Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 153/2017-T
Data da decisão: 2017-07-14  ISV  
Valor do pedido: € 23.269,93
Tema: ISV - artigo 5.º n.º 1 e 2 b) do Código do ISV
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, S.A., adiante Requerente, com sede no …, n.º…, …, pessoa colectiva … vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º. 1, a) e 10.º, n.º 1. a) e n.º 2 do Decreto Lei 10/2011 (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação oficiosa de Imposto sobre Veículos (ISV e IVA) praticado pela Delegação Aduaneira de …,

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13 de Março de 2017.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 16 de Maio de 2017.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    A Requerente é proprietária de um veículo ligeiro de mercadorias de marca …, com a matrícula …-… -…;

B)    Em Julho de 2016, a Requerente emprestou o veículo acima identificado a B…;

C)    Conforme resulta dos elementos constantes do Processo Administrativo (PA) que ora se junta, designadamente, de fls. 65 e 32, verso, com referência ao veículo automóvel em causa, em 28.10.2008 foi, inicialmente, apresentada na Alfândega do …, por transmissão electrónica de dados, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) para introdução no consumo do veículo novo da marca …, modelo …, Chassis … (fls. 21 e 34 do PA);

D)    A referida DAV, que obteve o nº 2008/…, foi apresentada por operador registado tendo o declarante inscrito no Quadro A., referente às características do veículo, que o mesmo tinha a lotação de 2 lugares (Campo 19.) e que se tratava de veículo de Categoria 01-Ligeiro (Campo 7.) e Tipo 0M3-Ligeiro de mercadorias (Campo 8.), Códigos estes que se referem a automóvel ligeiro de mercadorias tendo a 1.ª Matrícula do mesmo veículo sido atribuída em 06.11.2008 (fls. 11 e 17 do PA);

E)     Do Certificado de Matrícula do Veículo/Documento Único Automóvel (fls. 11 do PA), que constitui o seu documento de identificação, emitido em Portugal (Certificado de Matrícula nº…) em nome de C…, SA, e A…, SA, (Campo C.4.2-reserva de propriedade e Campo C.1.2 - outros nomes e iniciais do titular do certificado) consta do campo relativo à lotação (S1), que o mesmo tem 2 lugares, e, quanto ao tipo de veículo (campo J1, J2 e J3), que se trata de Ligeiro de mercadorias de caixa aberta c/s cobertura;

F)     O veículo em questão foi legalizado como um veículo ligeiro de mercadorias com caixa aberta c/ cobertura, com (02) dois lugares sentados, incluindo o do condutor, do tipo fiscal OM3, sendo que a sua classificação fiscal o excluía do pagamento de Imposto Sobre Veículos;

G)    Em 09.06.2016, no decurso de uma acção de fiscalização realizada em … pelo Destacamento da Acção Fiscal de Coimbra da Guarda Nacional Republicana, constatou-se que o veículo fiscalizado “…encontrava-se provido de bancos com lotação até (05) cinco lugares (conforme registo fotográfico que se junta em anexo), embora no certificado de matrícula tenha como nº de lugares sentados (2) dois lugares incluindo o condutor.” E que, além disso, “…a viatura não estava provida de qualquer antepara (rede)” (fls. 5 a 10 do PA);

H)    Tal como consta do auto de notícia (fls. 6 do PA) e se demonstra pelos registos fotográficos (a fls. 10 do PA), a GNR constatou que o veículo ligeiro de mercadorias fiscalizado foi transformado num veículo ligeiro de passageiros através da colocação de um banco na retaguarda, com os respectivos cintos, e remoção da grade separadora entre os bancos da frente e a caixa do veículo, o que implica a alteração da sua classificação fiscal (fls. 17 do PA);

I)       Atentos os factos constatados e descritos no Auto de Notícia e Apreensão (a fls. 6 do PA), foi aberto um procedimento interno, a que foi atribuído o nº OI2016… da Delegação Aduaneira de …, e em sede do qual foi levada a cabo uma primeira audição para prestação de declarações (fls. 22 a 29 do PA);

J)       Tendo-se concluído, conforme Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção Aduaneira (Procedimento nº OI2016… - de fls. 13 a 17 do PA) sancionado superiormente em 29.07.2016, que o veículo em causa havia sofrido uma transformação que implicou a sua reclassificação fiscal para veículo ligeiro de passageiros (tipo fiscal 001), ao qual corresponde uma taxa mais elevada;

K)    Em 01.08.2016, pelo ofício n.º…, datado de 29.07.2016, o sujeito passivo foi notificado do Projecto de Conclusões do relatório para efeitos do exercício do direito de audição prévia, nos termos do n.º 1 do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (fls. 18 do PA);

L)     Neste âmbito, foram ouvidas testemunhas conforme resulta dos autos de declarações constantes de fls. 23 a 29 do PA;

M)   Com referência às conclusões do Relatório final de inspecção, objecto de despacho de 04.10.2016 do director da Alfândega de…, foi proposta, ao abrigo do artigo 26.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), a liquidação oficiosa de €18.918,64€ respeitantes a ISV e €4.351,29 atinente a IVA;

N)    Em 12.10.2016, através do ofício nº … e na sequência do despacho nº … de 12.10.2016 proferido na Informação de Serviço nº DAPR/…/2016, procedeu-se à notificação do sujeito passivo, ora Requerente, para o exercício do direito de audição prévia (fls. 37 a 41 do PA), o qual veio a exercer conforme resulta do teor de fls. 42 a 46 do PA);

O)    Tendo sido requerido que fossem tomadas as declarações das testemunhas indicadas, neste âmbito foram notificadas para serem ouvidas o condutor do veículo no momento da constatação/auto efectuado pela GNR, e restantes testemunhas arroladas, como resulta dos respectivos autos de declarações de fls. 49 a 58 do PA;

P)     Consequentemente, foi elaborada a Informação n.º DAPR /…/2016, concluindo-se que o veículo em causa, propriedade da empresa A…, SA, foi objecto de transformação, o que implicou a sua reclassificação fiscal numa categoria diferente da inicialmente declarada, sendo este facto gerador de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do CISV, não tendo sido apresentados elementos novos, susceptíveis de alterar a dívida apurada (a fls. 59 a 69 do PA);

Q)    Assim, por despacho de 21.12.2016, do Chefe da Delegação Aduaneira de…, proferido na citada Informação de serviço nº DAPR/…/2016, de 19.12.2016, foi decidida a liquidação a posteriori da dívida apurada - no valor de €23.269,93 sendo €18.918,64 respeitantes a ISV e €4.351,29 a IVA - a qual veio a ser notificada ao sujeito passivo pelo ofício n.º…, datado de 22.12.2016, para proceder ao pagamento do montante total em dívida e respectivo prazo, tendo-lhe, igualmente, sido indicados os meios de reacção ao acto (fls. 59, 70 e 71 do PA);

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se em saber se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do ISV, para efeitos do disposto no artigo 5.º n.º 1 e 2 b) do Código do ISV.

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:

 

 

a)      Conforme resulta da factualidade supra alegada e, nomeadamente, das conclusões formuladas no despacho impugnado, é manifesto que a Requerente não procedeu a qualquer alteração da viatura em causa, ou seja, não praticou qualquer facto tributário ou facto gerador do imposto;

b)      Nessa medida, nos termos do disposto no artigo 3.º da Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, e do artigo 18.º, n.º 3 da LGT, não é a requerente sujeito passivo do imposto em causa, pelo que nunca lhe poderia ser assacada responsabilidade pelo pagamento de um imposto quando esta não é parte – sujeito passivo – na relação jurídica tributária subjacente a esse imposto;

c)      Conforme resulta do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP, 77.º da LGT e 125.º do CPA, os actos tributários estão sujeitos a fundamentação;

d)     Ora, in casu, os elementos constantes do despacho impugnado são manifestamente insuficientes para que a Requerente conheça a razão da liquidação impugnada;

e)      Com efeito, os fundamentos invocados pela AT, quando não insuficientes, são manifestamente contraditórios e não permitem esclarecer a motivação do acto ora impugnado;

f)       Nesse sentido, veja-se, conforme já alegado, que a AT conclui que a Requerente não praticou qualquer facto gerador de imposto;

g)      Não obstante, sem qualquer fundamentação e de forma contraditória com as suas próprias conclusões, o despacho impugnado vem imputar à Requerente a responsabilidade pelo pagamento do imposto em causa;

h)      Facto que, nos termos referidos, configura a ausência ou, pelo menos, um vício de fundamentação legalmente exigida, que, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 99.º do CPPT, constitui fundamento de impugnação do acto de liquidação, nos termos que aqui se peticiona e que, nos termos do disposto no artigo 100.º, nº 1 do CPPT, implica a anulação do acto impugnado.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

 

a)      Defende a Requerente que não praticou qualquer facto tributário ou facto gerador do imposto, e que, nos termos do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, e artigo 18.º, n.º 3 da LGT, não é sujeito passivo do imposto em causa, pugnando, também, a Requerente pela insuficiência da fundamentação do despacho impugnado e pela contradição das suas conclusões;

b)      Atenta a factualidade supra descrita, mormente a constatação, por parte da GNR, de o veículo não se encontrar de acordo com a classificação atinente ao tipo de veículo, para o qual foi declarado através da declaração aduaneira de veículos (DAV), não pode a Requerente afirmar que não praticou “qualquer facto tributário”;

c)      É que, de acordo com o já referido artigo 5.º do Código do ISV, relativo ao facto gerador do imposto, e, especificamente, com a alínea b) do n.º 2, a transformação de um veículo que implique a reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência de imposto, que foi o que ocorreu no caso vertente, constitui facto gerador do imposto;

d)     Ora, constitui facto assente que, efectivamente, o veículo foi objecto de transformação e que esta opera uma reclassificação fiscal com repercussão ao nível da taxa de imposto aplicável na introdução no consumo do mesmo;

e)      Pois, conforme resulta da documentação que integra o PA, o veículo foi declarado inicialmente como ligeiro de mercadorias e, com a transformação realizada, passou a ser classificado como um veículo ligeiro de passageiros;

f)       Com efeito, essa transformação determinou a inclusão do veículo na incidência do imposto;

g)      Inicialmente, no caso sub judice, por se tratar de veículo ligeiro de mercadorias, o veículo encontrava-se excluído da norma de sujeição do imposto por força da alínea d), do n.º 2, do artigo 2.º (Incidência Objetiva) do Código do ISV, pelo que, não houve lugar a tributação em sede de ISV;

h)      A sua transformação constitui facto gerador de imposto, por força da citada norma do Código do ISV (alínea b), do n.º 2, do artigo 5.º), conforme também interpretam Fernanda Alves e Nuno Victorino, em anotação ao mesmo artigo, em Código do Imposto sobre Veículos e Regime Infraccional[1];

i)        Sendo certo que, quanto às circunstâncias atinentes à transformação do referido veículo, essa será matéria que deverá ser apurada e relevada no âmbito do processo de contra-ordenação e não em sede de liquidação do imposto;

j)        Importando referir que a proprietária do veículo, aqui Requerente, não coloca em causa os factos apurados que sustentaram a liquidação ora impugnada: a transformação do veículo ligeiro de mercadorias em ligeiro de passageiros e a sua constatação por parte dos elementos do Destacamento da Acção Fiscal de Coimbra da Guarda Nacional Republicana;

k)      O que releva, em sede de regime de ISV, é que o veículo foi transformado, facto que o coloca no âmbito de incidência do imposto sobre veículos;

l)        Acrescendo que a transformação de um veículo depende de regularização fiscal encontrando-se sujeita ao processamento de uma Declaração Complementar de Veículo /DCV (artigo 17.º, n.º 2, do Código do ISV), informação que, aliás, também se encontra disponível ao público através do sítio de internet da AT;

m)    E que, sendo os veículos automóveis bens sujeitos a registo, é necessária a autorização do proprietário para a realização, nos mesmos, de qualquer tipo de alteração;

n)      Encontrando-se, neste âmbito, a transformação de veículos sujeita a pedido de autorização de transformação de veículos ligeiros de mercadorias em veículos ligeiros de passageiros, a efectuar junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT), procedendo este Instituto à emissão de um novo Certificado de Matrícula após a verificação da conformidade de todos os elementos com a legislação em vigor, sendo o mesmo certificado remetido diretamente para o proprietário do veículo, conforme se extrai da informação constante do sítio de internet do IMT.

o)      Realçando-se que, ainda de acordo com esta mesma informação, se exige, no entanto, que o proprietário proceda à regularização prévia da situação fiscal do veículo junto da alfândega;

p)      E, o alegado desconhecimento da transformação efetuada no veículo, não exime a Requerente da sua responsabilidade fiscal porque, efetivamente, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CISV, no caso em apreço, se verifica uma introdução irregular no consumo de veículo, sujeito a tributação, já matriculado, sendo ela a titular da matrícula e proprietária do veículo em causa;

q)      Aliás, a DCV pressupõe a existência de uma DAV já processada em momento anterior devendo ser processada/preenchida pelos proprietários dos veículos, ou por quem prove ter um interesse legítimo, quando, posteriormente ao desembaraço fiscal nos serviços aduaneiros, venham a ocorrer situações que tenham por objeto actos ou operações técnicas suscetíveis de originar processos de cobrança ou de reembolso de ISV ou de IVA.

r)       No que concerne à relação jurídico-tributária existente, resulta claro que o sujeito passivo do imposto é a proprietária do veículo, a empresa A…, SA., que não pode, agora, eximir-se das suas responsabilidades tributárias, imputando a outrem factos, que, pela sua natureza, só por ela, ou com a sua expressa autorização, podem ser praticados;

s)       Decorre do n.º 3 do artigo 18.º, da LGT que a Requerente se enquadra, no âmbito dos sujeitos passivos da relação jurídica tributária ao estabelecer que o sujeito passivo é "a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”.;

t)       Por outro lado, a relação estabelecida entre a proprietária do veículo e a pessoa que, segundo alega, teria procedido à transformação do veículo insere-se no âmbito do direito privado, não interferindo com a relação jurídico tributária existente entre aquela e a administração tributária;

u)      Importando acrescentar, quanto à tributação em sede de IVA, que, nos termos do artigo 7.º, n.º 10, do Código do IVA, é devido e exigível o imposto no momento em que ocorra a transformação ou alteração do veículo, o que não suscita quaisquer dúvidas, sendo corroborado por A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes em anotação (4) ao artigo 5.º do Código do ISV.

v)      Assim, atenta toda a documentação, incluindo os registos fotográficos, que integra o PA, resultam comprovados, face a lei aplicável, os pressupostos da tributação e, em concreto, a liquidação de ISV e IVA que vem impugnada;

w)    Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, também improcede tal argumento, porquanto, além de a notificação de liquidação e pagamento cumprir os requisitos legais exigíveis, a Requerente demonstra ter conhecimento dos factos e do direito aplicável, os quais, aliás, foi adquirindo ao longo dos procedimentos, de contra ordenação e de cobrança a posteriori;

x)       Assim, tendo a liquidação impugnada sido efectuada de acordo com o direito nacional, bem como com o que tem vindo a ser defendido pela melhor jurisprudência, a mesma não enferma de qualquer vício.

 

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do ISV relativamente ao veículo com a matrícula …-… -…, será necessário verificar:

 

a)      Quem é sujeito passivo de ISV, nos termos do artigo 3.º do Código do ISV?;

 

b)      Quem é o sujeito passivo de ISV, nos termos do artigo 3.º do Código do ISV, quando o veículo é objecto de transformação, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 b) do Código do ISV?

 

 

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

a)      Interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do ISV

 

Sob a epígrafe – Incidência Subjectivao artigo 3.º do Código do ISV dispõe o seguinte:

 

“1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos.

2 - São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis.”

 

Como ensina A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, in Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, pp. pág. 41, “Sendo o ISV um imposto monofásico, não são, como regra, sujeitos passivos do ISV os consumidores, à semelhança do que acontece com os impostos especiais de consumo harmonizados a nível comunitário (vide artigo 3.º do Código dos IEC), mas sim todos os que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, quer esta introdução seja efectuada regularmente pelos operadores registados, operadores reconhecidos ou pelos particulares, em nome dos quais seja emitida a declaração aduaneira de veículo, quer as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo veículos tributáveis.”

 

Assim, tendo em conta os factos apurados nos presentes autos, dúvidas não restam de que a Requerente é sujeito passivo de ISV, tendo a DAV do veículo em análise sido emitida em nome da Requerente.

 

Na verdade, não obstante a Requerente alegar que o utilizador do veículo era B…, tendo sido este que levou a cabo a transformação do veículo, certo é que a atribuição da matrícula do veículo foi feita à Requerente e não ao posterior utilizador do veículo.

 

Deste modo, nos termos do artigo 3.º do Código do ISV, a Requerente é sujeito passivo de ISV.

 

b)      Sujeito passivo de ISV nos termos do artigo 5.º, n.º 2 b) do Código do ISV

 

Dispõe o artigo 5.º do Código do ISV o seguinte:

 

 “ 1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:

a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;

b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;

c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;

d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.

3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.”

 

Resulta do artigo 5.º, n.º 1 b) do Código do ISV que a transformação do veículo que implique a inclusão deste numa nova categoria fiscal, como sucedeu no caso dos autos, constitui um facto gerador do imposto.

 

Tendo em conta que, como vimos acima, o artigo 3.º do Código do ISV determina que é  sujeito passivo de imposto “os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis”,  entende-se que apenas a Requerente pode ser considerada sujeito passivo de ISV, pois, em caso algum se alega e/ou demonstra que Sr. B… procedeu à introdução no consumo do veículo.

 

Acresce que, também, não resulta do artigo 5.º, n.º 2 b) acima descrito que o utilizador ou adquirente do veículo possa ser sujeito passivo de ISV.

 

Em consequência, considera-se que resulta das disposições conjugadas do artigo 3.º e 5.º do Código do ISV que a Requerente é sujeito passivo de ISV pelas transformações levadas a cabo no veículo sub judice, sendo, do ponto de vista da obrigação de pagamento do ISV, irrelevante que a transformação tenha sido operada por terceiro, quando o veículo foi introduzido no consumo pela Requerente.

 

Em suma: visando o ISV tributar todos aqueles que procedam à introdução no consumo de veículos tributáveis, que no caso em apreço foi efectuada pela Requerente, entende-se que a responsabilidade pelo pagamento deste imposto, em caso de transformação do veículo, apenas pode ser imputável à Requerente, conforme resulta do disposto no artigo 3.º e 5.º do Código do ISV.

 

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

B)    Condenar a Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €23.269,93.

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2017

 

 

A Árbitro,

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)