Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 26/2023-T
Data da decisão: 2023-11-20  IVA  
Valor do pedido: € 13.449,21
Tema: IVA – Direito à Dedução – Valor tributável – Unicidade das operações.
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Sumário:

  1. Nos termos do art.º 16 n.º 1 do CIVA, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a IVA é, regra geral, o valor da contraprestação obtida, ou a obter, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro
  2. O conceito de custo de aquisição adotado pelo legislador na redação da alínea f) do n.º 2 do art.º 21 do CIVA decorre do valor tributável comummente utilizado em sede de IVA.
  3. Quando uma operação é constituída por uma pluralidade de elementos, devem tomar-se em consideração, para efeito do valor tributável, todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em ordem a dilucidar se se está perante uma única ou duas ou mais operações distintas.

 

DECISÃO ARBITRAL

Requerente: A...- Sociedade de Agentes de Execução, SP, RL(doravante denominado por «Requerente» )

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”, “Autoridade Tributária” e/ou “Requerida”)

 

O árbitro singular, Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte:

 

 

 1. Relatório

A...- SOCIEDADE DE AGENTES DE EXECUÇÃO, SP, RL, com sede na Rua ... ..., com o número de identificação de pessoa coletiva ... (“Requerente”), submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD),  a constituição e pedido de pronúncia arbitral (PPA) ao abrigo dos nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e Juros Compensatórios (“JC”) do período de 201804 (Abril de 2018), com os n.ºs 2022... e 2022...,  no valor  de € 11.499,63 e 1.949,58, respetivamente, perfazendo um valor total de € 13.449,21.

 

A Requerente fundamenta a ilegalidade do ato tributário de IVA e de JC, assente, em termos sintéticos, no seguinte:

  1. erro na qualificação do facto tributário;
  2. violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Assim, sustenta a Requerente que o artigo 21º, nº 2, al. f), do CIVA, consagra que não estão excluídas do direito à dedução as "despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34º do Código do IRC.", cujo valor à época se fixava nos € 50.000,00, quanto a viaturas híbridas plug-in.

 

A Requerente celebrou com a B... S.A., na data de 30/04/2018 um contrato de compra e venda da viatura supra referida, pelo montante de € 49.998,37, ao qual acresceu IVA no montante de € 11.499,63, conforme a fatura n.9 126000610, procedendo à dedução do IVA no montante de € 11.499,63, o qual se efetivou na declaração periódica de IVA do mês de abril de 2018, nos termos dos artigos mencionados anteriormente.

 

Em 24/07/2018 a Contribuinte adquiriu o sistema Park Assist Pilot, novamente junto da B... S.A., no valor de € 1.462,05, ao qual acresceu IVA no montante de € 336,27, perfazendo o total de € 1.798,32, conforme a fatura n.9 8740014344, tendo já a viatura percorrido 1619 Km.

 

Sustenta a AT que "quando o sujeito passivo entregou a referida declaração periódica de IVA, já tinha solicitado a instalação do equipamento de apoio ao estacionamento, ou seja, já tinha perfeito conhecimento que não reunia os requisitos para proceder à dedução do IVA nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA", o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos, de todo, concordar.

 

Entende a Requerente estar-se perante a existência de dois negócios jurídicos distintos e celebrados em datas distintas, conforme decorre dos artigos 874º e 879º, ambos do Código Civil.

 

Assim, tendo em consideração as datas de celebração dos contratos de compra e venda acima descritos (facilmente comprováveis através das datas apostas nas respetivas faturas que se juntaram), verificamos que estamos perante dois negócios jurídicos perfeitos e concluídos em datas diferentes e, consequentemente, distintos.

 

0 facto de a AT alegar que o pedido da instalação do sistema de apoio terá ocorrido a 21/05/2018, ou seja, 21 dias após a data de aquisição da viatura por parte do sujeito passivo, não pode nem deve ser considerado, pois a AT não logrou fazer prova dessa situação, tal como lhe competia, nos termos do artigo 74º da LGT

 

Quanto ao erro na qualificação do facto tributário, a questão que aqui se discute prende-se, no entender da Requerente, com a mensuração no reconhecimento, sendo aplicáveis os § 16 e seguintes da NCRF 7, merecendo destaque o § 17 daquela norma.

 

Ora, no entendimento da Requerente, será necessário fazer uma distinção entre os gastos suportados "para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o

mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida" e os que são suportados para além desse fim.

 

O § 10 da NCRF 7, na parte em que menciona os "custos incorridos posteriormente para adicionar" (a um ativo fixo tangível), diz respeito, certamente, aos custos complementares em combinação com os custos iniciais, tendo em vista o funcionamento pretendido, não fazendo tais custos parte do valor de aquisição do bem inicial, in casu, a viatura.

 

Assim, será decisivo perceber se o ativo, mais concretamente a viatura, funcionaria sem o sistema Park Assist Pilot, ou seja, perceber se o ativo inicial opera sem os custos posteriormente suportados.

 

A título de exemplo, imaginemos um caso em que se procede à compra de um automóvel sem rodas e sem volante e, numa fase posterior, se adquire aqueles itens,

Por outro lado, imaginemos uma situação em que se compra um automóvel sem GPS ou sistema de estacionamento com câmaras de vídeo e, ulteriormente, se procede à aquisição destes extras.

 

Confrontando os dois exemplos acima enunciados, percebemos que no primeiro, as aquisições efetuadas a posteriori são imprescindíveis e essenciais para que o automóvel possa funcionar da forma pretendida, ou seja, o custo daquelas aquisições terá, obrigatoriamente, que acrescer ao valor base pago na aquisição da viatura.

 

Já quanto ao segundo exemplo, dúvidas não podem restar de que o veículo funcionaria da forma devida, sem a existência dos referidos extras

- O objeto do presente pedido consiste na análise da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra o ato de liquidação adicional de IRS, relativo ao ano de 2016, acima melhor identificado, na parte que diz respeito à tributação dos rendimentos de “outros rendimentos de capitais” e “dividendos”, auferidos no estrangeiro, devendo ser anulados por enfermarem de erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Crê assim a Requerente que o valor de aquisição, em casos como o que se discute, deverá ser fixado na data dessa mesma aquisição, não podendo ser alterado quando ocorram eventuais aquisições, ainda que venham a melhorar a funcionalidade do ativo.

 

Ou seja, no caso sub judice, deverá ser considerada a aquisição da viatura na data de 30/04/2018, pelo valor de € 49.998,37 (ao qual acresceu IVA no montante de € 11.499,63),

 

Independentemente da aquisição do sistema Park Assist Pilot, que, recorde-se, ocorreu cerca de 3 meses depois (10/07/2018), quando a viatura já contabilizava 1619 km percorridos, devendo ser anulado o respetivo ato tributário de liquidação de IVA.

 

Em face de tal procedência peticiona ainda idêntico desfecho relativamente aos juros compensatórios liquidados, os quais incidindo sobre um imposto ilegal, não se mostram preenchidos os requisitos do n.º 1 do artigo 96º do CIVA para a emissão de tais juros.

 

Por sua vez, contrapôs a Requerida AT, através da Resposta oferecida nestes autos

no âmbito da ação inspetiva, verificaram que:

  1. A B... S. A. emitiu a nota de débito n.º 8330000147, referente à instalação do equipamento de apoio ao estacionamento, «Park Assist Pilot», não obstante a sua anulação por meras questões de organização interna, e é a própria nota de débito que associa a instalação daquele equipamento ao momento da aquisição da viatura por parte da Requerente;
  2.  A B... S. A., apenas 21 dias após a aquisição da viatura por parte da Requerente, procedeu à requisição de materiais necessários à instalação do equipamento de apoio ao estacionamento, «Park Assist Pilot»;
  3. O fracionamento do custo de aquisição em dois momentos (aquisição da viatura e pedido de instalação do equipamento), apenas separados por 21 dias, ou menos, no limite no próprio dia da aquisição, originou que o valor de aquisição da viatura considerado pela Requerente, fosse inferior ao limite legal a partir do qual se encontra excluída a dedução do IVA, em apenas € 1,63 (conforme relatado no ponto 33 do RIT), beneficiando assim, erradamente, da dedução de € 11.499,63 de IVA, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, devido à decomposição artificial da operação única, que em suma consistiu na aquisição da viatura com os extras em questão.

 

O direito à dedução constitui um elemento essencial do funcionamento do imposto, garantindo a sua neutralidade e assentando no método do crédito de imposto ou método subtrativo indireto.

 

É, também pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam diretamente relacionados com o exercício da atividade do sujeito passivo.

 

Isto é, a noção principal que temos de ter presente é, pois, a de que o direito à dedução do IVA só é permitido no consumo de bens ou serviços que sejam utilizados nas operações tributáveis dos sujeitos passivos.

 

Já «[o] conceito de «limitações», (…) deve ser entendido de forma mais ampla do que as limitações previstas pelo artigo 176.° da Diretiva 2006/112. Com efeito, trata-se sobretudo das limitações do direito à dedução.» (In Ficha Temática «Deduções do Imposto Sobre o Valor  Acrescentado», Direção da Investigação e Documentação do Tribunal de Justiça da União Europeia, página 37).

 

O mecanismo do direito à dedução em IVA tem sido considerado pelo TJUE como parte

integrante do mecanismo do próprio imposto, razão pela qual, a existirem limites, estes devem ser semelhantes em todos os Estados-Membros.

 

Assim sendo, as derrogações ao direito à dedução encontram-se expressamente previstas na Diretiva IVA.

 

Ora, o artigo 20.º do Código do IVA, em conformidade com a Diretiva IVA, que considera que o IVA suportado na aquisição de bens ou serviços utilizados em operações não sujeitas não concedem o direito à dedução, estabelece o conjunto de casos das operações que conferem o direito à dedução.

 

 

Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA, só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da atividade do sujeito passivo.

 

Mas mais, ainda que esteja em causa a aquisição de bens ou serviços necessários ou fundamentais para o exercício da atividade, não será admitida a dedução do IVA se tal vier a ser excluído nos termos do artigo 21.º, cuja epigrafe é «Exclusões do direito à dedução».

 

Quanto ao artigo 21.º do Código do IVA, importa considerar que de acordo com o n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, que atualmente corresponde ao artigo 176.º da Diretiva IVA, os Estados membros poderiam manter determinadas limitações ao direito à dedução desde que as mesmas já existissem ao nível da sua legislação interna no momento da entrada em vigor da Diretiva.

 

Quer dizer, portanto, que, de acordo com o segundo parágrafo do atual artigo 176.º da Diretiva IVA, permitiu-se que os Estados-membros pudessem manter as exclusões ao direito à dedução, que já estivessem previstas na sua legislação nacional, em 1 de janeiro de 1979 ou, após essa data, como no caso de Portugal, na data da respetiva adesão à Comunidade.

 

Importa ainda, a este propósito, esclarecer, por um lado, que para o TJUE a data relevante para efeitos de aplicação da cláusula «stand still» é a da entrada em vigor da Sexta Diretiva em cada um dos Estados Membros, o que vem definido no tratado de adesão de cada um.

 

De harmonia com o artigo 19.º do Código do IVA, só confere direito a dedução o imposto

mencionado em faturas passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados em forma legal, os que contenham os elementos mencionados no n.º 5 do artigo 36.º e no n.º 2 do artigo 40.º.

 

Doutro passo, dir-se-á que só se pode deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços

adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a) ou nas operações elencadas na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.

 

A alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA veio permitir o direito (integral) à dedução de despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas «plug-in», de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas «plug-in», quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, isto é, na Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho.

 

A Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, na sua redação atual, que define o custo de aquisição ou o valor de reavaliação das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, em sede de IRC, para efeitos de definir os gastos fiscalmente aceites com as depreciações dessas viaturas em sede deste imposto (IRC), no que respeita aos veículos híbridos «plug-in», nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data – como é o caso da viatura em discussão nos presentes autos – o limite adotado pelo legislador foi de € 50.000,00 (valor sem IVA).

 

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (Regime das Amortizações), o custo de aquisição de um elemento do ativo é o respetivo preço de compra, acrescido:

«a) dos gastos acessórios suportados até à sua entrada em funcionamento ou utilização;

b) das benfeitorias necessárias ou úteis realizadas, de acordo com a normalização contabilística aplicável.».

 

Por seu turno, o Código Civil estabelece que são benfeitorias úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor (cf. artigo 216.º do Código Civil).

 

Doutro passo, de acordo com o parágrafo 10 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 7, que versa sobre o reconhecimento da contabilização dos ativos fixos tangíveis, «Uma entidade avalia segundo este princípio de reconhecimento todos os seus ativos fixos tangíveis e custos de equipamento no momento em que eles sejam incorridos. Estes custos incluem custos incorridos inicialmente para adquirir ou construir um item do ativo fixo tangível e os custos incorridos posteriormente para adicionar a, substituir parte de, ou dar assistência ao mesmo.».

 

Ora, tudo aponta para que se deva considerar o equipamento de estacionamento «Park Assist Pilot» como uma benfeitoria útil.

 

A isso acresce o facto de, tendo esse equipamento sido incorporado na viatura em apreço, aumentar, significativamente o valor económico desta.

 

Para além disso, tal como os SIT acertadamente salientaram no RIT, a situação ora em análise traduz-se numa decomposição artificial do preço da viatura, para efeitos do seu enquadramento no limite legal da alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, o que não é aceitável.

 

Resulta da descrição constante da factura dos extras, que o tal pacote opcional- (Park Assist Plus), inclui equipamentos físicos e software e bem assim da descrição dos itens instalados, da folha de obra e, essencialmente, das regras da experiência comum, que aqueles equipamentos instalados, passam a fazer parte integrante do veículo e, do mesmo o modo, o próprio software se torna parte integrante do próprio veículo, porquanto sem este, não têm aqueles extras qualquer valor.

Em suma, se a Requerente pretender, não pode retirar o pacote opcional em apreço, sem “estragar” aqueles extras e, muito provavelmente, algmas das peças do veículo, que hajam sido alteradas para comportar as alterações efectuadas.

 

Pelo que, dentro do que resulta das regras de experiência comum, sempre se concluirá que a remoção dos extras em questão, determinariam a perda, senão total, de parte significativa do custo dos extras, implicariam uma desvalorização do veículo face ao seu estado original sem os esxtras e, determinaria a perda dos custos suportados com a mão de obra, collagens, pinturas, isolamentos, etc. e, determinaria a necessidade de replica tais custos para remover os extras.

 

Assim se conclui que, os elementos que constituem o "Park Assist Plus", são equipamentos e/ou funcionalidades incorporados no veículo adquirido pela Requerente, que dele fazem parte integrante e que melhoram o desempenho do mesmo, tendo alterado, consequentemente, o seu custo de aquisição.

 

O somatório dos valores suprarreferidos (referentes ao veículo e aos extras) é superior a € 50.000,00, pelo que, da conjugação da alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, com a Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, na sua redação atual, resulta a impossibilidade de dedução do IVA relativo a despesas com a aquisição da viatura em causa (viatura ligeira de passageiros híbrida «plug-in»), dado que o custo de aquisição excede os € 50.000,00 (valor sem IVA).

 

Esta mesma questão, em que determinado sujeito passivo de imposto, adquiriu um veículo em estado novo, cujo valor sem IVA era ligeiramente inferior ao limite previsto para a possibilidade de dedução do IVA (naquele caso para veículos eléctricos, neste híbridos) e, num curto espaço de tempo adquiriu extras que auxiliam na condução do veículo, tendo estes sido facturados à parte da facturação do veículo e, sido desconsiderados pela Requerente, como parte do custo total do veículo, já se pronunciou o Tribunal constituído no processo 733/2021-T.

 

Concluindo que para efeitos daquele “limite, deve ser considerado, in casu, tanto o valor tributável pago pela Requerente e a esta faturado pelo fornecedor – quer pelo equipamento base da viatura ... em causa, quer pelos extras posteriormente adquiridos”

 

O que no caso em apreço se traduz no acerto das correcções efectuadas pelos SIT, independentemente do tratamento contabilístico da operação, pelo motivo de se tratar de uma ilegal  decomposição da operação, operação essa que, no entendimento do Tribunal na Jurisprudência referida e, a cuja fundamentação aderimos, se traduz na aquisição do veículo e dos respectivos extras, quer estes tenham sido adquiridos aquando da aquisição da viatura, quer o tenham sido após a aquisição desta, num curto espaço de tempo.

 

Concluindo assim que deve o PPA ser julgado improcedente por não provado, com todas as consequências legais, nomeadamente a absolvição da Requerida.

Em 12.01.2023 foi aceite o pedido do PPA apresentado pela Requerente.

O árbitro único foi designado em 03.03.2023.

Nesta decorrência, foi este Tribunal Arbitral constituído em 21.03.2023.

 

Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a exercer esse mesmo direito, pugnando pela improcedência do PPA, defendendo-se por impugnação.

 

Assim, nos termos da Resposta aduzida pela Requerida, esta fundamenta o seu posicionamento, assente na formulação já supra sinteticamente sumariada.

 

A questão que no presente pedido se coloca prende-se com a dedutibilidade do IVA relativamente a viatura automóvel, designadamente no que respeita ao saber se o valor da mesma se enquadra dentro do limite legal suscetível de conferir o direito à dedução do imposto suportado com tal veículo.

  

 

 

Em 02.05.2023 veio a ser junto processo administrativo a estes autos.

 

Em 11.09.2023 foi proferido Despacho Arbitral no qual se dispensou a realização de reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, tendo sido concedido prazo para a formulação de alegações escritas e em razão deste, sido prorrogado o prazo nos termos do n,º 2 do artigo  21º do RJAT.

 

Quer a Requerente, quer a Requerida não vieram a apresentar Alegações.

 

A Requerente veio a proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, conforme comprovativo junto aos autos em 21.09.2023.

 

 2. Saneamento

O tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 21 de Março de 2023, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não padece de vícios que o invalidem;

 3. Fundamentação de Facto:

3. 1. Factos Provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Requerente foi objeto de procedimento interno inspeção tributária, de âmbito parcial: IVA – relativamente ao período de Abril de 2018 – com o objetivo de comprovar o valor declarado de aquisição, por parte do sujeito passivo, da viatura Volvo ..., com a matrícula ... (quadro ...), nomeadamente no que respeita ao direito à dedução do IVA, para efeitos  do limite estabelecido na alínea f) do n.° 2 do artigo 21.° do Código do IVA (no caso das viaturas ligeiras de passageiros plug-in, viaturas adquiridas até ao montante de 50.000,00 EUR, com exclusão do IVA).
  2. A Requerente procedeu à contratação da aquisição da viatura ligeira de passageiros plug-in Volvo..., a que veio a caber a matrícula ... (quadro..., tendo em 19.10.2017 assinado o respetivo contrato de venda – Anexo I do RIT.
  3. Tal aquisição veio a ser titulada, para efeitos contabilísticos, através da fatura n.° 126000610, de 2018/04/30, no montante de 61.498,00 EUR (49.998,37 EUR, ao qual acresceu IVA no montante de 11.499,63 EUR), a B... SA vendeu a viatura em causa no estado de novo, ao sujeito passivo – vide anexo 3 ao RIT.
  4. Posteriormente, em 2018/07/10, a B... SA, emitiu ao sujeito passivo a nota de débito n.° 8330000147, no montante de 1.798,06 EUR (1.461,84 EUR, ao qual acresceu IVA no montante de 336,22  EUR),  com  o  descritivo  “Extras  Viaturas  Novas”.
  5. A  nota  de  débito  tem  como  referência  a  fatura  n.°  126000610,  identificada  no  ponto  anterior  e  foi integralmente  anulada  pela  B... SA,  através  da  emissão  da  nota  de  crédito  n.°  8300001531, de 2018/07/18, cfr. Anexo 4 do RIT.
  6. Em 2018/07/24, a B... SA, emitiu ao sujeito passivo a fatura n.° 8740014344 no montante de 1.798,32 EUR (1.462,05 EUR, ao qual acresceu IVA no montante de 336,27 EUR), com o descritivo “Park Assist Pilot (PAP) montado de novo", cfr. anexo 5 do RIT.
  7. Da fatura supra identificada consta que a ordem de serviço para execução dos trabalhos teve data de abertura em 14.06.2018 (data posterior em 45 dias à data da fatura de aquisição da viatura por parte da Requerente), vide anexos 6 e 7 do RIT.
  8. Segundo informação prestada pela B... SA (A-S) à AT, o  pedido  de  compra  das  peças  necessárias  para  a  instalação  do equipamento ocorreu em 2018/05/21, ou seja, 21 dias após a data da fatura de aquisição da viatura por parte da Requerente.
  9. Questionada a A-S pela AT sobre aparentemente ter vendido a viatura em causa por valor inferior ao adquirido, aquela esclareceu que obteve da parte da C... SA um bónus extra fatura de 5.387,36 EUR, o que lhes permitiu obter uma margem positiva de 1.394,83 EUR na venda da viatura, depois de deduzidos custos internos de preparação da viatura no montante de 524,34 EUR.
  10. Questionada pela AT sobre o motivo da anulação da nota de débito n.° 8330000147 a A-S esclareceu que a nota de débito foi indevidamente emitida pelo departamento comercial, uma vez  que equipamentos  instalados  via oficina são sempre debitados por fatura pelo serviço de após-venda. Referiu igualmente que o erro foi retificado, com o crédito da referida nota de débito, tendo a oficina efetuado a fatura n.° 8740014344.
  11. A Requerente contabilizou a aquisição da viatura como ativo fixo corpóreo (conta #43411), pelo valor de 49.998,37 EUR, tendo procedido à dedução do IVA (conta #2432231) no montante de 11.499,63 EUR, verificando-se que a materialização da dedução do IVA se efetivou na declaração periódica de IVA de abril de 2018, vide anexo 8 do RIT.
  12. Assim, a Requerente considerou como valor de aquisição da viatura, apenas o valor constante da fatura n.° 126000610, de 2018/04/30, emitida pela A-S.
  13. Quanto à aquisição do equipamento “Park Assist Pilot - fatura n.° 8740014344, de 2018/07/24, emitida pela B...  SA, no montante de 1.462,05 EUR, ao qual acresceu IVA no montante de 336,27 EUR, perfazendo o total de 1.798,32 EUR), o sujeito passivo contabilizou-a como um gasto do período (conta #622646), não tendo procedido à dedução do IVA contido na fatura – vide Anexo 9.
  14. O equipamento a que se refere a fatura do ponto precedente foi instalado na viatura vendida pela A-S em data não posterior a 24.07.2018.
  15. No âmbito do procedimento inspetivo referido em 1., veio a AT a concluir, em sede de RIT, o seguinte:

 

 

  1. Em face do teor do RIT, veio a correção em sede de IVA a materializar-se por via das liquidações objeto destes autos com os n.ºs 2022... e 2022...,  no valor  de € 11.499,63 e 1.949,58, respetivamente, perfazendo um valor total de € 13.449,21.
  2. Em 02 de Novembro de 2022 veio a Requerente a proceder ao pagamento das liquidações supra melhor identificadas, cfr. Doc. 1 do PPA.
  3. Em 11.01.2023 submeteu a ora Requerente o PPA que está na origem dos presentes autos arbitrais.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

3.2. Factos Não Provados:

 Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

3.3. Fundamentação da matéria de facto:

O árbitro não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pelas partes e que não foram impugnados e na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT.

Assim, tendo igualmente em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida e o Processo Administrativo junto, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

4. Do Direito:

4.1. Do direito à dedução do IVA:

O objeto do presente litígio centra-se em decidir se a despesa tangente à aquisição da viatura supra melhor identificada é suscetível, nos termos da legislação vigente à data dos factos, de dedução para efeitos de IVA e para tal resposta, perscrutar o valor relevante  derivado de tal aquisição. 

Entende a Requerente que tal dedução tem cobertura legal, uma vez que a despesa do sistema de assistência ao estacionamento – ponto 6. dos “Factos Provados” não deve incorporar o valor da viatura.

Dissente a Requerida, pugnando pela não dedutibilidade, em virtude de tal despesa ter de acrescer ao custo da viatura e nessa conformidade, se encontrar excedido o montante máximo até ao qual a legislação admite a dedução do IVA incorrido.

Vejamos assim e antes de mais, o enquadramento da questão relativa à dedução do IVA sobre a aquisição de bens da natureza como a nos presentes autos em apreço.

Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA apenas se pode proceder à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização quer de operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos, respetivamente, das alíneas a) e b).    

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA exclui do direito à dedução o imposto constante, nomeadamente das despesas referidas na alínea a): “Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com caráter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor”. 

Importa considerar que o artigo 21.º, n.º 1, do Código do IVA, enquanto preceito limitador do direito à dedução do IVA, encontra a sua ancoragem no artigo 176.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado), preceito este que prevê que: “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.”

Já o n.º 2 do versado artigo 21.º do Código do IVA vem retirar do âmbito das exclusões ao direito à dedução, entre outras despesas, a seguinte, conforme se colhe da al. f)

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

(…)

f)Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.

Este preceito foi introduzido na ordem jurídica, enquanto aditamento ao Código do IVA, através do artigo 4.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, na esteira da também denominada “fiscalidade verde”, através da qual se procedeu à alteração das normas fiscais ambientais em áreas como as das emissões, água, energia e emissões, transportes, resíduos, biodiversidade e ordenamento territorial entre outras.

O diploma legal a que alude a alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA e para a qual remete para efeitos de densificação dos requisitos para a dedução de tal despesa em sede de IVA é a Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, alterada pelo artigo 24.º da citada Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, cujo artigo 1.º, n.º 4, determina que para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data, o montante a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC passa a ser de: “(…); b) € 50 000 relativamente a veículos híbridos plug-in.   

Face ao enquadramento legal vindo de explicitar é isento de controvérsia, de resto, igualmente entre as partes, que a aquisição da viatura melhor identificada na matéria de facto dada como provada se subsume, pela sua natureza, a uma viatura de turismo híbrida plug-in.

E, nesta conformidade, em função das referidas caraterísticas e natureza do veículo, ser, em abstrato, a despesa de IVA incorrida com a sua aquisição, passível de dedução em sede deste imposto.

Não obstante, conforme se colhe do conjugadamente preceituado nos normativos supra explicitados, importa aferir se in casu, se se mostra ou não verificado o requisito atinente ao teto máximo relativo ao valor da viatura até ao qual o legislador admite o versado direito à dedução de tal despesa fiscal em sede de IVA.

O que no caso equivale a aferir se o valor da viatura adquirida pela Requerente supera ou não o limite de € 50.000,00 estabelecido na portaria já enunciada.

Na tese sustentada pela Requerente tal montante situa-se abaixo de tal limite legal, considerando para o efeito que apenas relevará o valor da fatura constante do ponto 3. dos Factos Provados.

Já a Requerida, sustentada no RIT, pugna pela superação do valor do bem móvel sujeito a registo face ao limite legal estabelecido, invocando que a aferição terá de ter por base o somatório do valor da fatura atinente à aquisição da viatura e bem como assim o valor debitado com extras que foram introduzidos nesse mesmo veículo – sistema de apoio ao estacionamento.

Ante o vindo de alinhar, importa apreciar da questão relativa à forma de aferição do valor de tal viatura para efeitos deste imposto – IVA.

 Assim, nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 16º do CIVA que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro

No caso da factualidade em análise, estamos perante a aquisição de um veículo no qual foi incorporado (no sentido físico) uma estrutura que melhora a funcionalidade do bem na qual foi instalado, no caso, a instalação de um sistema de apoio à condução, mormente no que à componente de estacionamento do veículo diz respeito.

Resulta assim que o equipamento em causa é de per se, isto é, quando desligado da viatura, um elemento incapaz de alcançar a finalidade para a qual foi produzido, apenas suscetível de ser funcional quando efetiva e fisicamente incorporado na tipologia de viaturas para o qual foi projetado e concebido.

Ou seja, o sistema de apoio à condução e estacionamento em apreço só logra cumprir a sua função, uma vez devidamente acoplado ao bem móvel automóvel como o adquirido pela Requerente.

Por outro lado, aqui apelando às regras da experiência comum, sistemas como aquele aqui em apreciação são equipamentos incorporados nos respetivos veículos com caráter tendencialmente definitivos e em abstrato com uma longevidade funcional similar à do bem onde são instalados, passando a integrar o veículo onde são instalados.

Assim, no caso dos equipamentos como o ora em análise, dúvidas não soçobram quanto à ligação material à viatura e bem assim ao caráter de permanência com que tal integração no veículo é efetuada, sendo certo que nada nos autos se indicia ou foi aduzido que permita esta conclusão. 

Igualmente, importa relevar que um equipamento como o ora em apreço representam um aumento objetivo do valor económico do bem onde é incorporado, devendo aliás, ser relevado igualmente para efeitos contabilísticos.

De resto, caso um equipamento como o que ora nos ocupa tivesse sido ab initio incorporado e refletido o seu valor económico na respetiva fatura de aquisição da viatura, não deveria esse (e eventualmente outros extras encomendados) equipamento ser relevado para efeitos de aferição do valor tributável em matéria de IVA ?

Como tivemos a oportunidade de verificar pelo n.º 1 do artigo 16º do CIVA, a resposta não poderia deixar de ser afirmativa.

Isto é, o montante de tais equipamentos terão de relevar para tal valoração tributável e consequentemente, para efeitos de aferição sobre a cabimentação ou não deste atento o limite máximo imposto pela Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho em ordem à dedução do respetivo IVA incorrido. 

Entende a Requerente que, pelo facto de a aquisição de tal equipamento, pelo menos no sentido formal/documental ter ocorrido posteriormente à aquisição da viatura, que tal equipamento não poderia ser relevado no cômputo do valor da viatura para efeitos de tal finalidade dedutiva.

Dissente-se, também pelas razões já supra alinhadas, do provimento de tal perspetiva.

No caso em apreço e não obstante não resultar claro quando, em concreto, terá sido instalado o equipamento de apoio ao estacionamento em causa, seguro é que menos de 3 meses (em 24.07.2018) após a data da aquisição da viatura titulada por fatura, à mesma já tinha sido incorporado o equipamento extra, tal como flui da emissão da respetiva fatura – ponto 6 e 14 dos “Factos Provados”.

Sendo certo que, conforme resulta pacífico, ante o posicionamento das partes a este respeito, a viatura contava, à data de 24.07.2018, com um total de 1619 quilómetros percorridos.

Recorde-se que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cujas normas, harmonizadas no conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, constam da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, enquanto imposto plurifásico que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (Cfr. Xavier Basto, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, Lisboa 1991, p. 41).

Impondo-se assim, atentar na disciplina ordenadora que decorre deste imposto, em detrimento daqueles que possam ser os comandos de índole contabilísticos ou mesmo obrigacionais que a este respeito e nas suas respetivas áreas, possam, eventualmente, emergir.

Destarte, torna-se relevante atentar no critério legislativo aplicável em matéria de IVA, embora no domínio das transmissões intracomunitárias (RITI), através do qual o legislador estabeleceu os requisitos pelos quais, no âmbito daquele diploma legal, devam ou não os meios de transporte ser considerados novos.

E no caso, o legislador fê-lo através da al. a) do n.º 2 do artigo 6º, no qual define os requisitos para que determinado meio de transporte não possa ser considerado como novo: 

2 - Não são considerados novos os meios de transporte mencionados na alínea b) do número anterior desde que se verifiquem simultaneamente as seguintes condições:

a) A transmissão seja efectuada mais de três ou seis meses após a data da primeira utilização, tratando-se, respectivamente, de embarcações e aeronaves ou de veículos terrestres;

b) O meio de transporte tenha percorrido mais de 6000 km, tratando-se de um veículo terrestre, navegado mais de cem horas, tratando-se de uma embarcação, ou voado mais de quarenta horas, tratando-se de uma aeronave.

Da leitura do citado normativo resulta assim que, mesmo considerando os elementos de facto relativos ao tempo decorrido e ao número de quilómetros percorridos pelo veículo entre a data da aquisição da viatura e a data da instalação do equipamento Park Assist Pilot, não se vislumbra a existência de um diferente critério legal que permita afastar a noção de que se estava, aquando da incorporação de tal equipamento, perante viatura nova no domínio do IVA,  também atento o critério definido neste imposto, pese embora dirigido ao domínio das transmissões intracomunitárias.

Por outro lado, a questão da decomposição das operações tem sido objeto de pronúncia pelo TJUE, o qual, a propósito da falta de autonomia das prestações, refere, no acórdão proferido no âmbito do processo nº C-278/18, de 28 de Fevereiro de 2019, o seguinte:

“(…) o Tribunal de Justiça declarou que uma prestação deve ser considerada única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estejam tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja divisão revestiria caráter artificial (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Mailat,C-17/18, EU:C:2018:1038, n.o 33 e jurisprudência referida).”

Deve igualmente considerar-se que se está em presença de uma única operação quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única operação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.

Nas palavras do TJUE, processo C-41/04 Levob Verzekeringen BV “… quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para se determinar, por um lado, se se está na presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única, e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de prestação de serviços”;

O mesmo se passa [isto é, está-se perante uma prestação única] quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor … estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial.

Ora, revertendo para o caso da factualidade aqui em análise, verifica-se que os dois elementos, viatura e respetivo equipamento nele fisicamente incorporado pouco tempo depois estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única operação económica, indissociável, pelo que não se afigura poder deixar de concluir, em linha com aqueles que são os elementos de interpretação do direito europeu, pela unicidade da operação para efeitos de IVA.

Isto é, a incorporação material, permanente e tendencialmente definitiva de um equipamento de apoio à condução na vertente de estacionamento na respetiva viatura automóvel, cuja função apenas se cumpre após essa integração física no veículo e a qual ocorreu antes de decorridos três meses após a data da fatura de aquisição e quando a viatura tinha então percorrido menos de dois mil quilómetros, não permite outra leitura que não seja a de que se está perante uma única operação económica.

Assim, irrelevante se torna que para efeitos de fixação do valor tributável do bem em matéria de aferição dos requisitos que permitem o direito à dedução a que se  refere a alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA e densificada pela Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, alterada pelo artigo 24.º da citada Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, que tenha ocorrido decomposição do valor da fatura relativa à aquisição da viatura por um lado e, por outro o montante faturado autonomamente referente à incorporação permanente do versado equipamento naquela – ponto 14 dos factos provados – ocorrida num curto hiato temporal face à primeira.

Na esteira daquelas que são as linhas essenciais de interpretação dimanadas do TJUE nesta matéria, a decomposição das operações e dos respetivos preços ora em análise não poderá deixar de se ter como artificial e nessa medida, insuscetíveis de ser autonomamente relevadas para efeitos de fixação do valor tributável, nos termos do n.º 1 do artigo 16º do CIVA e consequentemente, para efeitos da aplicação da al. f) do n.º 2 do artigo 21º do CIVA e Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, alterada pelo artigo 24.º da citada Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro.

Em suma, não padecem as liquidações colocadas em crise de qualquer um dos vícios que lhe vêm apontados, designadamente por erro de qualificação do facto tributário ou por erro nos pressupostos de facto e de direito, na medida em que, por tudo o quanto se deixa alinhado, a consideração unificada efetuada pela Requerida das faturas constantes em 3. e 6. dos “Factos Provados”, para efeitos de valorização da viatura e respetiva aferição da (não) dedutibilidade do IVA incorrido é a interpretação mais consentânea com a letra e o espírito do legislador do imposto sobre o valor acrescentado e com aquela que vem sendo a doutrina sufragada pelo TJUE nesta matéria.  

4.2. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto pago:

Face à falta de provimento do pedido de declaração de ilegalidade (atentas as causas de pedir formuladas) em que se funda o PPA apresentado pela Requerente, não podem deixar de se manter na ordem jurídico-tributário o objeto imediato destes autos – liquidação de IVA e JC supra melhor identificadas -   razão pela qual fica, nos termos dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, prejudicado o conhecimento sobre as demais questões e pedidos formulados, os quais pressupunham decisão de procedência e consequente anulação dos atos tributários, a saber, condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios e restituição por esta do valor pago referente ao ato tributário de liquidação de IVA e de JC em apreço.

 

5. DECISÃO:

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado relativamente à pretendida anulação, por ilegalidade, ato de liquidação de IVA de 2018 04 e da liquidação dos respetivos juros compensatórios, por não verificação de qualquer dos vícios que lhe vinham apontados pela Requerente e nessa sequência,
  2. Julgar prejudicado o conhecimento sobre as questões relativas ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente e restituição a esta dos montantes suportados com o pagamento do ato tributário de liquidação objeto destes autos.
  3. Condenar a Requerente ao pagamento das custas nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa - arts. 4º, n.º 1, do RCPTA e 6º, n.º 2, al. a) e 22º, n.º 4, do RJAT

 

  1. Valor do Processo:

Nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal».

Assim, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 13.449,21 (treze mil quatrocentos e quarenta e nove euros e vinte e um cêntimos).

  1. Custas:

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último, fixam-se as custas no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), as quais vão a cargo da Requerente, atento o decaimento.

*

Notifique-se esta decisão arbitral ao Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 20 de Novembro de 2023.

O árbitro singular

 

(Luís Sequeira)

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.