Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 722/2019-T
Data da decisão: 2020-11-17  IRS  
Valor do pedido: € 63.027,83
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias.
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SUMÁRIO:

No apuramento do valor de aquisição, a título oneroso, dos imóveis adjudicados a um dos comproprietários em resultado de divisão de coisa comum, deverá levar-se em consideração o critério legal de quantificação constante do preceituado º 1 do artigo 12º do Código de IMT, aplicável por força do n.º 1 do artigo 46º do CIRS.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

Os Árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Dr. André Festas da Silva (Árbitro Vogal) e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (Árbitro Vogal), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2017, no valor de € 66.116,64, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

O Requerente apenas tomou conhecimento da liquidação adicional de IRS pelo correio normal, não tendo sido notificado em momento anterior de qualquer projecto de decisão, pelo que foi violado o direito de audição prévia consagrado nos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição e 45.º do CPPT.

Por outro lado, a notificação não contém qualquer referência às razões de facto e de direito que motivaram a liquidação adicional, nem indica os meios de defesa de que possa dispor e o respectivo prazo para o seu exercício, ocorrendo a violação do dever de fundamentação.

O Requerente dedica-se ocasionalmente à aquisição e revenda de imóveis e em 29 de Julho de 2016, adquiriu com mais dois compradores, pelo valor de € 1.050.000,00, o prédio urbano sito na Rua ... n.º..., ..., ... e ..., ..., Lisboa, com o valor patrimonial de € 730.760,00, tendo liquidado € 22.750,00 de IMT e € 2800 de imposto do selo. Incorreu ainda no pagamento do montante de € 594,00 a título de encargos notariais e de registo predial, além de ter despendido as importâncias de € 4,900,00, em 2016, e € 71.158,10, em 2017, num total de € 76.058,10, com encargos respeitantes a um empréstimo concedido pelo banco B... .

                Posteriormente, em 24 de Outubro de 2016, procedeu-se à constituição da propriedade horizontal e divisão de coisa comum do imóvel, com um encargo de € 3.400,75, tendo sido liquidado os correspondentes valores de IMT (€ 833,76) e de imposto de selo (€ 431,68).

Na constituição da propriedade horizontal, foram individualizadas as fracções autónomas F, correspondente ao segundo andar direito, G, correspondente ao segundo andar esquerdo, e H, correspondente ao terceiro andar direito, as quais foram adjudicadas ao Requerente pelos seguintes valores: fracção F - € 141.645,00; fracção G -  € 125.600,00; fracção H  - €141.645,00.

                A fracção H encontrava-se arrendada, através de contrato sem termo, pelo valor de € 175,00, tendo o Requerente negociado com os inquilinos, em 30 de Setembro de 2016, uma indemnização para cessação do contrato de arrendamento mediante pagamento de € 65.000,00.

                O Requerente liquidou IMI no valor total de € 827,10 enquanto foi proprietário da fracção H.

                Para proceder à revenda da fracção G), o Requerente adjudicou ao atelier de arquitectura C... Lda., um projecto de remodelação, tendo suportado honorários no valor de € 3.813,00.

                Em 2 de janeiro de 2017, o Requerente celebrou com a D..., Lda, NIF..., um contrato de mediação imobiliária, em que acordou o pagamento duma comissão de 10% sobre o valor da venda, que veio a liquidar quando se concretizou a venda, em 23 de Março de 2017, pelo preço de € 400.000,00.

O Requerente liquidou IMI no valor de € 7 39,17 enquanto foi proprietário da fracção G.

Em 21 de Fevereiro de 2014, o Requerente adquiriu, pelo valor de € 95,000,00, a fracção R, correspondente ao ... andar, para escritório, do prédio urbano sito na ..., ..., tendo liquidado o IMT, no valor de € 8.286,86, e imposto de selo, no valor de € 1109,92.

Posteriormente, procedeu a obras de remodelação através da empresa E..., Lda a quem pagou o valor total de € 16.383,00, e que eram justificadas pelo facto de imóvel se encontrar em estado de acentuada degradação.

Entre o tempo que mediou entre a compra e a venda da fracção R, o Requerente pagou o condomínio, no total de € 5.714,88, além do IMI, no valor de € 3.144,06, e posteriormente, através da mediação de F... Lda, em vista à revenda da fracção, pagou o valor de comissão de € 5.000,00.

Em 2017, o Requerente alienou a fracção autónoma H pelo preço de € 350 000, a fracção autónoma G, pelo preço de € 400.000,00 e a fracção autónoma R, pelo preço de € 232 500,00, no montante global de € 982.500,00.

Nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, os ganhos obtidos pelas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis efectuadas por residentes são apenas considerados em 50% do seu valor.

No caso concreto, o valor a considerar para o cálculo da mais-valia deveria ser de € 310. 092,50 (€ 620185 x 50%), havendo de somar-se ao valor de aquisição as despesas e encargos de aquisição, valoração e alienação que perfazem um total de € 222.857,22 (€ 124 703+65.926,35+32.227,87), resultando um valor tributável em IRS de € 198.663,89 (€ 74.813,50+€ 71.214,33+€ 52.636,07).

Sendo que o valor a pagar, aplicando-se a taxa de IRS 48%, não poderia ser superior a € 95 358,67, sendo ilegal a correcção adicional efectuada pela Autoridade Tributária.

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que não se verificam os vícios de violação do direito de audição prévia e de falta de fundamentação, porquanto o Requerente foi notificado, em 14 de Maio de 2018, para efeito do exercício do direito de audição, da existência de divergências quanto à liquidação de IRS referente ao ano de 2017 e só após essa notificação, é que foram fixadas as correcções, de que igualmente foi dado conhecimento ao interessado, com a respectiva fundamentação, sendo que resulta demonstrado que o Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do acto de liquidação.

Quanto à questão de fundo, a Autoridade Tributária reproduz as correcções constantes da notificação de divergências emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa, considerando aplicáveis para efeitos do cálculo da mais-valia imobiliária os seguintes valores.  

A fracção G tinha o Valor Patrimonial Tributário de 82.130,00 €, correspondendo a 11,24% do Valor Patrimonial Tributário total do imóvel (730.760,00 €), sendo de considerar como valor de aquisição, em Julho de 2016, € 39.340,00, correspondente à percentagem da fração em relação ao valor suportado de 350.000,00 €.

A fração H tinha o Valor Patrimonial Tributário de € 91.900,00, correspondendo a 12,58% do Valor Patrimonial Tributário total do imóvel (€ 730.760,00), sendo de considerar como valor de aquisição, em Julho de 2016, € 44.030,00, correspondente à percentagem da fração em relação ao valor suportado de € 350.000,00.

A adjudicação ao Requerente das frações F, H e G, na sequência da divisão de coisa comum, em Outubro de 2016, foi realizada pelos valores, respetivamente, de € 141.645,00,  €  141.645,00 e € 125.670,00, totalizando € 408.960,00, verificando-se um excesso de € 53.960,00 em relação ao valor de € 355.000,00 (€ 1.065.000,00/3). Da conjugação do valor das fracções adjudicadas (€ 408.960,00) com o valor a mais da sua quota-parte (€ 53.960,00), apura-se um valor de aquisição de cada uma das fracções de € 16.581,46 (G) e € 18.689,27 (H e F).

                Os valores de realização relativamente às aquisições de Julho de 2016 e Outubro de 2016 da fracção G foram, respectivamente, de € 281.394,66 e € 118.605,34, tendo sido aceites como despesas os montantes pagos a título de IMT e de imposto de selo quanto à primeira aquisição (€ 2.557,10 e (€ 314,72) e quanto à segunda aquisição (€ 22.750,00 e € 2.800,00).

O valor de realização relativamente às aquisições de Julho de 2016 e Outubro de 2016 da fracção H foram, respectivamente, de € 245.705,98 e € 104.294,02. Foram aceites despesas de intermediação imobiliária na alienação (€ 40.000,00), IMT (€ 2.861,95), imposto do selo (€ 352,24), de IMT do excesso na divisão de coisa comum (€ 311,50), escritura de divisão de coisa comum (€ 377,86) e execução de projeto de arquitetura (€ 2.542,00).

                Em relação à fracção R, foram aceites despesas de IMT (€ 8.286,86) e imposto de selo (€ 1.09,92).

                Foram recusadas as despesas por consultadoria referente à venda do imóvel sito na ..., n.º ... (fracção R), despesas de condomínio e com obras de remodelação do mesmo imóvel e a compensação pela cessação do contrato de arrendamento referente à fracção H.

Conclui, face à factualidade que deve ser tida como assente, no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, houve lugar à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, tendo o Requerente prescindido da inquirição das testemunhas por si arroladas. O tribunal notificou o Requerente para juntar os documentos mencionados no documento n.º 9 junto com o pedido arbitral e remeteu o processo para alegações, por prazo sucessivo, contado a partir da junção dos documentos ou do termo do respectivo prazo.

Os documentos foram juntos por requerimento entrado em 3 de Julho de 2020.

Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições, sendo que o Requerente invocou adicionalmente que o procedimento inicial de divergências se encontra inquinado de violação do princípio da proporcionalidade.

Encontrando-se o processo ainda pendente da apresentação de alegações pela Requerida, foi determinado, por despacho de 10 de Setembro de 2020, a prorrogação do prazo, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17 de Janeiro de 2020.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Questão Prévia:

 

No âmbito das alegações escritas apresentadas pelo Requerente, veio este apontar ao acto tributário um novo vício legal, isto é, não aduzido aquando da submissão do Pedido de Pronúncia Arbitral, tangente à inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, no que respeita à forma de cálculo das mais-valias objeto de tributação no acto tributário cuja legalidade em concreto aqui se afere.

 

Impõe-se assim, antes de mais, perscrutar da possibilidade de ser apreciada na presente instância arbitral este novo vício apontado à liquidação, que o mesmo é afirmar, se a ampliação da causa de pedir nos termos e momento processual em que foi efetuado é ou não legalmente admissível e nessa decorrência, é ou não susceptível de se conhecer do eventual mérito de tal alegado vício.

 

No âmbito do processo arbitral, a instância tem o seu início com a constituição do Tribunal, tal como decorre do artigo 15.º do RJAT, o qual uma vez constituído dará lugar à notificação do dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para, no prazo de 30 dias, querendo apresentar Resposta e solicitar a produção de prova adicional, tal como se colhe do teor do n.º 1 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT),

Com a notificação da Requerida para apresentar Resposta deve considerar-se por firmado o objeto processual arbitral – pedido e causa de pedir – de modo a que o Tribunal Arbitral não seja constantemente confrontado com alterações que dificultariam a condução da lide, susceptíveis de comprometer o célere andamento do processo, o que sempre constituiria manifesta contradição com as finalidades da jurisdição arbitral, a cuja criação presidiu o objetivo da resolução de litígios, o de dotar a resolução alternativa de litígios em matéria tributária com maior celeridade.

 

Tal compromisso com a celeridade resulta claramente do preâmbulo do diploma legal que procedeu à consagração no ordenamento jurídico português do RJAT: “A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objectivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais. A arbitragem constitui uma forma de resolução de um litígio através de um terceiro neutro e imparcial –o árbitro –, escolhido pelas partes ou designado pelo Centro de Arbitragem Administrativa e cuja decisão tem o mesmo valor jurídico que as sentenças judiciais. Neste sentido, e em cumprimento dos seus três objectivos principais, a arbitragem tributária é adoptada pelo presente decreto-lei com contornos que procuram assegurar o seu bom funcionamento. Assim, em primeiro lugar, tendo em vista conferir à arbitragem tributária a necessária celeridade processual, é adoptado um processo sem formalidades especiais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo, e é estabelecido um limite temporal de seis meses para emitir a decisão arbitral, com possibilidade de prorrogação que nunca excederá os seis meses.”

 

Nos termos do supra referido diploma legal não resulta, pois, contemplada a possibilidade de, após exercido o contraditório entre Requerente e Requerida, vir aquela a proceder à ampliação da causa de pedir.

 

Apenas e só prevendo o versado RJAT a possibilidade de modificação objectiva da instância, no caso previsto no artigo 20º do regime em causa, isto é, em caso de substituição do acto tributário objecto do pedido de decisão arbitral, aplicando-se, nesse caso, o disposto no artigo 64º do CPTA, sendo que in casu não se operou qualquer substituição do acto tributário objecto destes autos.

 

Ainda assim, importará verificar da admissibilidade legal de tal ampliação à luz do direito subsidiário aplicável ao RJAT, nos termos do n.º 1 do seu artigo 29º, o qual, através da sua al.a) remete para as normas procedimentais ou processuais dos códigos tributários, o que na questão em apreço se reconduzirá a apreciar da viabilidade de tal instituto nesta instância.

 

Visto o teor do CPPT no que às normas reguladoras do processo judicial de anulação de actos tributários – impugnação judicial – previstas nos artigos 99º a 134º (Capítulo II do Título III – Processo Judicial Tributário), face ao paralelismo que é possível estabelecer ao nível da natureza e finalidade entre aquele meio de defesa junto do tribunal estadual face ao pedido de pronúncia arbitral, não pode também de tal diploma resultar acomodada a possibilidade de ampliação da causa de pedir.

 

Senão vejamos o acordado pelo Tribunal Central Administrativo Sul , o qual, secundando entendimento anterior do Supremo Tribunal Administrativo, entende por inadmissível em processo judicial de anulação de actos tributários, entre outros, a ampliação da causa de pedir, alinhando a seguinte fundamentação:

“Na realidade crê-se que a circunstância do CPPT se não reportar à possibilidade de ampliação do pedido e da causa de pedir, não constitui qualquer lacuna legal, mas, antes, a regulamentação fechada do procedimento adjectivo tributário querida pelo legislador que, pela sua especificidade própria, entendeu não serem admissíveis as referidas modificações da instância, pelo que, por força do princípio da igualdade de armas e do contraditório, com guarida constitucional, o que se tem de admitir é, tão só, a possibilidade da parte processual activa contestar qualquer excepção peremptória suscitada, no processo, pela FP demandada, o que, como se tem por pacífico, não é invocado nestes autos, em que a pretendida ampliação se estriba na notificação do recorrente, fora do processo, de um acto tributário correctivo/rectificativo, operado pela AT.

- Em apoio do que se vem de referir socorremo-nos do discurso fundamentador do douto e recente acórdão do STA, citado pelo EMMP, junto deste Tribunal, no seu parecer de fls. 191, tirado no proc. 0761/09 e datado de 2009NOV25, designadamente do excerto que, sendo aplicável ao caso dos autos, de seguida se transcreve;

“«Tal como decorre do preceituado na parte final n.º 1 do art. 108.º do CPPT, é na petição que o impugnante tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. É, portanto, aí que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquele decorre.

E tendo em conta que a causa de pedir no contencioso de anulação de actos tributários consiste no comportamento concreto da Administração Tributária violador das normas jurídicas, isto é, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado, tem de concluir-se que quem deduz impugnação judicial deve invocar na petição inicial todos os factos integradores do vício ou vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se superveniente ou de conhecimento oficioso.

Deste modo, era necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT).

Na verdade, o art.º 273.º do CPC dispõe, no seu n.º 1, que «Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo Réu e aceita pelo Autor». E sobre a admissibilidade da réplica, o CPC preceitua, no n.º 1 do art.º 502.º, que «À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção, e somente quanto à matéria desta; a réplica serve também para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, mas a esta não pode ele opor nova reconvenção.»

Neste contexto, e visto que no presente caso não houve acordo sobre a ampliação da causa de pedir, importa saber se o processo de impugnação judicial admite o articulado de réplica, pois só nesse caso seria admissível tal ampliação.

O artigo 113º do CPPT dispõe do seguinte modo:

ARTIGO 113.°

Conhecimento imediato do pedido

1 – Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, se o representante da Fazenda Pública suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, será ouvido o impugnante.

Donde resulta que a resposta à contestação, prevista no CPPT, não se destina, ao contrário do que acontece com a réplica prevista no art.º 502.º do CPC, à defesa de todas as excepções (peremptórias e dilatórias) arguidas na contestação. Este preceito do CPPT regula apenas, e de forma expressa, o modo de assegurar o contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido (excepções dilatórias – art.º 493.º, n.º 2 do CPC).

Por outras palavras, a resposta à contestação, prevista no art.º 113º, n.º 2 do CPPT, destina-se exclusivamente a assegurar o contraditório relativamente a questões que a Fazenda Pública tenha suscitado e que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido, viabilizando a defesa material do impugnante contra tais questões, em consonância, aliás, como o preceituado no n.º 3 do art.º 3.º do CPC.

E essa audição do impugnante deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o impugnante do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no art.º 153º, n.º 1 do CPC.

Já a réplica constitui mais um articulado previsto para o processo ordinário de declaração, que se destina a dar resposta a todas as excepções arguidas na contestação (sejam elas dilatórias, sejam peremptórias - consistindo estas na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, não obstando, assim, a que o tribunal conheça do mérito – art.º 493.º do CPC) e que tem de ser apresentada, como articulado que é, no prazo de 15 dias a contar da notificação da contestação.

Estamos, pois, perante regimes processuais distintos, com um campo de aplicação também distinto.

E mesmo para quem defenda que o impugnante deve ser igualmente ouvido sobre as excepções peremptórias invocadas pela Fazenda Pública, face ao princípio do contraditório ínsito no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, nunca a resposta que apresente na sequência dessa audição pode ser vista como um articulado de réplica nos moldes em que este se encontra previsto no CPC, pois que essa audição é feita, necessariamente, por determinação do juiz, sendo apresentada no prazo de 10 dias previsto na parte final do n.º 1 do art.º 153.º do CPC (e não a partir da notificação da contestação), não constituindo, assim, um articulado do processo judicial tributário.

Razão por que entendemos que, não prevendo a lei, para o processo judicial tributário, a apresentação de réplica nos moldes em que tal articulado está previsto no CPC para o processo ordinário de declaração, fica afastada a possibilidade de modificação/ampliação da causa de pedir ao abrigo do disposto no art.º 273º do CPC.».”

 

Em similar sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo  quanto à matéria que ora nos atém:

“Resta, contudo, saber se tal vício podia, ainda assim, ter sido invocado, como foi, na resposta à contestação da Fazenda Pública.

Tal como decorre do preceituado na parte final n.º 1 do art. 108.º do CPPT, é na petição que o impugnante tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. É, portanto, aí que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquele decorre.

E tendo em conta que a causa de pedir no contencioso de anulação de actos tributários consiste no comportamento concreto da Administração Tributária violador das normas jurídicas, isto é, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado, tem de concluir-se que quem deduz impugnação judicial deve invocar na petição inicial todos os factos integradores do vício ou vícios que imputa ao acto impugnado, salvo se superveniente ou de conhecimento oficioso.

Deste modo, era necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT).

Na verdade, o art.º 273.º do CPC dispõe, no seu n.º 1, que «Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo Réu e aceita pelo Autor». E sobre a admissibilidade da réplica, o CPC preceitua, no n.º 1 do art.º 502.º, que «À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção, e somente quanto à matéria desta; a réplica serve também para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, mas a esta não pode ele opor nova reconvenção.»

Neste contexto, e visto que no presente caso não houve acordo sobre a ampliação da causa de pedir, importa saber se o processo de impugnação judicial admite o articulado de réplica, pois só nesse caso seria admissível tal ampliação.

 

O artigo 113º do CPPT dispõe do seguinte modo:

ARTIGO 113.°

Conhecimento imediato do pedido

1 – Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, se o representante da Fazenda Pública suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, será ouvido o impugnante.

 

Donde resulta que a resposta à contestação, prevista no CPPT, não se destina, ao contrário do que acontece com a réplica prevista no art.º 502.º do CPC, à defesa de todas as excepções (peremptórias e dilatórias) arguidas na contestação. Este preceito do CPPT regula apenas, e de forma expressa, o modo de assegurar o contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido (excepções dilatórias – art.º 493.º, n.º 2 do CPC).

Por outras palavras, a resposta à contestação, prevista no art.º 113º, n.º 2 do CPPT, destina-se exclusivamente a assegurar o contraditório relativamente a questões que a Fazenda Pública tenha suscitado e que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido, viabilizando a defesa material do impugnante contra tais questões, em consonância, aliás, como o preceituado no n.º 3 do art.º 3.º do CPC.

E essa audição do impugnante deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o impugnante do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no art.º 153º, n.º 1 do CPC.

Já a réplica constitui mais um articulado previsto para o processo ordinário de declaração, que se destina a dar resposta a todas as excepções arguidas na contestação (sejam elas dilatórias, sejam peremptórias - consistindo estas na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, não obstando, assim, a que o tribunal conheça do mérito – art.º 493.º do CPC) e que tem de ser apresentada, como articulado que é, no prazo de 15 dias a contar da notificação da contestação.

Estamos, pois, perante regimes processuais distintos, com um campo de aplicação também distinto.

E mesmo para quem defenda que o impugnante deve ser igualmente ouvido sobre as excepções peremptórias invocadas pela Fazenda Pública, face ao princípio do contraditório ínsito no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, nunca a resposta que apresente na sequência dessa audição pode ser vista como um articulado de réplica nos moldes em que este se encontra previsto no CPC, pois que essa audição é feita, necessariamente, por determinação do juiz, sendo apresentada no prazo de 10 dias previsto na parte final do n.º 1 do art.º 153.º do CPC (e não a partir da notificação da contestação), não constituindo, assim, um articulado do processo judicial tributário.

Razão por que entendemos que, não prevendo a lei, para o processo judicial tributário, a apresentação de réplica nos moldes em que tal articulado está previsto no CPC para o processo ordinário de declaração, fica afastada a possibilidade de modificação/ampliação da causa de pedir ao abrigo do disposto no art.º 273º do CPC.

E, seguindo esta linha de raciocínio, concluímos que, no caso vertente, apesar de a Fazenda Pública ter invocado, na sua contestação, a questão do erro na forma de processo utilizada, o que facultou ao Impugnante a possibilidade de responder à questão, o certo é que tal resposta não lhe permitia modificar a causa de pedir.”

 

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo  veio, uma vez mais, reiterar a inadmissibilidade da ampliação da causa de pedir, assente no seguinte entendimento:

“Com efeito, decorre do preceituado na parte final n.º 1 do art. 108º do CPPT, que é na petição inicial do processo de impugnação que o autor tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso. É nessa peça processual que tem de alegar os factos integrantes da causa de pedir (que no contencioso de anulação consiste no comportamento concreto da Administração violador das normas jurídicas, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado) e de delinear o pedido que dessa causa de pedir decorre.

E quando a lei lhe permite "enxertar" um pedido condenatório/indemnizatório num contencioso que é de mera anulação, como sucede com a possibilidade legal de formular no processo tributário de impugnação judicial um pedido de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevidamente prestada (o que representa um meio expedito consagrado pelo legislador para que o lesado obtenha, em certos e restritos casos, a imediata condenação da AT no pagamento de uma indemnização), deve também invocar logo na petição todos os factos integradores dessa concreta causa de pedir e de formular o respectivo pedido, até porque a lei não prevê, para o processo tributário, a apresentação de articulado de réplica nos moldes em que tal articulado está previsto no Código de Processo Civil para o processo declarativo, ficando, assim, afastada a possibilidade de modificação ou ampliação da causa de pedir e do pedido.”

 

Do exposto, acompanha-se o entendimento jurisprudencial vindo de citar segundo o qual está vedada a possibilidade de proceder à ampliação da causa de pedir no âmbito do contencioso de anulação judicial de actos tributários, pelo que, nessa decorrência, igualmente inviabilizada se encontra a aplicação subsidiária das normas do CPPT para a admissibilidade da referida ampliação.

 

A idêntica conclusão se desagua quando este mesmo exercício se leva a efeito quanto à aplicação do CPTA enquanto direito subsidiário.

 

No âmbito da modificação da instância por alteração da causa de pedir em contencioso administrativo, importa alinhar, designadamente, os artigos 63º a 65º, 70º, 86º, 87º e 91º do CPTA.

 

Em regra, o Autor não pode, segundo a actual redacção do antigo n.º 5 do art.º 91.º do referido Código invocar em alegações finais (quando tenham lugar) novos fundamentos do pedido, ainda que de conhecimento superveniente.

 

Só no caso de alteração da factualidade pela emissão de novos actos administrativos no âmbito do procedimento anulatórios, sanatórios ou revogatórios dos actos inicialmente impugnados podem ser invocados outros fundamentos do pedido após o termo da fase dos articulados e nos termos dos artigos 63.º a 65.º, 70.º ou 86º.

 

De acordo com o artigo 86.º do CPTA é possível a apresentação de articulado para a invocação de factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes, mas a redacção da norma restringe tal possibilidade até à fase do «encerramento da discussão» e apenas quanto a factos supervenientes (n.º 1 e 2) ou a factos cujo conhecimento até aí eram desconhecidos do administrado, sem antes ter sido possibilitado o seu acesso a esses.  

 

Da conjugação do preceituado no art.º 86.º com o determinado nos artigos 63.º e 64º do CPTA, conclui-se que, no caso de invocação de factos constitutivos, modificativos e extintivos supervenientes, haverá primeiro que considerar o campo de acção do art.º 64.º e só na medida em que o facto superveniente extravasar este, pode recorrer-se ao art.º 86.º do CPTA.

 

Assim, se forem invocados factos relativos à anulação administrativa, à sanação ou à revogação do acto inicialmente impugnado e a invocação da existência de uma nova regulação feita por um novo acto, com base na alegação da reincidência das mesmas “ilegalidades”, vale o determinado no art.º 64.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 6 do CPTA, podendo o prazo para a correspondente invocação em juízo, correspondente ao da «impugnação» desse novo acto, ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão que julgou extinta a instância (art.º 64.º, n.º 4).

 

Já quando os factos constitutivos, modificativos e extintivos supervenientes não se reconduzem às realidades cobertas pelo art.º 64.º, ou quando se pretenda invocar invalidades diversas, é que terá de recorrer-se ao art.º 86.º, a invocação passa a ter-se que fazer em 10 dias após o conhecimento das superveniências e tem de ocorrer até ao encerramento da discussão em 1ª instância.

 

Nos termos deste compêndio legal, encontra-se prevista a possibilidade de proceder à ampliação da instância, ao abrigo do disposto no artigo 63º:

Artigo 63.º

Ampliação da instância

1 - Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.

2 - O disposto no número anterior é extensivo ao caso de o ato impugnado ser relativo à formação de um contrato e este vir a ser celebrado na pendência do processo, como também às situações em que sobrevenham atos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do ato impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo.

3 - Para o efeito do disposto nos números anteriores, deve a Administração trazer ao processo a informação da existência dos eventuais atos conexos com o ato impugnado que venham a ser praticados na pendência do mesmo.

 4 - A ampliação do objeto é requerida pelo autor em articulado próprio, que é notificado à entidade demandada e aos contrainteressados, para que se pronunciem no prazo de 10 dias.”

 

Ora, como decorre da leitura do preceito vindo de citar, a consagração deste mecanismo de ampliação não é subsumível ao caso dos autos vertentes, dado que, aí se regulam as situações em que pode haver lugar à ampliação do pedido, em razão de acto que venha a ser praticado na pendência do pleito, factualidade esta que não ocorreu nos vertentes autos.

 

Em matéria de jurisprudência arbitral, importa, porque conexa com a matéria em apreciação, atentar na decisão arbitral proferida no CAAD, em Setembro de 2018 , na qual se discutia similar ampliação da causa de pedir:

“5. Na sequência da apresentação da resposta e do envio do processo administrativo, o Requerente veio requerer fosse ordenada a junção de cópia integral do Relatório de Inspeção Tributária, incluindo os pareceres do chefe de equipa e do chefe de divisão, o despacho do chefe de divisão, o despacho que sancionou as conclusões do Relatório, o despacho que fixou os rendimentos ao abrigo do artigo 65.º do Código do IRS, os anexos 1 a 4 identificados no Relatório de Inspeção e a guia de pagamento relativa a retenções na fonte a não residente.

A requisição deste último documento tinha apenas em vista efetuar a prova de que o Requerente tinha procedido ao pagamento do imposto devido em Portugal, visando responder ao argumento da Requerida, suscitado em sede de impugnação, de que o Requerente poderia obter por via da equiparação do conceito de permanência ao de presença física a anulação do imposto retido em Portugal (artigo 78.º da resposta).

Tendo sido determinada a junção dos elementos em falta, a Autoridade Tributária juntou aos autos as conclusões do Relatório de Inspeção Tributária, contendo o parecer do chefe de equipa e o despacho de concordância do chefe de divisão, datado de 23 de setembro de 2016.

O Requerente veio então deduzir, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, um pedido de ampliação da causa de pedir, invocando o vício de inexistência jurídica do ato de apuramento e fixação dos rendimentos, face à ausência  do documento comprovativo da sua prática, e, a entender-se que esse ato foi o praticado, em 23 de setembro de 2016, pelo chefe de divisão com subdelegação de competência, o vício de incompetência relativa em razão da hierarquia, considerando que a competência para a prática do ato, nos termos do artigo 65.º, n.º 5, do Código do IRS, pertence ao diretor de finanças com poderes de delegação.

Deve começar por dizer-se que o artigo 63.º do CPTA não tem qualquer aplicação ao caso, visto que este preceito se destina apenas a permitir a ampliação do pedido quando já na pendência do processo judicial venham a ser praticados, no âmbito do procedimento, novos atos administrativos, de modo a que o interessado possa reagir mediante a ampliação do objeto do processo a factos supervenientes que tenham influência na definição da situação jurídica.

É também claro que a não apresentação do documento destinado a rebater o argumento jurídico invocado pela Requerida quanto ao pagamento do imposto em Portugal não justifica a ampliação da causa de pedir e quando muito pode ter consequências processuais em matéria de prova.

Apenas poderia admitir-se que o impugnante pudesse invocar novos vícios de conhecimento superveniente por efeito da junção de documentos por parte da Administração Tributária ou do próprio processo administrativo.

 

Nos presentes autos (tal como no processo arbitral vindo de parcialmente citar) a alteração da causa de pedir não foi provocada pela emissão de novo acto (que pudesse ter sido levado a efeito no âmbito do procedimento tributário), nem sequer por facto superveniente ou cujo conhecimento pelo Requerente apenas tenha sido possível na pendência dos autos não pode ser aceite como pretendido pelo Requerente.

 

Poder-se-ia por último equacionar da subsunção do caso dos autos à previsão normativa adveniente do artigo 64º do referido compêndio legal, mas a idêntica solução não se poderia deixar de chegar, considerando que para eventual subsunção a tal preceito legal, necessário seria que tivesse ocorrido, na pendência do processo, revogação do acto impugnado, o que igualmente, não teve lugar neste processo.

 

Pelos fundamentos aí aduzidos e os quais acompanhamos, não se pode deixar de concluir que o CPTA não admite a ampliação da causa de pedir nos moldes em que o Requerente a pretendeu efectivar nestes autos.

 

Por último, em matéria de Código de Processo Civil, compêndio também este subsidiariamente aplicável, ao abrigo da al.e) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, faz-se prever nos seus artigos 264º e 265º, a possibilidade de ampliação da causa de pedir, os quais regem, respetivamente as hipóteses de ampliação com ou sem acordo.

 

No caso em apreço, não se verifica ter existido qualquer situação que se reconduza a acordo entre Requerente e Requerida, pelo que restará aferir do cabimento de tal ampliação à luz do artigo 265º do CPC, nos termos do qual a ampliação ou alteração da causa de pedir só seria possível em consequência de confissão do réu e aceita pelo autor.

 

Transpondo de novo para estes autos, não resulta do único processado posterior ao momento da ampliação da causa de pedir levada a efeito – alegações do Requerente – qualquer posicionamento subsumível a confissão, o que igualmente não sucede neste processo.

 

Resulta, pois, inviável, também a coberto do CPC, a possibilidade do Requerente ver apreciada, por via da ampliação da causa de pedir, o vício que em sede de alegações veio inovatoriamente apontar à liquidação objeto destes autos.

 

Destarte e perante tudo o quanto supra se expendeu, não se pode deixar de concluir pela inadmissibilidade legal da ampliação da causa de pedir e, consequentemente, de ser apreciada a questão da violação do princípio da proporcionalidade introduzida em sede de alegações pelo Requerente, razão pela qual se absolve a Requerida da instância.

  .

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Factos Provados

 

1.            No dia vinte e nove de Julho de dois mil e dezasseis, o Requerente, adquiriu juntamente com mais dois compradores, em comum e partes iguais, pelo valor global de €1.065.000,00 o prédio urbano sito na Rua ... n.º ..., ..., ... e ..., ..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na respectiva matriz predial da freguesia das ... sob o artigo ..., com um VPT de €730.760,00.

2.            A compra da parte do Requerente foi efetuada pelo valor de €350.000,00, tendo os demais dois adquirentes, G... e H..., pago um valor de € 351.000,00 e € 364.000,00, respectivamente.

3.            O Requerente pagou, em razão de tal aquisição, o valor de €22.750,00€ a título de IMT e €2.800,00 a título de IS.

4.            O Requerente pagou €594,00 por escritura de hipoteca e registo junto de Conservatória de Registo Predial.

5.            O 3º andar direito do referido prédio, encontrava-se arrendado, através de contrato sem termo.

6.            Em 30/09/2016, os três comproprietários celebraram com a inquilina um acordo de cessação de contrato de arrendamento destinado à habitação, mediante o pagamento de €65.000,00.

7.            O valor total da referida indemnização foi pago pelo Requerente. 

8.            Em 24/10/2016, procedeu-se à constituição da propriedade horizontal e divisão de coisa comum do prédio identificado no artigo 1º, tendo sido emitido em nome do Requerente recibo relativo a despesas de escritura e de registos, no valor de € 3.400,75.

9.            O contribuinte pagou €833,76 a título de IMT e €431,68 a título de IS.

10.          O Requerente passou a ser titular da propriedade singular das fracções F (2º andar direito), G (2º andar esquerdo) e H (3º direito).

11.          Na escritura de constituição da propriedade horizontal e divisão de coisa comum as partes atribuíram os seguintes valores:

a)            Fracção F (segundo andar direito): €141.645,00(cento e quarenta e um mil seiscentos e quarenta e cinco euros), ao qual foi posteriormente apurado um VPT de € 93.278,50.

b)           Fracção G (segundo andar esquerdo): €125.670,00 (cento e vinte e cinco mil seiscentos e setenta euros), ao qual foi posteriormente apurado um VPT de € 83.361,95.

c)            Fracção H (terceiro andar direito): €141.645,00 (cento e quarenta e um mil seiscentos e quarenta e cinco euros), ao qual foi posteriormente apurado um VPT de € 93.278,50.

Total do valor atribuído: €408.960,00

12.          No dia 01/06/2017 o contribuinte vendeu por €350.000,00 a fracção autónoma, designada pela letra H, correspondente ao terceiro andar direito.

13.          No dia 02/01/2017, o Requerente celebrou um contrato de mediação imobiliária com a D..., Lda, NIF..., ficando acordado o pagamento duma comissão de 10% (IVA incluído) sobre o valor da venda, para promover a venda da  fracção G correspondente ao segundo andar esquerdo.

14.          O Requerente adjudicou ao atelier de arquitectura C..., Uni. Lda., o projecto de remodelação das fracções do prédio sito na Rua ... n.º..., ..., ... e...,  ..., Lisboa.

15.          Para o feito o Requerente pagou os honorários pelo serviço de arquitectura no valor de €3.813,00.

16.          Em 23/03/2017, o Requerente procedeu à venda da fracção G pelo valor de €400.000,00 e efetuou o pagamento da comissão imobiliária no valor de €40.000,00.

17.          O Requerente em 21/02/2014, comprou a fracção autónoma R, correspondente ao quinto andar B, para escritório, do prédio urbano sito na Av. ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número ..., inscrito na respectiva matriz da freguesia de ..., sob o artigo ...  pelo valor de €95.000,00.

18.          Tendo para o efeito liquidado os valores de IMT €8.286,86 e IS €1.109,92.

19.          O Requerente pagou o 2º trimestre do condomínio da fração R no valor de €357,18. 

20.          A sociedade F... Lda, NIF..., emitiu ao contribuinte, a fatura n.º NFACC 117/25, em 20.12.2017, no valor de €5.000,00 a título de consultadoria referente à venda da fracção R.

21.          No dia 22/12/2017, o Requerente procedeu à venda da fracção R pelo valor de €232.500,00.

22.          Em 10/05/2018, o Requerente procedeu à entrega da sua declaração de IRS n.º 2017-..., referente ao ano de 2017.

23.          Por ofício da AT, datado de 14/05/2018, o Requerente foi notificado de que a sua declaração de IRS (2017) com a referência ...tinha sido selecionada para análise por terem sido detetadas as seguintes situações:

 

 

24.          O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2018..., referente a 2017, em 16/05/2018, para proceder ao pagamento de €102.569,92.

25.          O Requerente pagou a liquidação.

26.          Por ofício da AT, com a referência 4253, datado de 12/10/2018, o Requerente foi notificado para audição prévia nos termos seguintes:

 

27.          No seguimento da notificação mencionada no n.º anterior, o contribuinte apresentou um requerimento, através de mail para o serviço de finanças em 30/10/2018 e via postal por carta registada em 31/10/2018, que constitui o documento n.º 2 junto com a resposta e que se dá como reproduzido, em que refere que pretende exercer a audição prévia e justificar qualquer irregularidade e informa que enviou uma declaração de substituição de IRS.

28.          O Requerente entregou uma declaração de substituição de IRS 2017- ..., em 30/10/2018, referente ao ano de 2017.

29.          Em 07/11/2018 o Requerente, foi notificado que a sua declaração de IRS de 2017 com a referência ... tinha sido selecionada para análise por terem sido detetadas as seguintes situações:

 

30.          Em 16/11/2018 o contribuinte foi notificado da liquidação n.º 2018.... para proceder ao pagamento de €518,89.

31.          A AT elaborou um ofício, datado de 25/03/2019 e remetido via CTT(carta registada) para ao contribuinte A..., Tv ...–..., ...-... Lisboa, com o seguinte conteúdo:

 

                O ofício não foi recebido e a carta foi devolvida ao remetente.

32.          O mesmo ofício foi novamente remetido via CTT(carta registada), para o mesmo destinatário e morada.

33.          O ofício não foi recebido e a carta foi devolvida ao remetente.

34.          A AT elaborou um ofício, datado de 06/05/2019 e remetido via CTT para ao contribuinte A..., Tv ..., n.º... –..., ...-... Lisboa, com o seguinte conteúdo:

 

35.          O ofício não foi recebido e a carta foi devolvida ao remetente.

36.          O mesmo ofício, agora datado de 22.05.2019, foi novamente remetido via CTT, para o mesmo destinatário e morada.

37.          O ofício não foi recebido e a carta foi devolvida ao remetente.

38.          O mesmo ofício, agora datado de 17.06.2019, foi novamente remetido via CTT, para o mesmo destinatário e morada.

39.          O ofício não foi recebido e a carta foi devolvida ao remetente.

40.          O mesmo ofício, agora datado de 09.07.2019, foi novamente remetido via CTT, por carta registada com aviso de receção, para o mesmo destinatário e morada.

41.          O ofício foi recebido na morada indicada por uma pessoa a quem foi entregue no dia 11.07.2019

42.          A requerida efetuou a liquidação n.º 2019..., tendo a mesma sido notificada ao contribuinte em 25/07/2019.

43.          Na mesma data o contribuinte foi notificado para pagar a quantia de €66.116,64.

 

Factos não provados

 

1.            O Requerente despendeu com custos do empréstimo junto do banco B... €4.900,00  em 2016 e €71.158,10 em 2017, num total de €76.058,10.

2.            O Requerente pagou IMI no valor de €739,17 (setecentos e trinta e nove euros e dezassete cêntimos), ao longo do tempo que foi proprietário da fracção G.

3.            O Requerente procedeu a obras de remodelação na fracção R tendo pago o valor de €9.618,00 e €6.765,00 referente às facturas A/615 e A/680, num valor total de €16.383,00.

4.            No âmbito das referidas obras foram: realizadas demolições, estucado as paredes, colocada alcatifa, instalado pladur de divisão entre gabinetes, tecto falso, sistema de electricidade, pintura, forrado as paredes a madeira, remodelação de WC´s e criação de pequena copa.

5.            Entre o tempo que mediou a compra e a venda da fracção R o Requerente pagou trimestralmente o condomínio perfazendo o valor total de €5.714,88 (cinco mil setecentos e catorze e oitenta e oito cêntimos). 

6.            O Requerente pagou o IMI da fracção R no total de €3.144,06.

7.            O Requerente procedeu ao pagamento da factura 117/25 emitida em 20.12.2017 pela sociedade F... Lda, no valor de € 5.000,00, relativa a consultoria na venda do artigo ... R da freguesia ... .

 

 

Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 44 são dados como assentes pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 38 do pedido de constituição do Tribunal), pela posição assumida pelas partes e pelo processo administrativo junto.

No que diz respeito aos factos não provados, começando pelas despesas bancárias (ponto 1 dos factos não provados), os documentos 18 e 19 juntos pelo Requerente não identificam o emitente, a natureza do documento, o titular do mesmo nem a relação com qualquer dos prédios dos autos. Por estas razões o facto alegado deve ser considerado como não provado. 

O facto constante do ponto 2 foi dado como não provado porque não foi junta qualquer liquidação de IMI, nem qualquer comprovativo de pagamento.

Os factos contantes dos pontos 3 e 4 foram dados como não provados porque não foi produzida qualquer prova sobre as alegadas obras. Mais, as faturas referidas não indicam a morada onde as obras nelas constantes foram realizadas. Pelo que, não existindo qualquer relação causal entre as faturas e a fracção R devem estes factos ser dados como não provados.

Quanto ao valor pago a título de condomínio da fração R (ponto 5), a prova documental junta pelo Requerente (doc. 37 do pedido de constituição do Tribunal) revela apenas que efetuou o pagamento da quota no valor de €357,18, correspondente ao 2º trimestre de 2016. Deste modo, este pagamento (€357,18) foi admitido como provado (ponto 19 dos factos provados) em vez da quantia de €5.714,88 por inexistência de qualquer elemento de prova.  

Quanto ao pagamento do IMI (ponto 6), a prova documental junta pela Requerente (doc. 29 pedido de constituição do Tribunal) não revela qualquer pagamento de IMI desta fracção, razão pela qual este facto é julgado como não provado.

Por fim, quanto ao ponto 7 dos factos não provados, a factura emitida pela F..., desacompanhada do respetivo recibo ou de qualquer outro meio probatório evidenciador do bom pagamento da mesma, não permite assumir como liquidada a factura junta e, dessse modo, insuscetível sequer de poder provar a ocorrência do gasto financeiro alegado.

 

Matéria de direito

               

         Direito de audição prévia

 

                5. O Requerente alega que apenas tomou conhecimento da liquidação de IRS pelo correio, não tendo sido notificado em momento anterior de qualquer projecto de decisão, pelo que considera ter sido violado o direito de audição prévia consagrado nos artigos 267.º, n.º 5, da Constituição e 45.º do CPPT.

O direito audiência dos interessados, previsto no artigo 60.º da LGT é uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, garantido pelo artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses.

Por isso, mesmo que não se considere o direito de audiência como um direito com natureza análoga a um direito fundamental, aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento administrativo ser influenciada pela intervenção do interessado, a nível da satisfação da pretensão que quer ver satisfeita ou dos seus interesses que por ela possam ser afectados, e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe contraponham, designadamente os que estão subjacentes às situações de dispensa previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 60.º da LGT.

 

No caso em apreço, conforme resulta da matéria de facto tida como assente, o Requerente foi notificado para audição prévia por ofício datado de 12/10/2018 (n.º 26), e, na sequência, em 30 de Outubro seguinte, apresentou no serviço de finanças um requerimento por email e carta registada em que refere que pretende exercer a audição prévia e justificar qualquer irregularidade (n.º 27), tendo entregue na mesma data uma declaração de substituição referente ao ano de 2017 (n.º 28).

 

Verifica-se, assim, uma situação enquadrável no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, que estabelece que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».

 

Assim, verificando-se uma situação em que, antes de ser emitida a liquidação impugnada, o Requerente teve oportunidade de se pronunciar no âmbito do procedimento tributário iniciado com base em “Divergência” referente à declaração de IRS submetida pelo Requerente, está-se perante um caso de dispensa de direito de nova audição, pelo que a sua omissão antes da emissão do acto tributário ora colocado em crise, não constitui vício de violação do direito de audição.

 

Neste contexto, não pode deixar de se reconhecer que o Requerente teve oportunidade de exercer o direito de audição relativamente às correcções que a Autoridade Tributária pretendia efectuar, não se verificando, consequentemente, o invocado vício procedimental conducente a preterição de formalidade essencial.

 

Falta de fundamentação

 

6. O Requerente invoca ainda a violação do dever de fundamentação, alegando que a notificação do acto tributário não contém qualquer referência às razões de facto e de direito que motivaram a liquidação adicional.

 

O direito à fundamentação dos actos administrativos, de que os actos de liquidação são um tipo especial, tem suporte no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

 

O artigo 77.º da LGT concretiza o conteúdo da fundamentação dos actos tributários estabelecendo, além do mais, que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

 

No específico caso dos actos tributários, trata-se das decisões que são tomadas no âmbito de procedimentos tributários, constituídos por uma «sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários», designadamente os arrolados nos artigos 54.º, n.º 1, da LGT e 44.º do CPPT.

 

Como é entendimento jurisprudencial corrente, a fundamentação do acto tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu num certo sentido e não de forma diferente.

 

Por isso, para aferir da suficiência da fundamentação, há que atender à situação concreta do destinatário, inclusivamente tendo em conta a informação que detém sobre a situação em causa quando é notificado e a forma como exerceu o seu direito de impugnação, na linha do que entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 11-11-1998, processo n.º 020168, em que decidiu que «é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário, nomeadamente ao alegar e concluir no recurso dele interposto, demonstra ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar».

 

No caso vertente, como resulta da matéria de facto dada como assente (n.º 35), a Autoridade Tributária enviou um ofício para a morada do Requerente, com data de 6/05/2019, com a especificação das correcções a efectuar no Anexo G à declaração de IRS e os respectivos fundamentos, sendo que essa notificação precedeu a emissão do acto de liquidação, que foi notificado apenas em 25/07/2019.

 

Certo é que o expediente foi devolvido à Autoridade Tributária nessa e nas várias circunstâncias em que foi repetida a notificação (cfr. n.ºs 37 a 42), tendo acabado por ser entregue a uma outra pessoa que se encontrava na morada do destinatário em 11/07/2019.

 

Assim sendo, a notificação deve entender-se como válida e eficazmente efectuada, visto ter sido dirigida para o domicílio do notificando e aí entregue a pessoa que se encontrava na nesse mesmo domicílio.

 

E tendo a notificação explicitado quer as correcções a efectuar quer os motivos que as justificam, que o Requerente também revela ter compreendido e através dessa compreensão mostrou-se apto a formular o pedido de pronúncia que ora se dirime, haverá de considerar-se cumprido o dever legal de fundamentação a que a Requerida estava adstrita e que in casu, satisfatoriamente cumpriu.

 

Questões de fundo:

 

8.            Valor de aquisição das fracções autónomas G e H do artigo ... da freguesia de ...

 

Inconforma-se o Requerente com o modo de cálculo do valor de aquisição atribuído pela Requerida, relativamente às fracções G e H do artigo ..., sustentando que o valor de aquisição e a fórmula utilizada com vista o seu apuramento constitui uma violação ao princípio da capacidade contributiva, assente na circunstância de o valor pelo qual adquiriu indivisamente o prédio com mais dois compradores não estar a ser devidamente tido em consideração.

 

A Requerida, por sua vez, rejeita a existência de qualquer ilegalidade do acto tributário, reiterando a conformidade legal no apuramento do valor de aquisição das fracções alienadas, tal qual resultam fixadas no âmbito do procedimento tributário que está na base da liquidação em apreço.

 

Face ao objecto da presente dissonância entre Requerente e Requerida ora em análise, importa perceber como foi efectuado o apuramento do valor de aquisição de cada uma das fracções alienadas (G e H) do artigo ... e, a partir daí, formular um juízo ao nível da conformidade legal do acto tributário de liquidação.

 

A Requerida entendeu, no âmbito de procedimento de divergência relativamente à declaração de IRS de 2017 submetida pela Requerente, entre outras questões suscitadas, que o valor de aquisição das fracções em 2017 alienadas se encontravam incorretamente quantificadas.

 

Face a esse entendimento, a Requerida dividiu o apuramento do valor de aquisição de cada uma das fracções alienadas em dois parciais: o primeiro, com referência à aquisição em compropriedade de um terço indiviso do prédio; e um segundo, por força do excesso de quota parte de imóveis levado a mais pelo Requerente aquando da divisão de coisa comum.

 

Relativamente ao primeiro parcial, o cálculo do valor de aquisição levado a efeito pela Requerida assentou em apurar a percentagem do valor patrimonial tributário (VPT) de cada uma das áreas de utilização independente que vieram a caber ao Requerente (enquanto fracções), face ao VPT da totalidade do prédio.

 

Apurada tal percentagem do VPT de cada um dos imóveis que ao Requerente couberam em resultado da divisão, a Requerida procedeu à multiplicação do valor suportado pelo Requerente (aquando da aquisição em regime de compropriedade) por essa mesma percentagem apurada para cada um dos imóveis que o Requerente alienou.

 

Radicando do resultado de tal operação o valor de aquisição de cada uma das fracções objecto de alienação no ano de 2017.

 

Sucede, no entanto, que em resultado da divisão de coisa comum operada, o Requerente levou em excesso imóveis face à quota ideal de 1/3 de que era titular, pelo que entendeu a Requerida ter de fazer reflectir esse mesmo excesso de imóveis para efeitos de custo de aquisição.

 

Com referência a tal segundo parcial – divisão de coisa comum – o cálculo da Requerida baseou-se em apurar a soma do valor atribuído pelos comproprietários às fracções que couberam ao Requerente e verificar se tal montante era ou não superior ao valor correspondente à quota ideal detida pelo Requerente (um terço do valor total de aquisição pago pelos comproprietários pelo prédio).

 

Tendo resultado desse apuramento um excesso quantitativo em imóveis adjudicados ao Requerente quando comparado com o valor dessa mesma quota ideal, esse mesmo excesso de valor atribuído em imóveis foi proporcionalmente alocado a cada uma das três fracções atribuídas ao Requerente e adicionado o respectivo montante daí resultante ao valor de aquisição apurado no primeiro parcial, com referência à aquisição em compropriedade (vide ponto 35.dos “Factos Provados”).

 

Vejamos então o enquadramento legal atinente ao apuramento do valor de aquisição a título oneroso para efeitos de cálculo de mais-valias.

 

Preceitua o artigo 46º do CIRS, sob a epígafre de “Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis”, o seguinte:

1- No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.os 1 e 2 deste artigo.

5 - Nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.” (sublinhado nosso) 

 

Sendo que, atento o disposto no citado n.º 1, importa atentar no preceituado na al. a) do n.º 1 do artigo 10º do referido código, o qual dispõe que:

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”

 

Ora, no caso dos autos em apreço, tal como resulta pacífico, está-se perante a aquisição de bem imóvel a título oneroso pelo Requerente, do qual resultaram liquidações de IMT, quer aquando da escritura de aquisição em compropriedade, quer, posteriormente, relativamente ao excesso de quota parte em imóveis adjudicados ao Requerente.

 

Tendo presente o teor das normas legais vindas de citar, resulta das mesmas a imperatividade de o valor de aquisição a ter em consideração para efeitos de cálculo de mais-valias ter de reflectir o montante que serviu de base à liquidação do IMT aquando da aquisição desse mesmo imóvel.

 

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12º do Código de IMT, aplicável por força do n.º 1 do artigo 46º do CIRS, o valor tributável para efeitos daquele imposto: “(…)  incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”

 

Aqui chegados e conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o valor que serviu de base à liquidação do IMT relativa à aquisição por banda do Requerente em regime de compropriedade do prédio identificado na matriz predial urbana sob o artigo ..., foi o valor por este despendido (€ 350.000,00), por força do valor do contrato de aquisição (€ 1.065.000,00) ser superior ao VPT do prédio (€ 730.760,00).

 

Destarte, o referencial quantitativo a ter em consideração para efeitos de apuramento do valor de aquisição das fracções que ao Requerente vieram a ser atribuídas, não poderá deixar de ser o decorrente da concatenação das normas vindas de enunciar, isto é, no que respeita especificamente ao Requerente, o montante dos € 350.000,00, acrescido do valor relativo ao excesso de quota parte de imóveis que ao Requerente foram adjudicados.

 

Independentemente desta última questão relativa ao apuramento do segundo parcial para efeitos de apuramento do valor de aquisição referente ao excesso de quota parte atribuída ao Requerente, importa, desde já, centrar a apreciação no entendimento havido pela Requerida para fixação do primeiro de dois parciais que estiveram na base do cálculo do valor de aquisição e avaliar da sua conformidade legal às versadas normas.

 

A Requerida, como supra referimos, no apuramento do valor de aquisição de cada uma das fracções calculou primeiramente, com base nos respectivos VPT’s, a proporção em percentagem de cada uma das áreas de utilização independente face à totalidade do prédio e apurada esse percentagem, multiplicou-a pelo valor pago pelo Requerente aquando da aquisição em compropriedade.

 

Ora, independentemente do mérito relativo ao facto de a Requerida ter efectuado tal cálculo da percentagem com base nas áreas de utilização independente e não nas fracções que a posteriori vieram a ser adjudicadas ao Requerente, impõe-se relevar que a lógica e raciocínio de cálculo trilhados pela Requerida não se afiguram consentâneos com o critério legal que dimana do teor dos normativos vindos de citar.

 

Senão vejamos, a Requerida, apurou a percentagem relativa de cada uma das áreas de utilização independente (as quais assumiu terem correspondência com as fracções que ao Requerente vieram a ser adjudicadas em resultado da divisão de coisa comum) com base no VPT de cada uma, face ao VPT da totalidade do prédio, tendo de tal operação resultado uma percentagem de (12,58% para a fracção F) 11,24% para a fracção G e de 12,58% para a fracção H.

 

Apurada esta percentagem, a Requerida procedeu à sua multiplicação pelo valor despendido pelo Requerente aquando da escritura de aquisição em compropriedade (montante que serviu de base à liquidação de IMT), pelo que desta operação aritmética resultou um valor de aquisição de € 39.340,00 para a fracção G e de € 44.030,00 para a fracção H, assim se compondo o primeiro de dois parciais para efeitos de fixação do valor de aquisição. 

 

Ora, prosseguindo-se na esteira do raciocínio de cálculo levado a efeito pela Requerida, a remanescente fracção F (não objecto de alienação em 2017), a qual tem um VPT idêntico ao da fracção H, não poderia deixar de ter um valor de aquisição de € 44.030,00 (12,58%) ao nível do primeiro parcial (respeitante à quota parte de um terço indiviso adquirido).

 

Tendo presente que ao Requerente foram adjudicados imóveis cujo valor excedeu em € 53.960,00 a sua quota ideal – um terço – e tendo presente a fórmula aplicada pela Requerida para o cálculo do segundo parcial do valor de aquisição, referente a esse mesmo excesso de imóveis atribuído, ter-se-ia de acrescer (e acresceu) ao primeiro parcial o valor de € 18.689,27 quanto à fracção H (e idêntico valor à fracção F) e € 16.581,46 à fracção G.

 

Deste modo, na perspectiva da Requerida, a soma do valor de aquisição do primeiro e segundo parciais relativo às três fracções que vieram a ser adjudicadas ao Requerente, ascenderia a um total de € 181.360,00, sendo certo que o Requerente havia despendido e sido tributado em sede de IMT, primeiramente sobre € 350.000,00 e posteriormente pelo excesso de quota parte de imóveis atribuídos e sobre o qual pagou tornas, no valor de € 53.960,00, ascendendo assim a um valor total de € 403.960,00.

 

Ou seja, o valor total de aquisição calculado pela Requerida fica quantitativamente muito aquém do montante sobre o qual incidiu o IMT, o que deixa bem evidenciado, a inaptidão da fórmula aplicada pela Requerida para corporizar o critério estabelecido na lei segundo o qual o valor de aquisição deverá corresponder ao valor sobre o qual recaiu IMT, o que é insusceptível de suceder nos termos da forma de cálculo a este acto tributário aplicada.

 

 

Refira-se que, tal forma de cálculo (com base na percentagem relativa dos VPT’s) poderia revestir relevo para efeitos de alocação interna do valor sobre o qual incidiu o IMT, isto é, entre cada um dos imóveis atribuídos, em função da percentagem relativa de cada um deles face ao VPT da totalidade do prédio.

 

Por ultimo, importa realçar que mesmo num cenário hipotético de atribuição ao Requerente de imóveis com um VPT representativo de percentagem idêntica à quota ideal de que dispunha (que no caso era de um terço) sempre a fórmula utilizada redundaria em atribuir um valor de aquisição para efeitos de mais-valias equivalente a um terço do valor que havia servido de base para a liquidação do IMT, o que demonstra bem a inidoneidade da fórmula e assim mesmo, da quantificação in casu levada a efeito pela Requerida.

 

Em face do vindo de expender, não pode deixar de se concluir pela existência de erro na quantificação efectuada quanto ao valor de aquisição das fracções G e H do artigo ..., não sendo a fórmula de cálculo aplicada nem o seu respectivo resultado, consentâneos com o critério legislativo que decorre do conjugadamente disposto nos n.º 1 do artigos 46º e 12º, do CIRS e CIMT, respectivamente, critério esse que atende e pretende corporizar o princípio da capacidade contributiva, o qual tem por corolário a tributação sobre o rendimento real, razão pela qual se deve concluir pela ilegalidade do acto tributário no que ao apuramento do valor de aquisição das fracções G e H do artigo ... concerne, por violação dos sobreditos preceitos.

 

9.            Mais Valias e Despesas e Encargos referentes à alienação das frações G e H da Rua ..., n.º...– artigo ... e da fracção autónoma R do artigo..., todos da freguesia de ...

 

 

Invoca o Requerente no seu Pedido de Pronúncia Arbitral o facto de a Autoridade Tributária não ter aceite diversos montantes, os quais em seu entender, não poderiam deixar de ser acrescidos ao custo de aquisição relativamente aos prédios objeto de alienação.

 

Ora, a este respeito, importa ter presente o normativo legal através do qual se deverá aferir se da procedência ou não de tal pretensa ilegalidade apontada ao ato tributário em apreço.

 

Assim, nos termos do artigo 51º do Código do IRS (CIRS), na redação vigente à data do ato tributário, sob a epígrafe de “Despesas e encargos”, dispõe-se o seguinte:

“Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º”

 

Sendo que, por sua vez, preceitua o artigo 10º do versado compêndio legal, no tocante às alíneas referidas no supra citado normativo, que:

Artigo 10.º

Mais-Valias

“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 81.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia; (Redação dada pela lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) 

c) Alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário;”

Do cotejo dos normativos vindos de citar, resulta que o eventual acréscimo ao valor de aquisição se relaciona, no caso da alínea a) do artigo 51º do CIRS, com as despesas e encargos incorridas relativamente a mais-valias resultantes de bens imobiliários, ao passo que, nas situações a que se refere a alínea b) dessa mesma norma, apenas será aplicável a situações em que estejam em causa mais-valias que têm por base bens mobiliários.

 

Assim, atenta a dicotomia que decorre das versadas alíneas a) e b) desse mesmo artigo 51º, não poderemos deixar de afastar da apresente apreciação o disposto na alínea b), porquanto no caso em análise se está perante mais-valias que têm na sua génese a transmissão de bens imobiliários, cumprindo, pelo exposto, atentar na versada alínea a).

 

No âmbito da referida alínea a) do artigo 51º do CIRS, o legislador previu três diferentes realidades suscetíveis de originar acréscimo ao valor de aquisição dos bens imobiliários que estão na base da mais-valia a apurar, a saber:

- os encargos suportados nos últimos 12 anos com a valorização dos bens (constante da primeira parte da norma);

- as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação;

- a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens (constante do segundo segmento do preceito);

 

a)            IMT e Imposto do Selo

 

Invoca, em defesa da ilegalidade do acto tributário de liquidação, o facto da Requerida não ter tido em consideração para efeito acréscimo ao valor de aquisição, os custos incorridos com IMT e I. Selo.

Sucede, no entanto, que parte dos valores referidos pelo Requerente como não podendo deixar de acrescer, no seu entendimento, ao custo de aquisição, já haviam sido objecto de aceitação pela Requerida aquando do procedimento de divergência, logo, o custo de aquisição dos respectivos prédios alienados já se encontram reflectidos na liquidação de IRS cuja legalidade aqui se aprecia.

 

Enquadram-se neste quadro de prévia aceitação pela Requerida o IMT e I. Selo pagos a que se reportam os “Factos Provados” constantes do ponto 3. e 18., pelo que encontrando-se estes encargos já reflectidos na liquidação cuja ilegalidade se discute, está a invocada ilegalidade carecida de objecto.

i)             IMT pago na Divisão de Coisa Comum – artigo ...

Já quanto ao IMT pago pelo Requerente relativamente ao excesso da quota parte de imóveis em resultado da divisão de coisa comum operada por escritura e a que se refere o ponto 9. dos “Factos Provados”, verifica-se que a Requerida tomou em consideração para efeitos de acréscimo ao custo de aquisição de cada uma das fracções atribuídas ao Requerente e objecto de alienação em 2017,

 

Considerando que na base do excesso de quota parte na divisão de coisa comum e logo, na base do IMT devido, estão as três fracções autónomas adjudicadas ao Requerente (F, G e H do artigo ...) e que apenas duas delas – G e H – foram objecto de alienação em 2017,  não poderia a Requerida deixar de fazer acrescer ao custo de aquisição de cada uma das duas alienadas frações o correspondente encargo com IMT, na proporção do excesso de quota parte que cada uma das alienadas fracções autónomas representa.

 

Admitir, ao invés, que a totalidade do IMT suportado pelo Requerente pudesse ser acrescido ao custo de aquisição das duas fracções alienadas, isso sim, constituiria uma violação do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, porquanto, como decorre do referido preceito legal a admissibilidade de tal encargo para efeitos de mais-valias apenas ocorre quanto aos bens objecto de alienação, o que não foi o caso da fracção autónoma F.

 

Assim, andou bem a Requerida AT ao acrescer ao custo de aquisição das frações G e H o IMT pago na respectiva proporção do excesso que cada uma fracção representa, não dissentindo as partes sequer quanto à subsunção de uma despesa de tal natureza face à previsão da norma ínsita na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, não havendo, pelo exposto, nada a censurar, neste segmento, ao acto tributário.

 

ii)            I. Selo pago na Divisão de Coisa Comum – artigo ...

 

Em matéria de Imposto do Selo suportado, igualmente se comprovou que o Requerente incorreu em tal custo, sendo que, dos elementos disponíveis nos autos, não resulta a aceitação de tal despesa com I. Selo para efeitos de acréscimo ao custo de aquisição das fracções G e H do artigo ... .  

 

O Imposto do Selo, à semelhança do que sucede com o IMT constitui uma obrigação legal de âmbito tributário (nos termos do artigo 1º do CIS e verba 1.1 da TGIS, conjugado com a al. c) do n.º 5 do artigo 2º do CIMT), cujo imposto se mostrou in casu devido em razão da aquisição do excesso de quota parte sobre bens imóveis atribuído ao Requerente, em resultado da divisão de coisa comum operada.

 

Neste contexto, dúvidas não soçobram quanto à natureza, efectiva, indissociável e inerente de tal encargo com vista ao propósito de aquisição dos bens imóveis objecto de alienação e, consequentemente, não se poderá deixar de admitir que tal encargo tem consagração no âmbito da previsão do preceituado na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.

Estando em causa no acto tributário cuja legalidade se discute a alienação de duas de um total de três fracções autónomas que ao Requerente foram atribuídas na sequência da referida escritura de divisão, não podia a Requerida deixar de ter admitido tal encargo com I. Selo na proporção do que cada fracção representa ao nível do excesso de quota parte de imóveis que o Requerente levou a mais por cada uma das fracções autónomas alienadas (G e H do artigo).

 

Ante o que se deixa assente, a Requerida incorreu em comportamento violador do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, não podendo deixar, em consequência, de fazer recair sobre o acto tributário um juízo de ilegalidade, por violação da versada norma. 

 

b)           Despesas com Escritura e Registos

 

i)             Escritura de hipoteca do prédio sito na Rua ..., n.º 10 (artigo...) e emolumentos junto de Conservatória do Registo Predial

 

Invoca o Requerente ter despendido € 594,00 a título de escritura de hipoteca e emolumentos registais.

 

Tal como decorre do ponto 4. Dos “Factos Provados”, o Requerente fez prova dessa mesma alegação, juntando documento evidenciador dessa mesma despesa.

 

                Não obstante se encontrar comprovada a efectividade do encargo, não foi possível estabelecer relação causal entre este encargo e as fracções objeto de mais-valias, nem tendo ficado demonstrada a necessidade de tal custo para a aquisição das mesmas (ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS), de onde inviável se torna levar em consideração tais alegados encargos para efeitos do apuramento da mais-valias, pelo que não pode obter provimento a invocação de ilegalidade formulada pelo Requerente.

 

ii)            Escritura de Constituição de Propriedade Horizontal e de Divisão de Coisa Comum e emolumentos de registo – artigo ...

Defende o Requerente dever ser tido em consideração, enquanto encargo a acrescer ao valor de aquisição das fracções alienadas, o valor de € 3400,75, a título de serviços notariais com a escritura de Constituição de Propriedade Horizontal, de Divisão de Coisa Comum e despesas com emolumentos de registo relativas ao artigo ... .

 

Nesta matéria, a Requerida já havia procedido em sede de procedimento ao acréscimo de tais despesas considerando em um nono do valor total do recibo, dado o facto do Requerente apenas ser comproprietário de um terço do prédio, tendo das três fracções que lhe foram atribuídas, procedido à alienação durante o ano de 2017, de apenas duas.

 

Ou seja, no acto tributário sub judice a Requerida admitiu o acréscimo ao custo de aquisição na proporção detida pelo Requerente no universo das fracções objecto de divisão em fracções.

 

Do cotejo dos elementos documentais disponíveis e do posicionamento assumido pela própria Requerida, verifica-se que esta apenas admitiu o acréscimo ao custo de aquisição referente à fracção H, no valor de € 377,86, isto é, em um nono do valor total da verba despendida.

 

Sendo que, relativamente à fracção G desse mesmo prédio, a Requerida não veio a adoptar idêntica postura, não constando como acrescido ao valor de aquisição o montante despendido com tais serviços notariais e emolumentos registais.

 

Resulta assim que a Requerida não discordará da aptidão legal de tais despesas, porquanto indissociáveis da aquisição do imóvel e nessa medida, susceptíveis de serem acrescidas ao custo de aquisição dos bens alienados, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, mas efectivamente só veio a admitir tal custo relativamente a uma das fracções alienadas (...) e já não quanto à fracção G do versado artigo ..., igualmente objecto de alienação no decurso de 2017.

 

Ao assim não ter procedido – não admitir o custo de € 377,86 ao valor de aquisição da fracção G do artigo ... -  a Requerida incorreu em comportamento violador do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS. 

 

Merece, pois, apenas parcial provimento o teor do invocado pelo Requerente, dado que não sendo proprietário único do prédio cujas fracções alienou, não poderia pretender acrescer a totalidade de um custo relativamente a fracções das quais não era proprietário, nem, evidentemente, alienante, sob pena de violação  da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, na medida em que se estaria a acrescer ao custo de aquisição das fracções alienadas uma verba que não teve por base e fundamento os imóveis objecto de tributação em sede de mais-valias neste acto tributário.

 

c)            Indemnização para desocupação do locado paga aos arrendatários da fração H do artigo ...

 

Em defesa da ilegalidade da liquidação objeto dos presentes autos, invoca o Requerente, entre outros fundamentos que infra se apreciarão, não ter sido tomado em consideração, enquanto custo de aquisição, o montante de € 65.000,00 relativo à indemnização paga pelo Requerente aos arrendatários da fração H do artigo ... da freguesia ..., com vista à desocupação do locado por parte destes últimos.

 

Como decorre do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo  51º do CIRS, o legislador prevê que a indemnização por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS confira o direito a fazer acrescer ao custo de aquisição o montante indemnizatório despendido, inserindo-se o acordo para desocupação do locado pelo arrendatários no âmbito da previsão de tal normativo, na medida em que através daquele os arrendatários da referida fracção autónoma, por via de contrapartida financeira recebida, renunciaram a um direito – ao arrendamento – sobre o imóvel que posteriormente foi objeto alienação e cujo cálculo das mais-valias ora se discute.

 

Ora, no caso dos vertentes autos, conforme decorre da matéria de facto dada por provada (vide pontos 5.a 7.), o Requerente procedeu ao pagamento de indemnização aos então arrendatários com vista à desocupação do locado, acrescendo que a Requerida em momento algum questiona esta factualidade, nem tão pouco aduz argumentos de facto ou de direito que permitissem sustentar a não aceitação desse valor indemnizatório, para efeitos de acréscimo ao custo de aquisição do locado objeto de alienação.

 

Em face do exposto, dúvidas não soçobram de que, à face do disposto na alínea a), parte final, do n.º 1 do artigo 51º do CIRS (concatenado com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do referido compêndio legal) não poderá deixar de se fazer recair, neste segmento em específico, juízo de ilegalidade por violação do citado normativo, porquanto não poderia deixar de ter sido admitido o acréscimo ao valor de aquisição do montante da indemnização paga pelo Requerente aos arrendatários com vista à desocupação do locado.

 

d) Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) sobre os prédios objeto de mais-valias

 

Em abono da ilegalidade da liquidação objeto destes autos, invoca o Requerente o facto de a Requerida não ter aceite enquanto encargo e, nessa medida, desconsiderado para efeitos de acréscimo ao custo de aquisição e respetivo apuramento das mais-valias, o montante pago por aquele em matéria de IMI.

Ora, independentemente da questão probatória quanto à evidenciação de tal realidade, certo é que não assiste razão ao Requerente.

Senão vejamos, no que respeita ao segundo segmento da alínea a) do artigo 51º do CIRS, colhe-se imediatamente a opção legislativa que presidiu à sua redação, no sentido de lançar mão de conceitos indeterminados em detrimento de uma eventual tentativa de formular um rol, taxativo ou não, de despesas que pudessem integrar as despesas passíveis de acrescer ao valor de aquisição dos bens objeto de alienação.

 

Tal técnica legislativa propicia assim a dedutibilidade de qualquer gasto que se venha a entender a coberto desse mesmo conceito indeterminado constante da norma legal, o que se entende ser, de resto, apropriado no sentido de permitir acautelar, em abstrato, a elegibilidade de um diferente espetro de despesas em função do caso concreto em que a questão se coloque, não limitando assim ab initio através de cláusula fechada a consideração hipotética quanto à elegibilidade ou não de determinadas despesas.

 

Assim, temos em primeiro lugar a fixação pelo legislador do requisito atinente à necessidade, sendo que para a verificação de tal necessidade dever-se-á estar perante um gasto absolutamente indispensável em ordem à obtenção do rendimento, o qual será, a jusante, objeto de tributação em sede de mais-valias.

 

Por outro lado, as despesas a que se refere o legislador na al. a) do artigo 51º do CIRS devem ser igualmente efetivas, isto é, gastos cuja realização foi incorrida pelo sujeito passivo e cuja comprovação quanto à sua realização e consumação seja isenta de dúvida.

 

Por último, erige o legislador um terceiro requisito o qual se prende com o facto de as despesas terem de ser inerentes à aquisição e à alienação.

 

Na falta de outros elementos que concorressem a um sentido menos imediato do texto da lei, o intérprete deve optar pelo sentido que melhor e imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição decorrente do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Ante tal princípio interpretativo das normas legais, deve entender-se por tal adjetivo algo que está intimamente unido, que é intrínseco ou inseparável.

 

A propósito da dilucidação de tal conceito de despesas e em particular no que respeita ao requisito de inerência a que alude o legislador, têm vindo a pronunciar-se os tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo (Sul e Norte) e bem como assim, o Supremo Tribunal Administrativo.

 

Considerou o Supremo Tribunal Administrativo , a propósito do conceito de inerente, o qual igualmente consta da alínea b) do preceito em análise, que: “O qualificativo "inerente", logo etimologicamente - in re - contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.”

 

Mais densificando no corpo do aresto já identificado, novamente a propósito da característica e requisito da inerência, o seguinte: “E, pelo contrário, há-de entender-se que ela não só traz em si um quid significante acrescentativo, como é mesmo a verdadeira subordinante do preceito. Não basta, pois, como aliás se refere na sentença, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento; é necessário que elas dele sejam indissociáveis.”

 

Concluindo assim o versado aresto que “(…) para efeitos de tributação da mais-valia respetiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.”

 

Propendendo em idêntico sentido ao do já citado acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Central Administrativo do Sul  veio a entender:

“1. Artigo 51º nº1 a) do C.IRS - as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias;

2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”; Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.”

Por tudo quanto supra se vem expondo e face à jurisprudência supra citada, a qual de perto acompanhamos e secundamos, não poderá deixar de se firmar que toda e qualquer despesa a que se refere este segmento da al. a) do artigo 51º do CIRS, para alcançar o patamar de despesas susceptível de acrescer ao custo de aquisição, não poderá deixar de revestir cumulativamente características de indispensabilidade, certeza quanto à sua realização e indissociabilidade ou inseparabilidade para com a obtenção do rendimento.

Retornando assim à despesa invocada pelo Requerente como elegível para efeitos de custo de aquisição, importa enquadrar que o IMI é um imposto municipal sobre imóveis, de natureza periódica (anual), o qual incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam, sendo devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar (tal como resulta da leitura do n.º 1 dos artigos 1º e 8º do CIMI).

 

Assim, este imposto, é devido pela pessoa individual ou colectiva que em 31 de Dezembro de determinado ano seja proprietário de prédio rústico ou urbano, o que o mesmo equivale a afirmar que o imposto anual é devido por quem mantém a titularidade do direito de propriedade no último dia de cada ano civil face ao ano a que o imposto respeita.

 

Ou seja, a norma de incidência do IMI não é operável pelo simples facto de alguém ter procedido à aquisição ou à alienação de determinado imóvel sito em território português, antes sendo devido apenas por quem, a 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar, for titular do direito de propriedade.

 

Não se inserindo o IMI na tipologia de impostos cuja norma de incidência preveja a aquisição e a alienação de prédio enquanto facto tributariamente relevante para efeitos de incidência deste imposto, não se pode concluir pela indissociabilidade ou inerência da despesa tida com IMI pelo seu proprietário exigida pela al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.

 

Decorre assim do exposto, não se mostrar preenchido o requisito de indissociabilidade ou inerência que flui do teor da alínea a) do nº 1 do artigo 51º do CIRS, pelo que censura alguma pode merecer o acto tributário nesta matéria.

 

e) Quotas de Condomínio sobre a fração R do artigo ... da freguesia ...

 

Em abono da alegada ilegalidade da liquidação sub judice, defende o Requerente não terem igualmente sido acrescidas ao custo de aquisição do prédio, as despesas incorridas com as quotas de condomínio, quando estas deveriam ter sido consideradas despesas necessárias à aquisição e alienação do prédio.

 

Não obstante o Requerente referir um montante total de € 5.714,88 a título de despesas com quotas de condomínio, certo é que apenas se deram por provadas as quotas a que se referem o ponto 19.dos factos provados, no montante de € 357,18, tendo o remanescente valor sido considerado por não provado, conforme motivação quanto à matéria de facto constante da presente decisão.

 

Assim, quanto à factualidade comprovada (ponto 19), importa aferir da legalidade ou não da não aceitação pela Requerida de tais quotas enquanto acréscimo ao custo de aquisição do respetivo imóvel.

 

As quotas de condomínio têm por propósito permitir a um edifício constituído em propriedade horizontal dotar-se das verbas que permitam fazer face às “…despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.” tal como se colhe do teor do n.º 1 do artigo 1424º do Código Civil.

 

À semelhança do tudo quanto já se expendeu relativamente à fundamentação jurídica constante da alínea anterior (IMI), também aqui tem acolhimento e aplicação o quadro legal que aí se deixou explanado quanto à insusceptibilidade de acréscimo do IMI enquanto custo de aquisição do prédio, isto é, o disposto nas al.a) do n.º 1 dos artigos 10º e 51º do CIRS.

 

Tal como concluído relativamente à matéria da alínea anterior, também aqui se está perante despesa não inerente ou indissociável à aquisição e à alienação do prédio, na medida em que, quer a aquisição, quer a alienação, não são aptas por si só a fazer despoletar a obrigação legal de pagamento da quota de condomínio, ao invés do que sucede, por exemplo, com o IMT e o Imposto do Selo.

 

Não perdendo de vista a jurisprudência que dimana do aresto do Tribunal Central Administrativo Sul já parcialmente supra citado e cujo sentido aqui secundamos, para integração de tais quotas de condomínio enquanto despesa susceptível de acrescer ao custo de aquisição, imprescindível se tornava que tais quotas fossem parte integrante e indissociável de tal aquisição e alienação, não bastando a mera conexão que a eventual manutenção, por um determinado período de tempo, da titularidade do direito de propriedade sobre fracção autónoma possa ser apta a gerar, em matéria de quotas de condomínio devidas.

 

Estando-se perante despesa, quando muito, conexa com a manutenção durante um determinado período de tempo da propriedade de um imóvel e não com uma despesa indissociável e inerente à simples aquisição ou alienação imobiliária, vedada está a possibilidade de tal despesa ser tributariamente elegível para efeitos de custo de aquisição, ao abrigo da segunda parte do segmento do disposto na al.a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.

 

Por outro lado, as quotas de condomínio a que vimos de nos referir, tal como resulta do estabelecido no artigo 1424º do Código Civil visam dotar o condomínio de meios financeiros suficientes para fazer face às despesas de conservação e ao pagamento de serviços de interesse comum.

 

Ora, o legislador, ainda na citada al. a) do n.º1 do artigo 51º do CIRS acolhe igualmente a possibilidade de, no primeiro segmento da norma, consideração como custo de aquisição, do montante despendido em encargos com a valorização dos bens.

 

Como bem se alcança, as quotas de condomínio não visam a valorização das fracções de um ou de todos os condóminos, mas antes e tão somente permitir que o condomínio proceda, a expensas de tais quotas, à conservação e fruição pelos condóminos das partes comuns desse mesmo edifício.

 

Não resultando sequer indiciado, muito menos invocado que tal despesa com quotas de condomínio teve por fito a valorização do prédio objecto de mais-valia (não sendo sequer esta a finalidade legal destas), está, naturalmente, prejudicado o provimento de tal invocada ilegalidade do ato tributário, nada havendo a censurar à liquidação no que a esta matéria respeita.

 

f)  Factura de consultoria emitida por F... Lda sobre a venda da fração R do artigo ... da freguesia ...

 

Sustenta o Requerente que a Requerida não poderia ter deixado de acrescer ao custo de aquisição da fração R do artigo ... da freguesia ..., o montante alegadamente pago por aquele.

Como decorre do ponto 20. dos “Factos provados”, comprovou-se a emissão de factura relativa a consultoria relativa à alienação da fração acima identificada, mas não logrou o Requerente provar que tal fatura tenha sido liquidada à sociedade F... Lda, como decorre do ponto 7. dos “Factos não provados” e respetiva motivação explanada para o efeito.

 

Neste conspecto, não existindo sequer prova de que o pagamento tenha sido realizado, fica desde logo prejudicado o direito do Requerente ver acrescido tal montante ao custo de aquisição da fracção autónoma em referência, desde logo, por não verificação do requisito de efectividade exigido pela lei na segunda parte do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.

Destarte, sem prova de tal pagamento, está irremediavelmente inquinada a possibilidade de procedência desta pretensa ilegalidade, censura alguma merecendo, pelo exposto, neste particular, a liquidação objeto da presente pronúncia arbitral.

 

g)  Facturas de obras de remodelação sobre a fração R do artigo ... da freguesia de ...

 

Defende o Requerente que deveria ter sido acrescido ao custo de aquisição o montante despendido a título de obras no artigo ...-R, a coberto das facturas emitidas pela E..., Lda, no valor total de € 16.383,00.

 

Como já decorre da matéria de facto dada por não provada (pontos 3.e 4.), não foi possível estabelecer relação causal entre as obras e o local da sua realização, in casu, se foram ou não efetuados no prédio supra identificado.

 

Ora, nestas circunstâncias e inexistindo igualmente qualquer prova sobre o pagamento do preço, está prejudicada a possibilidade de considerar o montante de tais facturas como despesas efectivas, à luz do que exige a al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, de onde censura alguma pode merecer a liquidação objecto dos presentes autos.

 

h)  Empréstimo bancário junto do B..., SA

Invoca o Requerente não terem sido relevados para efeitos do cálculo da mais-valia, os custos incorridos, em 2016 e 2017, com empréstimos bancários junto da instituição bancária B.., SA, no valor de € 76.058,10.

 

Quanto a esta invocação, como decorre dos factos não provados (ponto 1), não foi possível estabelecer relação causal entre estes supostos encargos e os prédios objeto de mais-valias, de onde inviável se torna levar em consideração tais alegados encargos para efeitos do apuramento da mais-valias fiscal objeto do acto tributário em causa, nada havendo a censurar ao acto tributário.

 

i)  Projecto de arquitectura – Recibo de C..., Lda

 

Invoca o Requerente ser a liquidação ilegal porquanto não poderia ter deixado de acrescer ao custo de aquisição da fração G do artigo ... da freguesia de ..., o montante pago por aquele relativamente ao projeto de arquitectura do apartamento vindo de identificar.

 

Face à prova produzida (vide pontos 14 e 15 dos factos provados), resulta que, efectivamente, o Requerente despendeu o montante de € 3.813,00, a título de serviços que lhe foram prestados com projecto de arquiectura, com vista à posterior remodelação do prédio sito na Rua ..., ... .

 

Nos termos do primeiro segmento da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, são tidos por custos susceptíveis de acrescer ao custo de aquisição para efeitos de determinação das mais-valias, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente levados a efeito nos últimos 12 anos.

 

 Se dúvidas não subsistem quanto ao facto de o encargo em presença ter sido realizado dentro da janela temporal admitida pelo legislador no referido normativo para o efeito, importará aferir da subsunção deste custo ao conceito de “encargos de valorização dos bens”.

 

Deste modo, quanto à previsão normativa que radica da primeira parte do sobredito preceito relativa aos encargos com a valorização dos bens, ocorrida nos últimos 12 anos, a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a pronunciar-se, densificando o conceito de tal formulação normativa:

“A al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados (…) às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente” (cfr. Acórdão do STA, no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012)

 

Deve reconhecer-se que o conceito de «encargos com a valorização dos bens apresenta um diminuto grau de densificação, o que suscita dúvidas de interpretação e concede uma razoável margem interpretativa, uma vez que o legislador não procedeu a qualquer exemplificação acerca quais encargos poderiam ser suscetíveis de integrar este conceito.

 

Em matéria de decisões arbitrais, tem também sido entendido que (...) O que somos chamados a interpretar é uma fonte que visa revelar uma norma aplicável à determinação, à quantificação, das mais-valias tributáveis. Ora, o rendimento a tributar como mais-valia deve ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida. Um imóvel cujo telhado deixa entrar água, prejudicando a sua habitabilidade, não tem o mesmo valor económico caso tivesse uma cobertura em perfeitas condições. Assim, os gastos que forem incorridos na reparação do telhado, hão-de necessariamente repercutir-se, positivamente, no valor económico do imóvel e, portanto, incrementarão o respectivo preço de venda. Há um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, sendo, portanto, de elementar razoabilidade entender-se que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento. Não admitir a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento –neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (...) vide Decisão arbitral no Processo n.º 26/2018-T, de 23/11/2018.

(...) Os encargos assim incorridos tiveram por estrita finalidade a preservação do valor do bem e não a valorização acrescida deste, entendida como algo que se deve traduzir num incremento de valor e não na mera manutenção ou preservação de valor. Neste âmbito, o STA pronuncia-se sobre o conceito de “valorização” e afirma que, “atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.” –cf. Acórdão do STA, processo n.º 0587/11, de 21 de março de2012.” cfr. Decisão arbitral no Processo n.º 25/2018-T, de 25/18/2018.

 

Em matéria de doutrina, não pode deixar de se chamar à colação aquela que é citada pelo Acórdão do STA, no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012, vindo de transcrever, não perdendo de vista o teor do Acórdão do STA, no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012:

“(...) Pronunciando-se sobre este entendimento da AT, o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) manifesta a sua resistência em aceitá-lo, considerando que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta ― “encargos com a valorização dos bens” ― parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos ― através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição ― é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ― neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.»

Sobre esta matéria se pronunciara, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao ac. do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03, por nós relatado), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização. (…)

Daí que, do seu ponto de vista, pareça «mais correcta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspecto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspectiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização”» sob pena de se cometer «uma injustiça.» (Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60.)”.

                              

Ora, no esteio da jurisprudência dos tribunais superiores, deste CAAD e doutrina vindas de citar, entende-se que o conceito da valorização dos bens a que se reporta a alínea a) do artigo 51º do CIRS deverá abarcar os encargos que apresentem um nexo causal com a valorização económica dos bens objeto de alienação, sob pena de, assim não se considerando, se poder desvirtuar uma tributação que deve, tanto quanto possível, assentar sobre o rendimento líquido resultante de tal incremento patrimonial.

Não perdendo de vista a factualidade dos presentes autos e tendo presente o alcance que o conceito que os “encargos de valorização” deve merecer, no sentido de abarcar igualmente a perspectiva da valorização económica do bem.

 

Tendo presente o exposto, resulta que o projecto de arquitectura suportado pelo Requerente para efeitos de suportar os trabalhos de remodelação, se insere nesse mesmo conceito consagrado pelo legislador na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, na medida em que é apto, no seu respectivo contexto, a produzir uma valorização económica do bem objecto de alienação.

 

A este respeito, importa, desde já relevar que a Requerida teve em consideração tal custo na liquidação objecto destes autos, mas apenas em dois terços do valor total de tal recibo.

 

Se, neste particular, Requerida e Requerente parecem não dissentir quanto à subsunção de tal custo ao preceituado na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, sucede que a Requerida apenas admite tal custo na proporção do número de frações que passaram para a titularidade do Requerente e que acabaram, posteriormente, por ser por este alienadas.

 

Efectivamente, o ora Requerente adquiriu em comum com mais dois compradores o prédio a que se refere o ponto 1. dos Factos Provados, tendo mais tarde, após constituição de propriedade horizontal e divisão de coisa comum, lhe sido atribuídas três fracções autónomas.

 

Ora, considerando que a prova produzida, recibo constante do Doc. 30 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral se refere expressamente na sua descrição a projecto de arquitectura quanto ao prédio sito na Rua ..., n.º ... e encontrando-se emitido a favor do Requerente, não se pode deixar de concluir, face às regras da experiência comum e sem mais qualquer elemento probatório que dilucide esta questão (o e-mail igualmente junto também não é esclarecedor), que o projecto de arquitectura e o seu respectivo valor respeita às frações autónomas que passaram para a titularidade deste, após divisão de coisa comum, isto é, F, G e H.

 

Em face do exposto, não pode a liquidação merecer censura legal, porquanto considerou um encargo para efeitos de apuramento da mais-valia, equivalente a dois terços de tal projecto de arquitectura, ou seja, na proporção das fracções de que o Requerente alienou – duas – considerando o número total de frações que lhe couberam, como consequência da divisão de coisa comum operada, pelo que mácula legal alguma poderá ser apontada ao acto tributário neste particular.

 

Aliás, entendimento diverso, como aquele que se afigura resultar do propugnado pelo Requerente – de aceitação do valor integral do recibo - esse sim, conduziria a uma violação do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, uma vez que se estaria a considerar um encargo incorrido que não havia tido por objecto o bem ou bens alienados.

j) Comissão imobiliária – fracção G do art. ...

 

Invoca, em defesa da ilegalidade do acto tributário de liquidação, o facto da Requerida não ter tido em consideração para efeito acréscimo ao valor de aquisição, os custos incorridos com a comissão imobiliária paga para a alienação da fracção G, no valor de €40.000,00.

Sucede, no entanto, que o valor referido pelo Requerente como não podendo deixar de acrescer, no seu entendimento, ao custo de aquisição, já havia sido objecto de aceitação pela Requerida aquando do procedimento de divergência, logo, o custo de aquisição do respectivo prédio alienado já se encontra reflectido na liquidação de IRS cuja legalidade aqui se aprecia.

 

Enquadram-se neste quadro de prévia aceitação pela Requerida a comissão imobiliária paga pela alienação da frcação G a que se reportam os “Factos Provados” constantes do ponto 16., pelo que encontrando-se este encargo já reflectido na liquidação cuja ilegalidade se discute, está a invocada ilegalidade carecida de objecto.

 

8. Juros indemnizatórios

 

O Requerente formulou no seu pedido, para além da anulação do acto tributário, igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto que eventualmente se mostre pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Autoridade Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, o sujeito passivo terá direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, sempre que se verifique o pagamento indevido de tributo.

 

Ora, no caso dos vertentes autos, não há qualquer suporte probatório que permita concluir que o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional objecto destes autos.

 

Aliás, os elementos de que este tribunal arbitral dispõe, apontam no sentido de que o Requerente não procedeu ao pagamento da liquidação sub judice; vide a este respeito o requerimento a final do pedido de pronúncia arbitral formulado em que se solicita o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão de processo de execução fiscal.

 

Em face do supra, inexistindo pagamento do acto tributário aqui arbitralmente sindicado, não se verifica o primeiro dos pressupostos contidos no artigo 43º da LGT que conferem o direito a juros indemnizatórios, pelo que não pode o pedido formulado obter o pretendido provimento.

 

IV – Decisão

Termos em que se decide:

 

a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios nºs 2019..., nos termos anteriormente expostos;

b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

Valor da causa

 

Não tendo sido indicado o valor da causa, fixa-se esse valor no montante de € 66.116,64, que corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.488,00.

O Requerente impugnou a liquidação, solicitando que, para o apuramento da mais valia, a quantia total de € 368.567,92 (€ 145.710,70 a título de custo de aquisição não considerado pela Requerida e de € 222.857,22 a acrescer, enquanto despesas e encargos, ao valor de aquisição). O pedido de pronúncia arbitral procede quanto ao valor de €235.868,62, isto é, 42,62% do valor peticionado.

                Assim, condena-se o Requerente a pagar 57,38% dos encargos do processo e condena-se a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os restantes 42,62% desses encargos.

 

Notifique.

 

Lisboa, 17 de Novembro de 2020,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

André Festas da Silva

 

O Árbitro vogal

Luís Ricardo Farinha Sequeira