Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 233/2017-T
Data da decisão: 2017-10-24  IRC  
Valor do pedido: € 190.149,45
Tema: IRC - Princípio da especialização dos exercícios - Princípio da justiça.
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Leonor Fernandes Ferreira e Prof.ª Doutora Glória Teixeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-06-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A…, S.A. (doravante «A…» ou «Requerente»), pessoa colectiva n.º…, com sede na …, …-… …, vem, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º. 2,° e dos art.os. 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, relativo ao exercício de 2012.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-04-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05-06-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-06-2017.

Em 08-09-2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 09-09-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações, a Requerente em 22-09-2017 e a Requerida em 02-10-2017.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, com o capital social de € 29.875.000,00, detido a 100% pela «B…, SGPS, S.A.» (doravante, simplesmente B…»), desde 2005;
  2. A B…, por sua vez, é uma SGPS, de capitais públicos, tutelada pelos Ministérios das Finanças e Administração Pública e da Defesa Nacional;
  3. A Requerente desenvolve como actividade principal a construção e reparação naval;
  4. Em Dezembro de 2013, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2013, foi declarada a situação económica difícil da Requerente;
  5. Em 16 de Fevereiro de 2005, os A… e o Estado Português celebraram um contrato base para a aquisição por este de um Navio Polivalente Logístico (NPL), destinado à Marinha Portuguesa (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  6. Na génese deste contrato esteve a cedência pela «C…» (C…) do projecto básico do NPL, a que os A… acederam ao abrigo do contrato de contrapartidas celebrado no âmbito do «Programa Relativo à Aquisição de Submarinos»;
  7. Nos anos seguintes de 2006 e 2007, os A… reconheceram contabilisticamente o activo associado a este projecto básico do NPL, reconhecimento esse que ascendeu à importância de € 15.000.000,00, sendo €3.750.000,00 em 2006 e € 11.250.000,00 em 2007 e gerou variações patrimoniais positivas que concorreram para a formação do lucro tributável desses mesmos exercícios (factos aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 6.º das suas alegações);
  8. Nos termos do n.º 1 da cláusula 45.ª do aludido contrato-base celebrado entre os A… e o Estado Português em 2005, este caducaria em 30 de Abril de 2007, se o contrato de aquisição não fosse celebrado, salvo acordo entre as partes no sentido da sua prorrogação;
  9. O contrato celebrado com o Estado Português foi sendo sucessivamente prorrogado, por período de um ano em cada prorrogação, em ordem a evitar a sua caducidade, através de alterações à sua cláusula 45.ª (documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  10. A última prorrogação contratada indicou o dia 31 de Dezembro de 2011 como nova data limite (5.ª data acordada);
  11. Essas prorrogações foram ocorrendo, ou nas vésperas da data de caducidade contratual, ou mesmo no próprio dia (a 2.ª e a 3.ª prorrogações foram acordadas no último dia);
  12. Em 2011, até ao dia 31 de Dezembro, não foi efectuada prorrogação contratual;
  13.  A administração da Requerente, no final de Março de 2012, optou por desreconhecer o projecto básico do navio em apreço, então relevado em €15.000.000,00, «bem como efectuar os movimentos contabilísticos relacionados com os valores registados em produtos e trabalhos em curso» (Decisão do Conselho de Administração «Desreconhecimento C-242 Navio Polivalente Logístico» de 26 de Março de 2012, junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 7, cujo teor se dá como reproduzido);
  14. O desreconhecimento deste activo foi registado, relativamente a 2011, numa conta de capital próprio: 575 Reservas – Doações;
  15. Esse gasto não foi relevado para efeitos fiscais por referência a esse ano de 2011;
  16. Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2012, publicada em Diário da República em 20-09-2012, o Estado Português decidiu adquirir o projecto NPL à Requerente;
  17. Em 27-12-2012, o Estado Português adquiriu pelo montante de € 25.500.000,00 o projecto NPL à Requerente, sendo emitida a factura n.°…, de 27.12.2012, no valor de €25.500.000,00, acrescidos de IVA, com o descritivo "Trabalho adicional desenvolvido pelos A…, SA., no âmbito do projeto básico do Navio Polivalente Logístico (NPL), incluindo a correspondente especificação técnica contratual, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2012, publicada em Diário da República em 20 de Setembro 2012" (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  18. Esta fatura foi reconhecida na contabilidade como um rédito, na conta 72 - Prestações de Serviços;
  19. Por referência a este ano de 2012, os A… relevaram o rédito de € 25.500.000,00 decorrente deste “trabalho adicional”, e relevaram também a redução do capital próprio associada ao desreconhecimento do activo que lhe estava associado de € 15.000.000,00, cujo lançamento contabilístico de suporte tinha sido relevado no ano anterior de 2011, sem que tivesse então afectado os resultados transitados;
  20. Os A… deduziram, numa linha em branco da declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2012, o referido valor de € 15.000.000,00, no quadro 07 referente ao apuramento do lucro tributável (linha 775);
  21. O reconhecimento contabilístico do elemento do activo associado ao projecto básico do NPL originou variações patrimoniais positivas, na quantia de €3.750.000,00 (2006) e de €11.250.000,00 (2007), que concorreram para a formação do lucro tributável desses mesmos exercícios;
  22. Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente, relativa ao exercício de 2012, na sequência da Ordem de Serviço Interna autuada com o n.º OI2016…, de 08-02-2016;
  23. No processo de documentação fiscal, remetido pela Requerente à Autoridade Tributária e Aduaneira 17-03-2016, consta a imagem do registo contabilístico n.º…, de 31-12-2011, no valor de €15.000.000,00 (Anexo 1 do RIT);
  24. Na “Certificação Legal das Contas” emitida para o ano de 2012 existe uma reserva relativamente ao mesmo assunto, nestes termos:

      “Na revelação contabilística do contrato relativo à aquisição do trabalho adicional desenvolvido pelos A…, SA no âmbito do projecto básico do navio polivalente logístico, incluindo a correspondente especificação técnica, no valor total de 25.500 mil euros, a Empresa reconheceu esta operação integralmente como rédito do período. Em nossa opinião, tendo em conta o tratamento contabilístico inicial deste projecto, entendemos que deveria ter sido agora registada uma componente no capital próprio, razão pela qual o resultado do período se encontra sobreavaliado em 15.000 mil de euros”;

  1. No “Relatório e Contas de 2012”, não há qualquer referência ao valor de €15.000.000,00, existindo várias alusões relativamente ao Navio Polivalente Logístico, nomeadamente: i. Ao encaixe financeiro que resultou da aquisição por parte da Direcção Geral de Armamento e Infraestruturas de Defesa do trabalho adicional desenvolvido no âmbito do projecto básico daquele navio, incluindo a correspondente especificação técnica. ii. Ao contributo do proveito resultante da prestação de serviços associada aos trabalhos adicionais desenvolvidos no âmbito do projeto do Navio Polivalente Logístico na evolução positiva dos resultados operacionais. iii. Ao crescimento do activo impulsionado pela variação da conta de clientes, decorrente da prestação de serviços associada com os trabalhos adicionais no âmbito do Navio Polivalente Logístico;
  2. Através do ofício n.º … de 11-07-2016, foi solicitado à Requerente o movimento contabilístico, do ano de 2012, referente ao valor deduzido no quadro 07, linha 775, e indicar a base legal para efectuar a referida dedução, juntando a documentação comprovativa;
  3. A Requerente não entregou Declaração Modelo 22 de substituição do exercício de 2011, reflectindo o desreconhecimento deliberado em 2012;
  4.  No Relatório da Inspecção Tributária elaborado na referida acção inspectiva cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

 15) Em resumo temos os seguintes factos:

15.1) Em 2011, perante a caducidade do contrato base de aquisição do Navio Polivalente Logístico (NPL), os A… desreconheram o ativo correspondente ao projeto básico fornecido pela “C…”.

15.2) Desreconhecimento este efetuado em contas de ativo e capital próprio que originou uma variação patrimonial negativa em 2011.

15.3) Em 2012, foi faturado (fatura n.º..., de 27.12.2012, no valor de €25.500.000,00, acrescidos de IVA) o “Trabalho adicional desenvolvido pelos A…, S.A., no âmbito do projeto básico do Navio Polivalente Logístico (NPL), incluindo a correspondente especificação técnica contratual, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2012, publicada em Diário da República em 20 de setembro de 2012".

15.4) Esta fatura foi reconhecida na contabilidade como um rédito, na conta 72 - Prestações de Serviços, conforme imagem do registo contabilístico retirada do ficheiro SAF-T(PT) da contabilidade.

16) À luz do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e de acordo com a Norma Contabilística e de Relato financeiro 20 (NCFR 20), parágrafos 20 a 28, quando o desfecho de uma transação não pode ser fiavelmente estimado e não seja provável que os custos incorridos sejam recuperados, o rédito não é reconhecido e os custos incorridos são reconhecidos como um gasto, no entanto, quando deixarem de existir as incertezas que impediram que o desfecho da transação pudesse ser fiavelmente estimado, o rédito é reconhecido de acordo com referência à fase de acabamento e não de acordo com critério de recuperação dos custos incorridos.

17) O tratamento contabilístico dos factos apontados, no ponto 15, por parte dos A…, está de acordo com o SNC, dado que ao não haver, em 2011, a prorrogação do contrato base de aquisição do Navio Polivalente Logístico efetuaram o desreconhecimento utilizando contas de capital próprio, diminuindo o património da empresa, não pela via dos gastos com influência direta no resultado líquido do período, mas diretamente numa componente do capital próprio, indo de encontro com a reserva na “Certificação Legal das Contas" emitida para o ano de 2012, referida no ponto 11.

18) Em 2012, com a decisão tomada em Conselho de Ministros (Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2012) foi faturado o Trabalho adicional desenvolvido pelos A…, S.A., no âmbito do projeto básico do Navio Polivalente Logístico (NPL), incluindo a correspondente especificação técnica contratual tendo os A… reconhecido, e bem, o rédito correspondente.

19) O lucro tributável, segundo o artigo 17° do Código do IRC, consiste na soma algébrica do resultado líquido do período com as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade, e eventualmente corrigidos (correções fiscais) nos termos do Código do IRC.

20) Estando os registos contabilísticos em consonância com o SNC e sendo estes a base para determinar o lucro tributável, resta verificar se se verificam correções nos termos do Código do IRC, isto é, verificar se existem rendimentos e gastos refletidos no resultado líquido do período, bem como, variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, que devam ser acrescidos ou deduzidos no apuramento do lucro tributável por força do Código do IRC.

21) No caso em apreço temos um rédito de €25.000.000,00, obtido e reconhecido na contabilidade no ano de 2012, e uma variação patrimonial negativa de €15.000.000,00, suportada e reconhecida na contabilidade no ano de 2011. Ora nos termos do n.º 1 do artigo 18.° do Código do IRC os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados. Por outro lado, quando as componentes positivas ou negativas respeitem a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.° 2 do artigo 18.º do Código do IRC).

22) Temos assim, a dedução no apuramento do lucro tributável, de 2012, de uma variação patrimonial negativa de €15.000.000,00, referente a 2011, contrariando o definido nos artigos 17.° e 18.° do Código do IRC, o que significa que aquele valor não pode ser deduzido ao resultado líquido do período de 2012 para determinar o lucro tributável.

23) Assim, o valor a deduzido no quadro 07, linha 775 da declaração de rendimentos (modelo 22 do IRC) tem de ser eliminado, resultando uma correção no valor de €15.000.000,00 aos prejuízos fiscais declarados, conforme mapa seguinte:

24) Em resultado da correção efetuada no apuramento do lucro tributável, apuramos:

24.1) A matéria coletável, à qual se aplica a taxa de IRC (25%) definida no artigo 87.° do Código do IRC.

24.2) A tributação autónoma, pelo facto de se apurar lucro tributável, deixa de ser aplicado o definido no n.º 14 do artigo 88.° do Código do IRC, ou seja, não se agrava as taxas em 10 pontos percentuais, passando de €31.559,58 para €18.252,79, conforme demonstração seguinte:

  1. Na sequência da acção inspectiva, a Administração Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2016…, datada de 02-11-2016, no valor de € 190.149,45 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2.  O projecto referido estava dependente de opções políticas, não tendo a Requerente, no final de 2011, a certeza se não viria a ser decidida nova prorrogação do prazo de caducidade do contrato;
  3. Em 03-04-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

          Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da correcção desfavorável à Requerente que efectuou relativamente ao exercício de 2012, com fundamento no princípio da especialização dos exercícios, tivesse efectuado correspondente correcção favorável relativamente ao exercício de 2011.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Não existe divergência das Partes sobre a factualidade relevante para decisão da causa, que está documentalmente provada.

Quanto à dimensão política do projecto, é facto notório, próprio de um contrato entre os A… e o Estado.

No que concerne à inexistência de certeza, no final de 2011, de que o contrato não prosseguiria, afiguram-se credíveis as afirmações da Requerente, inclusivamente pelo facto de terem ocorrido várias prorrogações anteriores.

 

 

            3. Matéria de direito

 

            3.1. Posições das Partes

 

            No ano de 2005, os A… e o Estado Português celebraram um contrato base para a aquisição por este de um Navio Polivalente Logístico (NPL), destinado à Marinha Portuguesa.

            Nos anos seguintes de 2006 e 2007, os A… reconheceram contabilisticamente o activo associado a este projecto básico do NPL, no valor de € 15.000.000,00, sendo €3.750.000,00 em 2006 e € 11.250.000,00 em 2007, factos que geraram variações patrimoniais positivas que concorreram para a formação do lucro tributável desses mesmos exercícios (facto aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 6.º das suas alegações).

            O contrato tinha caducidade prevista para final de Abril de 2007, mas teve prorrogações anuais até 31-12-2011.

            No final de Março de 2012, administração da Requerente decidiu desreconhecer o projecto básico do navio em apreço, então relevado em €15.000.000,00, sendo efectuados movimentos contabilísticos relacionados com os valores registados.

            O desreconhecimento deste activo foi registado numa conta de capital próprio – 575 - Reservas (doações) em 2011 e o gasto não foi relevado para efeitos fiscais por referência a esse ano de 2011.

            Não houve nova prorrogação do contrato após 31-12-2011 e, em finais de 2012, o Estado Português adquiriu, ele próprio, o projecto à Requerente, pelo valor de € 25.500,000,00.

            Por referência a este ano de 2012, os A… relevaram o rédito de € 25.500.000,00 decorrente desta prestação de serviços e relevaram também o gasto fiscal associado ao desreconhecimento do activo que lhe estava associado de € 15.000.000,00, não obstante o lançamento contabilístico de suporte ter sido relevado no ano anterior de 2011, sem que tivesse então afectado os resultados transitados, e deduziram, numa linha em branco da declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2012, o referido valor de € 15.000.000,00.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os registos contabilísticos estão em consonância com o SNC e, sendo estes a base para determinar o lucro tributável quando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) não contraria, entendeu que a referida dedução no apuramento do lucro tributável, de 2012, de uma variação patrimonial negativa de € 15.000.000,00, referente a 2011, contraria o definido nos artigos 17.º e 18.º do Código do IRC, pelo que aquele valor não pode ser deduzido ao resultado líquido do período de 2012 para determinar o lucro tributável.

            A Requerente defende que o procedimento contabilístico que adoptou não terá sido o correcto à face da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 20 (NCRF), parágrafos 20 a 28, pois, no final de 2011, se encontrava numa situação de incerteza quanto à continuação do projecto, só se poderia falar de certeza depois da ocorrência do período de caducidade que terminava em 31-12-2011 e que a NCRF 24 recorre, para ilustrar a título exemplificativo uma situação em que um acontecimento deverá dar lugar a uma divulgação em detrimento de um ajustamento, a circunstância de após a data do balanço ser anunciado um plano para descontinuar uma actividade operacional.

            Refere a Requerente que a decisão pela não continuidade do projecto (que, pela sua materialidade no contexto económico e financeiro da Requerente, facilmente poderia ser equiparada à decisão de descontinuar uma actividade operacional) apenas foi tomada a 26 de Março de 2012, e portanto, após a data do balanço. Aliás, nota a Requerente, que a «formação» dessa «certeza» foi emergindo ao longo de 2012, aparentemente culminando na decisão do Conselho de Administração no sentido de «desreconhecer» o activo subjacente ao projecto básico do NPL (cujo racional viria a ficar demonstrado não ser, de todo, certo, sendo aliás revertido quando, no final desse mesmo ano, o Estado Português decide adquirir o dito projecto!).

            Para além disso, a Requerente defende, invocando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que ocorre violação do princípio da justiça.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas alegações vem dizer que a “perda” patrimonial provocada pela desafectação daquele elemento do activo da esfera empresarial, em resultado da caducidade do contrato celebrado em 2005 entre os A… e o Estado e da concomitante assunção do abandono do projecto de construção do NPL, deveria ter sido imputada ao exercício em que o efeito económico se manifestou e que perante a incerteza quanto ao destino do projecto básico do NPL e, bem assim, a imprevisibilidade quanto ao desenho da solução que o governo iria adoptar, seria forçoso concluir que a “perda” patrimonial se tornava efectiva no exercício de 2011.

            Acrescenta a Autoridade Tributária e Aduaneira que esta conclusão não prejudicaria o reconhecimento contabilístico e fiscal de qualquer futura compensação financeira a atribuir pelo Estado, como efectivamente veio a suceder com Resolução do Conselho de Ministros de Setembro de 2012, porquanto, não obstante a sua ligação a uma operação relevada fiscalmente em exercício anterior, o n.º 2 do art.º 18.º do Código do IRC permite que o correspondente rédito (valor facturado) possa ser imputado ao exercício em causa (in casu, de 2012), em razão de, à data do encerramento das contas de 2011, a referida operação ser imprevisível ou manifestamente desconhecida.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira refere «que não se coloca em causa o direito à dedução da variação patrimonial negativa o qual resulta do disposto no art.º 24.º do Código do IRC, conjugado com o art.º 18.º n.º 1, todavia, a dedução deveria ser efectuada ao resultado fiscal de 2011, o que implica que seja expurgada do resultado fiscal de 2012» e «adianta que a correcção promovida pela AT não afronta o princípio da justiça, na medida em que seja dada relevância ao efeito da dedução da variação patrimonial negativa ao lucro tributável de 2011, porquanto, diferentemente do que é alegado, a AT não aplicou mecanicamente a norma relativa à especialização dos exercícios» e que «a correcção promovida visa justamente dar estrito cumprimento ao princípio da especialização, mediante a consideração de que a variação patrimonial negativa deve ser imputada ao exercício – 2011 - em que contabilisticamente o elemento do activo associado ao projecto básico do NPL foi retirado da esfera patrimonial da Requerente».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma que «a desconsideração fiscal da variação patrimonial negativa no cômputo do lucro tributável de 2012, não determina qualquer duplicação de imposto, desde que seja dada relevância ao efeito da sua dedução ao lucro tributável de 2011».

 

            3.2. Apreciação da questão

 

            3.2.1. Questão do exercício a que deve ser imputada a variação patrimonial negativa resultante da caducidade do contrato

 

            O artigo 17.º, n.º 1, do CIRC estabelece a regra de que

 

1 – O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

 

            No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira concordou com o tratamento contabilístico dado pela Requerente ao desreconhecimento do activo decorrente da caducidade do contrato, mas a Requerente vem, no presente processo, aventar que o tratamento que ela própria deu poderá não estar correcto.

            As considerações da Requerente afiguram-se ponderáveis, mas, não havendo normas contabilísticas de que resulte com segurança que deveria ser dado tratamento contabilístico diferente do que foi dado, é a contabilidade que foi efectuada que deve servir de base à determinação do lucro tributável, com as correcções que imponha o CIRC.

            De qualquer forma, a questão do tratamento contabilístico perde relevância no caso em apreço, pois o n.º 2 do artigo 18.º do CIRC estabelece expressamente um regime específico para imputação das variações patrimoniais positivas ou negativas aos períodos de tributação que, no caso de não coincidir com o que resulta das regras contabilísticas, prevalece sobre estas, para efeitos fiscais, em consonância com a parte final do n.º 1 do artigo 17.º.

            Isto é, se a aplicação das regras contabilísticas conduz a um resultado diferente do que resulta do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC a nível da imputação de variações patrimoniais positivas ou negativas aos períodos de tributação, então a aplicação do regime do artigo 18.º, n.º 2, será uma das correcções a fazer a que alude a parte final do n.º 1 do artigo 17.º

            Como resulta da prova produzida, o desreconhecimento do activo que consubstanciava o contrato em causa foi efectuado contabilisticamente com referência ao exercício de 2011, mas a Requerente apenas lhe deu relevância fiscal no exercício de 2012.

O artigo 18.º do CIRC estabelece o princípio da especialização dos exercícios, nos termos do qual,

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

À face destas regras, designadamente do n.º 2, afigura-se correcto o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que, para efeitos fiscais, a variação patrimonial negativa que consubstancia o desreconhecimento do activo em causa, deveria ser imputada ao exercício de 2011.

            Com efeito, a Cláusula 45.ª do Contrato-Base Relativo à Aquisição de Navio Polivalente Logístico (NFL) Destinado à Marinha Portuguesa, na redacção que lhe foi dada pela Alteração Contratual n.º 5, tem a seguinte redacção:

45.ª

(Caducidade)

O presente Contrato-Base caduca se o Contrato de Aquisição não for celebrado até ao limite do prazo mais longo previsto na Cláusula 5.ª, ou até 31 de Dezembro de 2011, consoante o prazo que terminar primeiro, sem prejuízo do prazo de vigência poder ser prorrogado por acordo das Partes nesse Sentido.

 

            À face desta cláusula contratual, é manifesto que, não tendo sido celebrado o Contrato de Aquisição até 31-12-2011, nem tendo havido até esta data acordo das partes no sentido da sua prorrogação, o contrato caducou imediatamente.

            Por isso, na data do encerramento das contas relativas ao exercício de 2011, o contrato já não estava em vigor, pelo que a variação patrimonial negativa já tinha ocorrido e essa ocorrência era necessariamente do conhecimento da Requerente.

            A caducidade do contrato não é, assim, um «acontecimento após a data do balanço» para efeito da NCRF 24, pois, na definição por esta fornecida «são aqueles acontecimentos, favoráveis e desfavoráveis, que ocorram entre a data do balanço e a data em que as demonstrações financeiras forem autorizadas para emissão, pelo órgão de gestão».

            Consequentemente, nem é de equacionar, com razoabilidade, a imprevisibilidade da variação patrimonial negativa ou o seu desconhecimento, para efeitos de viabilizar a sua imputação ao exercício de 2011 por aplicação do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC, que tem como campo de aplicação os casos em que as variações patrimoniais negativas decorrem de situações externas que o sujeito passivo não pode controlar nem conhecer. ( [1] )

            Por isso, a variação patrimonial negativa tinha de ser imputada ao exercício de 2011, por força do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC.

 

            3.2.2. Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios

 

O princípio da justiça, invocado pela Requerente, é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [2] )

A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

 

            Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

            a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

            - está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

            - o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

            - o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

            b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.

 

Nas situações em que da imputação de gastos ou variações patrimoniais negativas a exercício diferente daquele a que devem serem imputados em face do princípio da especialização dos exercícios advêm vantagens fiscais para os sujeitos passivos, deverá presumir-se, com base nas regras da vida e da experiência comum, que a alteração da imputação correcta foi efectuada intencionalmente, por ser normal que os contribuintes procurem aliviar a sua carga fiscal. Pelo contrário, quando da alteração da imputação correcta de gastos não advém qualquer vantagem, deverá presumir-se que a errada imputação aos exercícios não é intencional.

Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.

Mas, no caso em apreço, a imputação da variação patrimonial negativa em causa ao exercício de 2012, em vez de ser imputada ao exercício de 2011, tem como corolário vantagens para a Requerente, que justificam que se presuma que a imputação inadequada foi intencional e implicam que não se possa afastar a aplicação do princípio da especialização dos exercícios com base em pretensas considerações de justiça.

Na verdade, com a transferência da variação patrimonial negativa em causa do exercício de 2011 para o exercício de 2012, a Requerente pôde dar relevância fiscal integral no exercício de 2012 à referida variação patrimonial negativa: com a consideração desta, verifica-se no exercício de 2012 um prejuízo fiscal de € 12.899.187,62; sem a considerar, passa a existir um lucro tributável de € 2.100.812,38, como evidencia o quadro de correcções que consta do ponto 23) do Relatório da Inspecção Tributária.

Para além disso, a imputação da referida variação patrimonial negativa no exercício de 2011 não teria efeito fiscal assegurado à Requerente, pois apenas aumenta os prejuízos fiscais acumulados nos anos de 2007 a 2011 de € 61.184.889,14 para € 76.184.889,14, de que apenas € 1.575.609,29 foram deduzidos em 2012 e não é seguro nem previsível se esse aumento de prejuízos será fiscalmente aproveitado pelo Requerente no futuro.

Assim, a certeza da relevância imediata da referida variação patrimonial negativa em 2012, com eliminação de tributação neste exercício, consubstancia uma vantagem evidente para o sujeito passivo, que advém da transferência da variação patrimonial negativa do exercício de 2011, a que deveria ser imputada, para o de 2012, o que leva a presumir que a transferência para o exercício de 2012 da relevância fiscal da variação patrimonial negativa reconhecida contabilisticamente no exercício de 2011 tenha sido a intencional, o que constitui obstáculo à aplicação do princípio da justiça, a face da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

A vantagem que advém para a Requerente da transferência da relevância fiscal da variação patrimonial negativa de 2011 para 2012, que lhe confere relevo fiscal imediato, é ainda potencialmente acentuada pela alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, no n.º 2 do artigo 52.º do CIRC ( [3] ), que introduziu um limite máximo à dedução de prejuízos fiscais correspondente a 75% do respectivo lucro tributável de cada exercício, o que tornou mais difícil e menos provável a obtenção de completa relevância fiscal de prejuízos fiscais do exercício de 2011 em exercícios futuros.

Por outro lado, dessa imputação da variação patrimonial negativa do exercício de 2012 resulta prejuízo para o erário público, pois passa a não haver qualquer matéria colectável de IRC neste exercício, enquanto com a imputação daquela variação patrimonial negativa ao exercício de 2011 há, no exercício de 2012, a matéria colectável de € 525.203,09, com a consequente liquidação de IRC que é impugnada no presente processo.

Neste contexto, não se pode considerar demonstrado que se esteja perante uma transferência não intencional da relevância fiscal da referida variação patrimonial negativa do exercício de 2011 para 2012, nem que dela não resulte prejuízo para o erário público, pelo que não se verifica uma situação em que, à face da jurisprudência citada, o princípio da justiça deva sobrepor-se ao princípio da especialização dos exercícios.

A Requerente, porém, coloca a questão da ponderação do princípio da justiça doutra perspectiva, conjugado com o princípio da proporcionalidade, corroborado pelo princípio da tributação fundamentalmente com base no rendimento real das empresas, enunciado no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que é a de a referida variação patrimonial negativa estar conexionada com a obtenção do rédito de € 25.500.000,00, dizendo, em suma: «se é verdade que à alienação do projecto do NPL corresponde o rédito de € 25.500.000,00, não é menos verdade que o custo de aquisição do activo que lhe estava subjacente ascendeu a € 15.000.000,00, pelo que o rendimento real — lucro — gerado com esta operação não poderá ser senão de € 10.500.000,00».

Esta tese, porém, não tem correspondência com a realidade que decorre da matéria de facto fixada, pois a Requerente não despendeu a quantia de € 15.000.000,00 para adquirir o projecto NPL, contabilizado na conta “576 – Reservas – Doações” (que, de acordo com a respectiva nota explicativa do POC, vigente até final de 2009, serve de contrapartida às doações de que a empresa seja beneficiária). Por outro lado, o activo derivado deste projecto foi eliminado com a caducidade do contrato, como a Requerente reconheceu contabilisticamente, com referência ao exercício de 2011.

Neste contexto, o rédito de € 25.500.000,00 consubstancia um aumento patrimonial deste montante obtido no exercício de 2012, que concorre para formação do respectivo lucro tributável, nos termos dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º e 21.º do CIRC, independentemente de dever ser considerado integralmente resultado do período (como foi considerado pela Requerente) ou de dever ser parcialmente considerado componente de capital próprio (como se aventa na reserva que consta da “Certificação Legal das Contas” emitida para o ano de 2012, anexa ao Relatório da Inspecção Tributária).

Por outro lado, num Estado de Direito, assente na soberania popular e no primado da lei (artigos 2.º e 3.º da CRP), o aplicador desta não pode sobrepor os seus critérios pessoais sobre a adequada definição do interesse público aos formulados legislativamente pelos órgãos constitucionais competentes, pelo que não pode afastar a aplicação da lei tributária com base em considerações de justiça quando desse afastamento decorre, designadamente, prejuízo para o interesse público da arrecadação de impostos nos termos legalmente previstos.

No caso em apreço, como se referiu, não se verifica uma situação em que do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios não resulte prejuízo para o interesse público da arrecadação de impostos, pois a transferência da referida variação patrimonial negativa do exercício de 2011 para o de 2012, implica uma evidente diminuição da receita fiscal neste exercício.

Por outro lado, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios, que está em sintonia com as normas nacionais e internacionais de contabilidade, não contende com o princípio de que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», enunciado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, pois a separação da tributação do rendimento das empresas em exercícios de duração anual é necessária para concretizar essa tributação em consonância com a regra da anualidade da lei do Orçamento, prevista no n.º 1 do artigo 106.º da CRP, de que emana a necessidade de autorização anual para a cobrança de impostos sobre o rendimento.

Para além disso, não se demonstra que «a não aceitação da dedução efectuada em 2012 e, em simultâneo, o seu não reconhecimento fiscal em 2011, determina uma duplicação de imposto e, no limite, enriquecimento indevido dos cofres do Estado à custa da Requerente, o que se afigura inconcebível, sem mais, num Estado de Direito».

Na verdade, a referida variação patrimonial negativa não deixa de ter a relevância que lhe é atribuída no exercício de 2011 a que se reporta, como expressamente reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 12.º das alegações: «não se coloca em causa o direito à dedução da variação patrimonial negativa o qual resulta do disposto no art.º 24.º do Código do IRC, conjugado com o art.º 18.º n.º 1, todavia, a dedução deveria ser efectuada ao resultado fiscal de 2011, o que implica que seja expurgada do resultado fiscal de 2012». Por isso, essa relevância pode ser obtida pela Requerente apresentando uma Declaração Modelo 22 de substituição do exercício de 2011, reflectindo o desreconhecimento deliberado em 2012, o que não fez.

Assim, não se demonstra a invocada violação dos princípios da justiça e da tributação das empresas fundamentalmente com base no seu rendimento real.

 

 
            4. Decisão

 

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art.º 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 190.149,45.

 

 

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 24-10-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Leonor Fernandes Ferreira)

 

 

(Glória Teixeira)

 

 



[1] Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-6-2008, processo n.º 0291/08.

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

Na mesma linha, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 13-11-1996, processo n.º 020404; de 29-02-2000, processo n.º 024039, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 494, página 182; de 05-02-2003, processo n.º 01648/02; de 25-06-2008, processo n.º 0291/08.

[3] Aplicáveis à dedução aos lucros tributáveis dos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2012 dos prejuízos fiscais apurados em períodos de tributação anteriores a 1 de Janeiro de 2012, ou em curso nesta data, por força do disposto no artigo 116.º, n.º 2, da referida lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.