Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 723/2019-T
Data da decisão: 2020-03-28  IMI  
Valor do pedido: € 24.941,44
Tema: IMI – Isenção - Aquisição de prédio para revenda; Modificações do prédio. Constituição de propriedade horizontal.
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Dr. Jesuíno Alcântara Martins, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-01-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., SA., adiante designada por Requerente, pessoa coletiva e contribuinte nº..., com sede na Rua ... nº...,... -... Porto, que sucedeu, por via de fusão por incorporação, à sociedade sujeito passivo destinatário dos atos impugnados, B..., SA, (adiante designada como Incorporada na Requerente) pessoa coletiva nº..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista anulação dos actos de liquidação n.º 2015... ( [1] ), com data de 02-05-2019, e n.º 2016..., de 02-05-2019, de Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante IMI).

A Requerente pede ainda a devolução do imposto pago, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-10-2019.

Em 20-12-2019, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 21-01-2020.

A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 02-03-2020 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A B..., SA, que foi incorporada da Requerente, era uma sociedade cujo objecto social consiste na “construção e reconstrução de edifícios, administração e gestão de imóveis próprios ou de terceiros, locação e gestão de propriedades ou direitos imobiliários, compra e venda de imóveis para revenda, arrendamento de bens imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos e todas as actividades relacionadas com a manutenção e valorização de imóveis e administração de condomínios”;
  2. Em 29-12-2014, a Incorporada da Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda, o prédio urbano destinado a armazém e actividade industrial, situado na Rua ... nº..., ..., correspondente ao artigo matricial nº ..., da União das Freguesias de ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../... (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. A aquisição em causa beneficiou de isenção de IMT ao abrigo do art.º 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), por o imóvel adquirido se destinar a revenda, e por a adquirente reunir as condições subjetivas para essa isenção, tendo a Incorporada na Requerente inscrito contabilisticamente o mesmo imóvel no seu “inventário”, na rubrica destinada ao registo de mercadorias;
  4. Relativamente ao prédio adquirido foi aplicada a suspensão da tributação de IMI, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do CIMI;
  5.  À data da aquisição sociedade pela Incorporada da Requerente, a vendedora –C..., Lda.  pessoa coletiva nº... – tinha já apresentado pedido de licença de obras para o imóvel, junto da Câmara Municipal ... (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Para o imóvel em causa, foi, em 21-05-2015, emitido pela Divisão de Gestão Urbanística, da Camara Municipal de ..., o “Alvará de Obras de Demolição, Alteração e Ampliação e Construção (Legalização) Parcial nº .../15”, em nome da referida vendedora (Documentos n.ºs 2 e 5 do processo administrativo cujos teores se dão como reproduzidos), em que se refere, além do mais, o seguinte:

Alvará de Obras de Demolição, Alteração e Ampliação e Construção (Legalização) Parcial n° .../15

Nos termos do artigo 74° do Decreto-Lei n° 555/99 de 16 de dezembro, com redação atualizada, é emitido o alvará de licenciamento para obras de demolição, alteração e ampliação e construção (legalização) parcial n° .../15, em nome de C..., Lda., contribuinte fiscal n°..., que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito na Rua ..., n° ..., na União das freguesias de ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° .../... da freguesia de..., e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da União das freguesias de ... e ... .

As obras aprovadas por despacho de 13/03/2014 da Vereadora Dr.ª D..., ao abrigo das competências que lhe foram subdelegadas pelo Presidente da Câmara e que constam do despacho n° 29/2013, de 14 de outubro, respeitam o disposto no Plano Diretor Municipal (PDM), e apresentam as seguintes características:

  • Indicação do tipo de obras a executar: Obras de demolição, alteração e ampliação e construção (legalização) parcial;
  • Alteração da antiga fábrica têxtil – E... SARL, num centro empresarial, com funções de ninho de   empresas   na   área   industrial, comercial e   de serviços, composto por 10 estabelecimentos de comércio/serviços e 15 unidades industriais;
  • Diminuição da área de implantação e construção da antiga unidade industrial;
  • Ampliação da área de construção destinada a comércio - 342,00m7-;
  • Ampliação da área de construção destinada a indústria - 1189,70m2.

 

Condicionamentos das obras:

. Deverá ser dado cumprimento aos pareceres de todas as entidades intervenientes no procedimento;

. Os entulhos resultantes da obra deverão ser retirados do local e transportados para recolha e tratamento por firma especializada, devendo na execução do empreendimento, na sua totalidade, ser observado o regime de gestão de resíduos de construção e demolição aprovado pelo D.L. n° 46/2008, de 12 de março;

. Na execução da operação urbanística deverá ser observado o disposto no Capítulo VIII do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RUEMM);

. No início dos trabalhos deverá ser solicitada a verificação dos alinhamentos e cotas de soleira, «de acordo com o n.º 5 do artigo 5.º do RUEMM:

. A responsabilidade de execução da ligação da Travessa ... ao arruamento principal é do requerente. O requerente apenas poderá intervir na referida Travessa após validação, pela Câmara Municipal, dos respectivos projetos de infraestruturação.

Prazo para conclusão das obras: 12 Meses.

  1. Posteriormente, foi efectuado o averbamento da alteração do titular do processo para a Incorporada da Requerente (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 06-07-2015, deu entrada no Serviço de Finanças um pedido de não sujeição do imposto municipal sobre imóveis (IMI), nos termos da alínea e) do nº 1 do art.º 9º do CIMI, ao qual coube o nº ... (documento n.º 1 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 09-07-2015, foi submetida a declaração modelo 1 do IMI, que ficou registada com o nº ... com o motivo "VPT desatualizado (art.º 130º, nº 3, alínea a) (documento n.º 3 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. No dia 28-07-2015, o SF enviou ao contribuinte o ofício nº..., informando que o perito avaliador devolveu o processo de avaliação informando o seguinte: " Em visita efetuada ao local verificou-se que a unidade industrial que existiu, actualmente não possui o mínimo de condições de utilização, constituindo unicamente um conjunto de ruínas pelo que o imóvel não pode ser avaliado como de utilização com afetação de armazém e atividade industrial. O referido imóvel nas condições actuais não possui condições mínimas de realização de qualquer actividade. Deve apresentar documentação nos termos do nº4 do artigo 46 do Código do IMI e nº 3 do artigo 37 do mesmo Código." (documento n.º 2 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Àquele artigo urbano sucedeu (por proveniência) o actual artigo matricial ...-U-..., da mesma união das freguesias de ... e ..., composto por 25 (vinte e cinco) fracções (“A” a “Y”) no regime jurídico da propriedade horizontal, com origem na Declaração Modelo 1, de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), submetida em 2017-04-10, a que corresponde o registo nº..., com o motivo “3 - Prédio Melhorado / Modificado / Reconstruído” (documento n.º 3 do processo administrativo. cujo teor se dá como reproduzido);
  6. As obras a que se refere o alvará foram realizadas pela Incorporada da Requerente entre 2015 e Março de 2017 (artigo 15.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
  7. Em 17-02-2017 foi celebrada escritura pública de constituição de propriedade horizontal, tendo o referido prédio passado a ser constituído por 25 fracções (documento n.º 3 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Em 28-07-2017 foi emitido o “Alvará de Autorização de Utilização N.º .../17” que titula a aprovação da autorização do edifício sito na Rua ..., ..., da união das freguesias de ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...-U-... da respectiva freguesia de ... (documento n.º 5 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 24-04-2019, o SF enviou ao contribuinte o ofício nº 2019..., cuja cópia consta do documento n.º 4 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

Assunto: DIREITO DE AUDIÇÃO – CANCELAMENTO DA SUSPENSÃO DO INÍCIO DE TRIBUTÁÇAO IMI

Processo de Isenção de IMI nº ...

Artigo Urbano ... da União de Freguesias de ... c ...

No âmbito de uma ação de controlo dos pressupostos da suspensão de tributação de IMI atribuída ao imóvel supra referido, nos termos do artº. 9.º do CIMI, n.º 1, alínea e):" Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda", verificou-se que ao mesmo foi dado destino diferente, pelo que vai proceder-se à retirada da suspensão de tributação de IMI para os anos de 2015 e 2016.

Assim sendo, ficam por este meio notificados para, no prazo de 15 dias exercerem, querendo, o direito de audição previsto no artº 60.º da Lei Geral Tributária, por escrito, sobre o projeto de cessação do benefício de suspensão de tributação do IMI, nos termos do artº. 9.º do CIMI, n.º 1, alínea e), atribuído no âmbito do processo supra referido.

A petição escrita deverá ser enviada para este serviço de finanças fazendo referência ao ofício e processo acima indicados.

O exercício das garantias previstas no artº. 70º. e 102º. do CPPT constarão da notificação das liquidações a efetuar pelos Serviços.

 

  1. O ofício referido foi recebido pela Requerente em 30-0-2019 (documento n.º 4 do processo administrativo);
  2. No dia 10-05-2019, a sociedade B..., S.A exerceu o direito de audição sobre o projecto de cancelamento da suspensão do início de tributação de IMI, a que alude o parágrafo anterior a cuja entrada foi atribuído o nº 2019... (documentos n.ºs 5 e 6 do processo administrativo cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Através do ofício nº 2019... de 12/06/2019, a sociedade B..., S.A., foi notificada do teor da informação e respetivo despacho que recaiu sobre o direito de audição, em que foi decidido o cancelamento da isenção de IMI relativamente aos anos de 2015 e 2016, com fundamento numa informação em que se refere, além do mais, o seguinte (Documento n.º 7 do processo administrativo e documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

Em 30-04-2019, foi o requerente notificado, por carta registada, através do ofício 2019... de 2019-04-24, do teor do projeto de despacho proferido nesta data, para exercer, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, o direito de audição previsto no art.º 60º da Lei Geral Tributária.

Em 10-05-2019, veio o reclamante exercer aquele direito, alegando em síntese que:

•    A 29-12-2014, o reclamante adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio urbano com afetação armazéns e atividade industrial, inscrito na matriz predial da União das freguesias de ... e ... sob o artigo nº ... e cujo destina era a revenda;

•    O reclamante, no âmbito da sua atividade iniciou um processo de demolição, alteração, ampliação e construção parcial. Em face disto, verificou-se uma redução da área de implantação e reconstrução da antiga unidade fabril existente;

•    Ainda na esfera empresarial do reclamante, foi constituída a propriedade horizontal, tendo sido vendidas 17 das 25 frações.

 

Analisadas as alegações, verifica-se que;

•    Nos termos do art. 11.º n.º 5 do CIMT a aquisição de prédios para revenda deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos no prazo de 3 anos ou o foram novamente para revenda.

•     Ou seja, para que a isenção exista é necessário que os bens sejam alienados mesmo estado que foram adquiridos.

•     No caso em apreço, verifica-se que o U-... da União das freguesias de ... e ... foi melhorado/modificado/ reconstruído e deu origem ao U-..., ou seja, a uma realidade distinta do prédio inicial;

• Dado que da intervenção efetuada resulto um prédio   melhorado/modificado/ reconstruído que implicou a respetiva inscrição num novo artigo matricial o prédio em causa foi eliminado e deu origem a um prédio novo, verificando-se, assim, a diferente utilização daquele face à finalidade de venda -inicialmente considerada.

  •  Face às alterações introduzidas, o destino dado ao prédio original não foi a sua revenda, mas sim a respetiva transformação numa realidade física diferente, aplicando-se o estatuído no nº 2 do artigo 9º do CIMI.

Assim, será de manter o cancelamento da isenção de IMI para os anos de 2015 e 2016 para o U-... da União das freguesias de ...  e ... .

 

  1. Em 02-05-2019, a incorporada na Requerente foi notificada das liquidações de IMI n.º 2015... e 2016..., respeitantes aos anos de 2015 e 2016, respetivamente, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia da União das Freguesias ... e..., concelho de ... (...) (documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 12-07-2019, deu entrada no Serviço de Finanças uma Reclamação Graciosa das liquidações referidas, à qual foi atribuído o nº 2019..., apresentada pela Incorporada da Requerente (documento n.º 8 do processo administrativo junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 16-07-2019, deu entrada o documento ao qual foi atribuída a entrada nº 2019..., no qual o contribuinte interpôs Recurso Hierárquico das liquidações (documento n.º 8 do processo administrativo);
  4. A sociedade B..., S.A no dia 14- 08-2019, apresentou o documento ao qual foi atribuído o nº de entrada 2019..., em que requer a desistência do Recurso Hierárquico (documento n.º 8 do processo administrativo);
  5. Em 28-08-2019, a incorporada na Requerente, procedeu ao pagamento do imposto em causa em sede de processo de execução fiscal (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Em 28-10-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cuja correspondência à realidade não é questionada.

 

 

2.3. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3. Matéria de direito

 

A B..., SA, que foi incorporada da Requerente, adquiriu em 29-12-2014, no âmbito da sua actividade estatutária, um prédio urbano destinado a armazém e actividade industrial, tendo a aquisição beneficiado de isenção de IMT ao abrigo do art.º 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), por o imóvel adquirido se destinar a revenda.

A B..., SA inscreveu contabilisticamente o imóvel no seu “inventário”, na rubrica destinada ao registo de mercadorias, e foi aplicada suspensão da tributação de IMI, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do CIMI.

À data da aquisição  do prédio pela sociedade B..., SA, a vendedora – C..., Lda., tinha já apresentado pedido de licença de obras para o imóvel, junto da Câmara Municipal ..., que vierem a aprovadas obras aprovadas por despacho de 13-03-2014, sendo, em 21-05-2015, emitido o Alvará de Obras de Demolição, Alteração e Ampliação e Construção (Legalização) Parcial nº .../15”, em nome da referida vendedora.

As obras autorizadas são as seguintes:

  • Indicação do tipo de obras a executar: Obras de demolição, alteração e ampliação e construção (legalização) parcial;
  • Alteração da antiga fábrica têxtil – E... SARL, num centro empresarial, com funções de ninho de   empresas   na   área   industrial, comercial  e   de serviços, composto  por 10 estabelecimentos   de comércio/serviços e 15 unidades industriais;
  • Diminuição da área de implantação e construção da antiga unidade industrial;
  • Ampliação da área de construção destinada a comércio - 342,00m7-;
  • Ampliação da área de construção destinada a indústria - 1189,70m2.

 

Posteriormente, foi efectuado o averbamento da alteração do titular do processo para a B..., SA.

Em 28-07-2015, um perito avaliador informou que «a unidade industrial que existiu, actualmente não possui o mínimo de condições de utilização, constituindo unicamente um conjunto de ruínas pelo que o imóvel não pode ser avaliado como de utilização com afetação de armazém e atividade industrial. O referido imóvel nas condições actuais não possui condições mínimas de realização de qualquer actividade».

Na sequência da realização, pela B..., SA, das obras autorizadas, o prédio adquirido veio a ser transformado em 25 fracções no regime jurídico da propriedade horizontal e foi emitido o Alvará de Autorização de Utilização N.º .../17.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que «da   intervenção   efetuada resultou  um  prédio   melhorado/modificado/ reconstruído que implicou a respetiva inscrição num novo artigo matricial o prédio em causa foi eliminado e deu origem a um prédio novo, verificando-se, assim, a diferente utilização daquele face à finalidade de venda -inicialmente considerada» e que «face às alterações introduzidas, o destino dado ao prédio original não foi a sua revenda, mas sim a respetiva transformação numa realidade física diferente, aplicando-se o estatuído no nº 2 do artigo 9º do CIMI».

Este n.º 2 do artigo 9.º do CIMI estabelece que «nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição». 

Na sequência do decidido, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IMI impugnadas.

A Requerente imputa a estas liquidações vícios de falta de fundamentação, de preterição do direito de audição prévia e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito por «inexistência de afetação a destino diferente da venda».

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

            No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 Os vícios de falta de fundamentação e de preterição do direito de audição prévia são da natureza formal e procedimental e a anulação com base neles, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício.

 No entanto, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o Tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto ou de direito. Na verdade, a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, pelo que a falta de conhecimento exacto da motivação da decisão pode ser um obstáculo intransponível à apreciação dos vícios de violação de lei. ( [2] ).

 Nesse caso, afigura-se que é possível apreciar os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito invocados pela Requerente, pelo que é de começar por apreciá-los.

 

 

 

            3.1. Vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

O artigo 9.º do CIMI estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 9.º

Início da tributação

 

1 - O imposto é devido a partir: 

(...)

e) Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda.

 

2 - Nas situações previstas nas alíneas d) e e) do número anterior, caso ao prédio seja dada

diferente utilização, liquida-se o imposto por todo o período decorrido desde a sua aquisição. 

 

Os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para liquidar o IMI são os de se tratar de «prédio   melhorado/modificado/ reconstruído que implicou a respetiva inscrição num novo artigo matricial o prédio em causa foi eliminado e deu origem a um prédio novo, verificando-se, assim, a diferente utilização daquele face à finalidade de venda -inicialmente considerada» e que «face às alterações introduzidas, o destino dado ao prédio original não foi a sua revenda, mas sim a respetiva transformação numa realidade física diferente».

Afigura-se que estes fundamentos não têm suporte nas normas referidas, numa situação deste tipo, em que o prédio foi adquirido com obras já autorizadas, que vieram a ser realizadas.

Na verdade, da matéria de facto decorre a aquisição foi feita pela B..., SA para venda após a realização da obras e foi isso que veio a suceder, pelo que o prédio não foi utilizado para fim diferente daquele para que foi adquirido.

Está-se, assim, perante um prédio que, como mercadoria, passou «a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda», pelo que a situação se enquadra na alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI.

A «diferente utilização» a que se refere o n.º 2 do artigo 9.º tem a ver com uma alteração da função que o prédio adquirido desempenha no património da empresa adquirente entre o momento em que passou a figurar no inventário e o termo dos três anos posteriores.

 Ora, neste caso, na parte em que as fracções foram vendidas, não foi dada ao prédio «diferente utilização», pois ele não foi utilizado para qualquer outro fim, designadamente para usufruição pela própria empresa, mantendo o prédio sempre a sua natureza de mercadoria que carecia de obras para ser vendida. A realização de obras que estavam autorizadas quanto o prédio passou a figurar no inventário da B..., SA não constitui uma «diferente utilização», pois foi precisamente para essa «utilização» que o prédio foi adquirido.

Por outro lado, o n.º 2 do artigo 9.º do CIMI não faz depender a cessação do diferimento do início da tributação em IMI da circunstância de o prédio não ser transformado, mas sim de ser alterada a utilização que tinha para a empresa quando passou a figurar no seu inventário. Sendo o prédio adquirido para realização de obras e venda e sendo considerado como mercadoria, a «diferente utilização» dependeria de deixar de ter estas características. 

De qualquer forma, mesmo que se entendesse, sem suporte textual consistente, que o alcance daquela expressão «diferente utilização» fosse idêntico ao da expressão «destino diferente» que se refere no n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, a alteração do prédio com a realização de obras que estavam autorizadas no momento da aquisição não bastaria para consubstanciar uma alteração de destino, como entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 2/2015, de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13 ( [3] ):

Pelo que se o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação segundo determinado projecto aprovado (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), a expressão para revenda não exige que o imóvel seja alienado tal como existia no momento da aquisição, admitindo, antes, a possibilidade de realização pelo adquirente de todas as obras necessárias à ultimação dessa construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas.

 

            No caso em apreço, está-se perante uma situação em que seria aplicável esta jurisprudência, pois entre o momento da aquisição e o da revenda das fracções pela Requerente apenas foram realizadas obras já autorizadas e, uma vez concretizadas, manteve-se o destino que principal do prédio: quando foi adquirido destinava-se a «armazém e actividade industrial» e, depois das obras, passou a ter estabelecimentos de comércio/serviços (área de 342 m2) e unidades industriais (área de 1189,70 m2), sendo estas largamente maioritárias.

            Pelo exposto, tem de se concluir que as liquidações de IMI impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

             Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

            Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

 

            4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

          Em 28-08-2019, a Incorporada da Requerente pagou as quantias liquidadas e pede a devolução do imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios.

          De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 24.506,16.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 28-08-2019, data em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

           

 

 

            5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações;

– anular as liquidações de IMI n.ºs 2015..., no montante de € 12.688,36, e 2016..., no montante de € 12.253,08;

– julgar procedentes o pedido de devolução da quantia de € 24.941,44 e de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 24.941,44.

 

            Lisboa, 28-03-2020

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Tomás Castro Tavares)

 

 

 

 

 

(Jesuíno Alcântara Martins)

 



[1] A liquidação junta pela Requerente como sendo relativa ao ano de 2015, reporta-se ao ano de 2016, mas consta do documento n.º 8 do processo administrativo a cópia da liquidação relativa ao ano de 2015.

[2] Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 22-09-1994, processo n.º 032702; de 03-10-1995, processo n.º 035128, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 7245; de 03-11-1999, processo n.º 041885; de 05-06-2000, do Pleno, processo n.º 043085, de 28-03-2001, processo n.º 029685, publicado no Apêndice ao Diário da República de 21-07-2003, página 2455; de 17-11-2010, processo n.º 01051/09.

[3]              Publicado no Diário da República, I Série, de 18-05-2015.