Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 278/2017-T
Data da decisão: 2017-12-15  IVA  
Valor do pedido: € 116.658,59
Tema: IVA – locação de imóvel; isenção de imposto - artigo 9.º, 29), do CIVA - ilegitimidade processual ativa.
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Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

            I. RELATÓRIO      

1. No dia 19 de abril de 2017, a sociedade comercial A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A., NIPC…, com sede na …, …, …, sala…, Lisboa (doravante, Requerente), na qualidade de sociedade gestora e em representação do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado B…, NIF…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos de liquidação adicional de IVA n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016… e correspondentes demonstrações de acerto de contas e liquidações de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014.

A Requerente juntou 22 (vinte e dois) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

Em 16 de dezembro de 2009, o Fundo adquiriu diversas frações autónomas de um prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, a maioria das quais onerada com contratos de arrendamento para fins não habitacionais.

No âmbito de tais contratos de arrendamento, o Fundo assegura não apenas a disponibilização do espaço imóvel em modalidade “paredes nuas” – i.e., a mera colocação passiva dos imóveis à disposição das entidades arrendatárias –, como também os serviços necessários à administração, manutenção e conservação dos espaços comuns do prédio – v.g., limpeza, água, gestão do sistema de climatização, manutenção dos elevadores, etc. –os quais são faturados aos arrendatários na proporção das áreas respetivamente ocupadas, tendo estabelecido uma contrapartida fixa por metro quadrado. O Fundo refatura ainda outros encargos que suporta avulsamente por conta dos arrendatários, redebitando-os pelo montante exato do custo originariamente incorrido. 

Assim, o Fundo debita aos seus inquilinos encargos relativos a três tipos de operações distintas, a saber: (a) rendas mensais devidas pelos espaços e/ou estacionamentos locados, isentas de IVA ao abrigo do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA; (b) despesas incorridas pelo Fundo necessárias à gestão dos espaços comuns do prédio, faturando com IVA, à taxa de 23%, num montante fixo calculado em função da quota-parte ocupada por cada arrendatário, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA; e (c) redébito de outros encargos incorridos pelo Fundo em nome próprio, mas por conta dos arrendatários, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Código do IVA.

No respeitante à dedução do IVA, o Fundo, em face das operações económicas desenvolvidas naquele prédio, não deduz o imposto incorrido na aquisição de bens e serviços utilizados nas atividades que não lhe conferem esse direito, in casu, nas operações de locação isentas das frações e estacionamentos.

Relativamente ao IVA suportado nas despesas essenciais à conservação, manutenção e gestão das partes comuns do prédio, bem como os encargos refaturados, o Fundo deduz por alocação direta o imposto incorrido nos custos necessários à realização dessas operações tributadas.

Na sequência de uma ação inspetiva, solicitada pela própria Requerente, tendo em vista a liquidação do Fundo, a AT propôs diversas correções em matéria de IVA, atinentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, nos seguintes termos: (i) € 48.879,89 relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, respeitante à alegada falta de liquidação de IVA nas rendas debitadas pelo Fundo a uma sociedade comercial, no âmbito do contrato de arrendamento para fins não habitacionais tendo por objeto uma das sobreditas frações autónomas; (ii) € 54.954,86 referente a IVA integralmente deduzido nos anos de 2012, 2013 e 2014, por imputação direta das despesas de condomínio debitadas aos arrendatários, imposto este que, no entender da AT, o Fundo deveria ter deduzido através da aplicação do método de dedução do pro rata previsto no artigo 23.º do Código do IVA; (iii) € 1.647,97 de IVA indevidamente regularizado a favor do Fundo, tendo por base três notas de crédito emitidas sem o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA; e (iv) € 2.408,22 de IVA referente a uma fatura emitida, em 15 de julho de 2014, pela empresa que adquiriu o aludido prédio urbano ao Fundo, sendo este montante referente ao redébito de despesas que já haviam sido faturadas pelo Fundo às entidades arrendatárias do dito imóvel. A Requerente aceita, pelo que não impugna, o montante de € 4.056,19 respeitante às correções detalhadas em (iii) e (iv).

No tocante à alegada falta de liquidação de IVA por parte do Fundo no âmbito da atividade desenvolvida na fração autónoma objeto do contrato de arrendamento para fins não habitacionais mencionada em (i), a AT entende que a atividade exercida naquela fração não configura uma locação pura e, consequentemente, isenta de IVA, mas sim, ao invés da realidade observada nas restantes frações arrendadas pelo Fundo, um arrendamento que tem por objeto único a exploração de um negócio, encontrando-se sujeito a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA.

A Requerente sustenta, neste conspecto, que o contrato de arrendamento em causa prevê apenas a mera disponibilização temporária, a título oneroso, de um espaço imóvel à entidade arrendatária, não se vislumbrando, a título formal ou material, a reunião de outro tipo de elementos que permitam inferir que se está perante um contrato atípico de transmissão onerosa da exploração de um estabelecimento comercial (in casu, um restaurante) e, consequentemente, não subsumível à isenção do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

Ainda que por mera hipótese se admitisse sentido divergente deste, sempre há que ter presente que o Fundo jamais poderia ser proprietário dos bens e equipamentos em causa (v.g. móveis, máquinas e utensílios) por força da legislação nacional e comunitária que regulamenta e delimita a sua atividade enquanto organismo de investimento coletivo.

A Requerente defende, pois, que o contrato em questão consubstancia uma efetiva operação de locação na modalidade de “paredes nuas”, isenta de IVA nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que foi tão somente cedido pelo Fundo o espaço imóvel per se, por contrapartida d e uma remuneração, e nada mais.

Ademais, segundo a Requerente, ainda que se ponderasse o acolhimento do enquadramento em IVA preconizado pela AT, atingir-se-ia um resultado económico correspondente àquele obtido através da aplicação da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA; com efeito, ainda que o Fundo, no âmbito do contrato de arrendamento em análise, faturasse as rendas mensais acrescidas de IVA à arrendatária, o impacto nos cofres do Estado seria nulo, porquanto, não obstante o imposto fosse totalmente liquidado, a arrendatária, enquanto sujeito passivo de IVA sem restrições ao exercício do seu direito à dedução, poderia deduzir integralmente o imposto suportado naqueles inputs para a prossecução da sua atividade económica de restauração.

No referente à imputação das despesas de condomínio às entidades arrendatárias, supra referidas em (ii), a AT entende que as mesmas não são passíveis de dedução integral pelo Fundo, nos termos gerais do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, sendo que o exercício do direito à dedução desses custos deveria ter sido efetuado pelo Fundo através da aplicação do método do pro rata consagrado no artigo 23.º do Código do IVA, pois tratam-se de inputs aplicados em recursos de utilização mista, ou seja, em operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito.

A Requerente contesta esta posição da AT, afirmando que, tendo em consideração que o direito à dedução é um princípio estruturante do mecanismo do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e atendendo ao facto de que as despesas a montante têm um claro nexo direto e imediato com as operações económicas realizadas a jusante que conferem esse direito – i.e. a aquisição pelo Fundo dos bens e serviços necessários à gestão, manutenção e conservação das partes comuns do imóvel são posteriormente faturadas às arrendatárias com tributação em IVA –, razões não existem para não se aceitar na esfera do Fundo a dedução da integralidade do imposto que tenha onerado a aquisição daquelas despesas realizadas a montante.

Para que se atinja a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal suportada pelo Fundo, a Requerente sustenta que deve o método pro rata ser afastado para efeitos de dedutibilidade do IVA incorrido no âmbito das operações económicas em apreço, uma vez que se encontra demonstrado, através de elementos objetivos, que os bens e serviços adquiridos para a gestão do condomínio não foram utilizados em recursos mistos.

Ademais, os custos incorridos pela aquisição desses bens e serviços fazem parte dos elementos constitutivos do preço das operações realizadas a jusante (serviços de gestão de áreas comuns) que conferem integralmente o direito à dedução, i.e. a prestação dos serviços de gestão, manutenção e conservação das partes comuns do prédio em apreço, realizada pelo Fundo às entidades arrendatárias, mediante o pagamento de uma remuneração mensal fixa tributada em IVA.     

1.2. A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer a pronúncia arbitral relativamente à presente pretensão e, por conseguinte, requer que seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de IVA sub judice, e correspondentes juros compensatórios, no valor de € 116.658,59, porque contrários à lei e por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo os mesmos ser anulados.»

 

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de abril de 2017.

           

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.1. Em 12 de junho de 2017, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3.2. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 28 de junho de 2017.

 

4. No dia 18 de setembro de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

4.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

Os contratos de arrendamento pensados para a isenção são aqueles em que uma parte proporciona o gozo temporário de um imóvel apenas, mediante retribuição, tratando-se já de um outro tipo de contrato (cessão de exploração) quando esse mesmo imóvel se encontra, como na situação em apreço, apetrechado de todos os equipamentos para aí se desenvolver uma atividade comercial, como a restauração.

É indiferente, in casu, quem detém a propriedade dos equipamentos que se encontravam na fração, porquanto, em termos objetivos, eles integravam-na no momento em que foi arrendada pelo Fundo; aliás, tais equipamentos poderiam ter sido retirados da fração antes do respetivo arrendamento, mas a Requerente preferiu mantê-los.

Assim, conclui-se que o contrato em apreço abarcou, em substância, tanto as paredes nuas da fração como o equipamento nela incrustado, o que se aproxima muito da figura da cessão de exploração.

Ora, um contrato de cessão de exploração não se confunde com o contrato de arrendamento, tendo características e objetos bem distintos, motivo pelo que qual não se subsume à isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA; sendo que, por exclusão de partes, por não se inserir no conceito de transmissão de bens é, para efeitos de IVA, considerado uma verdadeira prestação de serviços, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA.  

Relativamente à questão das despesas de condomínio, há que referir que a Requerente realiza operações sujeitas a imposto e dele não isentas que conferem direito à dedução e operações isentas que não conferem direito, sendo que quando os bens e serviços sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações, a dedução do IVA é feita de acordo com o determinado no artigo 23.º do Código do IVA; no caso concreto, as despesas em causa são necessárias e utilizadas na realização de operações sujeitas a imposto e não isentas (avenças de lugares de estacionamento e a locação da sobredita fração relativamente à qual se considera existir um contrato de cessão de exploração), bem como em operações isentas que não conferem direito à dedução (cedência de espaço para instalação de equipamentos de telecomunicações e locações de imóveis isentas) e não exclusivamente na realização de operações sujeitas a imposto.

Atendendo a que não é possível a afetação real destas despesas a cada tipo de operação e a sua utilização é mista, o método de dedução do imposto é o que se encontra estipulado no artigo 23,º do Código do IVA, que se caracteriza como método da percentagem de dedução (pro rata).

A Requerida remata assim o seu articulado:

            «Nestes termos e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.»

4.2. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

 

5. No dia 1 de outubro de 2017  foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, a conceder prazo para a apresentação de alegações escritas e a fixar o dia 28 de dezembro de 2017 como data limite para a prolação do acórdão arbitral.

 

6. No dia 18 de outubro de 2017, foi junto aos autos um requerimento em nome da sociedade “C…”, NIPC…, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido e no qual, além do mais, está vertido o seguinte:

«1.º O Fundo Especial de Investimento Fechado B…(“Fundo”), Requerente no presente processo e aqui representado pela sua sociedade gestora A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A. (“A…”), foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016 (…).

2.º Na sequência do que antecede, o produto resultante da referida liquidação foi integralmente reembolsado à sua única participante, aqui Requerente (…).

3.º Neste contexto, afigurando-se a aqui Requerente como a única participante do Fundo à data do referido ato de liquidação, vem a mesma (...) requerer a sucessão, na sua esfera, de quaisquer ativos e direitos que venham a ser reconhecidos ao Fundo no âmbito do presente processo (…).

4.º E, concretamente, tendo sido in casu peticionado a esse Tribunal que se digne declarar a ilegalidade de um conjunto de atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, e de liquidação dos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 116.658,59, vem a aqui Requerente peticionar, no caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral sub judice, a sua designação como titular do direito à restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos pelo Fundo.»

6.1. Em 20 de outubro de 2017, foi ordenada a notificação da Requerida para se pronunciar, querendo, quanto àquele requerimento da “C…” e determinada a suspensão do prazo para a apresentação de alegações.

6.2. Em 4 de novembro de 2017, foi ordenada a notificação da Requerente para se pronunciar, querendo, quanto ao mesmo requerimento da “C…” e sobre a sua própria (eventual) ilegitimidade processual ativa.

6.3. As partes não apresentaram alegações.

 

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e a AT é parte legítima; a apreciação da legitimidade da Requerente depende da prévia fixação da factualidade provada e não provada, com relevo para a apreciação e decisão da causa, pelo que será efetivada adiante.   

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de IVA, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

            Não há outras exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) Nos anos de 2012, 2013 e 2014, a sociedade comercial “A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A.” (doravante, “A…, S. A.”), NIPC…, era a sociedade gestora e, por isso, a legal representante do “Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado B…” (doravante, “Fundo B…”), NIF … .

b) O “Fundo B…” é um fundo especial fechado de investimento imobiliário, de distribuição integral, constituído por subscrição particular junto de investidores qualificados, em 22 de outubro de 2009, tendo iniciado a sua atividade em 15 de dezembro de 2009 com a duração inicial prevista de 7 anos.

c) O património do “Fundo B…” era inicialmente representado por unidades de participação iguais com um valor base de € 5,00 cada, sendo que o capital inicial do fundo era de € 6.650.000,00, representado por 1.330.000 unidades de participação.

d) Em 31 de dezembro de 2014, o capital do “Fundo B… ” era de € 134.609,00, representado por 1.645.057 unidades, com o valor unitário de € 0,818.

e) O “D…, S. A.” assumiu as funções de depositário do “Fundo B…” e, nessa qualidade, foi-lhe conferida a custódia de todos os ativos mobiliários, sendo todas as aplicações do “Fundo B…” realizadas com este banco. 

f) O “Fundo B…” entrou em fase de liquidação em 26 de março de 2015, em conformidade com a deliberação da assembleia de participantes, datada de 26 de março de 2015.   

g) A sociedade “A…, S. A.”, na qualidade de sociedade gestora e legal representante do “Fundo B…”, requereu à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, que encetasse procedimentos inspetivos de âmbito geral ao “Fundo B…”, para os anos de 2012, 2013 e 2014.

h) Nessa sequência e em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2015…, OI2015… e OI2015… de 18 de novembro de 2015, o “Fundo B…” foi sujeito a procedimentos inspetivos externos, de âmbito geral, referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, com o objetivo de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das respetivas obrigações em sede de todos os impostos, os quais foram realizados pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.

i) Na sequência dessa ação inspetiva, foi elaborado o respetivo Relatório da Inspeção Tributária – cuja cópia constitui o documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi notificado à sociedade “A…, S. A.”, enquanto representante legal do “Fundo B…”, através do ofício n.º…, datado de 11 de novembro de 2016, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por carta registada.

j) Naquele Relatório de Inspeção Tributária foram, além do mais, consignadas as seguintes correções a efetuar em sede de IVA:

k) Sequentemente, o “Fundo B…” foi notificado das liquidações adicionais de IVA controvertidas, cujas cópias constituem os documentos n.ºs 1 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, datadas de 19 de novembro de 2016 e com data limite de pagamento em 19 de janeiro de 2017.

l) O “Fundo B…” foi liquidado em 22 de dezembro de 2016 sendo que, nessa data, a carteira do fundo era constituída apenas por liquidez, no valor de € 14.908,23, não havendo qualquer passivo, pelo que o valor de cada unidade de participação era de € 0,0091 [cf. informação da situação do “Fundo B…” facultada no sistema de difusão de informação relativa aos fundos/gestão de ativos acessível no site da CMVM].

m) À data da liquidação, a sociedade “C…”, NIPC…, era a participante única do “Fundo B…”, tendo recebido, em 21 de dezembro de 2016, o valor de € 14.908,23, referido no facto provado anterior, através do “D…, S. A.”.   

n) Em 19 de abril de 2017, foi apresentado o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

o) No dia 18 de outubro de 2017, foi junto aos autos um requerimento em nome da sociedade “C…”, NIPC…, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido e no qual, além do mais, está vertido o seguinte:

«1.º O Fundo Especial de Investimento Fechado B… (“Fundo”), Requerente no presente processo e aqui representado pela sua sociedade gestora A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A. (“A…”), foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016 (…).

2.º Na sequência do que antecede, o produto resultante da referida liquidação foi integralmente reembolsado à sua única participante, aqui Requerente (…).

3.º Neste contexto, afigurando-se a aqui Requerente como a única participante do Fundo à data do referido ato de liquidação, vem a mesma (...) requerer a sucessão, na sua esfera, de quaisquer ativos e direitos que venham a ser reconhecidos ao Fundo no âmbito do presente processo (…).

4.º E, concretamente, tendo sido in casu peticionado a esse Tribunal que se digne declarar a ilegalidade de um conjunto de atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado, e de liquidação dos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 116.658,59, vem a aqui Requerente peticionar, no caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral sub judice, a sua designação como titular do direito à restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos pelo Fundo.»

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos.

 

III.2. DE DIREITO

            §1. DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE

Como decorre do estatuído nos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), têm legitimidade no processo tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.  

Centrando o foco da nossa atenção na legitimidade ativa, colhemos do disposto no artigo 30.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) que o autor é parte legítima quando tem interesse direito em demandar (n.º 1), sendo que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2); na falta de indicação legal em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3).

Como salienta Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 113), “a legitimidade activa é uma condição necessária para obter uma apreciação sobre o mérito da pretensão e não uma condição da sua procedência, o que justifica que, para reconhecer a legitimidade, não se exija uma verificação da efectiva titularidade da relação jurídica invocada pelo interessado (como se exige para decidir sobre a procedência), mas apenas a alegação dessa titularidade.”

No âmbito jurisprudencial, encontramos diversos arestos pronunciando-se sobre esta concreta questão, nos seguintes termos:

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 05/05/1999, no processo n.º 023105:

“I – A legitimidade dos contribuintes para impugnarem actos tributários está dependente da existência de um interesse directo, pessoal e legítimo na anulação dos actos impugnados (…).

II – O interesse relevante para tal efeito será o benefício que a anulação do acto, complementada pela subsequente execução do julgado, traz ao recorrente.

(…)

IV – (…) deverá entender-se só poderão ser relevantes para aquele efeito os erros desfavoráveis aos contribuintes.”

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 15/10/2010, no processo n.º 00049/10.5BECBR:

“I. A legitimidade é o pressuposto processual pelo qual a lei selecciona os sujeitos de cada lide judicial, e o interesse em agir o pressuposto pelo qual a parte, legítima, justifica a carência da tutela judiciária;

II. A legitimidade terá a ver com o interesse substantivo, que decorre da posição da parte relativamente à relação jurídica litigada, enquanto o interesse em agir terá a ver com um interesse adjectivo, que decorre da situação, objectivamente existente, de necessidade de protecção judicial daquele interesse substantivo;”

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/01/2015, no processo n.º 08203/14:

“2. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correcta ligação entre as partes e o objecto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade directa), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr. art. 30.º, n.º 3, do C.P.Civil, "ex vi" do art. 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário; art. 9.º do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia. Da análise do art. 30.º, n.º 3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura.

3. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do art. 2.º, al. e), do C.P.P.Tributário), sendo tal excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. art. 578.º do C.P.Civil).

4. A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.”

Voltando ao caso concreto, o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…”, pela sua natureza, encontra-se sujeito ao Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de junho, que estabelece o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (doravante “Regime Jurídico”). De acordo com o art.º 2, n.º 2, do Regime Jurídico, os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, sendo certo que a sua administração só pode ser exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, nos termos do art.º 6.º do referenciado Regime Jurídico.

Como decorre deste regime legal, os fundos são representados por uma entidade gestora, porém “têm personalidade judiciária, como patrimónios autónomos que são” (VEIGA, Alexandre Brandão da, in Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, Abril 1999, págs. 407-408) não permitindo a lei a representação judicial dos fundos aos participantes. Estes apenas têm direito sobre o fundo a propósito da substituição da entidade gestora e da liquidação. [cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03/04/2014, no processo n.º 2014/10.3TVLSB.L1-2].

Dito isto, e como resultou provado, o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…”, representado no presente processo pela sua sociedade gestora, a “A…, S. A.”, foi objeto de liquidação em 22 de dezembro de 2016 – ou seja, em data anterior à da instauração deste processo (19/04/2017) – e, nessa sequência, o produto resultante da referida liquidação foi integralmente reembolsado à sua única participante, a sociedade “C…”. Assim sendo, e como veremos de seguida, à data da instauração desta ação arbitral o “Fundo Especial de Investimento Fechado B…” estava extinto.

A propósito do momento de extinção do fundo de investimento atente-se no entendimento de Alexandre Brandão da Veiga (Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico, Almedina, Coimbra, Abril 1999, pág. 306): “não definindo a lei mais uma vez de modo sistemático qual o momento da extinção do fundo apenas podemos esclarecer conclusões com base em construção dogmática. Há aqui que distinguir a liquidação compulsiva da não compulsiva. Em ambos os casos, a liquidação não pode encerrar enquanto não houver partilha integral. No caso da liquidação compulsiva a liquidação ocorre no momento da aprovação das contas da CMVM. No caso da liquidação não compulsiva a liquidação termina com o encerramento das contas pela entidade gestora. O momento do termo da liquidação é o momento da extinção do fundo. A extinção do fundo tem como consequências o termo dos deveres das entidades gestora e do depositário (mas não obviamente a extinção das responsabilidades em que se incorreu enquanto tal) e a caducidade da autorização administrativa do fundo.”

 

No âmbito jurisprudencial, encontramos diversos acórdãos pronunciando-se sobre esta concreta questão, nos seguintes termos:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 06/03/2008, no processo n.º 08B402:

            “1. Os fundos de investimento constituem patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica.

            2. Mas se é certo a personalidade jurídica atribuir, necessariamente, a quem a detenha, a personalidade judiciária, já não é a proposição contrária, isto é, a de carecer de personalidade judiciária quem não detenha a personalidade jurídica.

            3. Face ao art.º 6 do CPC, apesar do Fundo de Investimento Imobiliário carecer de personalidade jurídica, não se lhe poderá, sem mais, negar a susceptibilidade de ser parte, que lhe advém, face a este normativo, da circunstância de constituir um património autónomo.

            4. Extinto o Fundo, deixou de existir o património autónomo detentor da personalidade judiciária.”

            - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03/04/2014, no processo n.º 2014/10.3TVLSB.L1-2:

            “III – A personalidade judiciária é o “pressuposto dos restantes pressupostos subjectivos”, devendo assim conhecer-se daquela antes destes.

            IV – Conquanto o art.º 6, alínea a) do Código de Processo Civil pareça dar uma leitura restritiva do conceito de património autónomo para efeitos de extensão da personalidade judiciária, este conceito tem de abranger os fundos de investimento imobiliário.

            V – No caso da liquidação não compulsiva do Fundo de Investimento, a liquidação termina com o encerramento das contas pela entidade gestora e o momento do termo da liquidação é o momento da extinção do fundo.”

Subsumindo esta factualidade às normas legais adjetivas concretamente aplicáveis, resulta evidenciada a ilegitimidade da “A…, S. A.”, uma vez que à data da instauração da presente ação arbitral, o encerramento das contas do “Fundo Especial de Investimento Fechado B…” já tinha ocorrido, sendo este coincidente com o encerramento da liquidação que é o momento da extinção do fundo. Assim, o “Fundo Especial de Investimento Fechado B… encontra-se extinto desde 22 de dezembro de 2016. O que significa que a partir dessa data cessaram, por um lado, os deveres da sociedade gestora no que ao fundo diz respeito, e por outro lado, a personalidade judiciária do património autónomo do referido fundo.

A ilegitimidade da “A… S.A.” para a presente ação arbitral constitui uma exceção dilatória (artigo 577.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) e cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Requerida da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea d), e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), o que se determinará a final.

Nesta sequência, fica prejudicada a apreciação do pedido formulado pela  Sociedade “C…”.

 

***

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar procedente, por provada, a exceção dilatória da ilegitimidade da Requerente e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância;

b)      Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

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V.VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 116.658,59.

 

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VI.CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

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Lisboa, 15 de dezembro de 2017.

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

 

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 

 

(Emanuel Augusto Vidal Lima)