Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 205/2017-T
Data da decisão: 2017-10-10  IRS  
Valor do pedido: € 192.943,48
Tema: IRS - Permuta de partes sociais - Regime de neutralidade fiscal
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Manuel Pires e Paulo Nogueira da Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

  1. A… (doravante «Requerente»), portador do Número de Identificação Fiscal n.º…, divorciado, com residência na Rua …, …, n.º … —…, …-… …, veio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do chamado Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), que integra o Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2016…, referente ao período de 2015, bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios nº 2016…, e da subsequente liquidação n.º 2017…, no valor de € 192.943,48.
  2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 31-03-2017.
  4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os acima identificados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. Em 18-05-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 02-06-2017.
  7. Alega o Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. Não há qualquer fundamento para aplicar a cláusula específica antiabuso, prevista no n.º 10 do artigo 73. ° do Código do IRC, ex vi al. a) do n.º 11 do artigo 10. ° do Código do IRS;
  2. A AT não logrou demonstrar que a operação de permuta de partes sociais não foi motivada por razões económicas válidas;
  3. A operação de permuta de partes sociais não teve como principal ou principais objetivos a evasão fiscal;
  4. A AT cinge-se a tecer considerações abstratas na fundamentação a propósito dos efeitos económicos da operação;
  5. Pelo que, é curial promover a anulação do ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa, bem como das liquidações de IRS que lhe subjazem, com todas as consequências legais.
  1. A Requerida apresentou resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
  1. O regime de neutralidade fiscal no âmbito das operações de reestruturação empresarial do CIRC procura apenas não onerar fiscalmente mais-valias que mais se assemelham a mais-valias potenciais, não contendo, contudo, uma isenção de mais-valias, somente um adiamento da sua tributação para o momento da efectiva realização das mesmas;
  2. A aplicação do regime (especial) de neutralidade fiscal depende de as partes continuarem a valorizar as novas participações, para efeitos fiscais, pelo valor das antigas;
  3. O Requerente alega que continuou a valorizar, para efeitos fiscais, a nova parte social (da B…), pelo valor da antiga participação social (na C…), mas não apresenta qualquer prova que permita comprovar o alegado;
  4. O capital social da B… foi aumentado pelo valor da quota da C…, segundo foi avaliado pelo ROC, conforme relatório junto a fls. 16 e ss. – em € 1.339.895 e não em € 3.750 que era o seu valor nominal – pelo que o Requerente passou de detentor de uma quota única no valor de € 1.000 para detentor de uma quota única no valor de € 1.340.895,00;
  5. Não se antevê, pois, como poderia ter sido considerado que as partes (in casu, apenas uma: o Requerente, titular de ambas as participações) tenham continuado a valorizar as novas participações, para efeitos fiscais, pelo valor das antigas;
  6. O que os documentos constantes do PA comprovam é que tal valor da antiga participação da C… desapareceu, dando origem a uma nova participação na B… no valor de € 1.339.895, a qual, somada à anteriormente detida pelo Requerente, de € 1.000, resulta numa nova quota única no valor de € 1.340.895,00;
  7. A prova dos pressupostos (desde logo, como já abordado, a continuação da valorização das novas participações ao valor das antigas, mas também as razões económicas válidas) cabe ao Requerente, que não logrou fazê-la no procedimento, nem logra fazê-la ainda;
  8. Ao contrário do que alega o Requerente, a Administração não deixou de apontar fundamentos para a falta do pressuposto “razões económicas válidas”, afirmando categoricamente que não se encontravam demonstrados tais elementos factuais, em face dos elementos disponibilizados pelo Requerente;
  9. No caso sub judice, a vantagem fiscal do diferimento da tributação é a única razão económica indesmentivelmente verificada;
  10. Pelo que, deve ser mantida a decisão relativamente exclusão da situação sub judice do regime especial de neutralidade fiscal, por falta de comprovação dos pressupostos legalmente estipulados para a atribuição do benefício do diferimento da tributação.
  1. As Partes apresentaram alegações finais escritas, nas quais reiteram, no essencial, os argumentos expendidos no requerimento inicial e na resposta.

 

II – SANEADOR     

  1. O tribunal é competente e acha-se regularmente constituído.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. Não foram invocadas exceções nem se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.  Factos provados

  1. O Tribunal considera provados os seguintes factos:
  1. A C… SGPS, Lda. (doravante C…), é uma sociedade comercial, inscrita sob o número de pessoa coletiva …, que se dedica à gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas;
  2. O capital social da C… correspondia, em 2015, ao valor nominal de € 6.250,00, detendo o Requerente uma quota no valor nominal de € 3.750,00, representativa de 60% do respetivo capital social;
  3. Em 29-09-2015, o Requerente constituiu a sociedade comercial B, pessoa coletiva n.º…;
  4. Como objeto social, a B… prossegue a prestação de serviços de consultoria para os negócios e gestão, prestação de serviços de consultoria científica na área da saúde, a investigação e desenvolvimento de serviços, produtos e tecnologias na área da saúde, bem como serviços de formação, docência, conferências e seminários na referida área;
  5. O capital social da B…, à data da sua constituição, correspondia ao valor nominal de € 1.000,00, sendo detido na totalidade pelo Requerente;
  6. Por escritura de 30-10-2015, foi aumentado o capital social da referida sociedade B…, na importância de € 1.339.895,00, através da entrada da quota que o aqui requerente detinha na sociedade C…, no valor nominal de € 3.750,00;
  7. O capital social da B… passou, assim, de € 1.000 para € 1.340.895,00;
  8. A avaliação da referida quota da C…, por € 1.339.895,00, foi efetuada por Revisor Oficial de Contas, com base nos capitais próprios da C… à data da permuta, conforme relatório elaborado de acordo com o disposto no artigo 28.º do Código das Sociedades Comerciais;
  9. O Requerente apresentou em 26-05-2016 uma declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2015, sem anexo G, da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 5.948,68;
  10. Sendo referenciada uma divergência, o Requerente apresentou a declaração de substituição n.º …-2015-… -…;
  11. A AT notificou o Requerente da liquidação de IRS n.º 2016…, no valor de € 384.491,73, da liquidação dos respetivos juros compensatórios n.º 2016…, no valor de € 4.589,45, bem como da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, da qual resultou o valor a pagar de € 378.507,05, todas relativas ao ano de 2015;
  12. O Requerente apresentou reclamação graciosa, tramitada sob o nº …2016…, através da qual solicitou, a título principal, a anulação da aludida liquidação de IRS e dos respetivos juros compensatórios;
  13. A decisão da reclamação graciosa foi notificada ao Requerente através de ofício datado de 20-12-2016, registado em 21-12-2016 sob o n.º RD…PT;
  14. A AT indeferiu o pedido principal do Requerente, através do qual este solicitava a anulação da totalidade da liquidação de IRS e dos respetivos juros compensatórios;
  15. A AT deferiu o pedido subsidiário apresentado, reconhecendo que a C… reúne os requisitos materiais para ser considerada uma microempresa, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro;
  16. Em execução do deferimento parcial, a AT emitiu a liquidação n.º 2017…, no valor de € 192.943,48;

 

§2. Factos não provados

 

  1. A Requerente não logrou provar, através de elementos objetivos, que as novas participações (na B…) tenham continuado a ser valorizadas, para efeitos fiscais, pelo valor das antigas (na C…).

 

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. No tocante à matéria de facto provada e não provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no Processo Administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questão decidenda

  1. A questão central a decidir no presente processo consiste em saber se à situação sub judicio poderá ser aplicável o regime especial de neutralidade fiscal, previsto nos artigos 73.º e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), ex vi artigo 10.º, n.º 8 e ss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

§2. Apreciação da questão decidenda

  1. Os artigos 73.º e seguintes do CIRC contêm as regras jurídicas do chamado regime especial das fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais.
  2. Sobre o regime especial aplicável às permutas de partes sociais dispõe especificamente o n.º 1 do artigo 77.º do CIRC o seguinte:

«A atribuição, em resultado de uma permuta de partes sociais, tal como esta operação é definida no artigo 73.º, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor atribuído às antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código».

  1. O n.º 2 do artigo 77.º do CIRC dispõe, por seu lado, o seguinte:

«O disposto no número anterior apenas é aplicável desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) A sociedade adquirente e a sociedade adquirida sejam residentes em território português ou noutro Estado membro da União Europeia e preencham as condições estabelecidas na Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho;

b) Os sócios da sociedade adquirida sejam pessoas ou entidades residentes nos Estados membros da União Europeia ou em terceiros Estados, quando os títulos recebidos sejam representativos do capital social de uma entidade residente em território português

  1. No caso sub judice, ocorreu uma permuta de partes sociais, conforme resulta da subsunção da operação realizada à definição constante do n.º 5 do artigo 73.º do CIRC, pelo que importa determinar se a mesma está em condições de beneficiar do regime especial de neutralidade fiscal, conforme sustenta o Requerente.
  2. Para este efeito, releva o preceito contido no n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, redigido nos seguintes termos:

« No caso de se verificar uma permuta de partes sociais nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 73.º e n.º 2 do artigo 77.º do Código do IRC, a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código, sem prejuízo da tributação relativa às importâncias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas».

  1. Tal como já foi referido supra, estamos perante uma permuta de partes sociais, conforme definida no n.º 5 do artigo 73.º do CIRC.
  2. Também não se suscitam dúvidas quanto à verificação dos pressupostos definidos no n.º 2 do artigo 77.º.
  3. Todavia, resulta da factualidade dada como provada e não provada que não se verifica, no caso sub judice, o pressuposto de os sócios da sociedade adquirida (no caso vertente, o ora Requerente) continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas (cfr. supra n.º 14).
  4. Pelo contrário, o que ficou provado foi que o aumento do capital social da B… foi feito através da entrada da quota que o Requerente detinha na sociedade C…, no valor nominal de € 3.750,00, e que foi avaliada por Revisor Oficial de Contas na importância de € 1.339.895,00, pelo que o capital social da B… passou de € 1.000 para € 1.340.895,00 [cfr. supra n.º 13, alíneas e),  f), g) e h)].
  5. Não pode, portanto, o Requerente beneficiar do regime especial da neutralidade fiscal, em virtude de não se verificar um dos pressupostos legais exigidos para o efeito.
  6. Deste modo, não é relevante saber a quem compete fazer prova da verificação dos pressupostos legalmente fixados para a aplicação do regime da neutralidade fiscal, uma vez que a Requerida fez prova da não verificação de um dos pressupostos para a aplicação do referido regime especial de tributação.
  7. Ou seja, ainda que se entendesse que o ónus da prova cabia à Requerida, a verdade é que essa prova foi feita.
  8. Também carece de relevo para a decisão do mérito da causa saber quais as motivações subjacentes à operação de permuta de partes sociais.

 

IV – DECISÃO

  1. Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida dos pedidos.

 

V- VALOR DO PROCESSO

  1. De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 192.943,48.

 

VI – CUSTAS

  1. Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10/10/2017

Os Árbitros

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 (Manuel Pires)

 

(Paulo Nogueira da Costa)