas por empresas que, tipicamente, seriam usados ou teriam uma componente remuneratória na sua origem.

Estrutura  de calculo do Imposto sobre o rendimento

( A necessidade de explicar  a forma  de calculo do imposto prende-se em minha opinião co o facto de perceber que existe um desconhecimento total deste procedimento o que prejudica o “a decisão” sobre o que efectivamente deverá abater à colecta de imposto ou não.

 

Na formula de cálculo do Lucro tributável, matéria colectável, abatimentos à colecta e posteriormente tributação autónoma costumo dividir este processo em fases do Modelo 22 de IRC:

 

Fase 1 : Quadro 07 Apuramento do Lucro Tributável:

 

Apuramento do Lucro tributável ou Prejuízo para efeitos  fiscais  em função do Resultado Liquido da Empresa ( Resultado Contabilístico)

 

Fase 2 : Quadro 8 - Regime de taxas 

 

Taxa a aplicar

 

Fase 3 - Quadro 9 - Apuramento da Matéria Colectável

 

Prejuízo Fiscal / Lucro Tributável

Abatimentos para o apuramento da matéria colectável ( Prejuízos Fiscais/Benefícios Fiscais)

 

Fase 4 - Calculo do Imposto -Abatimentos à Colecta Total (1)

Abatimentos à colecta 

l)                  Dupla tributação jurídica internacional (DTJI - art.º 91.º) Campo 353

m)              Dupla tributação económica internacional (art.º 91.º-A) Campo 354

n)                 Benefícios fiscais Campo 355

o)                 Pagamento especial por conta (art.º 93.º)

Apuramento do IRC

 

Fase 5 -Calculo do Imposto -Abatimentos à Colecta Total  (2)

·         Retenções na fonte 

·         Pagamento por conta

·         Pagamentos adicionais por conta

IRC a Pagar / IRC a recuperar

 

Fase 6  Calculo do Imposto - Abatimentos à Colecta Total (3)  Total a Pagar / Recuperar

....

Tributação Autónoma 

...

Total a Pagar/Total a Recuperar ( Imposto)

 

A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS), conferiu uma natureza dualista, em determinados aspectos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respectivas colectas, por força de obedecerem a regras diferentes.

 

Referências ao suporte de opinião:

 

«...as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC,

que é o de tributar lucros (…)» processo n.º 80/2014-T - CAAD


«Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença.(…)»Processo nº 2014/2010

 

Processo nº 785/2015-T

 

…”«Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 81.º do CIRC pela lei n.º 7-A/2016 de 30 de, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa,  em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.9) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.9 1 do artigo 90.9, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidaçãocabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.9 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.9, n.9 1, do CIRC é aplicável, nos termos referidos, à liquidação de tributações autónomas, ou seja, com apuramento de forma autónoma e distinta do processado nos termos do citado artigo 90.º.»

 

Processo n.º: 59/2017-T

 

Acórdão do Tribunal Constitucional  n.º 310/12, de 20 de Junho:

 

«(...) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa‐se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação

 

Este último parágrafo é também no sentido da minha opinião, desde a implementação da tributação autónoma, em "apêndice" ao IRC existe a função anti abuso da tributação autónoma de IRC.

 

É minha opinião que de acordo com o nº 21 do Artº 88 do CIRC os benefícios fiscais (SIFIDE), não são dedutíveis ao montante das tributações autónomas.

 

FACE AO EXPOSTO É POR DEMAIS EVIDENTE QUE NÃO ASSISTE RAZÃO À REQUERENTE NA SUA PRETENSÃO, OU SEJA, NÃO DEVEM SER OS BENEFÍCIOS FISCAIS, IN CASU, SIFIDE SER DEDUTÍVEL À COLECTA  PRODUZIDA PELAS TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS.

 

José Manuel Aurélio dos Santos

Economista (…)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]

 



[1]                     O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[2]                       É, aliás, neste sentido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira que refere que há «dois cálculos distintos que, embora processados, de acordo com a mesma base jurídica – a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC - e nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias» (artigo 27.º da Resposta).

[3]                     Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[4]                       Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

                http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[5]                       BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[6]                     Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

                De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                 

 

[7]                       OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.