Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 152/2017-T
Data da decisão: 2017-10-02  Selo  
Valor do pedido: € 15.224,94
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS - Terrenos para construção. Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

- Revista após Acórdão do Tribunal Constitucional -

 

O Árbitro Sérgio Santos Pereira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 17.05.2017, vem, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional de 17.10.2018, que decidiu conceder provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público da decisão arbitral proferida em 02.10.2017, através do Acórdão n.º 555/2018, julgando não inconstitucional a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, reformar a decisão anteriormente proferida, a qual passa a ser a seguinte:

 

I. Relatório

1.            A..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal (“NIF”)..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, no dia 1 de março de 2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado apenas por RJAT), pedido de constituição de tribunal arbitral de forma a serem declaradas ilegais as liquidações de Imposto do Selo (“IS”) seguidamente expostas, no valor global de € 15.224,94 (vide tabela infra);

 

Sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

 

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 27 de abril de 2017.

3.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 17 de maio de 2017.

B) História processual

4.            No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS mencionadas supra, respeitantes ao ano de 2015, por referência a um terreno para construção com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.522.493,70, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia dos ..., do concelho de Lisboa.

5.            Por despacho de 25 de setembro de 2017, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela AT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

6.            Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 31 de outubro de 2017.

7.            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

8.            O Tribunal proferiu decisão sobre o processo no dia 2 de outubro de 2017, julgando procedente a pretensão da Requerente, havendo determinado ainda a comunicação da decisão à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins descritos no artigo 280.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

9.            Consequentemente, o Ministério Público (MP) apresentou recurso da decisão para o Tribunal Constitucional, tendo a decisão daquele Alto Tribunal sido recebida no dia 12 de novembro de 2018.

10.          Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

11.          A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se as liquidações de IS em apreço foram ou não corretamente emitidas, cumprindo os respetivos pressupostos de facto e de direito.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

12.          Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.             A Requerente é proprietário de um terreno para construção, situado na freguesia dos ..., município de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da primeira sob o artigo matricial ..., com um VPT de € 1.522.493,70.

II.            A Requerente, por respeito ao exercício de 2015 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS, recebeu as liquidações de IS indicadas supra, no valor total de € 15.224,94, havendo estas sido liquidadas pela Requerente.

III. A Requerente exerce a atividade de investimento imobiliário, adquirindo terrenos com vista à construção e posterior venda das edificações.

IV. Para efeito da decisão da causa, não se dá como provado que o imóvel em questão tenha, ou venha a ter, afetação diferente da habitacional.

V.            A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

 

IV. Do Direito

A)           Quadro jurídico

13.          Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compunham o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos, o qual foi objeto de alterações estruturais através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, a qual produziu efeitos a 31 de dezembro de 2016, revogando o regime em discussão na presente decisão.

14.          A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à Tabela Geral do IS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

15.          A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

16.          Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei

n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da aludida verba 28.1 desde 1 de janeiro de 2014: “28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

17.          Saliente-se, uma vez mais, que o quadro jurídico em apreço foi, entretanto, revogado.

B)           Argumentos das partes

18.          A Requerente na sua petição inicial e, posteriormente, nas suas alegações finais, alega a inconstitucionalidade da norma introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que altera a redação da verba 28.1 da Tabela Geral do IS, nos termos anteriormente expostos, considerando que a liquidação incorpora a aplicação de uma norma inconstitucional e que a mesma deve ser desaplicada à situação sub judice.

19.          Alega a Requerente que a norma em apreço viola o princípio da igualdade tributária, e os subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, ao impor uma discriminação negativa operada relativamente aos terrenos para construção com afetação habitacional com VPT igual ou superior a € 1.000.000, por um lado, porquanto a mera propriedade de um terreno para construção não se afigura critério indiciário da maior capacidade contributiva do seu proprietário e, por outro lado, por comparação à tributação de prédios habitacionais edificados, constituídos em propriedade vertical ou horizontal, cujo VPT das frações autónomas não exceda € 1 milhão.

20.          Desta forma, entende a Requerente, parece evidente que o legislador utilizou um critério arbitrário e objetivamente desprovido de fundamentação de incidência tributária.

21.          Acresce ainda, segundo a Requerente, a violação do princípio da dupla tributação, decorrente da sobreposição entre o IS e o IMI, os quais incidem sobre a mesma realidade jurídica – o direito da propriedade de bens imóveis.

22.          Termina, peticionando o pagamento de juros indemnizatórios, em resultado de erro imputável aos serviços no momento da liquidação.

23.          A Requerida, na sua resposta, começa por dizer que, a liquidação em causa resulta da aplicação direta da normal legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

24.          Ademais, no que se refere à duplicação de coleta, sustenta a Requerida que o imposto subjacente às liquidações não é o mesmo (diferenciando o IMI do IS).

25.          No que respeita à questão da violação do princípio constitucional da igualdade, por discriminação negativa às empresas que exercem uma atividade de compra de terrenos para revenda entende a Requerida que tal não se verifica, dadas as circunstâncias na base daquela norma, associada à circunstância de fazer incidir o imposto objetivamente a toda e qualquer propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da Tabela Geral do IS, independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário.

26.          A Requerida termina a sua resposta sustentando que a liquidação em crise não provém de qualquer erro dos serviços mas decorre da aplicação da lei, a qual a Requerida se encontra obrigada, pelo que, no seu juízo, não existindo uma defeituosa apreciação da factualidade relevante ou uma errada aplicação das normais legais, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

C)           Apreciação do tribunal

27.          A Requerente imputa às liquidações impugnadas apenas vícios derivados da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS.

28.          Como se referiu, as questões de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS suscitadas pela Requerente foram já julgadas, por decisão transitada em julgado, pelo Tribunal Constitucional, tendo sido decidido que aquela norma não enferma de inconstitucionalidade.

29.          Assim, tendo o decidido pelo Tribunal Constitucional força obrigatória no processo, tem de se concluir que as liquidações impugnadas, que aplicaram aquela verba 28.1 da TGIS, não enfermam dos vícios que a Requerente lhe imputa.

30.          Em conformidade com o que fica exposto supra, decide-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter-se na ordem jurídica a liquidação de IS impugnada.

 

V. Direito a juros indemnizatórios

31.          Os pedidos de restituição de quantias e o pagamento de juros indemnizatórios tem como pressuposto a ilegalidade dos pagamentos efetuados pela Requerente, como se conclui dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e 24.º, n.º 1 do RJAT.

32.          Concluindo-se que as liquidações não enfermam das ilegalidades imputadas pela Requerente, improcedem os pedidos de restituição de quantias e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. Decisão

33.          Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações;

b) Julgar improcedentes os pedidos de restituição de quantias pagas e de juros indemnizatórios;

c) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

VII. Valor do processo

34.          Fixa-se o valor do processo em € 15.224,94, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VIII. Custas

35.          De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência do pedido.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 26 de março de 2019

O Árbitro

(Sérgio Santos Pereira)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1.            A..., S.A., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal (“NIF”)..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante apenas designada por Requerente), apresentou, no dia 1 de março de 2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado apenas por RJAT), pedido de constituição de tribunal arbitral de forma a serem declaradas ilegais as liquidações de Imposto do Selo (“IS”) seguidamente expostas, no valor global de € 15.224,94 (vide tabela infra);

 

Sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 27 de abril de 2017.

3.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 17 de maio de 2017.

B) História processual

4.            No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS mencionadas supra, respeitantes ao ano de 2015, por referência a um terreno para construção com um Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) de € 1.522.493,70, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia dos..., do concelho de Lisboa.

5.            Por despacho de 25 de setembro de 2017, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela AT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

6.            Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 31 de outubro de 2017.

7.            O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

8.            Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

II. Questão a decidir

9.            A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a de saber se as liquidações de IS em apreço foram ou não corretamente emitidas, cumprindo os respetivos pressupostos de facto e de direito.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

10.          Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I.             A Requerente é proprietária de um terreno para construção, situado na freguesia dos..., município de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da primeira sob o artigo matricial ..., com um VPT de € 1.522.493,70.

II.            A Requerente, por respeito ao exercício de 2015 e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS, recebeu as liquidações de IS indicadas supra, no valor total de € 15.224,94, havendo estas sido liquidadas pela Requerente.

III. A Requerente exerce a atividade de investimento imobiliário, adquirindo terrenos com vista à construção e posterior venda das edificações.

IV. Para efeito da decisão da causa, não se dá como provado que o imóvel em questão tenha, ou venha a ter, afetação diferente da habitacional.

V.            A convicção do presente tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

 

IV. Do Direito

D)           Quadro jurídico

11.          Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compunham o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos, o qual foi objeto de alterações estruturais através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, a qual produziu efeitos a 31 de dezembro de 2016, revogando o regime em discussão na presente decisão.

12.          A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à Tabela Geral do IS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

13.          A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

14.          Adicionalmente, e tendo em consideração a alteração legislativa introduzida pela Lei

n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, importa também transcrever a redação da aludida verba 28.1 desde 1 de janeiro de 2014: “28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

15.          Saliente-se, uma vez mais, que o quadro jurídico em apreço foi, entretanto, revogado.

E)            Argumentos das partes

16.          A Requerente na sua petição inicial e, posteriormente, nas suas alegações finais, alega a inconstitucionalidade da norma introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que altera a redação da verba 28.1 da Tabela Geral do IS, nos termos anteriormente expostos, considerando que a liquidação incorpora a aplicação de uma norma inconstitucional e que a mesma deve ser desaplicada à situação sub judice.

17.          Alega a Requerente que a norma em apreço viola o princípio da igualdade tributária, e os subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, ao impor uma discriminação negativa operada relativamente aos terrenos para construção com afetação habitacional com VPT igual ou superior a € 1.000.000, por um lado, porquanto a mera propriedade de um terreno para construção não se afigura critério indiciário da maior capacidade contributiva do seu proprietário e, por outro lado, por comparação à tributação de prédios habitacionais edificados, constituídos em propriedade vertical ou horizontal, cujo VPT das frações autónomas não exceda € 1 milhão.

18.          Desta forma, entende a Requerente, parece evidente que o legislador utilizou um critério arbitrário e objetivamente desprovido de fundamentação de incidência tributária.

19.          Acresce ainda, segundo a Requerente, a violação do princípio da dupla tributação, decorrente da sobreposição entre o IS e o IMI, os quais incidem sobre a mesma realidade jurídica – o direito da propriedade de bens imóveis.

20.          Termina, peticionando o pagamento de juros indemnizatórios, em resultado de erro imputável aos serviços no momento da liquidação.

21.          A Requerida, na sua resposta, começa por dizer que, a liquidação em causa resulta da aplicação direta da normal legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária.

22.          Ademais, no que se refere à duplicação de coleta, sustenta a Requerida que o imposto subjacente às liquidações não é o mesmo (diferenciando o IMI do IS).

23.          No que respeita à questão da violação do princípio constitucional da igualdade, por discriminação negativa às empresas que exercem uma atividade de compra de terrenos para revenda entende a Requerida que tal não se verifica, dadas as circunstâncias na base daquela norma, associada à circunstância de fazer incidir o imposto objetivamente a toda e qualquer propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da Tabela Geral do IS, independentemente da natureza do proprietário, usufrutuário ou superficiário.

24.          A Requerida termina a sua resposta sustentando que a liquidação em crise não provém de qualquer erro dos serviços mas decorre da aplicação da lei, a qual a Requerida se encontra obrigada, pelo que, no seu juízo, não existindo uma defeituosa apreciação da factualidade relevante ou uma errada aplicação das normais legais, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

C) Apreciação do tribunal

25.          A título introdutório, cumpre referir que, no entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS.

26.          A este respeito, é essencial referir o recente acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional, o qual se debruça especificamente sobre a matéria em apreço, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

27.          Considera-se no aludido acórdão que:

“Há, de facto, um pecado original na verba 28.1 da TGIS, tal como ela foi concebida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e que, como veremos adiante, a Lei n.º 83-C/2013 agravou com o aditamento dos terrenos para construção à mencionada previsão normativa. É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.”

28.          Mais,

“ (…) a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza. (…) Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica.”

“Se os terrenos para construção valem essencialmente pelo conteúdo do seu aproveitamento urbanístico futuro, não é possível integrá-los na previsão normativa de um imposto que visa tributar casas de luxo, sem considerar, quer a tipologia edificatória, quer a estrutura jurídica dos edifícios que nele irão ser construídos. Tributando-os em função daquilo que aqueles terrenos virão a ser depois de materializada a construção, como sucede no IMI, e não em função daquilo que são antes de se desenvolver essa atividade.

Um terreno para construção com um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, mas destinado à construção de um edifício de habitação coletiva que será constituído por frações autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a uma milhão de euros, não é comparável, nem exprime uma força económica equivalente ao de um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo. E menos ainda se compara a uma casa de luxo já construída, qualquer que seja a sua tipologia.

Porque a verba 28.1, além do mais, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas coletivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas, ela incidirá indiscriminadamente, por exemplo, sobre uma moradia de luxo num empreendimento turístico do Algarve e sobre um terreno para construção de um edifício de habitação coletiva em regime cooperativo nos subúrbios metropolitanos de Lisboa ou do Porto.”

29.          Em face do exposto, conclui o aludido acórdão:

“Do que fica dito resulta evidente que, se o aditamento dos terrenos para construção feito pela Lei n.º 83-C/2013 à verba n.º 28.1 da TGIS não é arbitrário, ele é, em qualquer caso, violador do princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, quer porque não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade”.”

30.          Concluindo, portanto, o acórdão em apreço por julgar inconstitucional a norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do IS aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.

31.          Consequentemente, e para efeitos da presente decisão, a verba 28.1 da Tabela Geral do IS na redação à data do facto tributário é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade tributária, nos termos anteriormente expostos, pelo que a liquidação objeto do presente pedido padece do vício de violação da lei, por manifestar erro nos pressupostos de direito ao aplicar uma norma materialmente inconstitucional, o que justifica a sua anulação.

V. Direito a juros indemnizatórios

32.          Para o efeito, cumpre citar a douta decisão proferida no âmbito do processo arbitral n.º 507/2015-T, que se acompanha na íntegra, por se pronunciar sobre caso em tudo idêntico ao presente, com justificação completa e sustentada que não merece qualquer acrescento.

“No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, tratando-se de vícios derivados apenas da aplicação de norma inconstitucional, tem de se entender que as liquidações não enfermam de qualquer erro que seja imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, como vem decidindo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo , pelas seguintes razões:

Nesse caso, e a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.

A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.

É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).

No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.

Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).

Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

Na linha desta jurisprudência, é de julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo do direito ao reembolso das quantias pagas, que deverão ser calculadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.”

Acompanhando este Tribunal Arbitral, integralmente, e sem reservas, tal entendimento, não resta se não concluir que é de julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

VI. Decisão

33.          Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto do Selo em causa, determinando-se a devolução dos montantes (€ 15.224,94) indevidamente cobrados;

B) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e absolver a Requerida de tal pedido;

C) Condenar a Requerida nas custas do processo.

Determina-se ainda a comunicação à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins descritos no artigo 280.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

VII. Valor do processo

34.          Fixa-se o valor do processo em € 15.224,94, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VIII. Custas

35.          De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 2 de outubro de 2017

 

O Árbitro

(Sérgio Santos Pereira)