Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 231/2017-T
Data da decisão: 2017-11-24  IRS  
Valor do pedido: € 47.355,10
Tema: IRS – Residência fiscal – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a decisão arbitral de 22 de dezembro de 2017.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

1.            A..., NIF..., com domicílio na ..., n.º..., ...-... Estoril (doravante, o “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “AT” ou “Requerida”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2016..., referente ao ano de 2012, no valor de €47.355,10 (quarenta e sete mil trezentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos).

2.            O Requerente invoca, em síntese, que:

a.            Não estava obrigado a apresentar a declaração modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2012, dado que, nesse ano, esteve ausente de Portugal mais de 183 dias, sendo que, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, na redação vigente em 2012, eram consideradas residentes em território português as pessoas que, no ano em causa: “Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados”;

b.            A totalidade do rendimento auferido pelo Requerente em 2012 foi declarado em França;

c.            A liquidação adicional sempre seria inválida por corresponder a uma interpretação incorreta das normas tributárias aplicáveis, invocando, neste contexto, que:

i.             O artigo 16.º, n.º 3 da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e França, prevista no Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março, (doravante, “ADT”) que determina que “as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave de tráfego internacional podem ser tributadas no Estado contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa”;

ii.            Valendo-se dos princípios gerais da interpretação das leis previstos no Código Civil (doravante, “CC”) bem como de doutrina e jurisprudência a estes respeitante, defende o Requerente que o artigo 16.º, n.º 3 do ADT constitui norma excecional às plasmadas nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, permitindo aos pilotos de aeronaves no tráfego internacional serem tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa, sendo residentes noutro Estado e mesmo aí permanecendo mais de 183 dias por ano;

iii.           Concluindo que o artigo 16.º, n.º 3 do ADT deve ser interpretado considerando a unidade do sistema jurídico e o escopo ou fins que se pretendem alcançar, não se podendo retirar qualquer sentido da norma que seja manifestamente incompatível com as demais normas do diploma, i.e., a letra do artigo 16.º, n.º 3 é clara ao referir que as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave no tráfego internacional podem ser tributadas pelo Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa mesmo estes sendo residentes noutro Estado e mesmo aí permanecendo por mais de 183 dias por ano;

d.            Resulta manifesto que não detém qualquer rendimento suscetível de qualificação como rendimento coletável em Portugal no ano de 2012;

e.            O entendimento acima descrito sempre correspondeu à posição assumida pela AT em anos anteriores ao ora em apreço. Neste contexto, o Requerente identifica a ação inspetiva realizada ao IRS de 2011, na qual a AT concluiu que “nos termos do artigo 62.º do RCPITA, que da ação de inspeção levada a cabo por este Serviço, ao abrigo da Ordem de Serviço acima referida, não resultam quaisquer atos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis”. Refere ainda o Requerente, a este respeito, que a posição da AT relativa ao exercício de 2011 foi, aliás, coerente com o sucedido nos exercícios anteriores;

f.             O montante em dívida não é de €47.355,10, já que:

i.             Na liquidação de IRS efetuada não foram considerados os seus três filhos, ou seja, não foram tidos em conta os dependentes que tem a cargo;

ii.            Todos os montantes auferidos no ano de 2012 foram integrados como rendimento coletável, no entanto, conforme resulta do “Avis D’Impôt 2013 – Impôt Sur les revenus de l’anée 2012” emitido pelas Finanças da República de França, do montante auferido de €158.335,00 auferido em 2012, apenas €109.399,00 correspondem a Rendimento Tributável (Revenu Imposable), sendo certo que tal facto resulta expressamente reconhecido no Relatório Final de Inspeção ora em análise;

iii.           O valor de €48.936,00 correspondente à diferença entre o montante total recebido pelo Requerente da B... e o seu rendimento coletável refere-se a ajudas de custos relativas à ausência do Requerente devido às suas deslocações como piloto de longo curso. Defende o Requerente que tal valor não corresponde a qualquer rendimento tributável, já que corresponde a custos profissionais incorridos no âmbito da sua atividade;

iv.           Na liquidação ora efetuada não foram sequer consideradas quaisquer perdas a recuperar, abatimentos, deduções ao rendimento, deduções à coleta e benefícios fiscais, nomeadamente, as despesas incorridas com saúde, educação, informática e outras despendidas pelo Requerente no ano de 2012;

g.            Por último, o ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado, violando o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”) e o artigo 36.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (doravante, “CPPT”), não resultando do ato impugnado as concretas razões de facto e de direito que permitam ao Requerente conhecer as razões que levaram a AT a considerar, como rendimento coletável, todos os montantes por si recebidos da sua entidade empregadora quando resulta expresso do “Avis D’Impôt 2013 – Impôt Sur les revenus de l’anée 2012” que apenas €109.399,00 correspondem a Rendimento Tributável (Revenu Imposable). Do ato impugnado não resulta ainda, de acordo com o Requerente, as razões de facto e de direito que levaram a AT a alterar a sua interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT, sendo certo que a mesma Inspeção Tributária, nos anos anteriores a 2012, se pronunciou em sentido claramente divergente do atual;

3.            Da parte da AT é alegado, em suma, o seguinte: 

a.            Da documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral (doravante, “PPA”) não fica provada a ausência de Portugal por um período igual ou superior a 211 dias;

b.            Do PPA resulta uma confissão por parte do Requerente de que no ano em discussão (2012) era residente fiscal em Portugal, confissão que, segundo a Requerida se considera aceite para todos os efeitos legais;

c.            Os documentos juntos pelo Requerente, que consistem em faturas/recibo n.ºs 37629, 43801, 63625, apenas titulam o pagamento de estacionamento em períodos temporais circunscritos e, por conseguinte, não servem para atestar os efeitos que o Requerente pretende atribuir àqueles documentos.

d.            Seriam considerados como prova da ausência de território português documentos comprovativos de pagamento de hotéis, restaurantes, recibos de táxis ou outros transportes, bem como uma confirmação, pela entidade patronal do Requerente, de que este permaneceu fora de Portugal, pelo menos, durante os períodos de formação e de trabalho;

e.            O Requerente permaneceu em Portugal por um período superior a 183 dias, considerando-se verificado o requisito previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS;

f.             O artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS encontra-se, igualmente, verificado, em virtude de a cônjuge do Requerente residir em Portugal pelo que este dispõe de habitação que leva a supor a intenção atual de a manter e ocupar como residência fiscal. De tal forma é assim que o Requerente apenas em 2016 mudou a sua residência fiscal para França e que, em sede de procedimento inspetivo, o Requerente foi sujeito a tributação em França na qualidade de “NÃO RESIDENTE”. A Requerida questiona ainda, neste contexto, onde é, então, residente o Requerente, já que este é tido como não residente em França e não se considera residente para efeitos fiscais em Portugal;

g.            Relativamente à interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT entre Portugal e França, o Requerente não interpreta corretamente a norma, já que “(…) o facto de ser utilizada a expressão «só podem» torna claro que aquando da utilização da expressão «podem», fica aberta a possibilidade de tributação, mas não de forma exclusiva, pelo que relativamente ao nº 3 do artigo 16º a expressão «pode», não é impeditiva da tributação no país de residência do beneficiário das remunerações (Portugal), aplicando-se subsequentemente as regras para evitar a dupla tributação, previstas no artigo 24º da CDT.”, e que é em virtude do artigo 24.º, n.º 2 do ADT que o Requerente goza de crédito de imposto (Cfr. artigo 28.º Reposta da Requerida);

h.            Relativamente ao montante da dívida:

i.             Perante o incumprimento na entrega da declaração modelo 3 de IRS pelo Requerente, este foi notificado por carta registada para cumprir a sua obrigação – através do Ofício n.º ..., de 18-03-2016;

ii.            Perante novo incumprimento, foi instaurado um procedimento inspetivo através da Ordem de Serviço n.º OI2016..., com despacho de 23-03-2016, tendo sido retirada a informação relativa ao sujeito passivo dos dados fornecidos pela AT francesa por via do mecanismo de troca de informações;

iii.           Assim, de acordo as informações que dispunha, a Requerida preencheu oficiosamente o modelo 3 do IRS, tendo efetuado a dedução pessoal do sujeito passivo (Cfr. artigo 79.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS), retenções na fonte e pagamentos por conta (Cfr. artigos 97.º, n.º 3 e 76.º, n.º 3 do Código do IRS) e, por último, acresceu o montante de imposto pago no estrangeiro em harmonia com o crédito de imposto por dupla tributação internacional.

iv.           A Requerida defende, portanto, que é a lei que proíbe que se atenda ao agregado familiar em virtude da falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2012.

i.             Por último e no que respeita à alegada falta de fundamentação da liquidação de IRS, o vício suscitado pelo Requerente está em contradição com a exposição que fez ao longo do PPA e através da qual procura rebater os argumentos de facto e de direito da AT, acrescentando que a mudança de entendimento acerca da interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT se deve à circunstância de a AT ter constatado que o entendimento que vinha seguindo se encontrava errado. 

II.            DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL SUBSEQUENTE

4.            Em 15 de janeiro de 2018 foi apresentado pela Requerente um pedido de reforma da decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 2, al. a) e b) do Código do Processo Civil (“CPC”), que foi indeferido por Despacho de 19 de fevereiro de 2018.

5.            Em 27 de março de 2018, foi este Tribunal notificado pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) da admissão de recurso apresentado pelo Requerente, tendo, em 14 de março de 2019, sido este Tribunal notificado do Acórdão dos Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA (processo 127/18.2BALSB, nos termos do qual se acordou não tomar conhecimento do mérito do recurso.

6.            Em 17 de maio de 2021, foi este Tribunal notificado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) do Acórdão proferido no processo n.º 6/18.3BCLSB, nos termos do qual “acordam em conferência, os Juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar a nulidade de decisão arbitral impugnada”.

7.            Defende o TCAS, em suma, que:

“No caso sub judice, resulta da leitura do requerimento de impugnação, máxime os artigos 51.º a 54.º, que o Impugnante suscitou a questão quando à inexistência de qualquer rendimento em Portugal no ano de 2021.

Analisado o processo e apreciada a fundamentação incorporada na decisão arbitral, na parte que aqui releva, verifica-se que inexiste qualquer apreciação da invocada questão, nem a mesma foi considerada prejudicada pela solução dada às demais questões apreciadas.

Não se ignora a argumentação do Tribunal Arbitral em torno da interpretação do artigo 16.º, n.º da ADT celebrado entre Portugal e Franca (ponto B.4 da decisão). Todavia, o certo é que não tomou posição directa ou indirecta, como já o dissemos antes, da questão em apreço, nem o conhecimento da mesma resulta da decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.

Tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.

O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e a procedência da presente Impugnação.”

8.            Em 6 de julho de 2021, o TCAS informou este Tribunal do trânsito em julgado do referido Acórdão.

9.            Nestes termos, em cumprimento do referido acórdão do TCAS, que declarou a nulidade da decisão arbitral de 22 de dezembro de 2017, substitui-se a referida decisão pela presente, em que se aborda expressamente as questões colocadas nos artigos 51.º a 54.º da Petição Inicial, nos pontos 72 e seguintes desta sentença.

 

III.          DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

10.          O Requerente é um cidadão de nacionalidade francesa, casado, desde 2003, com C..., cidadã portuguesa, sendo, pai de três filhos;

11.          O Requerente exerce funções de oficial de piloto na companhia aérea B... desde 2003;

12.          Atualmente, o Requerente não tem domicílio fiscal em Portugal;

13.          Em 2012, o Requerente tinha domicílio fiscal registado em Portugal;

14.          Em 2012, o Requerente esteve ausente de Portugal mais de 183 dias.

 

A.2. Factos dados como não provados

15.          Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

16.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT);

17.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (Cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e), do RJAT);

18.          Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA junto aos autos, e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas” (no mesmo sentido, Ac. do CAAD de 25-08-2017, proferido no processo 57/2017-T );

19.          No contexto do ponto 8. supra, importa salientar que, tal como aponta a Requerida (artigos 12.º a 15.º da Resposta), a documentação junta, sem qualquer explicação adicional por parte do Requerente, apenas demonstra que lhe são faturados montantes relativos a estacionamento de uma viatura num parque de estacionamento em Portugal. Não decorre, com efeito, sequer, que o Requerente tenha saído de Portugal. Poderia, eventualmente, demonstrar-se que o referido parque de estacionamento seria apenas, ou tendencialmente, utilizado por viajantes ou pelos tripulantes de aeronaves, mas não sendo os documentos acompanhados de uma explicação adicional sempre será de referir que a prova documental é insuficiente para comprovar a ausência do Requerente de Portugal. Aliás, o elemento que parece sair reforçado dos Documentos 3 a 5, juntos pelo Requerente no seu PPA, é a da total consonância da residência habitual do Requerente com o domicílio fiscal que este registou junto da AT, já que, todas as faturas, indicam que a morada deste se situa na .... ..., n.º ..., ... Estoril.

Contudo, no que respeita à permanência do Requerente em Portugal por mais de 183 dias (ponto 8.), foi tido em conta o depoimento prestado pela testemunha inquirida, C..., que revelou conhecimento direto dos factos tal como se consideraram provados, e depôs de forma lógica e coerente com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade;

20.          Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente de direito ou conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

B.1. Da falta de fundamentação

21.          De acordo com o artigo 268.º, n.º 3 da CRP: “[o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”, igualmente e nos termos do artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”): “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

22.          Conforme se descreveu acima, o Requerente alega a ausência de fundamentação dos atos de liquidação. No entanto, da liquidação, resulta suficiente fundamentação, pois a Requerida explicou que a liquidação se fundou na falta de entrega da declaração de rendimentos (modelo 3 do IRS) e nos elementos cedidos pela Administração Tributária francesa. Além disso, a Requerida esclareceu que a liquidação decorreu da aplicação aos factos do regime plasmado no artigo 76.º, n.º 3 do Código do IRS.

23.          Assim, dever-se-á ter por cumprido o ónus de fundamentar que assistia à AT. Até porque como bem salienta a Requerida, o Requerente, no seu PPA, discute a matéria de facto e de direito ínsita na liquidação, nomeadamente “argumenta porque é que, no seu entender, os montantes estão mal calculados e porque é que, na sua opinião, os montantes a ter em conta deveriam ser outros” (Cfr. artigo 54.º da Resposta), demonstrando conhecimento sobre a questão em análise.

24.          A atuação dos Requerentes tem sido, neste contexto, um elemento igualmente valorado noutros Acórdãos do CAAD, cujo entendimento partilhamos. Neste sentido, veja-se o Ac. do CAAD, de 14-06-2013, proferido no processo n.º 130/2012-T, no qual se refere que: “[q]uanto à invocada falta de fundamentação da decisão da Requerida, considera este Tribunal que a mesma não se verifica. Com efeito, da leitura do Relatório Inspetivo, da sua descrição dos factos e da conclusão jurídica que deles foi retiradas, resulta a enunciação clara da via que conduziu à decisão procedimental. Esta conclusão é, aliás, confirmada pela atuação da Requerente, que só poderia ser assumida por quem entendeu perfeitamente a decisão e a sua fundamentação. É manifesto, portanto, que a decisão se encontra elaborada, fundamentada e juridicamente enquadrada nos termos exigidos pela lei, ou seja, de modo a que o respetivo conteúdo seja percetível por um contribuinte que use de diligência normal. Como já foi descrito no acórdão do Tribunal Arbitral no Processo 8/2011-T «Entende o Tribunal não ser necessária grande explanação sobre o sentido e extensão do dever de fundamentação expressa e contextual dos atos tributários. Por isso, aborda a matéria apenas na perspetiva da aplicação ao caso concreto, pondo o acento tónico nos aspetos aqui relevantes. De acordo com o n.º 2 do art.º 77 da LGT, a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento de matéria tributável e do tributo”. Entre as várias razões que justificam a exigência da fundamentação, como as de propiciar ao decisor um momento de reflexão antes de emitir a sua vontade funcional, de garantir a transparência da atuação administrativa, de assegurar a possibilidade e eficácia do controlo hierárquico ou jurisdicional, sobressai a de possibilitar ao interessado administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar graciosa ou contenciosamente o ato. Sendo o ato tributário um ato abrasivo de administração, na medida em que atinge o património do cidadão, a título unilateral e não sancionatório, é evidente que as exigências densificadas na Lei Geral Tributária têm de ser analisadas, essencialmente, na perspetiva de possibilitarem ao administrado a aceitação ou a impugnação do ato. Todavia, a possibilidade de intelecção dos fundamentos do ato tributário, e consequentemente da capacidade significante do discurso fundamentador, não é a mesma em todas as situações em que os mesmos são praticados. Daí que o discurso fundamentador para poder ser entendido não careça de especial densidade significante. No caso dos atos tributários, cuja prolação acontece após um “diálogo” estabelecido anteriormente com o administrado, nomeadamente através da sua notificação para apresentação de documentos ou prestação de informações ou, ainda, da sua audição sobre os relatórios efetuados nos procedimentos de inspeção tributária à sua concreta atividade, a possibilidade de apreensão dos fundamentos do ato aumenta e, consequentemente, diminui a exigência da espessura da sua declaração formal. A jurisprudência administrativa e fiscal já amplamente firmada (…) tem traduzido esta ideia na afirmação de que o ato se considera suficientemente fundamentado quando permite dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração para decidir nos termos que decidiu».”. (negritos e sublinhados nossos)

25.          Deste modo, considera-se cumprido o ónus em questão que assistia à AT.

          

B.2. Dos critérios de residência

26.          Nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do Código do IRS a residência em Portugal implica uma tributação de base mundial (worldwide income taxation principle). Naturalmente, a residência assume, desta forma, uma importância central no ordenamento jurídico-fiscal nacional (como, aliás, assume na maior parte dos ordenamentos ocidentais). Neste contexto, este Tribunal arbitral já afirmou que “a residência, pressupondo uma ligação forte e estável a um território específico, é o critério mais frequente para determinação da tributação universal dos rendimentos.” (Ac. do CAAD, de 2017-01-31, proferido no processo n.º 332/2016-T) (negritos e sublinhados nossos).

27.          No mesmo sentido, ALBERTO XAVIER defende que “[a] distinção entre pessoas residentes e não-residentes no território nacional é de importância decisiva para definir a extensão das respectivas obrigações tributárias. Com efeito, enquanto os não-residentes, sejam pessoas singulares ou colectivas, estão apenas sujeitos a imposto quanto aos rendimentos provenientes de fontes situadas em Portugal, estando assim sujeitos ao regime da “tributabilidade limitada”, (…), os residentes, tanto pessoas singulares como colectivas, são tributáveis em função do seu rendimento mundial – regime da “tributabilidade ilimitada” (…) ou princípio da universalidade.” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2007, p. 284);

28.          A residência de um sujeito passivo, contudo, não releva apenas para a determinação da extensão da obrigação tributária principal, relevando, igualmente, em muitos casos, para a determinação das obrigações acessórias a cumprir (e.g., a apresentação de uma declaração de rendimentos);

29.          Salienta-se que, durante o ano fiscal de 2012, o artigo 16.º do Código do IRS teve duas redações diferentes. Em todo o caso, os números 1 a 4, com maior relevância para a presente análise, mantiveram-se constantes, com a seguinte redação:

“1 - [s]ão residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.

3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18.º 

4 - Sendo feita a prova referida no número anterior, o cônjuge residente em território português apresenta uma única declaração dos seus próprios rendimentos, da sua parte nos rendimentos comuns e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo segundo o regime aplicável às pessoas na situação de separados de facto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 59.º 

5- […].

6 – […].

7 – […].

9 – […].

30.          Contrariamente ao que parece resultar do PPA, decorrem do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS, diversos critérios de residência:

a.            A permanência em território nacional por um período superior a 183 dias – presença física / “corpus”;

b.            A existência de habitação em Portugal em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual em 31 de dezembro do ano em causa – intenção / “animus” e “corpus” por um período inferior a 183 dias;

c.            A integração na tripulação de navio ou aeronave, desde que os tripulantes estejam ao serviço de entidade com residência, sede ou direção efetiva em Portugal;

d.            Desempenho no estrangeiro de funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

31.          Adicionalmente, o artigo 16.º, n.º 2 do Código do IRS, previa ainda a chamada residência por dependência, que atraía para Portugal a residência de qualquer um dos membros do agregado familiar ausentes de Portugal, nos casos em que residisse em Portugal qualquer das pessoas a quem incumbia a direção do agregado.

32.          Importa esclarecer que os critérios de residência acima referidos são alternativos, i.e., basta a verificação de um dos critérios para o sujeito passivo ser considerado residente em Portugal.

33.          Naturalmente, em algumas situações, a existência de uma multiplicidade de critérios de residência e a existência de conexões com diversos ordenamentos jurídicos gera os chamados conflitos Residência-Residência (R-R). Nestes casos, será necessário lançar mão de um instrumento capaz de resolver o conflito. Na generalidade dos casos em que os Estados que reclamam poderes tributários celebraram um ADT, os conflitos Residência-Residência são dirimidos através da aplicação da uma norma de conflitos (tie breaker rule).

34.          Em todo o caso, importa salientar que o Requerente não invoca uma situação de dupla residência, i.e., em 2012, o Requerente não se considera residente em Portugal, mas também não se considera residente em local algum. Não há, assim, sequer a necessidade de aplicar as regras de desempate previstas no ADT celebrado entre Portugal e França. Este ponto sai, aliás, confirmado pela prova testemunhal.

35.          Tal como já se referiu acima, considerou-se provado que o Requerente permaneceu fora de Portugal por mais do que 183 dias, pelo que o critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS não se considera verificado.

36.          Adicionalmente, atendendo às funções desempenhadas pelo Requerente e a residência da sua entidade patronal, torna-se desnecessária a análise dos critérios acima descritos, no artigo 16.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do IRS.

37.          Em todo o caso, isso não significa, naturalmente, que o Requerente não possa ser considerado residente em Portugal. Com efeito, existem, potencialmente, dois critérios aplicáveis à situação do Requerente:

a.            A disposição de uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

b.            A residência por dependência.

38.          Relativamente ao critério previsto na alínea a. do ponto anterior sustenta MANUEL FAUSTINO que se “exige a reunião do corpus e do animus. Não basta a permanência em território português. Ou pode nem ter havido permanência, no sentido anteriormente visto, suficiente em território português. Existe um corpus, constituído por um local de residência, associado a um animus, que consiste na intenção de a manter e ocupar como residência habitual.” (Cfr. MANUEL FAUSTINO, Os Residentes no Imposto Sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, (2009), p. 124).

39.          No mesmo sentido, ALBERTO XAVIER defende que “[o] direito português define expressamente o conceito de residência no que concerne às pessoas singulares, acolhendo uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus. O estatuto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais forem as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, «de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual» (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, «a» e «b»)..” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2ª ed. (2007), p. 285).

40.          A lei não define o que se entende por residência habitual pelo que a verificação deste elemento exige uma análise casuística. Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo sustentou que “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.”

(Cfr. Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo n.º 0590/11) (negritos e sublinhados nossos).

41.          Na opinião do presente Tribunal, que se crê em linha com a doutrina maioritária, o referido critério exige a verificação de dois elementos: (i) a presença em Portugal, ainda que por um período inferior a 183 dias, e (ii) a vontade / a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual, sendo este elemento verificado a 31 de dezembro.

42.          Os dois elementos parecem verificar-se no caso concreto já que, efetivamente, o Requerente esteve em Portugal e manifestou a vontade de estabelecer a sua residência em Portugal;

43.          Com efeito, sem prejuízo de o Requerente ter estado ausente de Portugal por um período superior a 183 dias, registou-se, em todo caso, a sua permanência em Portugal, ainda que por um período inferior;

44.          Por outro lado, o elemento de animus decorre, nomeadamente, quer do registo da residência em Portugal junto da AT, em que o Requerente manifesta a sua vontade de estabelecer a residência no local declarado (é o próprio Requerente que vem afirmar este facto no artigo 10.º do PPA), quer até das faturas do parque de estacionamento juntos pelo Requerente como Documentos 2 a 5 ao PPA, em que foi indicada uma residência em Portugal, que se supõe habitual. Ou seja, supõe-se que a morada onde o Requerente pretende receber as faturas ou utilizar como morada de faturação é o local onde tem a sua vida organizada;

45.          Adicionalmente, o Requerente é casado e pai de três filhos, todos eles residentes em Portugal, o que cria igualmente a convicção de que a sua residência habitual, o “quartel general”, o local de onde parte, mas para onde regressa após as suas deslocações ao estrangeiro, se situa em Portugal, sítio onde se encontra a sua família (a vertente pessoal do seu centro de interesses vitais).

46.          Com efeito, todo o contexto aponta para uma situação em que o Requerente dispunha, a 31 de dezembro de 2012, de um local permanentemente à sua disposição, ou seja, de uma habitação de uso contínuo e apto a residir a qualquer momento o que, agregado às manifestações externas do Requerente (e.g., registo de um domicílio fiscal em Portugal, indicação de uma morada em Portugal como local de faturação) fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual

47.          Desta feita, de acordo com a lei Portuguesa o Requerente é considerado residente em Portugal para efeitos fiscais.

48.          Sendo o Requerente considerado residente em Portugal por força da verificação do critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, torna-se até desnecessário tecer considerações adicionais sobre a verificação de qualquer outro critério de residência.

49.          Em todo o caso, por razões de clareza sempre se dirá que são ainda consideradas residentes em Portugal “as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.;

50.          Nos termos do artigo 1671.º, n.º 2 do CC a direção do agregado familiar compete aos cônjuges, pelo que, sem prejuízo de o Requerente se encontrar fora de Portugal durante um período significativo do ano, superior a 183 dias, este sempre seria considerado residente em Portugal por força do referido artigo 16.º, n.º 2 do Código do IRS na redação então em vigor.

51.          Neste sentido, clarifica MANUEL FAUSTINO que o critério de residência ora em análise estabelece uma presunção “(...) baseada num princípio de atracção da unidade familiar, determina a residência em território português de todo o agregado familiar (residência por dependência), desde que nela resida um dos membros a quem pertence a sua direcção. A direcção do agregado familiar pertence, nos termos do n.º 2 do artigo 1671.º do CC, a ambos os cônjuges. Assim, se um dos cônjuges é residente num país estrangeiro, mas o outro cônjuge é residente em território português, será aquele, por dependência, considerado também residente em território português e aqui sujeito a tributação numa base mundial, incluindo, portanto, os rendimentos obtidos no estrangeiro.” (Cfr. MANUEL FAUSTINO, Os Residentes no Imposto Sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, (2009), p. 131).

52.          Em suma, pese embora o Requerente tenha permanecido em Portugal menos de 183 dias em 2012, para efeitos de IRS, é considerado residente em Portugal.

 

B.3. Da obrigação de apresentar uma declaração de modelo oficial

53.          Sendo o Requerente residente à luz do artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, este encontra-se abrangido pela obrigação de entrega, anual, de uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Código do IRS.

54.          Destaca-se que, no que respeita a residentes que obtenham rendimentos do trabalho dependente, a apresentação da declaração apenas seria dispensada no caso de os rendimentos auferidos serem inferiores ao montante da respetiva dedução específica da categoria A.

 

B.4. Da interpretação do artigo 16.º do ADT

55.          Nos termos do artigo 16.º, n.º 3 do ADT celebrado entre Portugal e França “(…) as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou aeronave no tráfego internacional podem ser tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa.” (negritos e sublinhados nossos).

56.          Como bem refere o Requerente, no artigo 46.º do PPA, a referida norma permite “aos pilotos de aeronaves no tráfego internacional serem tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa, sendo residentes noutro Estado (…)”.

57.          Não se pode, porém, neste contexto, extrair as consequências pretendidas pela Requerente no que respeita à alocação exclusiva de poder tributário ao Estado da fonte (e da direção efetiva).

58.          Com efeito, os ADTs procuram mitigar o fenómeno da dupla tributação jurídica internacional através de uma de três formas: (a) tributação exclusiva no Estado da residência; (b) tributação exclusiva no Estado da fonte; (c) tributação cumulativa. Neste último caso, a dupla tributação jurídica é mitigada através de um dos métodos de eliminação da dupla tributação (no caso em apreço, o método do crédito ou imputação ordinária).

59.          O artigo 16.º, n.º 3 do ADT não diz “só podem ser tributados”, mas “podem ser tributados” o que aponta para a existência de uma competência tributária cumulativa e não exclusiva do Estado da Fonte (França).

60.          Neste sentido, ALBERTO XAVIER “(…) as normas convencionais se podem distinguir em dois grandes subgrupos: um primeiro, respeita à questão prévia de determinar a competência tributária dos Estados em presença; um segundo, pressupõe resolvida esta questão no sentido do reconhecimento da competência cumulativa de ambos os Estados, estabelecendo regras que limitem o exercício da competência concorrente de ambos, de modo a eliminar ou atenuar os efeitos de dupla tributação.                                                          As primeiras são normas de colisão ou de reconhecimento de competência; as segundas são normas de atenuação ou de limitação de competência.        

Por sua vez, as normas de reconhecimento de competência podem distinguir-se em normas de reconhecimento de competência exclusiva ou normas de repartição e em normas de reconhecimento de competência cumulativa ou normas de cumulação, conforme atribuam o poder de tributar certa situação apenas a um dos Estados em presença (da residência ou da fonte) ou, ao invés, reconheçam competência, não só ao Estado da residência, mas também ao Estado da fonte.                                                                             Literalmente, as primeiras são formuladas através das expressões “somente serão tributáveis” (“shall only be taxed”, “ne sont imposables que”) enquanto as segundas através das expressões “são tributáveis” (“may be taxed”, “sont imposables”).” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2.ª ed. (2007), pp. 603 e 604).

61.          O artigo 16.º, n.º 3 do ADT não diverge, no essencial, do sentido decorrente do artigo 15.º, n.º 3 do Modelo de Convenção Fiscal Sobre Rendimento e o Património da OCDE. De facto, o referido número 3 assume-se como uma regra especial que encontra a sua razão de ser no facto, no caso de tripulantes de aeronaves (bem como de outros meios de transporte) ser difícil de aferir o local exato em que a atividade é desenvolvida, dada a mobilidade inerente à função (Cfr. LUC DE BROE, in KLAUS VOGEL et al., Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Volume 2, 4th ed., Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2015, p. 1201).

62.          Contudo, o referido número 3 não atribui poderes exclusivos ao Estado da Direção Efetiva, permite, sim, uma situação de tributação cumulativa a ser resolvida, pelo Estado da Residência, através da atribuição do crédito de imposto.

63.          Parece ser esta, com efeito, a doutrina maioritária. Veja-se neste sentido LUC DE BROE, in KLAUS VOGEL et al., Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Volume 2, 4th ed., Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2015, p. 1201.

64.          Ou seja, o artigo 16.º, n.º 3 do ADT concede um direito de tributação primário ao Estado da Direção efetiva (“podem ser tributados”), permitindo, contudo, um direito de tributação (residual) ao Estado de residência do empregado que desenvolve funções a bordo da aeronave.

65.          Tratando-se de uma competência tributária cumulativa tanto o Estado da Residência como o Estado da Fonte podem tributar os rendimentos pelo que o Estado português pode arrogar-se do direito de tributar os rendimentos auferidos. Neste sentido, ALBERTO XAVIER refere que “(…) as normas de reconhecimento de competência podem distinguir-se em normas de reconhecimento de competência exclusiva ou normas de repartição e em normas de reconhecimento de competência cumulativa ou normas de cumulação, conforme atribuam o poder de tributar certa situação apenas a um dos Estados em presença (da residência ou da fonte) ou, ao invés, reconheçam competência, não só ao Estado da residência, mas também ao Estado da fonte.” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2.ª ed. (2007), p. 603).

66.          Assim, a aplicação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT determina a competência tributária cumulativa de Portugal e França para tributação dos rendimentos obtidos pelo Requerente, embora caiba ao Estado da Residência – Portugal – eliminar a dupla tributação, nos termos do artigo 24.º, n.º 2 do ADT, e do artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos.

67.          No mesmo sentido, decidiu o Ac. do TCA/N, de 26-10-2006, proferido no processo n.º 00198/04.9BEMDL em que se determinou-se que “(…) cabia ao Estado da residência - Portugal - eliminar a dupla tributação, deduzindo ao imposto pago em Portugal uma importância igual ao imposto que foi pago na Alemanha, com um limite de dedução, em harmonia com o preceituado no art. 24° n° 1 da Convenção. E não se diga que o Estado Português estava, por força da predita Convenção, impedido de tributar o Impugnante em sede de IRS, como erradamente chegou a ser sustentado em vários acórdãos do TCA que sobre o tema versaram.”, acrescentando que “(…) porque o Impugnante é, como vimos, considerado fiscalmente como residente em Portugal, mas permaneceu na Alemanha mais de 183 dias, a Alemanha podia também, nos termos convencionais, tributar (como tributou) os rendimentos que ele aí obteve, existindo, assim, uma competência tributária cumulativa de Portugal e da Alemanha, cabendo ao Estado da residência -Portugal- eliminar a dupla tributação jurídica internacional, mediante a aplicação do mecanismo previsto no art. 24º nº 1 da Convenção, isto é, deduzindo ao imposto pago em Portugal uma importância igual ao imposto que foi pago na Alemanha, com o limite de dedução aí previsto.”.

 

B.5. Do montante em dívida

68.          A Requerente suscitou igualmente a ilegalidade da liquidação de IRS em virtude de considerar que o montante em dívida não perfaz €47.355,10 uma vez que não inclui o agregado familiar do Requerente, nomeadamente os seus dependentes.

69.          Ora, não tendo sido apresentada declaração de rendimentos em cumprimento do artigo 57.º do Código do IRS, determinava o artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Código que: “[a] liquidação processa-se nos termos seguintes: Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha;”. 

70.          Assim, a Requerida preencheu oficiosamente a declaração de rendimentos – modelo 3 do IRS –, efetuando apenas, e bem, as deduções plasmadas no artigo 76.º, n.º 3 do Código do IRS que determina que: “Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.”.  

71.          Resulta evidente que a Requerida se limitou a cumprir a lei ao não considerar os filhos dependentes.

B.6. Da existência de rendimento coletável em Portugal no ano de 2012

72.          Conforme se referiu acima, o TCAS considera que este Tribunal não se pronunciou sobre a existência/inexistência de qualquer rendimento em Portugal, questão suscitada nos artigos 51.º a 54.º da PI.

73.          Ora, começa por se referir que estes artigos parecem oferecer uma conclusão sobre a aplicação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT, vindo, precisamente, na sequência dos artigos 43.º a 50.º, que abordam a interpretação dada pelo Requerente sobre a forma de eliminação da dupla tributação nos termos do referido Acordo.

74.          Ou seja, os referidos artigos parecem apontar para a inexistência de rendimento coletável em Portugal por força da limitação dos poderes tributários resultante do ADT (na interpretação defendida pelo Requerente).

75.          A este respeito, ao considerar este Tribunal que existem poderes tributários cumulativos entre o Estado da Residência (i.e., Portugal) e o Estado da Fonte (i.e., França), entende-se que os rendimentos obtidos pelo Requerente podem ser tributados em Portugal (por outras palavras, os rendimentos auferidos por um piloto de aeronave no tráfego internacional são tributáveis em Portugal.

76.          Questão diferente, e até prévia, já que do ADT entre Portugal e França não resultam normas de incidência, é se o rendimento auferido pelo Requerente pode ser tributado em Portugal, tendo em consideração as normas de incidência objetiva.

77.          A este respeito, não será relevante para estes efeitos qual o valor considerado tributável de acordo com a lei francesa, mas apenas o rendimento tributável de acordo com o Código do IRS.

78.          A lei francesa apenas releva, neste contexto, para o cálculo do crédito de imposto a conferir em Portugal.

79.          Sem prejuízo de ser invocado pelo Requerente que €48.936, corresponderem a ajudas de custo não tributadas em França, salienta-se que não existe uma harmonização ao nível dos impostos diretos entre os diversos estados (mesmo no caso dos Estados-Membros da União Europeia), que permita determinar, sem mais, que aquele montante não seria tributável em Portugal, de acordo com o Código do IRS, somente porque o valor não foi tributado em França.

80.          Por outro lado, não foi junta prova que permitisse confirmar que os referidos montantes seriam excluídos de tributação em Portugal, nos termos do artigo 2.º, n.º 3, al. d) do Código do IRS, ou em que montante seriam excluídos de tributação.

81.          Nestes termos, também a este respeito se considera que o rendimento seria tributável em Portugal.

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional n.º 2016... com o número da Demonstração de liquidação n.º 2016..., respeitante ao exercício de 2012, no valor total global de €47.355,10;

b)           Julgar improcedente o pedido de liquidação do imposto considerando um diferente rendimento coletável e outras deduções e benefícios.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €47.355,10 (quarenta e sete mil trezentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de novembro de 2021

 

O Árbitro

(Leonardo Marques dos Santos)

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

IV.          RELATÓRIO

1.            A…, NIF…, com domicílio na Avenida …, n.º…, …-… Estoril (doravante, o “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “AT” ou “Requerida”), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2016…, referente ao ano de 2012, no valor de €47.355,10 (quarenta e sete mil trezentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos);

2.            O Requerente invoca, em síntese, que:

a.            Não estava obrigado a apresentar a declaração modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2012, dado que, nesse ano, esteve ausente de Portugal mais de 183 dias, sendo que, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, na redação vigente em 2012, eram consideradas residentes em território português as pessoas que, no ano em causa: “Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados”;

b.            A totalidade do rendimento auferido pelo Requerente em 2012 foi declarado em França;

c.            A liquidação adicional sempre seria inválida por corresponder a uma interpretação incorreta das normas tributárias aplicáveis, invocando, neste contexto, que:

i.             O artigo 16.º, n.º 3 da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e França, prevista no Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março, (doravante, “ADT”) que determina que “as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave no tráfego internacional podem ser tributadas no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa”;

ii.            Valendo-se dos princípios gerais da interpretação das leis previstos no Código Civil (doravante, “CC”) bem como de doutrina e jurisprudência a estes respeitante, defende o Requerente que o artigo 16.º, n.º 3 do ADT constitui norma excecional face às plasmadas nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, permitindo aos pilotos de aeronaves no tráfego internacional serem tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa, sendo residentes noutro Estado e mesmo aí permanecendo mais de 183 dias por ano;

iii.           Concluindo que o artigo 16.º, n.º 3 do ADT deve ser interpretado considerando a unidade do sistema jurídico e o escopo ou fins que se pretendem alcançar, não se podendo retirar qualquer sentido da norma que seja manifestamente incompatível com as demais normas do diploma, i.e., a letra do artigo 16.º, n.º 3 é clara ao referir que as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave no tráfego internacional podem ser tributadas pelo Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa mesmo que os empregados sejam residentes noutro Estado e aí permaneçam por mais de 183 dias por ano;

d.            Não detém qualquer rendimento suscetível de qualificação como rendimento coletável em Portugal no ano de 2012;

e.            O entendimento acima descrito sempre correspondeu à posição assumida pela AT em anos anteriores ao ora em apreço. Neste contexto, o Requerente identifica a ação inspetiva realizada ao IRS de 2011, na qual a AT concluiu que “nos termos do artigo 62.º do RCPITA, que da ação de inspeção levada a cabo por este Serviço, ao abrigo da Ordem de Serviço acima referida, não resultam quaisquer atos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis”. Refere ainda o Requerente, a este respeito, que a posição da AT relativa ao exercício de 2011 foi, aliás, coerente com o sucedido nos exercícios anteriores;

f.             O montante em dívida não é de €47.355,10, já que:

i.             Na liquidação de IRS efetuada não foram considerados os seus três filhos, ou seja, não foram tidos em conta os dependentes que tem a cargo;

ii.            Todos os montantes auferidos no ano de 2012 foram integrados como rendimento coletável, no entanto, conforme resulta do “Avis D’Impôt 2013 – Impôt Sur les revenus de l’anée 2012” emitido pelas Finanças da República de França, do montante auferido em 2012 (€158.335,00), apenas €109.399,00 correspondem a Rendimento Tributável (Revenu Imposable), sendo certo que tal facto resulta expressamente reconhecido no Relatório Final de Inspeção;

iii.           O valor de €48.936,00 correspondente à diferença entre o montante total recebido pelo Requerente da B… e o seu rendimento coletável refere-se a ajudas de custos relativas à ausência do Requerente devido às suas deslocações como piloto de longo curso. Defende o Requerente que tal valor não corresponde a qualquer rendimento tributável, já que se trata de custos profissionais incorridos no âmbito da sua atividade;

iv.           Na liquidação ora efetuada não foram sequer consideradas quaisquer perdas a recuperar, abatimentos, deduções ao rendimento, deduções à coleta e benefícios fiscais, nomeadamente, as despesas incorridas com saúde, educação, informática e outras despendidas pelo Requerente no ano de 2012;

g.            Por último, o ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado, violando o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”) e o artigo 36.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (doravante, “CPPT”), não resultando do ato impugnado as concretas razões de facto e de direito que permitam ao Requerente conhecer as razões que levaram a AT a considerar, como rendimento coletável, todos os montantes por si recebidos da sua entidade empregadora quando resulta expresso do “Avis D’Impôt 2013 – Impôt Sur les revenus de l’anée 2012” que apenas €109.399,00 correspondem a Rendimento Tributável (Revenu Imposable). Do ato impugnado não resulta ainda, de acordo com o Requerente, as razões de facto e de direito que levaram a AT a alterar a sua interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT, sendo certo que a mesma Inspeção Tributária, nos anos anteriores a 2012, se pronunciou em sentido claramente divergente do atual;

3.            Da parte da AT é alegado, em suma, o seguinte: 

a.            Da documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral (doravante, “PPA”) não fica provada a ausência de Portugal por um período igual ou superior a 211 dias;

b.            Do PPA resulta uma confissão por parte do Requerente de que, no ano em discussão (2012), era residente fiscal em Portugal, confissão que se considera aceite para todos os efeitos legais;

c.            Os documentos juntos pelo Requerente, que consistem em faturas/recibo n.ºs 37629, 43801, 63625, apenas titulam o pagamento de estacionamento em períodos temporais circunscritos e, por conseguinte, não servem para atestar os efeitos que o Requerente pretende atribuir àqueles documentos. Não são sequer apresentados documentos comprovativos de pagamento de hotéis, restaurantes, recibos de táxis ou outros transportes, bem como uma confirmação, pela entidade patronal do Requerente, de que este permaneceu fora de Portugal, pelo menos, durante os períodos de formação e de trabalho;

d.            O Requerente permaneceu em Portugal por um período superior a 183 dias, considerando-se verificado o requisito previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS;

e.            O artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS encontra-se, igualmente, verificado, em virtude de a cônjuge do Requerente residir em Portugal pelo que este dispõe de habitação que leva a supor a intenção atual de a manter e ocupar como residência fiscal. De tal forma é assim que o Requerente apenas em 2016 mudou a sua residência fiscal para França e que, em sede de procedimento inspetivo, o Requerente foi sujeito a tributação em França na qualidade de “NÃO RESIDENTE”. A Requerida questiona ainda, neste contexto, onde é, então, residente o Requerente, já que este é tido como não residente em França e não se considera residente para efeitos fiscais em Portugal;

f.             Relativamente à interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT entre Portugal e França, o Requerente não interpreta corretamente a norma, já que “(…) o facto de ser utilizada a expressão «só podem» torna claro que aquando da utilização da expressão «podem», fica aberta a possibilidade de tributação, mas não de forma exclusiva, pelo que relativamente ao nº 3 do artigo 16º a expressão «pode», não é impeditiva da tributação no país de residência do beneficiário das remunerações (Portugal), aplicando-se subsequentemente as regras para evitar a dupla tributação, previstas no artigo 24º da CDT.”, e que é em virtude do artigo 24.º, n.º 2 do ADT que o Requerente goza de crédito de imposto (Cfr. artigo 28.º Reposta da Requerida);

g.            Relativamente ao montante da dívida:

i.             Perante o incumprimento na entrega da declaração modelo 3 de IRS pelo Requerente, este foi notificado por carta registada para cumprir a sua obrigação – através do Ofício n.º…, de 18-03-2016;

ii.            Perante novo incumprimento, foi instaurado um procedimento inspetivo através da Ordem de Serviço n.º OI2016…, com despacho de 23-03-2016, tendo sido retirada a informação relativa ao sujeito passivo dos dados fornecidos pela AT Francesa por via do mecanismo de troca de informações;

iii.           Assim, de acordo as informações que dispunha, a Requerida preencheu oficiosamente o modelo 3 do IRS, tendo efetuado a dedução pessoal do sujeito passivo (Cfr. artigo 79.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS), retenções na fonte e pagamentos por conta (Cfr. artigos 97.º, n.º 3 e 76.º, n.º 3 do Código do IRS) e, por último, acresceu o montante de imposto pago no estrangeiro em harmonia com o crédito de imposto por dupla tributação internacional;

iv.           A Requerida defende, portanto, que é a lei que proíbe que se atenda ao agregado familiar em virtude da falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2012.

h.            Por último e no que respeita à alegada falta de fundamentação da liquidação de IRS, o vício suscitado pelo Requerente está em contradição com a exposição que fez ao longo do PPA e através da qual procura rebater os argumentos de facto e de direito da AT, acrescentando que a mudança de entendimento acerca da interpretação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT se deve à circunstância de a AT ter constatado que o entendimento que vinha seguindo se encontrava errado. 

 

V.           DECISÃO

B.            MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

4.            O Requerente é um cidadão de nacionalidade Francesa, casado, desde 2003, com C…, cidadã Portuguesa, sendo, pai de três filhos;

5.            A mulher e os dependentes do Requerente residem em Portugal;

6.            O Requerente exerce funções de oficial de piloto na companhia aérea B… desde 2003;

7.            Atualmente, o Requerente não tem domicílio fiscal em Portugal;

8.            Em 2012, o Requerente tinha domicílio fiscal registado em Portugal;

9.            Em 2012, o Requerente esteve ausente de Portugal mais de 183 dias;

10.          O Requerente indicou, para efeitos de faturação, uma morada em Portugal, em diversos momentos do ano de 2012.

 

A.2. Factos dados como não provados

11.          Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

12.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT);

13.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (Cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e), do RJAT);

14.          Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA junto aos autos, e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas” (no mesmo sentido, Ac. do CAAD de 25-08-2017, proferido no processo 57/2017-T );

15.          No contexto do ponto 9. supra, importa salientar que, tal como aponta a Requerida (artigos 12.º a 15.º da Resposta), a documentação junta, sem qualquer explicação adicional por parte do Requerente, apenas demonstra que lhe são faturados montantes relativos a estacionamento de uma viatura num parque de estacionamento em Portugal. Não decorre, com efeito, sequer, que o Requerente tenha saído de Portugal. Poderia, eventualmente, demonstrar-se que o referido parque de estacionamento seria apenas, ou tendencialmente, utilizado por viajantes ou pelos tripulantes de aeronaves, mas não sendo os documentos acompanhados de uma explicação adicional sempre será de referir que a prova documental é insuficiente para comprovar a ausência do Requerente de Portugal. Aliás, o elemento que parece sair reforçado dos Documentos 3 a 5, juntos pelo Requerente no seu PPA, é o da total consonância da residência habitual do Requerente com o domicílio fiscal que este registou junto da AT, já que, todas as faturas, indicam que a morada deste se situa na ... …, n.º…, … Estoril.

Contudo, no que respeita à permanência do Requerente em Portugal por mais de 183 dias (ponto 9.), foi tido em conta o depoimento prestado pela testemunha inquirida, C…, que revelou conhecimento direto dos factos tal como se consideraram provados, e depôs de forma lógica e coerente com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade;

16.          Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente de direito ou conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

B.1. Da falta de fundamentação

17.          De acordo com o artigo 268.º, n.º 3 da CRP: “[o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”, igualmente e nos termos do artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”): “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

18.          Conforme se descreveu acima, o Requerente alega a ausência de fundamentação dos atos de liquidação. No entanto, como bem salienta a Requerida, o Requerente, no seu PPA, discute a matéria de facto e de direito ínsita na liquidação, nomeadamente “argumenta porque é que, no seu entender, os montantes estão mal calculados e porque é que, na sua opinião, os montantes a ter em conta deveriam ser outros” (Cfr. artigo 54.º da Resposta), demonstrando conhecimento sobre a questão em análise.

19.          A atuação dos Requerentes e o conteúdo do Relatório de Inspeção tem sido, neste contexto, um elemento igualmente valorado noutros Acórdãos do CAAD, cujo entendimento partilhamos. Neste sentido, veja-se o Ac. do CAAD, de 14-06-2013, proferido no processo n.º 130/2012-T, no qual se refere que: “[q]uanto à invocada falta de fundamentação da decisão da Requerida, considera este Tribunal que a mesma não se verifica. Com efeito, da leitura do Relatório Inspetivo, da sua descrição dos factos e da conclusão jurídica que deles foi retiradas, resulta a enunciação clara da via que conduziu à decisão procedimental. Esta conclusão é, aliás, confirmada pela atuação da Requerente, que só poderia ser assumida por quem entendeu perfeitamente a decisão e a sua fundamentação. É manifesto, portanto, que a decisão se encontra elaborada, fundamentada e juridicamente enquadrada nos termos exigidos pela lei, ou seja, de modo a que o respetivo conteúdo seja percetível por um contribuinte que use de diligência normal. Como já foi descrito no acórdão do Tribunal Arbitral no Processo 8/2011-T «Entende o Tribunal não ser necessária grande explanação sobre o sentido e extensão do dever de fundamentação expressa e contextual dos atos tributários. Por isso, aborda a matéria apenas na perspetiva da aplicação ao caso concreto, pondo o acento tónico nos aspetos aqui relevantes. De acordo com o n.º 2 do art.º 77 da LGT, a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento de matéria tributável e do tributo”. Entre as várias razões que justificam a exigência da fundamentação, como as de propiciar ao decisor um momento de reflexão antes de emitir a sua vontade funcional, de garantir a transparência da atuação administrativa, de assegurar a possibilidade e eficácia do controlo hierárquico ou jurisdicional, sobressai a de possibilitar ao interessado administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar graciosa ou contenciosamente o ato. Sendo o ato tributário um ato abrasivo de administração, na medida em que atinge o património do cidadão, a título unilateral e não sancionatório, é evidente que as exigências densificadas na Lei Geral Tributária têm de ser analisadas, essencialmente, na perspetiva de possibilitarem ao administrado a aceitação ou a impugnação do ato. Todavia, a possibilidade de intelecção dos fundamentos do ato tributário, e consequentemente da capacidade significante do discurso fundamentador, não é a mesma em todas as situações em que os mesmos são praticados. Daí que o discurso fundamentador para poder ser entendido não careça de especial densidade significante. No caso dos atos tributários, cuja prolação acontece após um “diálogo” estabelecido anteriormente com o administrado, nomeadamente através da sua notificação para apresentação de documentos ou prestação de informações ou, ainda, da sua audição sobre os relatórios efetuados nos procedimentos de inspeção tributária à sua concreta atividade, a possibilidade de apreensão dos fundamentos do ato aumenta e, consequentemente, diminui a exigência da espessura da sua declaração formal. A jurisprudência administrativa e fiscal já amplamente firmada (…) tem traduzido esta ideia na afirmação de que o ato se considera suficientemente fundamentado quando permite dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela administração para decidir nos termos que decidiu».” (negritos e sublinhados nossos).

20.          Deste modo, considera-se cumprido o ónus em questão que assistia à AT.

          

B.2. Dos critérios de residência

21.          Nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do Código do IRS, da residência em Portugal resulta uma tributação de base mundial (worldwide income taxation principle). Naturalmente, a residência assume, desta forma, uma importância central no ordenamento jurídico-fiscal nacional (como, aliás, assume na maior parte dos ordenamentos ocidentais). Neste contexto, este Tribunal arbitral já afirmou que “a residência, pressupondo uma ligação forte e estável a um território específico, é o critério mais frequente para determinação da tributação universal dos rendimentos.” (Ac. do CAAD, de 2017-01-31, proferido no processo n.º 332/2016-T) (negritos e sublinhados nossos);

22.          No mesmo sentido, ALBERTO XAVIER defende que “[a] distinção entre pessoas residentes e não-residentes no território nacional é de importância decisiva para definir a extensão das respectivas obrigações tributárias. Com efeito, enquanto os não-residentes, sejam pessoas singulares ou colectivas, estão apenas sujeitos a imposto quanto aos rendimentos provenientes de fontes situadas em Portugal, estando assim sujeitos ao regime da “tributabilidade limitada”, (…), os residentes, tanto pessoas singulares como colectivas, são tributáveis em função do seu rendimento mundial – regime da “tributabilidade ilimitada” (…) ou princípio da universalidade.” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2007, p. 284);

23.          A residência de um sujeito passivo, contudo, não releva apenas para a determinação da extensão da obrigação tributária principal, relevando, igualmente, em muitos casos, para a determinação das obrigações acessórias a cumprir (e.g., a apresentação de uma declaração de rendimentos);

24.          Salienta-se que, durante o ano fiscal de 2012, o artigo 16.º do Código do IRS teve duas redações diferentes. Em todo o caso, os números 1 a 4, com maior relevância para a presente análise, mantiveram-se constantes, com a seguinte redação:

“1 - [s]ão residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.

3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18.º 

4 - Sendo feita a prova referida no número anterior, o cônjuge residente em território português apresenta uma única declaração dos seus próprios rendimentos, da sua parte nos rendimentos comuns e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo segundo o regime aplicável às pessoas na situação de separados de facto nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 59.º 

5- […].

6 – […].

7 – […].

9 – […].

25.          Contrariamente ao que parece resultar do PPA, decorrem do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS, diversos critérios de residência:

a.            A permanência em território nacional por um período superior a 183 dias – presença física / “corpus”;

b.            A existência de habitação em Portugal em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual em 31 de dezembro do ano em causa – intenção / “animus” e “corpus” por um período inferior a 183 dias;

c.            A integração na tripulação de navio ou aeronave, desde que os tripulantes estejam ao serviço de entidade com residência, sede ou direção efetiva em Portugal;

d.            Desempenho no estrangeiro de funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

26.          Adicionalmente, o artigo 16.º, n.º 2 do Código do IRS, previa ainda a chamada residência por dependência, que atraía para Portugal a residência de qualquer um dos membros do agregado familiar ausentes de Portugal, nos casos em que residisse em Portugal qualquer das pessoas a quem incumbia a direção do agregado;

27.          Importa esclarecer que os critérios de residência acima referidos são alternativos, i.e., basta a verificação de um dos critérios para o sujeito passivo ser considerado residente em Portugal;

28.          Naturalmente, em algumas situações, a existência de uma multiplicidade de critérios de residência e a existência de conexões com diversos ordenamentos jurídicos gera os chamados conflitos Residência-Residência (“R-R”). Nestes casos, será necessário lançar mão de um instrumento capaz de resolver o conflito. Na generalidade dos casos em que os Estados que reclamam poderes tributários celebraram um ADT, os conflitos Residência-Residência são dirimidos através da aplicação da uma norma de conflitos (tie breaker rule);

29.          Em todo o caso, importa salientar que o Requerente não invoca uma situação de dupla residência, i.e., em 2012, o Requerente não se considera residente em Portugal, mas também não se considera residente em local algum. Não há, assim, sequer, a necessidade de aplicar as regras de desempate previstas no ADT celebrado entre Portugal e França. Este ponto sai, aliás, confirmado pela prova testemunhal. O residente invoca, sim, uma situação de dupla não residência;

30.          Tal como já se referiu acima, considerou-se provado que o Requerente permaneceu fora de Portugal por mais do que 183 dias, pelo que o critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS não se considera verificado;

31.          Adicionalmente, atendendo às funções desempenhadas pelo Requerente e a residência da sua entidade patronal, torna-se desnecessária a análise dos critérios acima descritos, no artigo 16.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código do IRS;

32.          Em todo o caso, isso não significa, naturalmente, que o Requerente não possa ser considerado residente em Portugal. Com efeito, existem, potencialmente, dois critérios aplicáveis à situação do Requerente:

a.            A disposição de uma habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

b.            A residência por dependência.

33.          Relativamente ao critério previsto na alínea a. do ponto anterior, sustenta MANUEL FAUSTINO que se “exige a reunião do corpus e do animus. Não basta a permanência em território português. Ou pode nem ter havido permanência, no sentido anteriormente visto, suficiente em território português. Existe um corpus, constituído por um local de residência, associado a um animus, que consiste na intenção de a manter e ocupar como residência habitual.” (Cfr. MANUEL FAUSTINO, Os Residentes no Imposto Sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português, Ciência e Técnica Fiscal n.º 424, 2009, p. 124);

34.          No mesmo sentido, ALBERTO XAVIER defende que “[o] direito português define expressamente o conceito de residência no que concerne às pessoas singulares, acolhendo uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramente objectiva, que se contenta com o simples corpus, e a noção subjectiva, que exige a presença cumulativa dos dois requisitos: o corpus e o animus. O estatuto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência no território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados – sejam quais forem as intenções do sujeito – ou pela intenção de residência em Portugal, expressa por aqueles que, tendo embora permanecido por menos tempo, disponham no território português, em 31 de Dezembro, «de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual» (CIRS, artigo 16.º, n.º 1, «a» e «b»)..” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2ª ed., 2007, p. 285);

35.          A lei não define o que se entende por residência habitual pelo que a verificação deste elemento exige uma análise casuística. Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo sustentou que “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.”

(Cfr. Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo n.º 0590/11) (negritos e sublinhados nossos);

36.          Na opinião do presente Tribunal, que se crê em linha com a doutrina maioritária, o referido critério exige a verificação de dois elementos: (i) a presença em Portugal, ainda que por um período inferior a 183 dias, e (ii) a vontade / a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual, sendo este elemento verificado a 31 de dezembro;

37.          Os dois elementos parecem verificar-se no caso concreto já que, efetivamente, o Requerente esteve em Portugal e manifestou a vontade de estabelecer a sua residência em Portugal;

38.          Com efeito, sem prejuízo de o Requerente ter estado ausente de Portugal por um período superior a 183 dias, este esteve fisicamente em Portugal em 2012, ainda que por um período inferior;

39.          Por outro lado, o elemento de animus decorre, nomeadamente, quer do registo da residência em Portugal junto da AT, em que o Requerente manifesta a sua vontade de estabelecer a residência no local declarado (é o próprio Requerente que vem afirmar este facto no artigo 10.º do PPA), quer até das faturas do parque de estacionamento juntas pelo Requerente como Documentos 2 a 5 ao PPA, em que foi indicada uma residência em Portugal, que se supõe habitual. Ou seja, supõe-se que a morada onde o Requerente pretende receber as faturas ou utilizar como morada de faturação é o local onde tem a sua vida organizada;

40.          Adicionalmente, o Requerente é casado e pai de três filhos, todos eles residentes em Portugal, o que cria igualmente a convicção de que a sua residência habitual, o “quartel general”, o local de onde parte, mas para onde regressa após as suas deslocações ao estrangeiro, se situa em Portugal, sítio onde se encontra a sua família (a vertente pessoal do seu centro de interesses vitais);

41.          Com efeito, todo o contexto aponta para uma situação em que o Requerente dispunha, a 31 de dezembro de 2012, de um local permanentemente à sua disposição, ou seja, de uma habitação de uso contínuo e apta a residir a qualquer momento o que, agregado às manifestações externas do Requerente (e.g., registo de um domicílio fiscal em Portugal, indicação de uma morada em Portugal como local de faturação) fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

42.          Desta feita, de acordo com a lei Portuguesa o Requerente é considerado residente em Portugal para efeitos fiscais;

43.          Sendo o Requerente considerado residente em Portugal por força da verificação do critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, torna-se até desnecessário tecer considerações adicionais sobre a verificação de qualquer outro critério de residência;

44.          Em suma, pese embora o Requerente tenha permanecido em Portugal menos de 183 dias em 2012, para efeitos de IRS, é considerado residente em Portugal;

 

B.3. Da obrigação de apresentar uma declaração de modelo oficial

45.          Sendo o Requerente residente à luz do artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, este encontra-se abrangido pela obrigação de entrega, anual, de uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Código do IRS;

46.          Destaca-se que, no que respeita a residentes que obtenham rendimentos do trabalho dependente, a apresentação da declaração apenas seria dispensada no caso de os rendimentos auferidos serem inferiores ao montante da respetiva dedução específica da categoria A;

 

B.4. Da interpretação do artigo 16.º do ADT

47.          Nos termos do artigo 16.º, n.º 3 do ADT celebrado entre Portugal e França “(…) as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou aeronave no tráfego internacional podem ser tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa.” (negritos e sublinhados nossos);

48.          Como bem refere o Requerente, no artigo 46.º do PPA, a referida norma permite “aos pilotos de aeronaves no tráfego internacional serem tributados no Estado Contratante em que estiver situada a direcção efectiva da empresa, sendo residentes noutro Estado (…)”;

49.          Não se pode, porém, neste contexto, extrair as consequências pretendidas pelo Requerente no que respeita à alocação exclusiva de poder tributário ao Estado da Fonte (e da Direção Efetiva);

50.          Com efeito, os ADTs procuram mitigar o fenómeno da dupla tributação jurídica internacional de uma de três formas: (a) tributação exclusiva no Estado da Residência; (b) tributação exclusiva no Estado da Fonte; (c) tributação cumulativa. Neste último caso, a dupla tributação jurídica é mitigada através de um dos métodos de eliminação da dupla tributação (no caso em apreço, o método do crédito ou imputação ordinária);

51.          O artigo 16.º, n.º 3 do ADT não diz “só podem ser tributados”, mas “podem ser tributados” o que aponta para a existência de uma competência tributária cumulativa e não exclusiva do Estado da Fonte (França);

52.          Neste sentido, ALBERTO XAVIER “(…) as normas convencionais se podem distinguir em dois grandes subgrupos: um primeiro, respeita à questão prévia de determinar a competência tributária dos Estados em presença; um segundo, pressupõe resolvida esta questão no sentido do reconhecimento da competência cumulativa de ambos os Estados, estabelecendo regras que limitem o exercício da competência concorrente de ambos, de modo a eliminar ou atenuar os efeitos de dupla tributação.                                                                                                                                                         As primeiras são normas de colisão ou de reconhecimento de competência; as segundas são normas de atenuação ou de limitação de competência.                                      Por sua vez, as normas de reconhecimento de competência podem distinguir-se em normas de reconhecimento de competência exclusiva ou normas de repartição e em normas de reconhecimento de competência cumulativa ou normas de cumulação, conforme atribuam o poder de tributar certa situação apenas a um dos Estados em presença (da residência ou da fonte) ou, ao invés, reconheçam competência, não só ao Estado da residência, mas também ao Estado da fonte.                                                                                                                                                              Literalmente, as primeiras são formuladas através das expressões “somente serão tributáveis” (“shall only be taxed”, “ne sont imposables que”) enquanto as segundas através das expressões “são tributáveis” (“may be taxed”, “sont imposables”).” (Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra: Almedina, 2.ª ed., 2007, pp. 603 e 604);

53.          O artigo 16.º, n.º 3 do ADT não diverge, no essencial, do sentido decorrente do artigo 15.º, n.º 3 do Modelo de Convenção Fiscal Sobre o Rendimento e o Património da OCDE. De facto, o referido número 3 assume-se como uma regra especial que encontra a sua razão de ser no facto de, no caso de tripulantes de aeronaves (bem como de outros meios de transporte), ser difícil de aferir o local exato em que a atividade é desenvolvida, dada a mobilidade inerente à função (Cfr. LUC DE BROE, in KLAUS VOGEL et al., Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Volume 2, 4th ed., Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2015, p. 1201);

54.          Contudo, o referido número 3 não atribui poderes exclusivos ao Estado da Direção Efetiva, permite, sim, uma situação de tributação cumulativa a ser resolvida, pelo Estado da Residência, através da atribuição do crédito de imposto;

55.          Parece ser esta, com efeito, a doutrina maioritária (Cfr. LUC DE BROE, in KLAUS VOGEL et al., Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Volume 2, 4th ed., Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2015, p. 1201);

56.          Ou seja, o artigo 16.º, n.º 3 do ADT concede um direito de tributação primário ao Estado da Direção Efetiva (“podem ser tributados”), permitindo, contudo, um direito de tributação (residual) ao Estado de Residência do empregado que desenvolve funções a bordo da aeronave;

57.          Tratando-se de uma competência tributária cumulativa tanto o Estado da Residência como o Estado da Fonte podem tributar os rendimentos pelo que o Estado português pode arrogar-se do direito de tributar os rendimentos auferidos;

58.          Assim, a aplicação do artigo 16.º, n.º 3 do ADT determina a competência tributária cumulativa de Portugal e França para tributação dos rendimentos obtidos pelo Requerente, embora caiba ao Estado da Residência (i.e., Portugal) eliminar a dupla tributação, nos termos do artigo 24.º, n.º 2 do ADT, e do artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos;

59.          No mesmo sentido, decidiu o Ac. do TCA/N, de 26-10-2006, proferido no processo n.º 00198/04.9BEMDL em que se determinou-se que “(…) cabia ao Estado da residência - Portugal - eliminar a dupla tributação, deduzindo ao imposto pago em Portugal uma importância igual ao imposto que foi pago na Alemanha, com um limite de dedução, em harmonia com o preceituado no art. 24° n° 1 da Convenção. E não se diga que o Estado Português estava, por força da predita Convenção, impedido de tributar o Impugnante em sede de IRS, como erradamente chegou a ser sustentado em vários acórdãos do TCA que sobre o tema versaram.”, acrescentando que “(…) porque o Impugnante é, como vimos, considerado fiscalmente como residente em Portugal, mas permaneceu na Alemanha mais de 183 dias, a Alemanha podia também, nos termos convencionais, tributar (como tributou) os rendimentos que ele aí obteve, existindo, assim, uma competência tributária cumulativa de Portugal e da Alemanha, cabendo ao Estado da residência -Portugal- eliminar a dupla tributação jurídica internacional, mediante a aplicação do mecanismo previsto no art. 24º nº 1 da Convenção, isto é, deduzindo ao imposto pago em Portugal uma importância igual ao imposto que foi pago na Alemanha, com o limite de dedução aí previsto.”.

 

B.5. Do montante em dívida

60.          A Requerente suscitou igualmente a ilegalidade da liquidação de IRS em virtude de considerar que o montante em dívida não perfaz €47.355,10 uma vez que não inclui o agregado familiar do Requerente, nomeadamente os seus dependentes;

61.          Ora, não tendo sido apresentada declaração de rendimentos em cumprimento do artigo 57.º do Código do IRS, determinava o artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Código que: “[a] liquidação processa-se nos termos seguintes: Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha;”;

62.          Assim, a Requerida preencheu oficiosamente a declaração de rendimentos – modelo 3 do IRS –, efetuando apenas, e bem, as deduções plasmadas no artigo 76.º, n.º 3 do Código do IRS que determina que: “Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.”;  

63.          Resulta evidente que a Requerida se limitou a cumprir a lei ao não considerar os filhos dependentes.

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide:

c)            Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional n.º 2016… (demonstração de liquidação n.º 2016…), respeitante ao exercício de 2012, no valor total de €47.355,10;

d)           Julgar improcedente o pedido de liquidação do imposto considerando um diferente rendimento coletável e outras deduções e benefícios.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €47.355,10 (quarenta e sete mil trezentos e cinquenta e cinco euros e dez cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de dezembro de 2017

 

O Árbitro

(Leonardo Marques dos Santos)