Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2017-T
Data da decisão: 2018-01-18  IRC  
Valor do pedido: € 137.113,71
Tema: IRC - Taxas de amortização aplicáveis a aerogeradores.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), José Coutinho Pires e Miguel Torres, designados pelo conselho deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A contribuinte A…, S.A., NIPC …, com sede no …, …, … (doravante “Requerente”) apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente deduz pedido de pronúncia arbitral sobre três atos fiscais, todos respeitantes ao período de tributação de 2013. Primeiro, sobre a liquidação adicional de IRC número 2016… . Segundo, sobre a liquidação de juros compensatórios número 2016… . E, por fim, sobre a demonstração de acerto de contas número 2016… . Para tal invoca os termos e os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), arrolando, em sede de prova, duas testemunhas (B… e C…).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificada a requerida no dia 24 de março de 2017.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a sua aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 11 de maio de 2017, não tendo estas arguido qualquer impedimento.
  2. No dia 29 de maio de 2017 o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído seguindo os trâmites previstos nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), tendo sido notificadas as partes dessa constituição.
  3. No pedido de pronúncia arbitral, por si oferecido, a Requerente invoca, em síntese, que:
  1. Para efeitos de depreciação ou amortização contabilística dos aerogeradores, a Requerente teve de apurar o período de vida útil dos mesmos, tendo em consideração as disposições constantes nas regras de normalização contabilística vigentes em Portugal.
  2. De acordo com a Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 7 (NCRF 7), depreciação é definida como a “imputação sistemática da quantia depreciável de um ativo durante a sua vida útil”, sendo que “vida útil”, é o “período durante o qual uma entidade espera que um ativo esteja disponível para uso”.
  3. No caso concreto dos aerogeradores, “a vida útil daqueles equipamentos deveria ser apurada em função de um dado período temporal em que os mesmos estariam disponíveis para serem usados pela Requerente.”
  4. Para determinar o período de vida útil, conclui a Requerente que o período de 15 anos, em que a tarifa fixa legalmente garantida se encontra em vigor, é 
absolutamente essencial à viabilidade económica da globalidade do seu investimento.
  5. Terminado esse prazo de remuneração certa, i.e., 15 anos a contar do início do fornecimento à rede, não existiriam quaisquer garantias de como seria remunerada a energia gerada, pelo que tal seria o horizonte de suscetibilidade de aferição da viabilidade económica dos parques eólicos.
  6. Deveria existir uma coincidência entre ciclos económico e operacional de exploração dos equipamentos, i.e., que a depreciação, dos aerogeradores se deveria iniciar no momento em que estes equipamentos estivessem devidamente instalados nos locais devidos e em condições para poderem funcionar nos termos pretendidos.
  7. Portanto, a “vida útil” deveria ser apurada em função de um dado período temporal em que os mesmos estão disponíveis para uso, findo o qual estariam totalmente depreciados. Estando a mesma condicionada pelos termos de venda da energia gerada por aqueles equipamentos, que estão previstos no Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de maio (alterado entre outros pelo Decreto-Lei n.º 33-A/2005, de 16 de fevereiro), que estabelece a remuneração “fixa e garantida” das centrais de energia renovável pelo fornecimento da eletricidade à rede elétrica.
  8. Na amortização se deveria “correlacionar os gastos de uso de um ativo com os rendimentos que ele gera”, de olhar para a utilidade económica dos ativos, e não de atender ao “bom funcionamento” de um ativo aferido em termos técnicos.
  9. Existe uma conexão entre o conceito de “razoabilidade” da taxa de depreciação e o período de remuneração fixa da venda de energia elétrica assegurado por opção legislativa incluída na designada “Reforma da Fiscalidade Verde”, os cerca de 15 anos.
  10. Usando diversas comparações, a Requerente sustenta que a taxa de amortização de 6,25% apresentada não diverge substancialmente daquela que resultaria da aplicação congruente de critérios de depreciação dentro do quadro legal, encontrando-se, portanto, “dentro dos intervalos considerados razoáveis”, e até, eventualmente, abaixo daquilo que resultaria da mais estrita aplicação daqueles critérios.

A Requerente conclui formulando pedidos no sentido de lhe ser reconhecido o seguinte:

  1. Ser anulada a liquidação adicional de IRC n.º 2016…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, respeitantes ao período de tributação de 2013, na parte correspondente às correções que a AT realizou ao lucro tributável apurado nos termos acima expostos e ao pagamento.
  2. Ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, exige juros indemnizatórios à taxa de 4% ao ano (desde 10.01.2017 até data do processamento da respetiva nota de crédito) sobre o valor do imposto “indevidamente pago”.

 

  1. A AT apresentou a sua resposta em 30 de junho de 2017, acompanhada do Processo Administrativo, onde sustentou a total improcedência do pedido da Requerente, alegando, em síntese, o seguinte:
  1. A AT mantém o entendimento de que se deve manter na ordem jurídica os atos tributários sub judice, em virtude de não ter errado ao exercer a discricionariedade técnica que lhe era cometida pela conjugação de preceitos do art.º 31.º, n.º 2 do Código do IRC e do art.º 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
  2. Segundo a AT só há um critério: “o da aplicação de taxas que a AT considere razoáveis tendo em conta o período de utilidade esperada”.
  3. Na ausência de critério legal, fica, pois, cometida à própria AT a determinação da taxa de depreciação ou amortização, recorrendo a critérios objetivos de determinação de uma utilidade esperada - o que a AT terá feito, adotando todas as diligências necessárias e exigíveis para chegar a uma determinação objetiva e rigorosa do período de vida útil dos equipamentos em causa, o que conseguiu através da coincidência de informações fornecidas por empresas produtoras e comercializadoras daqueles equipamentos.
  4. Por outro lado, a AT discorda do conceito de “vida útil económica esperada” em que assenta a argumentação da Requerente, quer porque fica indefinido quer porque não tem qualquer fundamento legal.
  5. Refere também a AT que a Requerente poderia ter lançado mão do disposto no art.º 31.º-B do CIRC (art.º 38.º do CIRC antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro), que permite que as desvalorizações excecionais dos ativos possam ter reflexo em perdas por imparidade - o que a Requerente não fez, apesar de ser por essa via que poderia encontrar-se reflexo, dentro do quadro legal, de aspetos de variação, ou depreciação, da utilidade económica de ativos.
  6. A AT chama à liça o argumento de que a vida útil de um bem não depende da sua performance económica, que pode depender até das características de quem o utiliza e dos projetos em que se insere (que podem ter os mais diversos prazos), sendo a vida útil apenas o período durante o qual um ativo estará disponível para utilização, para qualquer utilizador e para qualquer projeto.
  7. Sendo assim, a vida útil dos ativos em causa não resulta, nem pode resultar, de um programa legalmente estabelecido, como aquele que se plasma no Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio. Aí se prevê uma utilização dos referidos equipamentos, mas não cabe à lei estabelecer limites a essa utilização, nomeadamente impedindo utilizações subsequentes de um equipamento que estivesse ainda útil.
  8. Por isso mesmo, argumenta a AT, o art.º 31.º, n.º 2, do CIRC manda aferir a razoabilidade da taxa pelo “período de utilidade esperada” e não pelos lucros ou prejuízos averbados num determinado período - é uma aferição objetiva dos especialistas técnicos na matéria, não uma aferição subjetiva como a remete para a rentabilidade económica individual de cada negócio.

A AT conclui requerendo que ação seja julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a Requerida do pedido, com as legais consequências.

  1. Por requerimento de 1 de setembro de 2017 a Requerente indicou testemunhas e artigos da sua resposta sobre os quais incidiria a prova das testemunhas por si arroladas.
  2. Por despacho a 5 de setembro de 2017 o Tribunal Arbitral dispensou a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplicidade e a informalidade deste (cf. artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT). Tendo a realização da audiência de julgamento sido marcada para o dia 27 de Setembro pelas 14 horas e 30 minutos.
  3. Por requerimento a 13 de setembro de 2017, a Requerente solicitou a alteração da data de inquirição de testemunhas. Tendo sugerido como datas alternativas os dias 3, 12, 20, 27 e 31 de outubro.
  4. Por despacho arbitral de 14 de setembro de 2017, o Tribunal designou, nos termos do art.º 18.º do RJAT, o dia 20 de outubro de 2017 para realização da audiência de julgamento.
  5. No dia 20 de outubro de 2017, teve lugar a audiência de julgamento, onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, tendo sido produzida ata da mesma. De acordo com o número 2 do artigo 18 do RJAT, o Tribunal fixou o dia 29 de janeiro de 2017, como data limite para a prolação da Decisão Arbitral.
  6. No final da audiência, a Requerente e a Requerida foram notificadas para apresentarem alegações escritas em prazos sucessivos.
  7. As partes apresentaram alegações, nelas tendo pugnado, no essencial, pela posição inicial.

 

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  1. SANEAMENTO
  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março.
  2. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
  3. O processo não tem nulidades.
  4. Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de exceção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

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  1. MÉRITO

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1. FACTOS PROVADOS

 

No que diz respeito à factualidade relevante para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente tem por objeto social a produção, distribuição e venda de energia elétrica com recurso a fontes renováveis, designadamente a energia eólica, através, da construção e exploração de parques eólicos e de linhas de transporte de energia elétrica.
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente é detentora do parque eólico da …, no qual dispõe de 16 aerogeradores com potência instalada de 32 MW.
  3. No âmbito da Ordem de Serviço número OI2016…, a Requerente foi alvo de uma ação inspetiva ao período de tributação de 2013;
  4. Essa ação deveu-se ao facto de a AT ter concluído a Requerente teria realizado amortizações para efeitos fiscais que não seguiam o “período de utilidade esperada”, para o caso de 20 anos, e consequentemente haver inexatidões no apuramento da matéria coletável da Requerente relativos ao mapa de depreciações e amortizações, que a Requerente praticou no exercício económico de 2013. 
  5. A Requerida justificou as correções com base nas circunstâncias seguintes:
  1. A Requerente inscreveu na conta SNC 6423000001 Gastos com depreciações e Amortizações – AMORT Aerogeradores, o montante de €1.630.474,00 que corresponde a uma percentagem de aproximadamente 6,75% sobre o valor de € 24.154.942,55, inscrito na conta 4330000001 – IMOB – Aerogeradores.
  2. A Requerente não terá facultado quaisquer elementos que permitissem apontar para um período de utilidade esperada inferior a 20 anos, pelo que foram mantidas, após o direito à audição, as correções ao exercício de 2013, no valor de €422.727,96.
  3. A Requerida considera que relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, só são aceites as que pela DGCI sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o “período de utilidade esperada”, de acordo com o previsto no n.º 2 do art.º 31 do CIRC. Mais afirma que, ao abrigo do n.º 3 do art.º 5 do DR n.º 25/2009, são aceites as taxas de reintegração ou amortização consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.
  4. No caso sub judice, os aerogeradores são utilizados para a produção de energia, mas não se encontram previstos nas tabelas anexas ao DR 25/2009. Pelo que a Requerida teve de utilizar o critério previsto no n.º 2 do art.º 31 do CIRC e no n.º 3 do art.º 5 do DR nº25/2009 para determinar a taxa de amortização - o critério do “período de utilidade esperada”.
  5. A Requerida procurou informação sobre aerogeradores em diversas fontes (e.g., empresas que comercializam e fabricam aerogeradores, comité internacional de eletrónica, laboratório nacional de energia e geologia), tendo concluído, por essas informações, que o período de 20 anos seria o período de vida útil dos aerogeradores e que, portanto, 5% seria a taxa de amortização considerada razoável.  
  6. Um período de 20 anos remete para uma taxa de amortização de 5% e nunca para uma taxa de 6,25% como a que foi utilizada efetivamente pela Requerente;
  7. Foi essa discrepância de prazos de amortização que ditou as correções aplicadas pela AT à Requerente, que assentaram na aplicação de taxas de amortização dos aerogeradores de 5%.
  1. Aos resultados apurados foi aplicada a correção de €422.727,96. Daí resultou a liquidação adicional de IRC que, acrescida de juros, chegou ao montante de €137.133,71.
  2. Com vista à suspensão do processo executivo a Requerente procedeu ao pagamento do montante de €137.133,71 a 10 de janeiro de 2017 (doc. n.º 4, junto pela Requerente).
  3. A Requerente definiu o período de amortização de 15 anos tomando por referência o período de tarifa garantida para a energia hídrica porque não haveria referência para a energia eólica.
  4. A Requerente projetou a sua atividade com base nesses pressupostos. Caso se optasse pela fixação de um período de 20 anos, e dado o valor residual, tornar-se-ia provável que os gastos da Requerente superassem os proveitos, o que poderia pôr em causa  a  viabilidade do seu business plan e o projeto de viabilidade da empresa, dado que, decorrido o período da tarifa garantida (no caso de 15 anos – previsto no DL 189/88, de 27 de Maio – para o fornecimento da eletricidade à rede elétrica), a rentabilidade da atividade desenvolvida pela Requerente, em face das suas projeções económico- financeiras, ficaria reduzida a um valor muito inferior ao praticado nesse período.
  5. O facto de a rentabilidade da atividade da Requerente ficar reduzida a um valor muito inferior, em face das suas projeções económico-financeiras, decorrido que fosse o período da tarifa garantida para o fornecimento da rede elétrica, fica a dever-se, sobretudo, à circunstância de a tarifa praticada em contexto de mercado liberalizado ser muito inferior.
  6. A rentabilidade dos projetos, para além dos 15 anos, é muito reduzida, pois trata-se de material de desgaste rápido (atenta a localização em condições atmosféricas geralmente adversas-cristas das montanhas) e o valor residual dos equipamentos é negativo, quer pelo custo da mão de obra pelo desmantelamento, quer porque a evolução tecnológica torna rapidamente o material obsoleto e sem valor de mercado.

 

§2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos julgados não provados com interesse para a causa.

 

§3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

O julgamento da matéria de facto tomou por base a análise crítica da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, bem como da prova documental (onde se inclui o processo administrativo) juntos aos autos.

As testemunhas (B… e C…), depuseram, no essencial, de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação.

 

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  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Quanto à legalidade das liquidações

 

A questão de direito em causa na presente ação reconduz-se, no essencial, a apurar se foi juridicamente adequada a correção feita pela Requerida, no que diz respeito à taxa de amortização aplicável aos bens integrantes do ativo fixo tangível, i.e., aerogeradores para a produção de energia elétrica.

Tanto, significa, em consequência, avaliar se foi juridicamente adequada a alteração que (com base nessa diferente seleção de taxa de amortização) foi realizada, pela AT, à liquidação efetuada pela Requerente.

A questão a resolver nos autos é, assim, a de determinar (em face do enquadramento fiscal vigente à data dos factos tributários em causa) qual é o tratamento fiscal a conceder em matéria de depreciação dos aerogeradores da Requerente, identificados nos autos, designadamente, para se determinar o seu período de vida útil para efeitos fiscais. Daqui se inferirá, por último, a taxa de depreciação a aceitar fiscalmente.

 

Cumpre apreciar.

 

  1. Importa, para este efeito, determinar, desde logo, quais as normas jurídicas aplicáveis à data dos factos tributários. Em causa dispunha-se no artigo 31.º do Código do IRC, o seguinte:

1- No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação e amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respetivo regime aos seguintes valores:

(…)

2 - Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de reintegração ou amortização, são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada daqueles elementos.”

 

  1. Relativamente às depreciações de determinados ativos fixos tangíveis o normativo contabilístico constante do SNC trata-as na NCRF 7 (Ativos fixos tangíveis). Assim, no § 6 da NCRF 7 constam as seguintes definições:

“- Depreciação: é a imputação sistemática da quantia depreciável de um ativo durante a sua vida útil;

- Valor residual: é a quantia estimada que uma entidade obteria correntemente pela alienação de um ativo, após a dedução dos custos de alienação estimados, se o ativo já tivesse a idade e as condições esperadas no final da sua vida útil;

 

O resultado apurado pela contabilidade das empresas decorre, como se sabe, do confronto entre os rendimentos e os gastos necessários para os obter. No plano contabilístico esse resultado é influenciado por um vasto conjunto de estimativas, em especial no que respeita ao conjunto dos custos suportados. Assim, e a título exemplificativo, as provisões e as depreciações constituem parcelas importantes dos custos evidenciando contabilisticamente cujo registo assenta em previsões ou estimativas.

Reconhecendo esta inevitabilidade - de o resultado depender, em boa parte, de estimativas -, a Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização contabilística (SNC), § 37 dispõe “Os preparadores das demonstrações financeiras têm, porém, de lutar com as incertezas que inevitavelmente rodeiam muitos acontecimentos e circunstâncias, tais como…a vida útil provável de instalações e equipamentos…”.

À data dos factos tributários em causa, estabelecia-se, a este propósito, nos artigos 28.º, 29.º e 30.º, todos do Código do IRC - nas disposições que aqui se julgam relevantes para os autos - o seguinte:

“ Artigo 29.º

1 - São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os ativos fixos tangíveis (…) que,  com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo”.

“ Artigo 30.º

1. O cálculo das depreciações e amortizações faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes.

(…)

  1. Podem, ainda, ser aplicados métodos de depreciação e amortização diferentes dos indicados nos números anteriores, desde que, mediante requerimento, seja obtido o reconhecimento prévio da Direcção-Geral dos Impostos, salvo quando daí  não resulte uma quota anual de depreciação ou amortização superior à prevista no artigo seguinte.
  2. Salvo em situações devidamente justificadas aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, em relação a cada elemento do ativo deve ser aplicado o mesmo método de depreciação ou amortização desde a sua entrada em funcionamento ou utilização até à sua depreciação ou amortização total, transmissão ou inutilização.

O disposto no número anterior não prejudica a variação das quotas de depreciação ou amortização de acordo com o regime mais ou menos intensivo ou com outras condições de utilização dos elementos a que respeitam, não podendo, no entanto, as quotas mínimas imputáveis ao período de tributação ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável de outros períodos de tributação.

  1. Para efeitos do número anterior, as quotas mínimas de depreciação ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes, salvo quando a Direcção-Geral dos Impostos conceda previamente autorização para a utilização de quotas inferiores a estas, na sequência  da apresentação  de requerimento em que se indiquem as razões que as justificam.

Como se explicita no acórdão 75/2014-T do CAAD o método da linha reta será, assim, o método regra utilizado na quantificação das depreciações.

Em tal quantificação, observa-se um critério de flexibilidade que, admitida, na consideração, como custo fiscal de valores resultantes de quotas mínimas e máximas, como refere Rui Morais, “Mesmo quando o período de vida útil de um bem, para efeitos fiscais, é fixado pela lei, não existe uma rigidez total. Apenas é obrigatória, no cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, a consideração de um custo, em cada um dos exercícios correspondentes à vida útil do bem, do valor correspondente à quota mínima de amortização. Tal quota mínima calcula-se por aplicação, ao valor amortizável, de uma taxa igual a metade da prevista, para o caso, na tabela aplicável. (…). Num exemplo: A tabela II (taxas genéricas) prevê que a quota de amortização de instalações de água e eletricidade é de 10%. O mesmo é dizer que a lei fixa que o período de amortização (mínimo) de tais instalações é de 10 anos. Só que o sujeito passivo pode optar por uma quota de amortização anual inferior, até 5% (metade da taxa prevista na tabela). O mesmo é dizer que o período máximo de amortização poderá ir até 20 anos.”. A depreciação a reconhecer periodicamente como gasto relacionado com o uso de um ativo depende, assim, de um conjunto de estimativas, designadamente, o período de vida útil e o valor residual. Mas essas estimativas deverão convergir num objetivo primordial: o de adequar a depreciação registada ao efetivo desgaste do bem.

Procura-se, assim, facultar a quem elabora a informação financeira um conjunto de diretivas para que o processo apuramento das depreciações conduza a valores de gastos que reflitam devidamente o deperecimento dos ativos.

 

  1. Não se encontrava, à data da prática dos factos, fixada, legalmente, qualquer taxa de depreciação ou amortização para este exato tipo de ativos. Com efeito, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro (Regime das Depreciações e Amortizações), não contempla, nas tabelas do mesmo constantes, este tipo de bens.

Aplica-se, consequentemente, à situação em análise, o regime previsto no n.º 2 do referido art.º 31.º do Código do IRC. De tal norma jurídica (acima transcrita) resulta, com carácter imperativo, que a taxa de amortização aplicável deverá decorrer da conciliação de dois aspetos.

Por um lado, como elemento base, há que considerar a noção “período de utilidade esperada”. Por outro lado, uma vez definido o período de utilidade deste tipo de bens, importa apurar uma taxa de amortização que se afigure “razoável” para tal período.

 

  1. Consideremos, agora, cada um destes aspetos, separadamente.

Em tal análise, deve ter-se na devida conta a necessária perspetiva sistemática das normas jurídicas relevantes. As normas fiscais devem ser interpretadas como quaisquer outras, estando ultrapassada a conceção de que lhes assistiria o carácter excecional que outrora lhes foi assinalado. Como afirma Saldanha Sanches, “a unidade do sistema jurídico e a natureza essencialmente comum dos problemas que se colocam no Direito Fiscal e em outros ramos do Direito fazem com que a adoção de princípios interpretativos com aplicação apenas nas relações jurídicas tributárias dificilmente seja compatível com a unidade sistemática.”.

De igual modo, Sérgio Vasques diz-nos que “a interpretação da lei fiscal não reveste qualquer especificidade, bastando-se com os critérios tradicionais que entre nós figuram no artigo 9.º do Código Civil. O intérprete não deve, assim, cingir-se à letra da lei fiscal, mas reconstituir aqui também, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Em suma, “também o intérprete das leis fiscais, como o de quaisquer outras normas jurídicas, terá de fixar o respetivo sentido, conjugando o elemento gramatical com o elemento lógico ou teleológico, incluindo os aspetos racional, sistemático e histórico.”.

De notar a este respeito que o artigo 9.º do Código Civil marca a prevalência do espírito sobre a letra da lei, embora tenha colocado expressamente a letra como limite à busca do sentido. Sem prejuízo de considerarmos que a matéria de interpretação das leis não é de índole a ser aprisionada pela via legislativa, encaramos [à semelhança do que também parece ser a posição de Sérgio Vasques] o artigo 9.º do Código Civil como a emanação de um princípio geral hermenêutico, assistindo-lhe, por essa razão, validade intrínseca. Dispõe este preceito que:

  1. “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
  2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
  3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Por sua vez, a Lei Geral Tributária (“LGT”), no seu artigo 11.º, veio, no campo específico das leis tributárias, consagrar um conjunto de regras de interpretação nos seguintes moldes:

Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer diretamente da lei.

Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

Estas as regras interpretativas a respeitar no âmbito da interpretação das normas aplicáveis ao presente caso.

 

  1. Em primeiro lugar, cabe, então, definir o que se entende por “período de utilidade esperada”.

Com efeito, para boa decisão da causa, terá, necessariamente, de se analisar qual a definição a adotar, para efeitos fiscais, considerando o referido n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRC, do conceito de “período de utilidade esperada” dos bens em questão nos autos - os aerogeradores.

A vida útil deverá, assim, ser um dos parâmetros centrais na quantificação das taxas em causa. Porém, o artigo 30.º, n.º 4, do Código do IRC, ao tratar da vida útil não define o que ela deve ser, de forma explícita. Apenas estabelece que esta se deve calcular a partir das taxas que o artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 determinar. Esta norma produz, tendencialmente, um raciocínio em “circuito fechado”, sendo que a vida útil resulta, por via do disposto no   artigo 31.º, n.º 4, das taxas previstas no artigo 31.º, n.º 1 e 2. Porém, cremos que da conjugação destas normas com alguns preceitos previstos no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 se poderá encontrar uma chave de leitura mais clara para a questão a decidir nos autos.

Duas interpretações se revelam, em abstrato, aplicáveis.

A interpretação deste conceito (“período de utilidade esperada” ou “período de vida útil esperada”) e a seleção de uma ou de outra das interpretações há-de ser feita, como referido, no caso em análise, à luz dos princípios e natureza do direito fiscal, por ser essa a matéria em causa no âmbito deste litígio.

Segundo uma primeira interpretação, a expressão em causa (período de utilidade esperada) corresponde à noção de período de vida útil económica. De acordo com uma segunda interpretação, corresponde à noção de período de duração física ou técnica esperada.

Estamos, assim, perante um conceito polissémico.

Vejamos.

No § 6 da NCRF 7 surgem as seguintes definições:

- Vida útil é:

  1. O período durante o qual uma entidade espera que um ativo esteja disponível para uso; ou
  2. O número de unidades de produção ou similares que uma entidade espera obter do ativo.

Por seu turno, os §§ 56 e 57 da mesma Norma estabelecem:

“56 — Os futuros benefícios económicos incorporados num ativo são consumidos por uma entidade principalmente através do seu uso. Porém, outros fatores, tais como obsolescência técnica ou comercial e desgaste normal enquanto um ativo permaneça ocioso, dão origem muitas vezes à diminuição dos benefícios económicos que poderiam ter sido obtidos do ativo. Consequentemente, todos os fatores que se seguem são considerados na determinação da vida útil de um ativo:

  1. Uso esperado do ativo. O uso é avaliado por referência à capacidade ou produção física esperadas do ativo;
  2. Desgaste normal esperado, que depende de fatores operacionais tais como o número de turnos durante os quais o ativo será usado e o programa de reparação e manutenção, e o cuidado e manutenção do ativo enquanto estiver ocioso;
  3. Obsolescência técnica ou comercial proveniente de alterações ou melhoramentos na produção, ou de uma alteração na procura de mercado para o serviço ou produto derivado do ativo; e
  4. Limites legais ou semelhantes no uso do ativo, tais como as datas de extinção de locações com ele relacionadas.

57 — A vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade pode envolver a alienação de ativos após um período especificado ou após consumo de uma proporção especificada dos futuros benefícios económicos incorporados no ativo. Por isso, a vida útil de um ativo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do ativo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência da entidade com ativos semelhantes.”.

O custo que decorre da quantificação das depreciações deve, assim, ter um carácter sistemático, ou metódico, devendo surgir como efeito da aplicação de uma regra de cálculo que possua lógica interna. Por outro lado, a vida útil e o valor residual dos bens serão parâmetros essenciais na determinação de tal modo de cálculo, uma vez que a essência do fenómeno que este custo visa traduzir se consubstancia na imputação do valor dos ativos a diversos períodos económicos, durante os quais estes são afetos a uma dada atividade económica.

Na verdade, de acordo com António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, in Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 2010, pp.697, “Os ativos fixos não se “consomem” num só período económico, mas sim e em princípio no número de anos previsto para sua vida económica. (…) Em resumo, os bens ao serem utilizados nos sucessivos períodos vão-se depreciando, ou seja, vão perdendo valor”.

Se assim é no plano contabilístico, compreende-se que também no plano fiscal as depreciações tenham, em especial no Código do IRC e demais legislações complementares, um tratamento desenvolvido com base numa perspetiva económica. As depreciações assentam, assim, numa estimativa de perda de valor, que se materializa contabilística e fiscalmente num custo, afetando este, por sua vez, o resultado.

Resulta, por outro lado, da leitura do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, segundo o qual a vida útil de um bem é o “período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor” e porque, segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do Código do IRC, a reintegração ou amortização consiste nas perdas de valor que elementos do ativo fixo tangível sofrerem resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo, então a vida útil, numa aceção fiscal, deverá ser aferida pelo tempo durante o qual tais perdas de valor se justificarão em função das causas que nesse artigo são referidas (uso, progresso técnico ou quaisquer outras).

Razões que, no seu conjunto, conduzem a concluir que a interpretação aqui aplicável é, assim, a de período de vida útil económica.

Será, pois, esta a noção de período de vida útil esperada a ter em consideração em sede de interpretação do Código do IRC, na redação aplicável ao caso, nos seus artigos 29.º a 31.º, onde se prevê um amplo conjunto de normas dirigidas ao tratamento fiscal das reintegrações e amortizações.

Com efeito, o plasmado no artigo 29.º acima referido, implica que o fenómeno das depreciações, determinado para efeitos fiscais, se funda inequivocamente na perda de valor, com carácter de repetição ou regularidade, que os ativos sofrem em virtude do uso ou decurso do tempo. Trata-se de ponto central e decisivo sublinhar que não é pelo facto de um ativo se caracterizar por um período longo de vida técnica ou tecnológica que, necessariamente, a duração da sua vida útil económica também se estenderá automaticamente a esse lapso de tempo.

Na mesma linha aponta o direito contabilístico, dispondo o parágrafo 57 da NCRF 16 que “a vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada do ativo para a entidade. (…) a vida útil de um ativo pode ser mais curta do que a sua vida económica. A estimativa da vida útil do ativo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência de ativos semelhantes.

No mesmo sentido, e consultando a Proposta da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde empossada pelo XIX Governo Constitucional, verifica-se que a mesma se pronunciou sobre a taxa de depreciação que o DR 25/2009 deveria contemplar em relação aos aerogeradores, assim reconhecendo a sua omissão quanto a este tipo de ativos.

É certo que as taxas não se aplicam aos factos tributários em causa nos autos, mas considera-se de grande utilidade referir o entendimento avalizado por esta comissão de especialistas numa temática, que como vimos, não se encontra, todavia, expressamente regulamentada pelo legislador.

Deste modo, a Comissão vem recomendar, no seu anteprojeto, uma vida fiscal de 12,5 anos, como mínimo, até 25 anos, como máximo, o que representaria taxas fiscais entre 8% e 4%.

Percorrendo o referido anteprojeto, constata-se a preocupação desta Comissão, quando refere:

“Considera-se em geral que um sistema fotovoltaico deixa de ter um desempenho interessante do ponto de vista económico (vida útil) quando a sua potência cai abaixo de 80% da potência inicial, ainda que dependendo do tipo de sistema este possa continuar a ser útil para o respetivo proprietário.”.

Sugere a Comissão que “As taxas a utilizar devem seguir uma razoabilidade técnica e de eficiência económica”.

O caso dos computadores é, a este respeito, ilustrativo. A sua vida técnica é hoje, naturalmente, maior do que há 20 anos, mas sua vida útil (dependendo dos aspetos económicos, da obsolescência, etc.) não acompanhará linearmente a extensão da sua vida técnica ou tecnológica.

Na verdade, a vida útil de cada geração de aerogeradores tem vindo a aumentar, assim o diz a tecnologia, mas disso não decorre necessariamente que a sua utilidade económica, para uma determinada empresa, acompanhe essa vida tecnológica.

A Requerente tomou por critério, corretamente, a noção de período de vida útil económica.

A adequação do período de vida (económico) definido pela Requerente revela-se em vários aspetos. Em primeiro lugar, esse período revela-se de harmonia com as condições económicas (no tocante ao período de venda de energia a preço que garante a exploração equilibrada da atividade) e de mercado (valor residual estimado nulo após o período de 16 anos).

Ficou provado, com efeito, que a Requerente se encontra enquadrada no âmbito de um regime contratual de venda de energia a preço previamente fixado durante um período de 15 anos (período durante o qual é estabelecida a remuneração fixa e garantida das centrais de produção de energia renovável) findo o qual os aerogeradores terão um valor residual negligenciável, na medida em que não existe um mercado de usados para este tipo de equipamentos.

Avulta, assim, a factualidade provada de a Requerente ter um período de duração bem específico, legalmente contratado, para a venda de energia em condições rendosas. Findo esse período, os aerogeradores não terão utilidade, num sentido económico-financeiro (embora o possam ter num plano de durabilidade meramente físico).

E, sendo certo que as condicionantes económicas, financeiras, legais e de obsolescência se farão sentir neste tipo de equipamentos, em face da atividade económica desenvolvida, a vida útil relevante para efeitos fiscais, será, por via de regra, menor do que a vida puramente física (técnica).

Em sede económico-jurídica, um bem terá uma vida útil enquanto for economicamente rendoso ou proveitoso. Poderá, assim, estimar- se uma vida técnica ou física longa, sem que tanto seja incompatível com a fixação de uma vida útil económica mais curta. É este o caso dos autos.

 

  1. Chegados a este primeiro ponto do julgamento, cumpre passar ao segundo, no âmbito do qual se apurará se a taxa de amortização fixada pela Requerente é ou não razoável e, portanto, se a correção de taxa efetuada pela Requerida se afigura correta.

A Requerente considerou, como taxa de amortização, 6,25%.

Entendeu, a Requerida, que tal taxa deveria corresponder a 5%.

O Decreto Regulamentar n.º 25/2009 estabelecia as taxas fiscais a utilizar para um conjunto de ativos bastante lato e diversificado. Por via dele, o legislador fiscal procurou, por essa via, disciplinar a aceitação fiscal das depreciações. De outro modo (na ausência de tal previsão), e constituindo estes custos contabilísticos estimativas de perdas de valor em ativos de longa duração, a concessão ao contribuinte de uma total liberdade na consideração de tais custos como elementos negativos do lucro tributável poderia redundar em situações indesejáveis de manipulação do resultado fiscal.

Não estando prevista, no referido Decreto Regulamentar 25/2009, qualquer taxa para a depreciação dos aerogeradores em causa nos autos, revela-se adequado o apoio em lugar paralelo em que consiste a taxa de depreciação legalmente fixada, no referido Decreto Regulamentar, relativamente ao equipamento de produção de energia hidroelétrica.

Conforme atesta um estudo junto aos autos pela Requerente, nunca a vida útil dos aerogeradores poderia ser superior à dos equipamentos para produção de energia hidroelétrica. A vida útil dos equipamentos para produção de energia hidroelétrica é, por outro lado, a mais longa no âmbito do leque de equipamentos para a produção de energia.

Assim sendo, e se a taxa de depreciação legalmente fixada para esses equipamentos é de 6,25%, afigura-se razoável que seja essa a taxa de depreciação adotada quanto aos aerogeradores, devendo, como tal, ser aceite.

Há ainda, quanto a este aspeto, um ponto relevante que cumpre sublinhar: a avaliação que se faça quanto à razoabilidade de uma certa taxa de depreciação assumida por um contribuinte não pode tomar como pressuposto um qualquer plano de negócios, antes devendo ser apurada em concreto.

Se, nestas circunstâncias (ausência de taxa prevista na lei) uma dada empresa viesse sustentar que sendo, por exemplo, de dois ou cinco anos o prazo previsto para a exploração de um dado negócio isso implicaria taxas de depreciação de ativos de 50% ou 20%, respetivamente, tal não seria, ipso facto, uma vida útil razoável, pelos motivos expostos nesta decisão.

No caso sub judice, o juízo do Tribunal quanto à razoabilidade da taxa fixada está, assim, ancorado em fatores legais e financeiros (contrato de venda de energia a preços fixados), tecnológicos e de mercado (valor residual estimado nulo no final desse período). Fatos esses dados como provados.

Ou seja, a razoabilidade da taxa de depreciação fixada terá de se aferir casuisticamente, não decorrendo automaticamente de projeções ou estimativas das empresas. Tais estimativas devem estar suportadas em bases ou fundamentos que possuam um grau apreciável de objetividade e controlabilidade.

Critérios que, contrariamente ao que devia, a AT não considerou na decisão que proferiu, não os explicitando, consequentemente, na fundamentação da correção da liquidação a que procedeu. Considera-se, assim, que também o critério de razoabilidade que a AT utilizou não se revela convincentemente fundamentado.

Em face de tudo o que acima se explanou, considera-se que, perante o previsto na lei fiscal, a Requerida, ao ter considerado uma utilidade meramente técnica ou tecnológica dos aerogeradores, desligando-a, por outro lado, das condições de uso efetivo por parte da Requerente, no caso concreto, se afastou do critério de razoabilidade juridicamente adequado.

Se as taxas de depreciação para estes tipos de equipamentos estivessem, à data, definidas na lei, tudo isto seria, naturalmente, ocioso. Porém, como não está, o critério de razoabilidade, moderação ou aceitabilidade, implica que se leve em conta mais do que a simples utilidade tecnológica ou técnica e se atenda também a outros fatores, que aliás vinham expressos no (então) artigo 29.º, n.º 1, do Código do IRC, que continha a regra geral sobre as depreciações fiscalmente aceites.

Inadequados se revelam, pois, o raciocínio e a conclusão alcançados pela AT.

Por força da lei e para determinação da taxa de depreciação razoável a aplicar, a AT era chamada a fazer um juízo de ponderação complexo, devendo ter em conta, por um lado, o período da vida útil esperada e, por outro lado, a noção de razoabilidade. Por força desta última, incumbir-lhe-ia considerar as circunstâncias concretas do plano de negócios em causa e do uso efetivo dos bens em apreço por parte da Requerente. Em relação ao primeiro aspeto, a AT desconsiderou que estava em causa um conceito polissémico, reduzindo a sua análise a uma noção puramente física ou técnica.

Nessa ponderação, a AT não obedeceu, assim, ao critério que decorre das normas jurídico- fiscais e contabilísticas pertinentes quanto à noção de período de vida útil esperada, como fez uma ponderação desligada das condições concretas do caso. Descurou, em suma, os critérios que se impõem à luz das normas jurídicas fiscais e contabilísticas.

O juízo de razoabilidade da AT enferma, assim, de erro, não só porque escolhe um parâmetro de vida útil esperada que não é o adequado, como também porque o conceito de razoabilidade não é aferido à luz destas circunstâncias casuísticas.

Verifica-se, nestes termos, que houve lugar a uma violação grosseira dos parâmetros que a AT estava vinculada a valorar para efeitos de determinar a taxa de depreciação aplicável e, consequentemente, da liquidação devida.

 

  1. Apurando tais elementos, conclui-se que, pelas razões acima expostas, o procedimento decisório a que a AT recorreu não coincide com o legalmente imposto, tendo incorrido (pelo acima exposto) em erro grosseiro e, consequentemente, em “erro manifesto de apreciação” no exercício de poder discricionário (Fernanda Paula Oliveira, José Eduardo Figueiredo Dias, “Noções fundamentais de Direito Administrativo, 2016, 4.ª Edição, Almedina p. 142).

 

  1. Como ficou consignado na Decisão Arbitral relativa ao Processo n.º 593/2015-T, o controlo jurisdicional desta irregularidade da decisão administrativa impõe-se, na medida em que não está em causa matéria subtraída ao Direito. Quanto à discricionariedade dota-se, hoje, “(…) um conceito amplo de discricionariedade como espaço de avaliação e decisão próprio, da responsabilidade (autoria) da Administração (…)”, que tanto pode decorrer de faculdades diretas de ação, espaços de apreciação na aplicação de conceitos imprecisos de tipo e, ainda, de prerrogativas administrativas de avaliação (cf. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2.ª Edição, Coimbra, 2011, p.47.)

Precisamente o que aqui está em causa é o recurso, pelo legislador, a conceitos indeterminados – noções de “vida útil esperada” e de “razoabilidade”. Em regra, o conceito de razoabilidade confere à Administração uma grande margem de apreciação, embora limitada pela ponderação exigida pelas circunstâncias do caso e princípios jurídicos fundamentais. Acontece que, no caso concreto, este conceito depara-se, ainda, com as limitações que resultarão da densificação do conceito de período de vida útil esperada, cujo preenchimento decorre, no caso, não só dos ensinamentos das ciências físicas, como também da interpretação de normas jurídico-fiscais e contabilísticas.

Como referem Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, “(...) a fiscalização da conformidade ou compatibilidade dessa atuação administrativa com as normas legais e os princípios jurídicos compete aos tribunais”. Sublinham, também, que é inquestionável que “o exercício de poderes discricionários é suscetível de fiscalização pelo juiz” (cf. ob. cit., pp. 137 e 140).

Claro, a este propósito, se revela Vieira de Andrade, quando explicitamente ensina que “a discricionariedade continua a ser uma zona de indeterminação, mas (já) não é uma zona de indiferença normativa. A escolha discricionária, mesmo na sua fronteira mais longínqua, não representa para o Direito uma livre escolha da Administração, não se pode conceber como uma manifestação de vontade psicológica do agente, legitimado por reenvio legal a optar livremente (segundo regras extrajurídicas) por uma qualquer das soluções suportáveis pela norma habilitadora; tal como o poder discricionário não significa necessariamente um poder originário exterior à lei e ao Direito e por este apenas limitado”. Acresce que “mesmo quando exerce um poder de escolha do conteúdo”, a Administração “desenvolve uma atividade funcionalmente jurídica: além de respeitar as condições legais externas de exercício do seu poder (competenciais, procedimentais, formais, substanciais relativas aos pressupostos) tem de conduzir-se no itinerário da sua escolha pela prossecução do fim legal”, concluindo que “o exercício do poder discricionário é também uma atividade materialmente jurídica”, tendo  de “deliberar, no procedimento interno de formação da sua vontade, segundo critérios de imparcialidade, de justiça, de igualdade de tratamento e, inclusive, de proporcionalidade. Torna-se, portanto, incontornável a afirmação que toda a atividade administrativa, mesmo aquela parcela que não está predeterminada na lei, correspondendo a um domínio de autonomia pública da Administração, está sujeita à racionalidade jurídica, nos termos da reserva total da juridicidade que caracteriza o Estado de Direito”, sublinhado nosso (O dever da fundamentação expressa de atos administrativos, Coimbra, 1992, pp. 373, 374 e 375).

Não beneficia, pois, a AT, da possibilidade de decidir de acordo com critérios próprios (por si fixados) e subtraídos ao controlo do Tribunal. Controlo que este fará considerando, não só o sentido da decisão, como também a fundamentação desta, onde o decisor saberá adequadamente exprimir o seu raciocínio, assim o tornando acessível, designadamente, ao controlo jurisdicional.

 

  1. Explicita Vieira de Andrade que “Os vícios no uso de poderes discricionários – quando os motivos invocados pelo autor do ato se comprovam inexistentes, deficientes, falsos, desviados, errados, irrelevantes, contraditórios, incongruentes ou ilegítimos - são vícios na relação fim-conteúdo (vícios funcionais da decisão), normalmente associados à violação de princípios jurídicos (imparcialidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, racionalidade, veracidade, e boa fé) que provocam, na generalidade dos casos, a anulabilidade do ato”, (Lições de Direito Administrativo, 2.ª Edição, Coimbra, 2011, p. 181).

No caso, atenta a fundamentação invocada pela AT, verifica-se, como vimos, que esta, não só incorre em défice de ponderação em relação às circunstâncias fácticas do caso (condições económicas e financeiras do projeto, fatores tecnológicos e de mercado, etc.), como optou por uma noção indevida do período de vida útil esperada, desligando-o das normas jurídico-fiscais e contabilísticas em causa. Tudo o que redunda em erro manifesto de interpretação, quer dos factos, quer das normas jurídicas aplicáveis, o que gera a anulabilidade do ato (correspondente à correção fiscal efetuada) e determina que a correção em causa seja anulada, por ilegal.

 

  1. De referir, por último, que o conhecimento deste vício preclude a necessidade de conhecimento dos demais. No caso em apreço, os atos de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, respeitantes ao período de tributação de 2013, na parte correspondente às correções que a AT realizou, são ilegais.

 

B. Quanto aos juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago e correspondentes juros de compensatórios já pagos.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até o termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto a condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (cf. Carla Castelo Trindade (2016) “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

O pedido de pronúncia relativamente ao direito a juros indemnizatórios versa, então, sobre o imposto indevidamente pago e ainda sobre os juros compensatórios liquidados pela Requerida.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência de declaração de ilegalidade em apreciação, da exclusiva iniciática da AT, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, atualmente na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

***

 

  1. DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativo à ilegalidade da liquidação de IRC n.º de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, respeitantes ao período de tributação de 2013 e, nesta sequência,
  2. Anular as liquidações supra referidas;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou, no valor de € 137. 113, 71, desde 10.01.2017 até à data do processamento da respetiva nota de crédito do montante de imposto e juros compensatórios indevidamente pagos.

 

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  1. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 137.113,71, em conformidade com o disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

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  1. CUSTAS

 

Custas a cargo da Requerida, dado que os presentes pedidos foram julgados procedentes, no montante de € 3060,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 18 de janeiro de 2018.

 

 

Os Árbitros,

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente)

 

 

Coutinho Pires

 

Miguel Matos Torres