Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 79/2017-T
Data da decisão: 2017-07-20  IRC  
Valor do pedido: € 369.177,53
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos - Indispensabilidade do gasto - Artigo 23º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Baeta de Queiroz (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e José do Vale Marçal, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:

 

I – RELATÓRIO

 

a)      A A… S.A., com sede na Travessa …, nº…, …-… Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação fiscal…, doravante designada por “Requerente”, notificada da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2012 e com a mesma não se conformando, vem, nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 2º, da alínea) do nº 3 do artigo 5º, da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e do nº 2 do artigo 10º, todos do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), solicitar a constituição de tribunal arbitral coletivo, em matéria Tributária.

b)      A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie no sentido de declarar a ilegalidade, e consequente anulação, de uma liquidação adicional de imposto de IRC referente ao exercício de 2012 e respetivos juros compensatórios, na qual se apurou o montante de € 369.177,53 (trezentos e sessenta e nove mil cento e setenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos).

c)      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 31 de janeiro de 2017.

d)     A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

e)      Em 15-03-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

f)       Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 11-04-2017.

g)      A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 17 de maio de 2017, defendendo que o pedido da Requerente deve ser julgado improcedente.

h)      Em 30 de maio de 2017, teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT, para inquirição das duas testemunhas arroladas pela Requerente, tendo sido lavrada ata da mesma, que se encontra junta aos autos.

i)        Nessa reunião o Tribunal:

1.      Notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente.

2.      Solicitou às partes o envio das peças processuais em formato Word.

3.      Em cumprimento do disposto no artigo 18º nº 2 do RJAT, designou o dia 29-09-2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

j)        A Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas nos dias 9 e 27 junho de 2017, respetivamente.

 

2.      Saneador

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2º, nº 1, alínea a), e 30º, nº 1, do DL nº 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, nº 2, do mesmo diploma e 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas quaisquer exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apresentação do mérito da causa.

 

2.1.Matéria de facto

2.1.1.      Factos provados

Consideram-se provados e de interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade comercial anónima, constituída em 1990, cujo objeto social consiste na realização de investimentos em bens imóveis e móveis, nomeadamente em participações no capital de outras sociedades ou de instituições sem fins lucrativos.

b)      Para além dos investimentos financeiros, a Requerente tem ainda “atividade própria”, nomeadamente no desenvolvimento de sistemas informáticos e de redes de comunicações entre as farmácias e o programa de fidelização das farmácias.

c)      A A…, SA é detida a 100% pela B…, SA NIF…, empresa que apresenta contas consolidadas desde o exercício de 2010, sendo a C… NIF: … a empresa mãe controladora final do sujeito passivo com uma participação de 90,26% a 31 de dezembro de 2012 (p. 14 RIT)

d)     À data de 31/12/2017 as participações financeiras (mensuradas ao MEP- Método de equivalência patrimonial) representavam 52% do ativo da A… .

e)      A requerente detinha, à data dos factos, as seguintes participações sociais (cfr. documento 6, pág. 13 junto com o pedido arbitral):

NIPC

Nome da participada

% da participação

D…, SA

100%

E…, Lda

100%

F…, Lda

90%

G… Lda

75%

H…

100%

I…, SA

30%

J…, SA

30%

K…, SA

49%

L…, S.A.

9,99%

 

f)       A A… S.A. recorreu a capital alheio, suportando os respetivos custos de financiamento, para dotar as participadas de capital permanente, ou “reforço de capitais próprios”, sem cobrar a estas qualquer tipo de juros.

g)      A rubrica com maior peso no passivo da A… refere-se aos financiamentos obtidos (€ 124.999.468,67), representando 96% do total do seu passivo.

h)      Decorrente das operações de financiamento, maioritariamente junto de instituições financeiras, a Requerente suportou, durante o exercício de 2012, gastos com juros e gastos similares no montante de € 7.236.753,76, (representando 43,3% do total de gastos suportados pela A… no referido período) tendo, posteriormente, deduzido a totalidade dos referidos encargos nos termos do artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

i)        Os saldos finais, em 31/12/2012, dos empréstimos concedidos às participadas, na sua maioria, em suprimentos e prestações acessórias, apresentam o valor de € 55.858.260,21.

j)        No exercício de 2012, a Requerente apresentou um resultado líquido positivo de € 1.646.654,22. Contudo, após acréscimos e deduções relevadas no quadro 07 da declaração periódica de rendimentos (modelo 22), a A… apurou prejuízo para efeitos fiscais de 89.821,96 € (p. 13 RIT).

k)      Nos termos do acordo celebrado com o M… (anexo XIII ao Relatório de Inspeção Tributária, aqui dado por reproduzido), a Requerente adquiriu-lhe, revendendo-lhas, depois, pelo mesmo valor, 3.130.000 ações do Banco … .

l)        Para financiar esta operação a Requerente obteve uma linha de financiamento junto daquele Banco, suportando os respetivos custos, dos quais, no ano de 2012, nada debitou ao M… .

m)    Entretanto, na sequência de uma ação inspetiva externa parcial efetuada ao exercício de 2012, a requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, na qual se propunha uma correção ao lucro tributável no montante de € 3.549.393, nos seguintes termos:

Correção ao resultado fiscal

Ano de 2012 em €

Prejuízo tributável declarado (a)

(-) 89.821,96

Correções Quadro 07 (Acrescer) – campo 752 (b)

3.549.393,62

Lucro tributável corrigido (c) = (a) + (b)

3.459.571,66

 

 

n)      No essencial, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) colocou em causa a dedutibilidade de gastos de financiamento incorridos perla Requerente, invocando que esta obteve empréstimos junto de instituições financeiras e suportou os correspondentes juros, tendo, no entanto, os montantes financiados sido destinados, também por via de mútuo, ao financiamento gratuito de algumas das suas participadas.

Entende a AT que os encargos financeiros associados a capital alheio, aplicados no financiamento gratuito de sociedades participadas pela Requerente, não são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos.

o)      Na metodologia para o cálculo dos encargos financeiros não aceites, para efeitos fiscais, a AT teve em conta o peso do rácio “empréstimos concedidos/empréstimos obtidos”, o qual foi aplicado ao saldo mensal dos encargos financeiros, cujo somatório, em 31/12/2012 é de € 3.549.393,62 (Anexo XV do RIT)./

p)      As correções mencionadas originaram a liquidação adicional de imposto de IRC e respetivos juros compensatórios, na qual se apurou o montante de € 369.177,53, sendo € 326.903,93 valor base do IRC acrescidos de € 42.273,60 de juros compensatórios (documentos 1 a 3 junto com o pedido arbitral).

Os factos dados por provados resultam da convicção do tribunal, assente na análise crítica dos documentos juntos ao processo, complementada pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, que se mostraram conhecedoras dos fatos e depuseram com patente isenção.

Com relevância para a aplicação do direito nada mais se provou.

 

B. DO DIREITO:

 

i) Da interpretação do artigo 23º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos na jurisprudência fiscal:

Dispunha, ao tempo a que se referem os factos controvertidos, o artigo 23º do CIRC, na parte que aqui importa considerar:

«Artigo 23.º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.”

 

Surge, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos gastos para fins fiscais: a sua indispensabilidade.

O que se deve entender por “indispensabilidade”?

Na verdade, obter financiamento alheio para utilizar no âmbito da atividade e considerar como gastos os encargos financeiros suportados com essa obtenção, não levanta, por regra, qualquer questão de natureza fiscal.

Porém, colocar à disposição de outras entidades disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, sem cobrar juros não gera qualquer rendimento tributável, significa que é quebrada a regra do balanceamento que deve existir, do ponto de vista fiscal, entre os gastos e os rendimentos.

Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCASul, de 27 de março de 2012, Processo nº 05312/12).

Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".

Neste sentido, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida pela Requerente.

Este entendimento é, de resto, o que tem vindo a ser seguido pelos tribunais arbitrais do CAAD.

Na verdade, de acordo com o acórdão tirado no processo 444/2015T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:

- o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

- os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

- o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

- “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

- “da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23. ° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.

- A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

- “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

 

            Aqui chegados, cumpre subsumir os factos provados ao disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

ii) A dedutibilidade dos custos no caso sub judice:

Como resulta dos factos dados como provados, ficou demonstrado que a A… contratualizou diversos empréstimos junto de instituições financeiras com vista, em parte, a dotar as suas participadas de fundos sob a forma de suprimentos e prestações acessórias.

Assim, o requisito da comprovação do custo encontra-se preenchido, tal como decorre expressamente do teor do Relatório da Inspeção Tributária, quando refere que “o sujeito passivo comprovou documentalmente as operações referenciadas nos pontos anteriores através do envio dos contratos celebrados e dos elementos contabilísticos que permitem aferir da contabilização realizada em relação às operações de financiamento, estando desta forma reunido o primeiro critério estipulado no artigo 23º do CIRC.

Relativamente aos outros requisitos previstos no artigo 23º do CIRC, (indispensabilidade do gasto e ligação aos rendimentos sujeitos a imposto) a AT desconsiderou os gastos de natureza financeira (juros) incorridos pela Requerente no exercício de 2012, por o sujeito passivo ter utilizado capital alheio para financiar gratuitamente as empresas participadas.

A AT fez a recolha mensal, para o exercício de 2012, do valor dos empréstimos concedidos e dos empréstimos obtidos (peso dos empréstimos concedidos/obtidos) e o montante dos encargos suportados com o nível de endividamento, tendo-se posteriormente apurado que, do total dos juros e gastos similares suportados (€ 7.236.753,76), € 3.549.393,62 correspondem ao montante de encargos financeiros que visaram o financiamento das atividades desenvolvidas pelas entidades relacionadas, e como tal, não aceites fiscalmente nos termos do artigo 23º do CIRC e, por isso, objeto de correção ao lucro tributável de 2012 (p. 27 e Anexo XV do Relatório de Inspeção Tributária).

No caso concreto as diferentes empresas participadas, financiadas pela A…, são entidades autónomas, com objeto autónomo de determinação da matéria coletável, tendo personalidade e capacidade jurídicas distintas, não sendo afetadas por qualquer relação de domínio entre elas pelo que os gastos de cada uma apenas são apurados individualmente.

Importa por isso aferir se está verificado o pressuposto de indispensabilidade do gasto, que resulta do artigo 23.º do CIRC, o qual implica uma relação justificada com a atividade da empresa, ou seja, que os financiamentos obtidos sejam aplicados na atividade da empresa e não no financiamento da atividade de terceiros.

Vejamos.

Nos termos do artigo 23.º do CIRC, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados, tal como qualquer outro gasto, depende de um juízo quanto à sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (corpo do n.º 1), explicitando mesmo a al. c) do n.º 1 desta disposição que os juros de capitais alheios são “aplicados na exploração”.

Este requisito da indispensabilidade dos custos/gastos para a realização dos proveitos/rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, estabelecido pelo artigo 23.º do CIRC, tem sido objeto de devido tratamento jurídico pela jurisprudência em ordem à resolução dos casos concretos que tem de enfrentar, pelo que a solução que se vai dar ao caso sub judice suporta-se em decisões judiciais anteriores, como, aliás, resulta do princípio constante do n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil.

O Supremo Tribunal Administrativo declarou por diversas vezes, quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais, que “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa” (cfr., por exemplo, os acórdãos do STA de 15.6.2011, proc. n.º 049/11, n.º III e de 29.3.2006, proc. n.º 01236/05, n.º 3.4 e o acórdão do TCA Sul de 16.10.2014).

Trata-se, consequentemente, de saber se os juros objeto de correção (resultantes de empréstimos contraídos para (a) realizar prestações acessórias, pela Requerente, à K…, S.A.; (b) realizar prestações suplementares, pela Requerente, à E…, Lda. e (c) operação realizada com a M… que substancialmente é considerada como um financiamento, têm, todos eles, potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos pela Requerente.

Aqui chegados deve sublinhar-se que, no caso específico da operação realizada com o M… (M…), considerou-se que o negócio consubstanciava, do ponto de vista material ou substancial, um financiamento ao M… uma vez que este obteve liquidez através da compra das suas ações por parte da A…, tendo sido estabelecido a re(compra) dessas mesmas ações do Banco … (pelo mesmo montante) de acordo com uma calendarização sucessivamente alterada.

Para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar, na base de todos os factos e circunstâncias relevantes, a afetação efetiva e concreta do financiamento, de que os juros suportados são a remuneração ou, dito de outra forma, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou.

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos custos estão em consideração para efeitos de determinação do respetivo lucro tributável que importa apreciar, tendo em conta a atividade empresarial que desenvolve, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros sendo por conseguinte necessário averiguar a necessidade, adequação, normalidade ou a ligação a um negócio lucrativo dos custos em apreciação, i.e., o gasto inscrito pela Requerente decorrente das três operações acima descritas, i.e. (a) realizar prestações acessórias, pela Requerente, à K…, S.A.; (b) realizar prestações suplementares, pela Requerente, à E…, Lda. e (c) operação realizada com a M… que substancialmente é considerada como um financiamento.

Com efeito, na relação de causalidade económica do custo com o interesse da empresa, o interesse empresarial que se afere, é o da própria empresa que deduz fiscalmente o custo.

Assim, o Supremo Tribunal Administrativo declarou, no acórdão de 10.7.2002, proc. n.º 0246/02, que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, a se”, pelo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”, reiterando, nos acórdãos subsequentes de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05, n.º III, de 20.5.2009, proc. 01077/08, de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11 e de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11, que “os custos têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”, pois, “[a] não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”.

Noutra vertente, encontra-se igualmente explicitado pela jurisprudência que é pressuposto exigível da aplicação do artigo 23.º do CIRC “a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do “grupo” ou mesmo dos financiamentos – ainda que gratuitos – dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa matéria é irrelevante, visto que se trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação” (vd. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06 e de 18.12.2008, proc. n.º 02515/08).

Daí que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, tenha perfeito cabimento verificar se os pressupostos de dedutibilidade fiscal dos custos com juros se mostravam satisfeitos em atenção à atividade da Requerente e ao período de tributação em causa.

Como resulta da factualidade dada como provada e acima exposta, no caso em apreço, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram ao interesse da Requerente.

Ora, para que se verifique o requisito da indispensabilidade, o gasto tem que respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, em que a fonte produtora é a da sociedade dominante ou que controla, e não a das participadas.

Na verdade, a Requerente não é uma SGPS, mantendo-se como sujeito passivo de IRC autonomamente face às empresas a si associadas.

Os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa mas sim nas empresas comparticipadas, sociedades comerciais independentes, que se dedicam a atividades próprias e autónomas e que têm personalidade e capacidade tributárias distintas, com as suas contabilidades organizadas com independência em relação às outras, o que implica, por um lado, que cada uma tenha os seus próprios proveitos e custos e, como tal, tenha de os contabilizar e, por outro lado, que esses custos e proveitos não possam integrar a contabilidade das restantes.

Ora, a este propósito, entendeu o STA no acórdão do STA, de 19.04.2017, proc.º n.º 0925/16, o seguinte:

”I - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redacção vigente à data dos factos.

II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efectuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23 do CIRC por serem alheios ao exercício da sua actividade.”

            De forma idêntica, o STA decidiu, no acórdão de 12 de Julho de 2006 no processo nº 186/06, que “os empréstimos em causa não foram aplicados na própria empresa mas sim em (…) comparticipadas (…), e que ainda no caso, em que a entidade que recorreu ao crédito para emprestar às suas participadas, deter a totalidade do capital social das participadas, ainda assim seria uma entidade distinta de qualquer uma delas, de atividades distintas, com contabilidades individualizadas (…), ou seja “são sociedades comerciais independentes, que se dedicam a atividades próprias e autónomas e que têm personalidade e capacidade tributárias distintas (...) tem a sua contabilidade organizada com independência em relação às outras, o que implica, por um lado, que cada uma tenha os seus próprios proveitos e custos e, como tal, tenha de os contabilizar e, por outro lado, que esses custos e proveitos não possam integrar a contabilidade das restantes”.

O STA veio assim a concluir que os empréstimos “não eram indispensáveis à obtenção dos seus ganhos ou proveitos ou para manter a sua fonte produtora, pelo que os juros deles decorrentes não podiam ser contabilizados como custos”.

Também na decisão Arbitral de 2017-01-26, proferida no processo nº 273/2016-T do CAAD, proferida a propósito do artigo 23.º do CIRC decidiu-se o seguinte:

«Acresce que a colocação à disposição de outras entidades de tais disponibilidades financeiras foi efetuada como anteriormente se referiu, sem que houvesse lugar à cobrança de juros ou qualquer outra remuneração, situação que gerou o estabelecimento de uma ênfase na certificação legal de contas.

Com efeito, é inequívoco que é estranho ao objeto social da empresa a colocação à disposição de outras entidades de disponibilidades financeiras, se tivermos presente, nomeadamente, o que se encontra estatuído no artigo 6º do Código das sociedades Comerciais.

Não é, na verdade, do interesse do Requerente, colocar as disponibilidades financeiras à disposição de outras entidades, sem cobrar juros, ao mesmo tempo que se verifica a necessidade, ainda que parcial, de solicitar a obtenção de financiamento tendo, para isso, que suportar os encargos financeiros decorrentes.

As quantias mutuadas, sem qualquer remuneração, sempre poderia evitar que uma parte dos encargos financeiros tivesse que ser suportada.

Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da atividade os encargos financeiros suportados e diretamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam ter sido utilizadas no âmbito da atividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.

(…)

O que se diz é que a concessão de empréstimos gratuitos a terceiros, usando as disponibilidades da Requerente – que, naturalmente, resultam dos financiamentos obtidos e dos réditos provenientes da sua atividade – não preenche o falado critério da indispensabilidade.

Ademais, a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a Requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afetação direta entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos – o que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou.

O que há é uma realidade económica que se traduz no seguinte: se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrer ao crédito na medida em que fez.

Portanto, os encargos com esse recurso ao crédito não são gastos, no seu todo, indispensáveis».

            Não pode, a este propósito, convocar-se o objeto social da Requerente – que, no caso concreto, abrange participações no capital de outras sociedades ou de instituições sem fins lucrativos - para justificar a indispensabilidade do custo.

Neste contexto, entende-se que a realização de prestações acessórias ou de prestações suplementares, pela Requerente, ou ainda a celebração de um contrato de compra e posterior revenda de ações, celebrado com a M…, que materialmente configura um financiamento, não podem ser consideradas como operações potencialmente geradoras de proveitos na esfera da Requerente.

Consequentemente, não está verificado o requisito de indispensabilidade do custo para a sociedade especificamente em causa.

É que, em atenção ao objeto destes autos, importa sublinhar a necessidade, para o juízo de indispensabilidade dos custos, de a perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa se ter de concretizar em relação ao ente comercial em causa.

Significa isto que os encargos financeiros suportados no exercício de 2012 em causa nos presentes autos e imputáveis à (a) realização de prestações acessórias, pela Requerente, à K…, S.A.; (b) realização de prestações suplementares, pela Requerente, à E…, Lda. e (c) operação realizada com a M… - não encontram nexo de causalidade económica com o interesse e a atividade da própria Requerente, não tendo potencialidade para geração de lucros na esfera jurídica desta.

Com efeito a dedutibilidade fiscal dos custos, por força do princípio da indispensabilidade previsto pelo artigo 23.º do CIRC, pressupõe um nexo de causalidade económica entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa.

Veja-se, a este propósito, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.3.2013, proc. n.º 01393/06.1BEBRG no qual foi considerado que “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”.

Nestes termos, o escrutínio que a AT efetuou do destino dos financiamentos e da afetação dos correspondentes juros é congruente e suficiente para que se deva concluir que tais custos financeiros não são potencialmente geradores de proveitos para a Requerente ou relevantes para a manutenção da fonte produtora.

Daí que se tenha de concluir que, na situação dos autos, não tem lugar “o juízo positivo de subsunção na atividade societária” pelo qual “os custos indispensáveis equivalerão aos custos contraídos no interesse da empresa” (cfr. acórdão do STA de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11).

Deste modo, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela Requerente ter resultado da realização de prestações acessórias; de prestações suplementares ou de operações de financiamento, impõe-se declarar que os custos contabilizados pela Requerente no exercício em causa com os encargos financeiros respeitantes a tais empréstimos não satisfazem o requisito da indispensabilidade dos custos/gastos imposto para efeitos fiscais pelo artigo 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos custos ao interesse empresarial e à atividade produtiva próprios da Requerente.

É legítima, consequentemente, a correção operada pela AT, objeto dos presentes autos, uma vez que, como reconhece o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.

De forma idêntica, considera RUI DUARTE MORAIS[1] que, “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável.” (sublinhado nosso)

E não se diga, em sentido contrário, que, no quadro da apreciação da indispensabilidade dos custos deve ter-se presente o objetivo de incrementar os proveitos e deste modo dar origem a rendimentos tributáveis que, no caso de prestações suplementares ou de prestações acessórias, se consubstanciariam em dividendos e potenciais mais-valias.

            É que, no âmbito do regime da transparência fiscal, os lucros distribuídos pelas sociedades transparentes aos seus sócios não são tratados fiscalmente como rendimentos de capitais (cfr. alínea h) do n.º 2, do artigoº 5.º do Código do IRC) e no cálculo de futuras mais-valias resultantes da alienação, para evitar a ocorrência de dupla tributação, devem ser expurgados os lucros imputados aos sócios e ainda não distribuídos, como aliás consta, na atualidade, do n.º 5 do artigo 20.º do Código do IRS e do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRC.

Observe-se, por fim, que o reconhecimento, ou não, da relevância jus-societária, para efeitos de aplicação do Código das Sociedades Comerciais, da realização de prestações acessórias ou de prestações suplementares não interfere com o juízo relativo à dedutibilidade dos gastos que decorrem de tais operações, cuja formulação segue um raciocínio diferente uma vez que têm por base o preenchimento dos requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

Nestes termos, os encargos financeiros suportados no ano de 2012, relativos aos juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados para a (a) realização de prestações acessórias, pela Requerente, à K…, S.A.; (b) realização de prestações suplementares, pela Requerente, à E…, Lda. e (c) operação realizada com a M…, não podem ser considerados dedutíveis fiscalmente, por não serem necessários à obtenção dos seus proveitos ou à manutenção da fonte produtora, dado não possuírem nexo de causalidade económica com a atividade da Requerente ou com bens suscetíveis de gerar rendimentos para a Requerente, não estando preenchidos os pressupostos do artigo 23º do CIRC, pelo que a desconsideração da sua dedutibilidade não enferma de qualquer vício de ilegalidade.

Em consequência, atento o disposto no artigo 23.º do CIRC, não ocorre o vício de violação de lei imputado à liquidação adicional de imposto de IRC da Requerente relativa ao ano de 2012 e respetivos juros compensatórios, na qual se apurou o montante de EUR 369.177,53 (trezentos e sessenta e nove mil cento e setenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos).

Razão porque o pedido principal terá de improceder falecendo igualmente todos os pedidos consequentes formulados pela Requerente, relativos ao pedido principal.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 369.177,53 (trezentos e sessenta e nove mil cento e setenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de julho de 2017

 

 

Os Árbitros

 

(José Baeta de Queiroz - presidente)

 

(Nuno Cunha Rodrigues - vogal)

 

(José do Vale Marçal - vogal)

 

 



[1] In Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.