Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 719/2019-T
Data da decisão: 2020-05-13  Selo  
Valor do pedido: € 455.299,12
Tema: Imposto de Selo – Art. 7.º, 1, i) CIS; Isenção de imposto; Suprimentos; Participações sociais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.            A contribuinte A..., S.A., com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva ..., e a contribuinte B..., S.A., com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva ... (doravante, “A...”, “B...”, ou “Requerentes”), apresentaram, no dia 25 de Outubro de 2019, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.            As Requerentes vieram pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, notificado em 5 de Agosto de 2019, referente aos actos de liquidação de Imposto de Selo n.os ..., ..., ... e ..., correspondentes a Janeiro e Fevereiro de 2017, no montante total de €455.299,12, requerendo que essa liquidação fosse declarada nula, e reembolsadas as quantias correspondentes, acrescidas de juros indemnizatórios.

3.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.            O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

5.            O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17 de Janeiro de 2020; foi-o regularmente, e é materialmente competente.

6.            Nos termos art.º 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 22 de Janeiro de 2020, para apresentar resposta.

7.            A AT apresentou a sua Resposta em 26 de Fevereiro de 2020, juntando cópia do processo administrativo.

8.            O Despacho Arbitral de 4 de Março de 2020 dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, estabeleceu prazo para alegações e fixou o dia 8 de Maio de 2020 como data previsível para prolação e notificação da decisão arbitral final.

9.            A Requerida apresentou alegações escritas em 12 de Março de 2020.

10.          As Requerentes apresentaram em 24 de Março de 2020 as suas alegações escritas.

11.          As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

12.          A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

13.          O processo não enferma de nulidades.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

 

1)            As Requerentes estão ligadas por um nexo de participação social, desde que em 17 de Janeiro de 2017 a B... (subsidiária da C...) adquiriu a totalidade (100%) das acções representativas do capital social da D..., SA., entretanto redenominada A... .

2)            A A... sempre seguiu um modelo de financiamento assente na predominância do empréstimo accionista à sociedade, com proporções que vão de um passivo no valor de 72% do activo em 2009 até um passivo no valor de 82% do activo em 2018

3)            Com a compra da A..., foi necessário substituir financiamento pelo qual estava responsável o anterior accionista (directamente ou via garantias prestadas a terceiros), para suprir necessidades de financiamento permanente da sociedade participada.

4)            Assim, na data da aquisição a B... proveu a A... com um suprimento, pelo prazo de 10 anos, prorrogável sem limite por consentimento do accionista, no montante de €67.128.484,34.

5)            Em 16 de Fevereiro de 2017, com o objectivo de prosseguir no financiamento de necessidades permanentes do balanço da A..., em substituição das responsabilidades do anterior accionista, a B... concedeu à sua participada um empréstimo adicional de €8.369.187,17, pelo prazo também de 10 anos, e prorrogável também sem limite, por consentimento do accionista.

6)            Esses empréstimos originaram duas liquidações de Imposto de Selo:

1)            €405.084,00 (= €67.513.942,58 × 0,6% [verba 17.1.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo]), materializados na Declaração de Imposto do Selo n.º ..., referente a Fevereiro de 2017, e reiterados na Declaração de Imposto do Selo n.º...;

2)            €50.215,12 (= €8.369.187,17 × 0,6% [verba 17.1.3 da TGIS]), materializados na Declaração de Imposto do Selo n.º ..., referente a Março de 2017, e reiterados na Declaração de Imposto do Selo n.º ... .

7)            As Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa nº ...2019... no SF de ..., por entenderem que os financiamentos em causa podiam afinal beneficiar da isenção prevista no art. 7º, 1, i) do CIS.

8)            Foram notificadas em 12 de Julho de 2019 do projecto de decisão para exercerem o seu direito de audição prévia, não se tendo manifestado.

9)            O indeferimento da Reclamação Graciosa, assente no entendimento de que não havia lugar à isenção por não estarem preenchidos os pressupostos do art. 7º, 1, i) do CIS, foi notificado às Requerentes em 5 de Agosto de 2019.

10)         As Requerentes apresentaram o seu Pedido de Pronúncia Arbitral no dia 25 de Outubro de 2019.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar, não havendo controvérsia sobre a matéria de facto.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

Dado que não foram suscitadas, pelas partes, quaisquer excepções ou questões prévias, e não se verificam nulidades processuais, estamos em condições de apreciar as questões de Direito que se apresentam.

 

III.A. Posição das Requerentes.

 

1.            O entendimento das Requerentes, já veiculado na Reclamação Graciosa, é o de que os empréstimos concedidos pela B... à A..., no início de 2017, cabem em pleno na previsão da isenção estabelecida no art. 7º, 1, i) do CIS.

2.            E isto porque, no entender das Requerentes, se encontram preenchidos os três requisitos que constam da norma:

a.            Os empréstimos têm características de suprimentos.

b.            Os empréstimos foram realizados por accionista com 10% ou mais do capital social.

c.            Essa participação de 10% ou mais do capital social permaneceu na titularidade do accionista durante pelo menos um ano consecutivo.

3.            As Requerentes identificam que só existe divergência com a Requerida quanto ao terceiro dos requisitos do art. 7º, 1, i) do CIS.

4.            Para as Requerentes, a expressão “durante pelo menos um ano consecutivo” afere-se essencialmente pelo presente, e não pela data da concessão dos empréstimos – pelo que o facto de a participação da B... na A... se ter mantido até ao presente é, no seu entendimento, o que conta.

5.            Por outras palavras, para as Requerentes o facto de o requisito da “permanência” se ter preenchido somente após a concessão do suprimento não afastaria a aplicação do art. 7º, 1, i) do CIS.

6.            Em apoio do seu entendimento, as Requerentes socorrem-se:

a.            de argumentos gramaticais / sintácticos;

b.            de argumentos sistemáticos;

c.            da alegação de inconstitucionalidade, por suposta violação de princípios de igualdade, proporcionalidade, vedação de arbítrio e protecção da propriedade privada;

d.            da alegação de violação do direito da UE, nomeadamente da Directiva 2008/7/CE do Conselho, e da sua antecedente Directiva 69/335/CEE, que as Requerentes entendem aplicáveis ao caso sub iudice, pois entendem que se acoita no art. 7º, 1, i) do CIS, na leitura que lhe dá a Requerida, a violação de vários tipos de proibições:

i.             a proibição de tributação ao empréstimo contraído pela sociedade junto do sócio ou garantido pelo sócio, que tenha a mesma função do capital social;

ii.            a proibição de tributação indireta das reuniões de capitais, e o âmbito de aplicação da excepção à mesma (vulgo cláusula de tolerância ou stand still);

iii.           a proibição de tributação indirecta das reuniões de capital através da tributação em imposto do selo;

iv.           em suma, a proibição de cobrança de um imposto por um Estado-Membro em violação do Direito da União Europeia.

7.            Relativamente a este último ponto, sustentam as Requerentes que há lugar a submeter ao TJUE a questão no quadro do processo de reenvio prejudicial.

8.            As Requerentes invocam ainda o seu direito ao reembolso, e também o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da LGT, calculados desde a data da cobrança do imposto, dada a alegação de que foi cobrado um imposto por um Estado-Membro (Portugal) em violação do direito da União Europeia

9.            Em alegações, as Requerentes começam por insistir que não ocorre qualquer distinção de regimes no final do artigo 7.º, 1, i) do CIS, e que o requisito de permanência da participação accionista se conta indiferentemente antes e depois do momento da entrega do suprimento (n.os 3-7).

10.          Mas quando adiante se vêm compelidos a rebaterem os argumentos da Requerida, os Requerentes acabam por abordar a dualidade de regimes no final do artigo 7.º, 1, i) do CIS, mas fazem-no para discordar da solução legal, sustentando que, entre uma sociedade recém-constituída e uma sociedade adquirida já “em funcionamento”, é esta, e não aquela, que mereceria um regime mais favorável e leniente (n.os 51-70).

11.          As Requerentes discordam ainda da leitura que a Requerida faz da Directiva 2008/7/CE, nomeadamente sustentando que ela abarca também a proibição da tributação indirecta de empréstimos que não resultam em aumento da situação líquida da sociedade.

 

III.B. Posição da Requerida.

 

1.            Dos três requisitos que constam do art. 7º, 1, i) do CIS, a Requerida converge com as Requerentes no reconhecimento dos dois primeiros, ou seja, de que os empréstimos tiveram características de suprimentos e de que esses empréstimos foram concedidos por accionista com 10% ou mais do capital social.

2.            A divergência limita-se, portanto, ao terceiro requisito da norma, entendendo a Requerida que a participação de 10% ou mais do capital social da A... não tinha, à data dos factos, permanecido na titularidade do accionista B... durante pelo menos um ano consecutivo.

3.            A Requerida assinala que a interpretação das Requerentes escamoteia, aparentemente de forma deliberada, a dicotomia que se abre no final do artigo 7.º, 1, i) do CIS, quando se contrapõe:

a.            a situação da entidade participada que já tem mais de um ano, e em relação à qual se exige que a participação dure consecutivamente há mais de um ano à data dos factos relevantes – ou seja, do suprimento; e

b.            a situação da entidade participada que foi constituída há menos de um ano, em relação à qual não é logicamente possível exigir-se uma permanência de mais de um ano à data do suprimento, recorrendo-se então a uma solução sucedânea – a de se exigir “neste caso” a permanência de um ano contada a partir da referida constituição da entidade participada, e para lá do momento em que o suprimento ocorreu, até se esgotar o prazo.

4.            Há, portanto, no entendimento da Requerida, uma distinção fundamental de regimes que as Requerentes resolveram ignorar:

a.            o da detenção de uma participação social por aquisição;

b.            o da detenção de uma participação social por constituição de uma sociedade.

5.            Para ilustração dessa dualidade de regimes, a Requerida recorda um lugar paralelo, que era o da parte final do art. 45º, 1 do CIRC (correspondente ao actual art. 51º) na redacção que vigorou até à Lei nº 30-G/2000:

“1 — Para efeitos da determinação do lucro tributável será deduzida uma importância correspondente a 95% dos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em território português, sujeitas e não isentas de IRC ou sujeitas ao imposto referido no art.º 6.º, nas quais o sujeito passivo detenha uma participação no capital não inferior a 25%, e desde que este tenha permanecido na sua titularidade durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso a participação seja mantida durante aquele período.” (sublinhado nosso)

6.            As Requerentes teriam violado, assim, a regra mais básica da interpretação jurídica, ao desconsiderarem o elemento literal da norma.

7.            A agravar essa situação está o facto de, com a invocação do artigo 7.º, 1, i) do CIS, estarmos a lidar com uma norma referente a benefícios fiscais, insusceptível de interpretação extensiva ou de aplicação analógica – bloqueando, por isso, qualquer hipótese de confusão entre os dois regimes assinalados, e impedindo que o benefício relativo estabelecido em relação às sociedades novas (as constituídas há menos de um ano) possa estender-se às sociedades adquiridas mais de um ano depois da sua constituição.

8.            Dessa leitura truncada da própria norma decorre, no entender da Requerida, um outro viés interpretativo das Requerentes – o de atribuir à Autoridade Tributária vícios que só poderiam ser assacados, se existissem, ao próprio legislador, nomeadamente um desenho da incidência do imposto, e dos critérios de isenção, que as Requeridas pretendem que é violador da Constituição e do Direito da União Europeia.

9.            A Requerida sustenta que é o lapso interpretativo das Requerentes, que ocultou a presença de dois regimes distintos no final do artigo 7.º, 1, i) do CIS, que as faz ver discriminações e arbítrios que pura e simplesmente não existem, como transparece da “ratio legis” da própria norma – afastando-se assim as alegações de violação de princípios constitucionais.

10.          Em relação às alegadas violações do Direito da União Europeia, a Requerida esclarece que os suprimentos em análise, porque são empréstimos sujeitos a remuneração e reembolso, não contam como operações de “entradas de capital”, que stricto sensu são incrementos líquidos e permanentes de potencial económico das beneficiárias, e como tal estão previstas no art. 3.º, j) da Directiva 2008/7/CE, pelo que não está a ser violada a cláusula standstill ou de congelamento prevista no artigo 7.º, 2 da Directiva.

11.          Além disso, assinala a Requerida que, mesmo que não se verificasse essa demarcação conceptual, o que o art. 7º, 2 da Directiva proscreve é a reintrodução de uma tributação sobre entradas de capitais depois de ela ter sido abolida (“Se, em qualquer momento após 1 de Janeiro de 2006, um Estado-Membro cessar a cobrança do imposto sobre as entradas de capital, não pode reintroduzi-lo.”).

12.          Ora nunca a incidência do Imposto de Selo sobre os empréstimos com características de suprimentos foi interrompida ou suspensa, apenas se foi modificando a amplitude das isenções, como sucedeu com a alteração dos pressupostos da isenção resultante da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Não tendo havido descontinuidade no regime de incidência, o art. 7º, 2 da Directiva não se aplica.

13.          Insistindo a Requerida que não se afigura possível estabelecer um paralelismo entre a sujeição dos suprimentos ao imposto do selo e a sujeição a este imposto das operações de “entradas de capital”, em cujo âmbito nunca foram incluídos.

14.          Conclui a Requerida que, não havendo violação da Directiva 2008/7/CE pela tributação sobre suprimentos, não se afigura haver justificação válida para submeter ao TJUE esta questão no quadro do processo de reenvio prejudicial.

15.          Estando em causa autoliquidações, lembra a Requerida que, a haver lugar a juros indemnizatórios, eles só seriam devidos a partir da ocorrência de um erro imputável à AT, ou especificamente da data do indeferimento da reclamação graciosa; mas, não reconhecendo a existência desse erro, a Requerida conclui não haver lugar a tais juros indemnizatórios.

16.          Em alegações, a Requerida limita-se a remeter ao que já aduzira em sede de Resposta.

 

III.C. Do Mérito da Causa.

 

III.C. 1. A aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, 1, i) do CIS

 

Ficou claro, do confronto das posições das Requerentes com as posições da Requerida, que a única divergência que subsiste entre elas diz respeito à leitura do final do artigo 7.º, 1, i) do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

Nessa versão, que é a que efectivamente é relevante para os factos em apreço, o artigo 7.º, 1, i) do CIS estabelece que:

“1 - São também isentos do imposto:

i) Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, quando realizados por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contando que, neste caso, a participação seja mantida durante aquele período”. (sublinhados nossos)

Torna-se de imediato evidente que a interpretação que as Requerentes subscrevem não tem qualquer correspondência na letra da norma, e que é a interpretação perfilhada pela Requerida que é a correcta.

Analisando essa última condição legal para a isenção de imposto de selo em benefício dos empréstimos com características de suprimentos, estabelece-se que essa isenção depende da verificação de um período de permanência de uma parte do capital da entidade participada na titularidade da participante, especificamente a participação durante um ano consecutivo.

E aí, apresentam-se duas situações em alternativa, separadas por um “ou” e assinaladas por um “neste caso”:

1)            a situação em que os empréstimos com características de suprimentos são concedidos em momento em que os concedentes desses empréstimos já detêm uma participação social não inferior a 10% no capital das beneficiárias desses empréstimos (as entidades participadas) há, pelo menos, um ano consecutivo (ficando logicamente subentendido que essas participadas já foram constituídas há mais de um ano, pois de outro modo essa detenção de uma participação por um ano consecutivo não poderia verificar-se);

2)            a situação em que os empréstimos com características de suprimentos são concedidos a uma entidade constituída há menos de um ano, caso em que a verificação, junto da concedente do empréstimo, do requisito de manutenção, por um ano consecutivo, da participação social não inferior a 10% no capital da beneficiária desse empréstimo fica remetida para um momento posterior ao momento do empréstimo – o momento em que se completar esse ano consecutivo de permanência.

Significa isso que, como assinalou a Requerida, o final dessa alínea estabelece uma clara distinção que as Requerentes omitem, ou se recusam a admitir:

(1) o caso da detenção de uma participação social por aquisição;

(2) o caso da detenção de uma participação social por constituição de uma sociedade.

Sendo que no primeiro caso (1) a lei claramente exige uma detenção durante um ano consecutivo, já esgotado e verificável à data da realização do empréstimo.

E só no segundo caso (2), aquilo que a norma identifica com a expressão “neste caso”, é que a lei, atendendo ao facto óbvio de poder não ter decorrido um ano desde a constituição da participada, admite essa verificação do ano consecutivo em data posterior à da realização do empréstimo.

A “ratio legis” é transparente: trata-se de evitar que fique frustrado o objectivo da imposição do ano consecutivo através da atribuição prematura da isenção, antes de decorrido esse que é um elemento crucial da previsão do próprio regime.

Com efeito, concedida a isenção e não cumprido o ano consecutivo (como as Requerentes pretendiam que fosse possível), em que momento, e em que condições, poderia verificar-se o preenchimento posterior do requisito?

E se não se verificasse – atenta a probabilidade de isso suceder, dado o não preenchimento anterior do requisito da permanência numa sociedade participada constituída há mais de um ano – como reverter a situação fáctica gerada pela isenção?

Pela mesma razão se compreende que o caso (2) seja uma excepção ao caso (1), admitida apenas por manifesta impossibilidade de verificação do requisito quando a constituição da participada tenha ocorrido menos de um ano antes da realização do empréstimo.

Em suma, afigura-se claro que as Requerentes não têm razão, porque adoptam uma interpretação errónea do art. 7º, 1, i) do CIS.

E não menos claro se torna que, no caso em apreço, não há lugar à isenção de Imposto de Selo sobre suprimentos efectuados pela B... à A... pela dupla circunstância de que:

a)            no momento de concessão de um empréstimo com características de suprimento, a B... não era detentora do capital social da financiada A..., em valor igual ou superior a 10% do capital desta, há mais de um ano consecutivo.

b)           no momento da concessão do referido empréstimo, a A... já fora constituída há mais de um ano.

Assim, aquilo que as Requerentes qualificam como “acidente” – nomeadamente o facto de o período de detenção mínimo da participação previsto na lei se ter completado somente após a concessão do suprimento – não é “acidente” à face da lei: é da própria “essência” da norma que estabelece a isenção, é um pressuposto mínimo de operacionalidade do regime, sem o qual o requisito temporal da “permanência do investimento” não poderá verificar-se com segurança – e com justiça.

Parece, pois, que o que na verdade está em causa é que as Requerentes não se conformam com o regime legal, com a distinção de regimes entre o caso (1) e o caso (2), pretendendo aplicar o regime do segundo ao primeiro, por analogia.

Ora a analogia e a interpretação extensiva não são possíveis em normas excepcionais como as que estabelecem isenções, que são benefícios fiscais (art. 2º, 1 do EBF).

Vislumbra-se ainda, na argumentação das Requerentes, que elas se conformariam melhor com redacções anteriores do artigo 7.º, 1, i) do CIS, nomeadamente as que resultavam da Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, e da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro – redacções que não deixam de mencionar na sua argumentação  como alegadamente exemplificativas de regimes de isenção não-subordinados a balizas temporais de permanência de investimento.

Mas aos factos em apreço aplica-se a redacção dada ao art. 7º, 1, i) do CIS pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, como já referimos – e essa redacção, insiste-se, é bem clara e não admite a interpretação que as Requerentes procuram fazer dela.

 

III.C. 2. A questão da inconstitucionalidade

 

Daqui resulta que a interpretação que as Requerentes fazem do art. 7º, 1, i) do CIS, não tendo correspondência com a letra da lei, remete quando muito para um desejo de que fossem diferentes os critérios do legislador no desenho da medida da isenção do Imposto de Selo, ou porventura até para um desejo de que, mais do que isenção, se verificasse uma não-incidência  – o que é algo de muito diferente de qualquer inconstitucionalidade de que enferme a norma, ou de que enferme uma sua particular interpretação – e menos ainda uma interpretação que encontra apoio tanto na letra da lei como na “ratio legis”.

Não se vislumbra, pois, qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na liquidação a que a Requerida procedeu: se era, e é, necessário estabelecer uma baliza temporal para a aferição da “permanência do investimento” entre participante e participada, como timbre de seriedade que faz merecer, aos suprimentos, o benefício da isenção de imposto de selo, então a solução do art. 7º, 1, i) do CIS é adequada e não discriminatória, impondo a verificação da “permanência do investimento” no próprio momento do suprimento, e apenas excepcionando as situações de criação recente de entidades participadas, que a lei entendeu não desfavorecer.

É um critério simples, transparente, seguro, e não se vislumbra que proceda a qualquer discriminação ou origina qualquer iniquidade que viole princípios constitucionais.

 

III.C. 3. A questão do reenvio prejudicial

 

Quanto ao pedido de que este tribunal submeta questões ao TJUE em sede de processo de reenvio prejudicial, ele tem que ser indeferido por um princípio de limitação processual dos actos e por uma questão de conhecimento prejudicado: assentando o pedido numa leitura da norma de isenção do art. 7º, 1, i) do CIS que demos já por desprovida de apoio na letra e no espírito da lei, e não tendo por outro lado as Requerentes feito a prova, que lhes competia, da existência dos pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal como facto impeditivo da tributação-regra , daí decorre que as Requerentes não podiam nem podem usufruir do benefício fiscal, pelo que é inútil conferir se essa interpretação é compatível com o Direito da União Europeia.

Não cabe a este Tribunal veicular ao TJUE questões que não têm aplicação ao caso em apreço nem são pertinentes para o julgamento da causa, por estar afastada a possibilidade de as Requerentes, ou qualquer outro sujeito passivo na posição objectiva das Requerentes, seja ele residente em Portugal ou em qualquer Estado-Membro da União Europeia, beneficiarem da isenção, por não verificação de um requisito objectivo dessa isenção .

Fica assim prejudicado, por ser inútil, o conhecimento desta questão, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Pelo exposto, improcede este pedido.

 

III.C. 4. A questão do direito a juros indemnizatórios

 

O direito a juros indemnizatórios depende da existência de erro imputável aos serviços, de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Não sendo procedente o pedido de declaração de ilegalidade, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

Mas, ainda que o mesmo fosse declarado procedente, lembremos que a Administração Tributária, estando sujeita ao princípio da legalidade, não poderia ter recusado a aplicação de uma norma legal vigente no ordenamento jurídico com o argumento de que a considerava inconstitucional, pelo que – de acordo com jurisprudência firmada – não lhe é imputável a prática de “erro” para os efeitos previstos no artigo 43º da Lei Geral Tributária; não havendo, pois, lugar a pagamento de juros indemnizatórios .

Assim, nada se censurando à liquidação de Imposto do Selo controvertida, não tem a Requerente direito a qualquer reembolso de imposto, nem ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.

Nesta conformidade, também estes pedidos devem improceder.

 

IV. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a.            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações de Imposto do Selo, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;

 

b.            Indeferir o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE;

 

c.            Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €455.299,12 (quatrocentos e cinquenta e cinco mil, duzentos e noventa e nove euros e doze cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas no montante de €7.344,00 (sete mil, trezentos e quarenta e quatro euros) a cargo das Requerentes (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 13 de Maio de 2020

 

Os Árbitros

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Diogo Feio

 

Fernando Araújo