Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 279/2017-T
Data da decisão: 2017-11-30  Selo  
Valor do pedido: € 30.221,20
Tema: Imposto do Selo – IS - Art.º 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS - Verba 17.3.4 da TGIS.
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

 

1.       A… SA, com o NIPC … e sede na Rua …, nº …, …-… sujeito passivo fiscal da área do Serviço de Finanças de …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de Imposto do Selo identificada com o nº 2017…, no valor de €26.616,56, acrescida de juros compensatórios no valor de €3.604,64, no valor total de €30.221,20, referente ao ano de 2013.

 

2.      A liquidação impugnada foi emitida pela Autoridade Tributária (AT), na sequência de procedimento de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, ordenado para o ano de 2013, através da ordem de serviço nº OI2016…, de 13 de julho, com o objetivo de verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos fundos de pensões em sede de Imposto de Selo (IS), conforme Relatório de Inspeção Tributária (RIT) junto aos autos como documento nº 2 anexo ao pedido arbitral (PA), e que consta do processo administrativo junto aos autos pela AT.

 

3.      A liquidação em crise tem como fundamento as conclusões vertidas no RIT, e na interpretação da norma contida na verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) segundo a qual “as operações realizadas por ou com intermediação das SGFP/Seguradoras, em nome e por conta dos Fundos, são consideradas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, para efeitos de tributação em sede de imposto de selo.” Deste modo, concluiu o RIT que se encontra preenchido o elemento objetivo previsto na norma de incidência dado que as comissões cobradas pela Seguradora /SGP a título de remuneração pela administração e gestão do fundo são serviços financeiros, nos termos e para os efeitos da Verba 17.3.4 da TGIS.

A Requerente entende de modo diverso e sustenta o seu pedido arbitral, entre outros, no vício de violação de lei e na violação do princípio da não retroatividade fiscal.

 

4.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 21-04-2017, na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado automaticamente à AT, em 28-04-2017, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, em 14-06-2017, o Exmo. Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD indicou como árbitro singular a Profª. Doutora Maria do Rosário Anjos, constante da Lista de árbitros do CAAD em matéria tributária, que aceitou a nomeação. Nestes termos, conforme despacho proferido e que consta dos autos, o presente tribunal arbitral singular, constituiu-se em 30-06-2017.

 

5.      Em 04-07-2017 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta em 19-09-2017, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual reitera a posição vertida no RIT, sufraga as suas conclusões e pugna pela legalidade da liquidação de IS impugnada.

 

6.      Em 27-09-2017, face à posição das partes evidenciadas nos autos, foi proferido despacho arbitral convidando as partes a se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por desnecessária, dado que a questão a decidir versa exclusivamente matéria de direito, os factos não são controvertidos, não há prova testemunhal a produzir, podendo as alegações finais, ser apresentadas por escrito. Por requerimento apresentado em 29-09-2017, veio a Requerente pronunciar-se favoravelmente à dispensa de realização da reunião. Por requerimento junto aos autos em 04-10-2017 veio a Requerida pronunciar-se favoravelmente à dispensa de realização da reunião bem assim como à apresentação de alegações escritas. Considerando a posição assumida pelas partes nos requerimentos antecedentes, em 16-10-2017 foi proferido Despacho arbitral, dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18º e a apresentação de alegações escritas, prosseguindo os autos para decisão final, indicando como previsível a prolação da decisão final nos trinta dias seguintes. Por despacho arbitral de 16-11-2017, foi prorrogada esta data até 30-11-2017, por não ter sido possível ultimar a decisão arbitral no prazo inicialmente indicado, ainda assim, dentro do prazo previsto no artigo 21º do RJAT.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

7.       Em síntese, a Requerente fundamenta o seu pedido alegando que a liquidação padece de vício material de violação de lei, devendo ser anulada com a consequente devolução de todos os montantes de imposto pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data de pagamento até à data de integral reembolso. Fundamenta a sua posição no disposto no artigo 17.3 da TGIS. Apresenta a evolução do regime jurídico fiscal aplicável à prestação de serviços de gestão e administração de fundos de pensões, convocando o disposto no artigo 120º-A do Regulamento do IS, aprovado pelo Decreto 12.700, de 20 de novembro de 1926, em vigor até 1999, e a sua evolução posterior, nos termos constantes do pedido arbitral que se dão por integralmente reproduzidos. A este propósito invoca, ainda, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de dezembro, discorrendo sobre os diferentes tipos de instituições de natureza financeira, concluindo que de acordo com o disposto no artigo 32º, nº1, do DL nº12/2006, de 20 de janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, as empresas de seguros e sociedades gestoras de fundos de pensões se qualificam como instituições financeiras (não monetárias).

Alega a requerente que, não contendo o Código de Imposto de Selo um conceito de serviços financeiros, porém o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) considera isentas de IVA algumas operações bancárias e financeiras, que nos termos de diversas instruções administrativas, se estendem também às comissões cobradas pelas Entidades Gestoras aos Fundos de Pensões. Assim, utilizando estes conceitos inseridos no CIVA, uma vez que o CIS não adota um conceito próprio conclui que estas comissões não têm natureza de serviços financeiros. Logo, conclui, por isto, que as comissões cobradas por uma sociedade de Fundos de pensões aos fundos por si geridos estão sujeitas a IS de acordo com a verba 17.3.4 da TGIS. Não obstante, e apesar do alegado pela AT, conclui que a isenção prevista no artigo 7º, nº1, alínea e) do CIS é plenamente aplicável às comissões em causa nos presentes autos. Centrando a sua análise nesta norma do artigo 7º do CIS e na isenção subjetiva nele prevista e na evolução do regime jurídico aí consagrado, alega que a partir da lei nº 107-B/2003, de 31 de dezembro (LOE para 2004) esta isenção passou a aplicar-se também a instituições financeiras. O entendimento subjacente à liquidação alicerça-se na LOE para 2016, a qual acrescentou um nº7 do artigo 7º do CIS, que restringe o âmbito material da isenção de imposto de selo prevista naquela norma, passando a isenção prevista na alínea e) a aplicar-se apenas às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas, sendo que foi atribuído caráter interpretativo àquela norma. A este propósito convoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal, no confronto com a introdução de normas de natureza interpretativa, concluindo que «a justificação para a “lei interpretativa” se aplicar a situações e factos anteriores reside no facto de esta vir consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga, com a qual os interessados podiam e deviam contar, não sendo, portanto susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.»

Nesta conformidade conclui que, “a aplicação da nova lei (introduzida pela LOE 2016) operada pela Inspeção Tributária e evidenciada no RIT e na posição que a AT entende como correta assenta numa incidência subjetiva não contida na lei, desaplicou uma isenção (…) de uma norma que foi expressamente revogada em 2002 [e que] perdura até hoje.»

Pelo que, é seu entendimento que a liquidação impugnada padece do vício material de violação de lei, devendo ser declarada ilegal, anulada e, em consequência, ser a requerente reembolsada do montante de imposto já pago, acrescido de juros indemnizatórios contados à taxa legal desde a data do pagamento do imposto até à data do seu integral reembolso. 

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

8.      Na sua resposta, junta aos autos, veio a Requerida reiterar a argumentação e as conclusões vertidas no RIT e, em consequência, pugnar pela legalidade da liquidação impugnada. Para aferir da sua legalidade releva, em síntese, o vertido nas conclusões do RIT, que no essencial conclui que:

 

 

Esta é, no essencial a fundamentação subjacente à liquidação impugnada.

De salientar que, na sua resposta a AT veio, ainda, desenvolver tema em debate, defendendo o entendimento que a vontade do legislador sempre foi, e assim permanece, a de limitar a aplicação da norma de isenção à concessão de crédito e aos juros e comissões que lhe estão associados. Entende, assim, que não ocorreu qualquer ampliação do âmbito material da isenção através da revogação do disposto no nº 2do artigo 6º do CIS, ao contrário do que defende a Requerente. Assim, entende que “a eliminação do nº2 e remuneração dos nºs 3 e 4 do artigo 6º como um acto revogatório, pois não resulta manifesto que o legislador tenha querido dispor num sentido diverso do anterior. Apenas se deve considerar que a vontade do legislador não necessitava de qualquer norma que esclarecesse o seu sentido. O limite à isenção desejado pelo legislador, antes e depois da nova redacção dada às alíneas é o mesmo ou seja, a isenção so é aplicável às comissões previstas na verba 17 quando estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.”

 

Acresce, a alegação de jurisprudência dos Tribunais superiores para sustentação da interpretação defendida pela AT. Quanto à análise da LOE para 2016 e da norma contida no nº7 do artigo 7º do CIS, que segundo o entendimento da Requerida mais não é do que mera norma interpretativa, como bem resulta da própria lei.

 

Conclui por último que estando a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266º, nº2 da CRP, do artigo 8º da LGT e do artigo 3º, nº1 do CPA a posição da Requerida não podia ser outra diferente da que se encontra vertida no RIT, “não podendo a AT desaplicar normas com base em inconstitucionalidade.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

9.    O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artº 1º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

O processo não padece de vícios que o invalidem, pelo que se verificam todos os pressupostos processuais para o tribunal arbitral conhecer do pedido.

 

10.    Tendo em conta a prova documental junta aos autos e o alegado pelas partes, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

11. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à atividade seguradora e resseguradora no Ramo Vida, para o qual obteve a devida autorização do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) - (cfr. RIT junto aos autos como Doc 2 anexo ao pedido arbitral e que integra o Processo Administrativo junto pela Requerida.);

b) Como consta do RIT, a Requerente, para além do ramo vida, dedica-se ainda à atividade de gestão de Fundos de Pensões, encontrando-se estruturada de acordo com as seguintes áreas de negócio: (i) Contratos de Seguro - Produtos de risco; (ii) Contratos de Seguro - Produtos financeiros; (iii) Contratos de Investimento; (iv) Gestão de Fundos de Pensões. – (Cfr. RIT junto aos autos)

c) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº O12016…, de 13 de Julho de 2016, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi alvo de uma inspeção tributaria interna, de âmbito parcial, em sede de Imposto de Selo, referente ao ano de 2013; - Cfr. RIT junto aos autos)

d) Esta Inspeção teve como objetivo verificar o enquadramento fiscal das comissões de gestão dos Fundos de Pensões em sede de Imposto de Selo. (RIT . doc2)

e) No RIT constam, entre outras, com particular relevância para a Decisão, as seguintes conclusões:

- Para além de seguradora do ramo vida é simultaneamente uma sociedade gestora de fundos de pensões, que se rege pelo disposto no Decreto-Lei n° 12/2006, de 20 de Janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões e transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.° 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais.

- Assim, e no caso em apreço, o sujeito passivo A…, enquanto credora da comissão de gestão, é o sujeito passivo de Imposto do Selo [artigo° 2.° n.° 1 alínea b) do CIS]. Nos termos do n.° 1 conjugado com a alínea g) do n.° 3 do artigo° 3.° do CIS, o imposto constitui encargo de cada um dos Fundos gerido pela A…, enquanto titular do interesse económico, sendo o valor tributável o valor da respetiva comissão, conforme n.°1 do artigo° 9.° e n.°1 do artigo° 22.°, ambos do CIS, conjugados com a Verba 17.3.4 da TGIS.

- no ponto III.2 do relatório de inspeção tributária, a seguinte «Análise Contabilística-fiscal»: “A A… é a entidade responsável pela gestão de cinco Fundos de Pensões;

 -De acordo com o clausulado em cada um dos contratos de gestão/regulamento de gestão, a A… cobra diretamente a cada um dos Fundos de Pensões acima referidos uma comissão de gestão pela administração dos fundos.

- A remuneração de gestão é faturada pela A… de acordo com as cláusulas dos contratos de gestão/regulamentos de gestão assinados entre os outorgantes.

            - Pela emissão da fatura da remuneração de gestão, a A… reconhece o rédito das comissões, com referência a cada trimestre/ano, a crédito das subcontas da conta 79001-“Proveitos FP’s”, por contrapartida da conta de cada um dos fundos.

 

f) Tendo em conta que a Requerente não liquidava IS sobre os valores das comissões faturadas, e considerando os saldos que estes apresentavam à data de 31-12-2013, a AT procedeu à liquidação do respetivo IS, à taxa de 4%, e emitiu a respetiva liquidação, no valor global de 26.616,56€, a crescido do montante de 3.604,64€ de juros compensatórios, como detalhadamente consta do RIT;

g) A Requerente foi previamente notificada do Projeto de RIT e convidada a pronunciar-se em sede de audiência prévia, tendo optado por não se pronunciar;

h) As liquidações foram emitidas com data limite para pagamento até 09-03-2017, e foram devidamente notificadas à requerente;

i) Em 15-02-2017, a Requerente pagou os valores mencionados na alínea anterior, conforme comprovativo junto ao pedido arbitral como consta do doc. nº3 junto em anexo ao pedido arbitral.

j) No dia 21-04-2017 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral para impugnação das liquidações oficiosas de Imposto de Selo e respetivos juros compensatórios.

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

12. Não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

13. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pelo processo administrativo junto aos autos pela AT, com destaque para o Relatório da Inspeção Tributária (RIT). Assim, cada um dos factos dados como provados assentam na prova documental referenciada, à qual acresce a devida consideração pelas posições assumidas pelas partes. Com este referencial consideraram-se provados os factos supra elencados, com relevo para a decisão e consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

            OS factos considerados provados assentam, concretamente, nos documentos juntos ao pedido arbitral, destacando-se o RIT. Assim, os factos provados em a) a g) resultam provados pelo RIT, junto em anexo ao PA e ao pedido arbitral, como documento nº 2. Os factos mencionados em h) e i) resultam provados pelos documentos nºs 1 e 3.

 

IV. Saneamento

 

14. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

V – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito

 

15.  A questão central em debate prende-se com a interpretação das normas constantes da verba 17.3.4 da TGIS e do artigo 7º, alínea e), do CIS. Importa aferir se as comissões de gestão, de administração e outras comissões cobradas pela Requerente, enquanto entidade entidades gestora de fundos de pensões, estão sujeitas a Imposto do Selo (IS), não beneficiando da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.

Não se alcança qualquer divergência entre as partes quanto à factualidade em presença, descrita detalhadamente no RIT, mas sim, exclusivamente, quanto à interpretação e consequente aplicação dos normativos mencionados, na versão resultante da LOE para 2016.

Considera a AT que a isenção prevista no artigo 7º, alínea e) não é aplicável a todas as comissões abrangidas pela verba 17.3.4, mas tão só às que estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito de atividade exercida pelas instituições e entidades aí mencionadas. Nesta perspetiva apenas os juros, as comissões e garantias que resultem da concessão de crédito estariam abrangidas pela norma legal. Já a Requerente tem outro entendimento, pugna pela aplicação daquele regime de isenção.

 

Esta é a questão a decidir.

 

16.  Para alcançar a resposta a esta questão impõe-se, em primeiro lugar, analisar os pressupostos legais da incidência subjetiva do imposto e, em segundo lugar, sobre a aplicação do disposto no artigo 7º, alínea e) do CIS e da isenção de IS, que a Requerente entende ser aplicável.

 

Vejamos, pois:

 

17.  Resulta da norma prevista na verba 17.3.4 da TGIS, que define a incidência objetiva e subjetiva, inserida na verba 17 referente a operações financeiras, o seguinte:

        (…)

“17.3 Operações realizadas por ou intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado;

          (…)

17.3.4 - “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões (Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) – 4%”

 

Face à letra da lei, para efeitos da sujeição a imposto, o legislador estabelece como critério de incidência a circunstância das comissões e contraprestações por serviços financeiros serem cobradas por determinados tipos de entidades: sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas.

Aliás, Requerente e Requerida estão de acordo neste ponto, como se conclui da análise dos respetivos articulados junto aos autos. Por outro lado, como bem refere a Requerente, no art. 26º do pedido arbitral, “não oferece dúvida hoje em dia a qualificação das empresas de seguros e sociedades gestoras de fundos de pensões como instituições financeiras (não monetárias)”. Nesta categoria se inclui a Requerente.

Posto isto, a questão agora crucial a determinar é a de saber se estamos perante operações financeiras, uma vez que as operações não financeiras em geral se encontram sujeitas a IVA e não a IS. Para aferir quais os tipos de operações que em concreto são abrangidas há que atender às normas que definem a competência das entidades referidas.

Dado que o CIS não apresenta um conceito de serviços financeiros, há que procurar em algum diploma vizinho a orientação necessária para averiguar qual a natureza das contraprestações recebidas enquanto Sociedade Gestora de Fundos de Pensões.  A este propósito, pronunciou-se o Acórdão arbitral, proferido no processo 348/2016-T, de 02-05-2017, decidindo questão idêntica à que se coloca para apreciação nos presentes autos. Considerando o entendimento vertido neste Acórdão arbitral, ao qual se adere integralmente, extrai-se o seguinte excerto que passamos a citar:

«10. Na ausência da definição expressa de um conceito de instituição financeira sempre se admitiu a existência de um conceito em sentido estrito (o constante do RGICSF-instituições financeiras monetárias) a par de um conceito amplo (instituições financeiras não monetárias). Esta distinção encontra apoio, quer no entendimento do setor financeiro em sentido amplo, que compreende os subsetores bancário, dos valores mobiliários e dos seguros, quer na legislação nacional e da União Europeia.

11. Na lei portuguesa não encontramos, uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o legislador, na senda do que acontece ao nível do Direito da União, em várias instâncias, a listar entidades que qualifica casuisticamente como “instituições de crédito“, “sociedades financeiras” e “instituições financeiras”, para efeitos de aplicação de um determinado regime.

12. Nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU[4], incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”          

13. No ponto 27. Uma “Entidade do setor financeiro” compreende:

(…)

h) Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros; (…)”.

14. Para efeitos da aplicação do regime da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de novembro, relativo ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (reformulação), no artigo 13.º, sob a epígrafe “Definições”, ponto 25., entende-se por “Instituição financeira, qualquer das seguintes entidades:

a)      Uma instituição de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de serviços bancários auxiliares, na acepção, respectivamente, dos pontos 1, 5 e 21 do artigo 4.º da Directiva 2006/48/CE;

b) Empresas de seguros, empresas de resseguros ou sociedades gestoras de participações no sector dos seguros na acepção da alínea f) do n.º 1 do artigo 112.º;

c) Uma empresa de investimento ou uma instituição financeira, na acepção do ponto 1 do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2004/39/CE:  (…)”.

 

18.  Conclui-se do supra exposto, em sintonia com o acórdão arbitral citado, que uma sociedade gestora de participações no setor dos seguros se enquadra na categoria das “entidades do setor financeiro” e, por conseguinte, num conceito amplo de instituição financeira. Igual conclusão se retira do disposto na Diretiva 2003/41/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de junho de 2003[1], relativa às atividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais, na qual é possível encontrar várias referências no sentido do enquadramento destas entidades no conceito de instituição financeira em sentido amplo.

19.  Esta diretiva foi transposta para o direito português através do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões. Dispõe o artigo 32º deste diploma legal que “os fundos de pensões podem ser geridos quer por sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, designadas no presente Decreto-Lei por sociedades gestoras, quer por empresas de seguros que explorem o ramo «Vida» e possuam estabelecimento em Portugal.

Acresce que são múltiplas as normas aí previstas em sede de regulamentação prudencial aplicável a este tipo de entidades gestoras de fundos de pensões, o que, sem necessidade de maior desenvolvimento ou indagação, nos conduz a enquadrar a Requerente nesta categoria, para todos os efeitos legalmente previstos, entre eles, para os que decorrem da verba 17.3.4 da TGIS.

Em suma, quer à luz do direito da união Europeia, quer à luz do direito interno, em transposição das Diretivas europeias, as entidades gestoras de fundos de pensões realizam operações material e formalmente financeiras aproximando-se pelas características da sua atividade das empresas de seguros e de resseguros. Donde a conclusão natural do seu enquadramento no conceito amplo de instituição que opera no sistema financeiro.

 

20.  Retornado à verba 17.3.4 da TGIS, o legislador refere-se a operações “realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”. A parte final deste aponta expressamente para um conjunto mais vasto de instituições financeiras do que o composto pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, pelo que se conclui que a Requerente, enquanto sociedade seguradora autorizada a operar como sociedade gestora de fundos de pensões preenche o tipo legal aí previsto.

 

21.  Posto isto, resolvida esta primeira questão, há que analisar o regime previsto no artigo 7º, alínea e), do CIS, onde se prevê que:

 

(…)

“e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;” (Redação da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro).

*

 Como vimos, para a AT a isenção aqui prevista apenas tem lugar quando os juros e comissões cobrados e as garantais prestadas estiverem associados a crédito concedido. A Requerente defende a posição contrária, nisso consistindo o ponto da discórdia em torno da (i)legalidade das liquidações de IS e juros compensatórios, aqui impugnadas.

 

22.  Por estar em causa imposto devido por atividade desenvolvida no ano de 2013, há que ter em devida conta a versão deste normativo em vigor ao tempo do facto tributário e, seguidamente, aferir das consequências eventualmente decorrentes da LOE para 2016, com a introdução do nº 7, ao qual foi atribuída, pelo legislador, natureza meramente interpretativa.  Será assim? Será que estamos perante um “disfarce” com o objetivo de contornar o princípio da não retroatividade fiscal, consagrado no artigo 103º, nº3 da CRP?

Dispensando a análise de questões laterais e sem impacto na decisão de fundo, importa aferir da aplicabilidade ou não da isenção de imposto pretendida pela Requerente e da natureza meramente interpretativa ou, pelo contrário, inovadora e, nessa medida retroativa, do normativo introduzido com a LOE de 2016. Da análise destas questões depende a decisão do caso.

 

Vejamos, pois, qual a resposta legalmente correta para estas duas questões.

 

23.  Começando pela análise da isenção prevista na alínea e), do artigo 7º do CIS, não há dúvida que se trata de uma isenção de natureza mista (objetiva e subjetiva), porquanto, abrange todas as operações aí previstas (“os juros e comissões cobradas, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituição de crédito” – isenção objetiva) desde que realizadas por determinadas entidades nos termos já supra referidos (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras – isenção objetiva).

*

No essencial, é a aplicação desta norma que gerou a controvérsia entre Requerida e Requerente, precisamente, quanto ao tipo de entidades abrangidas e quanto à natureza das operações beneficiadas pela isenção, e que dá origem ao presente litígio.

Vejamos, pois, qual a incidência subjetiva (que entidades estão abrangidas) e objetiva (que operações concretas estão sujeita s imposto).

 

24.  Quanto ao âmbito subjetivo já concluímos supra (pontos 17 a 20 desta decisão) que as sociedades gestoras de fundos de pensões integram o conceito de instituições financeiras, não havendo razões para as excluir. Trata-se de uma interpretação do conceito em sentido amplo, dir-se-á, mas o único que se afigura compatível com o percurso do legislador, fruto quer dos entendimentos do Direito da União Europeia quer do que resulta do nosso direito interno, em sede de transposição e, ainda, em outras sedes de aplicação da lei fiscal. Não se vê porque razão se restringiria tal conceito, apenas e só, em sede de aplicação para efeitos da isenção de imposto de selo. De resto, em nenhum momento o legislador revelou intencionalmente tal desígnio. Pelo que, por força dos princípios da segurança e da certeza jurídicas e da própria unidade do sistema fiscal, deve entender-se que o o mesmo conceito de instituição financeira deve ter “um sentido e extensão uniformes em todo o Código e Tabela Geral e não um sentido e extensão diferentes, mais amplo em caso de normas de incidência e mais estrito em normas de isenção” (Cfr. Ac. Arbitral de 2-05-2017, in proc. nº 348/2016-T). O mesmo se diga quanto às operações financeiras, ou serviços financeiros, a que alude verba 17.3.4. da Tabela Geral.

 

A este propósito, assume particular assertividade o comentário inserido em nota final do já citado Acórdão Arbitral de 2-05-2017, que passamos a citar:

A Circular da Direcção-Geral dos Impostos nº 7/2009, de 15 de Abril, para sustentar a não aplicação às empresas seguradoras da isenção do artigo 6.º (atual 7.º), n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, relativamente às comissões cobradas pelas instituições de crédito no exercício da atividade de mediação de seguros, sustentaria o conceito de instituições financeiras referido nessa norma legal abranger apenas as instituições financeiras em sentido estrito, em que não se incluíram essas empresas seguradoras. É o que resultaria, segundo essa Circular, de as empresas seguradoras não caberem no conceito de intermediário financeiro ou de sociedade financeira. Apenas em sentido amplo as seguradoras poderiam ser consideradas instituições financeiras. Mas isso não impediria, nos termos da sub-verba 17.3.4. da Tabela Geral, a sujeição a imposto do selo das comissões que cobrassem. Não estariam, no entanto, isentas as comissões cobradas a essas entidades por outras instituições financeiras por as empresas seguradoras não serem instituições financeiras em sentido estrito. Haveria, assim, dois distintos conceitos de instituição financeira no Código do Imposto do Selo, para efeitos da incidência das comissões cobradas e da isenção das comissões suportadas, em sentido amplo, quando se trata de ampliar a incidência do imposto do selo, em sentido restrito, quando se trata de a limitar através do reconhecimento de isenções. É de referir, aliás, contrariamente ao que parece pressupor tal orientação administrativa, que o encargo económico do imposto é suportado, nos termos do art. 3º, nº 3, alínea o), do Código do Imposto do Selo, não pela empresa seguradora, mas pela instituição de crédito mediadora, à qual aquela deve reter o imposto. “ Cfr. Ac. Arbitral citado, nota [9].

 

25.   Como se disse supra, a aplicação da isenção às comissões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras depende de se considerarem ambas como instituições financeiras, quer as sociedades gestoras, quer os fundos. Quanto ás primeiras já vimos que se integram no sentido amplo de sociedades financeiras, e igual conclusão se retira quanto aos fundos, já que à luz do disposto no artigo 2.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 12/2006, na redação dada pela Lei nº 147/2015, de 9 de setembro, considera-se como tal o “património autónomo exclusivamente afeto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde, podendo ainda simultaneamente estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente nos termos da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto”. Tal entendimento parece ser pacífico, para a própria AT, já que no RIT se qualificam estes fundos como instituições financeiras: “(…) nos termos do citado decreto-Lei, os Fundos de Pensões são geridos por entidades especializadas e profissionais, constituídas sob a forma de sociedade anónima, exclusivamente, para esse fim, designadas por SGFP. (…)” e, mais adiante, no encalço da abordagem sobre a supervisão a que estas entidades estão sujeitas, acrescenta ainda o RIT: “As entidades Gestoras de Fundos de Pensões são pacificamente consideradas como instituições financeiras, sujeitas em conformidade á supervisão da ASF (…)” – Cfr. art. 7º da Resposta junta aos autos - Transcrição do RIT a págs. 3 e seguintes.

 

26.  Na verdade, diversos instrumentos legislativos apontam nesse mesmo sentido, pelo que se trata, em ambos os casos, de entidades reconhecidas como instituições financeiras.  E, tanto assim é, que a alínea e), do nº 1, do artigo 30º do Código dos Valores Mobiliários definiu como investidores qualificados tanto os fundos de pensões como as sociedades gestoras.  Também o artigo 32.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20-06, veio reconhecer que a sociedade gestora atua por conta comum e em nome dos fundos, refletindo-se os atos por si praticados na esfera dos fundos, o que releva para efeitos da sua qualificação como instituições financeiras. Em suma, os fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras, nos termos e para os efeitos da incidência subjetiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS.

 

27.  Importa, agora, analisar a segunda questão (isenção objetiva), ou seja, a de saber se o âmbito da norma de isenção se restringe, dentro do universo dos serviços financeiros, apenas a operações e serviços tipicamente bancários ou, a outras operações financeiras, como é o caso das comissões cobradas por entidades gestoras de fundos de pensões aos respetivos fundos. Ora, face à letra da lei, vertida na norma de incidência da verba 17.3.4 TGIS, já vimos que o legislador não se limitou a incluir, apenas, os serviços bancários, mas todo o universo, hoje muito mais amplo, dos serviços financeiros. Mas o elemento literal (gramatical) é apenas o ponto de partida para a apurada interpretação da norma jurídica, a qual não dispensa a convocação dos demais elementos da hermenêutica jurídica.

Assim, o elemento histórico pode ajudar numa melhor interpretação da norma atualmente em vigor. A este propósito adere-se integralmente à jurisprudência do Acórdão arbitral supracitado[2], que apresenta uma interessante resenha sobre a evolução histórica do regime jurídico em apreço, que passamos a citar: “…com o fundamento de a incidência da alínea c) do art. 120º- A da Tabela Geral depender de as operações que originaram a cobrança das comissões serem realizadas ou intermediadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras, esclareceria que as comissões cobradas aos fundos de pensões pelas sociedades gestoras não estavam sujeitas a imposto do selo da alínea c) do art. 120º da Tabela Geral. (…). Consultado o art.º 120-A, n.º 2, da Tabela Geral do Imposto do Selo, por exemplo, na redação de 1979 em que ainda se mantinha a redação do Decreto-Lei n.º 16732 de 1929.04.13, observa-se que as operações financeiras sujeitas a imposto do selo – inscritas em apenas 2 números – não beneficiavam de qualquer isenção. Só mais tarde, foram previstas isenções, mas tão só circunscritas aos juros, da seguinte forma: “Ficam isentos do imposto os juros dos empréstimos concedidos para aquisição de habitação própria, bem como os devidos por instituições de crédito ou parabancárias a instituições da mesma natureza” (redação do nº 1 do art. 120º-A dada pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16.05).

(…)

“O DL 223/91, que alterou os artigos 13.º, 15.º, 27.º-A, 94.º, 120.º-A, 120.º-B, 141.º e 145.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto 21.916 de 28 de Novembro de 1932, além dos juros, prevêem-se outras isenções, mas não há referência a comissões. Posteriormente, o nº 2, alínea b), 1ª parte, do art. 120º-A, na redacção dada pelo art. 1º da Lei nº 24/94, de 18 de Julho, adaptando o anterior nº 1 à nova terminologia introduzida pelo RGICSF, passaria a isentar de imposto do selo os juros cobrados por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas a instituições, sociedades ou entidades da mesma natureza, umas e outras domiciliadas em território português. (…) Em suma, nos termos da alínea e), do n.º 1 do artigo 6.º, na numeração originária do artigo 1.º da Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, estavam isentos de imposto do selo os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997. A alínea f) desse n.º 1 ampliaria a isenção às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preenchessem os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, desde que igualmente cumpridor dos princípios decorrentes do Código de Conduta aprovado pela Resolução do Conselho da União Europeia, de 1 de Dezembro de 1997. Com esta alteração, a isenção do imposto do selo, anteriormente limitada aos juros, passaria a também abranger a concessão de crédito e os juros e comissões cobradas, nos termos definidos nessas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 6º, no que parecia ser um claro incentivo à atividade financeira, com a consequente atenuação da tributação em cascata que, ao contrário do IVA, caracteriza este tipo de impostos (é referir que a revisão do imposto do selo no sentido de assegurar uma maior neutralidade do imposto e da própria tributação das comissões cobradas vinha prevista na Resolução do Conselho de Ministros nº 119/97, de 14 de Julho, que continha as linhas gerais para a reforma do imposto do selo (ver também o Relatório “Estruturar o sistema fiscal para o Portugal desenvolvido”, publicado pelo Ministério das Finanças, Coimbra, 1998, pp. 282 e 283). O enquadramento das isenções de imposto do selo das operações financeiras em que interviessem exclusivamente instituições de crédito e sociedades financeiras constaria de alíneas separadas, dado serem distintos os pressupostos das isenções aplicáveis respetivamente à utilização do crédito e aos juros e às comissões cobradas: no primeiro caso, a isenção aproveitava às instituições de crédito e sociedades financeiras, no segundo caso, exclusivamente às instituições de crédito.

A isenção dessas alíneas e) e f) do nº 1 do art. 6º do Código do Imposto do Selo, no entanto, como anteriormente se referiu, apenas se aplicava respetivamente à concessão de crédito e juros cobrados por instituições de crédito e sociedades financeiras a entidades da mesma natureza, ou seja outras instituições de crédito e sociedades financeiras e às comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições de crédito e não às sociedades financeiras e outras instituições financeiras. (…)

No entanto, o artigo 37.º da Lei n.º 30-C, de 29 de Dezembro de 2000 (Orçamento do Estado para o ano de 2001), veio introduzir ao artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, as seguintes alterações:

“e) Os juros cobrados e a utilização de crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a instituições, sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito e sociedades financeiras previstas na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças;

f) As comissões cobradas por instituições de crédito a outras instituições da mesma natureza ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito previstos na legislação comunitária, domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado a definir por portaria do Ministro das Finanças.

 

2 - O disposto nas alíneas e) e f) apenas se aplica às operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquelas alíneas. [...]”.

 

28.  Como resulta do supra exposto, com a redação dada ao n.º 2 do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, na versão introduzida pela LOE para 2001, o legislador determinou que as isenções previstas nestas duas alíneas se restringissem “às operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito”. Assim, a isenção apenas seria de aplicar às comissões da verba 17 quando estivessem diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas nas alíneas anteriores. A isenção em causa ficaria, assim, limitada ao crédito, respetivos juros e comissões associadas ao contrato, com vista ao financiamento da atividade tradicional das instituições de crédito, a concessão de crédito limitando, claramente, o sentido e alcance das isenções das alíneas e ) e f) do nº 1. Porém, esta versão havia de perdurar apenas algum tempo.

 

29.  De todo o modo, a sucessão de alterações a este regime não parou por aqui, no que especificamente respeita às operações em análise, o que aliás suscitou ao longo dos anos múltiplos esclarecimentos sobre a sua interpretação. Porém, a AT, mesmo na vigência das alterações introduzidas pela LOE para 2001, nunca perfilhou o entendimento segundo o qual as isenções das alíneas e) e f) se aplicarem apenas às operações diretamente relacionadas com a concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.

 

30.  Com a LOE para 2003[3] foi abolido o nº 2 do artigo 6º do CIS em vigor ao tempo, passando os nºs 3 e 4 da anterior redação a ser os nºs 2 e 3 da nova redação  e as alíneas e) e f) foram transformadas numa só alínea [alínea e)], a qual passou novamente a isentar de imposto os juros e comissões cobradas, bem como a utilização do crédito concedido por instituições de crédito e sociedades financeiras a sociedades de capital de risco, ampliando substancialmente o regime de isenção, nomeadamente, aplicando-o às comissões e juros cobrados e ao crédito utilizado pelas sociedades de capital de risco no âmbito das operações realizadas entre as sociedades de capital de risco e instituições de crédito ou sociedades financeiras. De recordar que, por não serem instituições de crédito, as sociedades de capital de risco não aproveitavam dos benefícios previstos na anterior redação dessas alíneas, passando, agora, a beneficiar da isenção.

 

31.   Todas estas alterações legislativas que se sucederam no tempo transmitem, claramente, uma intenção consciente do legislador em regular fiscalmente as atividades em presença. Não oferece dúvida, portanto, que com a ultima alteração introduzida e referida no ponto anterior, a intenção do legislador foi isentar aquelas operações da incidência de IS. Esta versão, aliás, veio promover a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras. No mesmo sentido do propugnado vai a letra do preceito.

 

32.  A interpretação da AT quanto a esta questão, pretendendo a limitação da isenção às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida, não encontra suporte legal, além do que o objeto das sociedades de capital de risco não é a concessão de crédito mas a aquisição de instrumentos de capital próprio. Conclui-se, assim, da evolução histórica do preceito que apenas durante a vigência da redação dada pelo artigo 37º da Lei nº 30-C de 29 de dezembro, a isenção tinha como elemento catalisador o crédito concedido. Conclui-se assim que a isenção do artigo 7º, nº 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, antes da entrada em vigor da Lei nº 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, como se defende no relatório de inspeção em que a liquidação se baseou.

 

33.  Chegados aqui, resta aferir sobre o sentido e alcance da Lei n.º 7-A/2016, nomeadamente, saber se a norma introduzida no nº7 adicionado ao já referido artigo 7º, é meramente interpretativa ou não, já que desta conclusão depende a sua possível aplicação retroativa, como pretende a Requerente.

Não há dúvida que, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, estão isentos de imposto “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliárias nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.”

 

Porém, n.º 7 do mesmo preceito, introduzido com a LOE para 2016, afirma que “O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

 

Assim, constata-se que a redação atual da alínea e) corresponde à que resultava da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro. Verdadeiramente inovador é o que resulta do seu n.º 7, que foi adicionado pelo artigo 153º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (LOE 2017), mas que o artigo 154.º da mesma LOE qualificou de norma interpretativa.

Será assim?

 

34.  Entende-se que a lei interpretativa se integra na lei interpretada (artigo 13.º do Código Civil), aplicando-se a situações e factos anteriores. No entanto, como bem salienta a Requerente, só poderá ser considerada como norma interpretativa se fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, e uma solução os tribunais poderiam ter adotado. Se assim não for, a lei nova, ainda que o legislador lhe atribua natureza interpretativa, não poderá aplicar-se a factos ocorridos em momento anterior à da sua entrada em vigor, sob pena de se permitir que a possibilidade de consagrar normas interpretativas fosse utilizada para contornar o princípio da não retroatividade fiscal, com manifesta fraude à lei constitucional, permitindo a ofensa grave das legitimas expectativas dos contribuintes.

O problema emerge quando o legislador designa uma norma de “lei interpretativa” quando na verdade está em causa uma lei inovadora, tratando-se em muitas situações de um disfarce de retroatividade autentica da lei nova. Será esse o caso?

 

35.  Segundo Baptista Machado[4] uma lei nova é realmente interpretativa se se verificarem dois requisitos: “que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

 

36.   Aplicando estes critérios (sábios e lapidares) ao caso em apreço depois de toda a explanação e considerandos expostos ao longo desta decisão, afigura-se claro que a norma agora introduzida (nº 7), veio consagrar uma solução inovadora, diferente da que vigorava até então. De igual modo, ficou também demonstrado que a lei nova veio consagrar um sentido que pelo menos depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 32-B/2002, é claramente inovador. Tanto assim é que a lei nova veio precisamente reintroduzir uma redação para este n.º7 do artigo 7.º do CIS muito similar à redação que havia sido instituída pela Lei do Orçamento do Estado para 2001 para o então artigo 6.º do CIS, e que vigorou até ser expressamente revogada pela Lei n.º 32-B/2002 (Lei do Orçamento do Estado para 2003). Todo o percurso legislativo descrito foi ponderado e consciente, não se trata, pois, de um certo sentido possível que a versão anterior já contemplasse. Trata-se, outrossim, de não considerar abrangidas pela isenção operações que até aí estavam isentas.

 

A norma é, pois, claramente inovadora, no sentido de traduzir uma alteração substantiva de regime (perda do benefício de isenção), em conformidade com a opção legitima de mudança de política fiscal nesta matéria. Ora, a opção legislativa é totalmente legítima desde que vigore apenas e só para o futuro, aplicando-se apenas aos factos tributários ocorridos após a entrada em vigor da nova lei. Outro entendimento seria permitir a violação ostensiva do princípio da não retroatividade fiscal expressa e inequivocamente consagrado pela nossa Constituição, o que é inaceitável face ao princípio da proteção da confiança, da legalidade fiscal e do próprio Estado de Direito, que impõe aos órgãos de soberania o respeito escrupuloso pela CRP.

 

37.  Em suma, a Lei do Orçamento para 2016 veio, desta forma, restringir o campo de aplicação da isenção em imposto do selo prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, revelando uma opção legislativa diferente da que vigorava na lei imediatamente anterior. Nessa medida a nova versão introduzida com a LOE para 2916 é inovadora. Ora, ao ser designada pelo legislador de interpretativa, a consequência desejada é a sua aplicação desde a vigência da norma interpretada. O que vale por dizer que poderá aplicar-se retroativamente. Mas se assim se entendesse, a sua aplicação violaria, necessariamente, o princípio da não retroatividade da lei fiscal, pois que os sujeitos passivos serão, desta forma, confrontados com a imposição de um encargo fiscal, apenas limitado pelo prazo de caducidade do imposto, com que não contavam. Tal consubstancia manifesta violação de lei, por violação do princípio da não retroatividade, consagrado no artigo 12º da Lei Geral Tributária e no artigo 103º, nº3 da Constituição da República Portuguesa.

 

38.   Invoca a Requerida a jurisprudência dos Tribunais superiores que já se terão pronunciado sobre esta questão. Porém, analisados os Acórdãos mencionados pela Requerida, constata-se que a referida jurisprudência não abrange, direta ou indiretamente, as comissões de gestão dos fundos de pensões cobradas aos fundos pelas sociedades gestoras e, em geral, as comissões ou outras contraprestações resultantes da prestação de serviços financeiros, sujeitos à verba 17.3.4. As comissões a que se reporta a jurisprudência invocada são as comissões cobradas pelo exercício da atividade de mediação seguradora, tributadas pela verba 22.2, que se distingue da prestação de serviços financeiros abrangidos pela verba 17.3.4, ambas da TGIS.

 

Citando, mais uma vez, o Acórdão Arbitral proferido no processo nº 348/2016-T: “O imposto do selo sobre essas comissões tem natureza distinta daquele a que se refere a verba 17.3.4. da Tabela Geral: na verdade, como refere o Acórdão de 15 de junho de 2016 anteriormente citado, essas comissões não são a contraprestação de qualquer serviço financeiro mas um serviço que, embora conexo com uma atividade financeira, no caso, a atividade seguradora e, por isso, isento de IVA nos termos do n.º 29.º, atual 28.º, do Código do IVA e objeto da regulação específica no Decreto-Lei n.º 144/2006, não é materialmente um serviço financeiro, ainda quando prestado por instituição de crédito, como admite o artigo 11.º do referido Decreto-Lei. (…)

Aquele imposto não é, ao contrário do previsto nessa sub-verba 17.3.4. um imposto indireto, mas um imposto direto, incidindo sobre o proveito bruto do mediador, através do sistema de retenção na fonte efetuada pela empresa seguradora.  É o que diretamente resulta da já referida alínea o) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, que considera esse imposto encargo do mediador e não da empresa seguradora, que se limita a deduzir o imposto nas comissões pagas ao mediador. Em suma, as comissões de mediação, além de a sua causa ser o exercício de uma atividade substancialmente não financeira, não são, segundo essa jurisprudência, cobradas ao cliente do mediador, motivo pelo qual não estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4. nem estão abrangidas pela isenção do artigo 6.º [atual artigo 7.º, n.º 1, alínea e)], do Código do Imposto do Selo. Não é, desse modo, legítima a extrapolação dessa jurisprudência sobre o sentido e alcance do mencionado preceito para o caso dos autos e em ordem a excluir da isenção do imposto do selo as comissões cobradas em virtude do exercício da atividade de gestão de fundos de pensões. Nem tão pouco pode ser invocada essa jurisprudência como corrente jurisprudencial consolidada consagradora de um sentido inequívoco que resultasse claramente da lei antiga e que a lei nova se tivesse limitado a acolher. “

 

39.  Em conclusão, por todas as razões expostas, considera-se que a Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista no artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS, de forma inovadora. Aqueles preceitos ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de considerar-se retroativos e, como tal, ilegais por violação da lei e da constituição, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica inspiradores do princípio da não retroatividade fiscal.

Ainda que se entendesse estarmos perante verdadeira norma interpretativa (lei interpretativa material e não puramente formal), a legitimidade do alcance interpretativo do artigo 7.º, n.º1, alínea e), do CIS conferido pelos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016 estaria sempre ferida de inconstitucionalidade, por violação da proibição constante o artigo 103.º, n.º3, da CRP.  Como bem referem Jónatas Machado e Paulo Nogueira da Costa[5] que as normas interpretativas “não têm apenas uma natureza declarativa, produzindo efeitos constitutivos. Na medida em que vinculam os tribunais a uma determinada interpretação, entre várias em abstrato possíveis e já acolhidas por outros tribunais, elas implicam, inevitavelmente, uma aplicação retroativa da lei interpretanda”. Neste sentido, vale a jurisprudência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, processo 762/98, que, sobre a questão da eventual retroatividade de norma interpretativa, considerou que “as leis interpretativas que vinculem retroativamente o intérprete são incompatíveis com a proibição da criação de impostos retroativos.”

Para o Tribunal Constitucional, as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expetativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada. Todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, nos casos em que a lei constitucional proíba a sua retroatividade, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. Assim, a  exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas, seguindo ainda esse Acórdão, leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica, com a consequente frustração do princípio constitucional da irretroatividade dos impostos.

 

40.  Nesta medida, retornando ao caso dos autos, mesmo que se qualificasse a nova lei de  interpretativa, sempre chegaríamos à mesma conclusão, porquanto ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do n.º 1 o artigo 13.º do Código Civil, altera o contexto de auto vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito vigente ao momento do facto tributário e, consequentemente, afeta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroatividade.

41.  No presente caso, não existia, antes da edição da norma interpretativa, qualquer corrente doutrinária ou até jurisprudencial que sustentasse a posição que veio a ser adotada, não se podendo considerar como tal, é evidente, a fundamentação do ato impugnado. Nessa medida, no que concerne ao novo n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação que é dada à alínea e) do anterior n.º 1, pelo artigo 152.º, com o alcance do artigo 154.º ambos da Lei n.º7-A/2016, não pode ser considerada genuinamente autêntica. A genuinidade da interpretação é pressuposto de aplicação de toda e qualquer norma formalmente interpretativa.

 

42.  Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à Autoridade Tributária ao não considerar as comissões cobradas pela Requerente isentas de Imposto do Selo em conformidade com o disposto no artigo 7º, nº1, alínea e), do CIS. Tendo sido esse o entendimento subjacente às liquidações impugnadas, há que decidir pela sua ilegalidade e consequente anulação.

 

43.  Termos em que, decide este Tribunal, pela procedência do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios, objeto do pedido arbitral, por violação de lei decorrente do erro sobre os pressupostos do direito aplicável, quanto ao sentido e alcance dos mencionados preceitos, com a consequente anulação das mesmas.

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios:

 

44.  Alega a Requerente que, caso obtenha ganho de causa na presente ação e considerando-se as liquidações de Imposto do Selo e juros compensatórios ilegais, deverá a AT pagar juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

45.  Estabelece o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso, os erros que afetam as liquidações (de imposto e juros) são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os atos de liquidação ilegais, no seguimento de um procedimento inspetivo, tudo por sua iniciativa.

46.  De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.”

47.   No mesmo sentido, dispõe o artigo 100.º da LGT que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

48.  A doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores e arbitral têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida.[6] Aliás, isso mesmo se extrai da  lei de autorização legislativa concedida ao Governo para aprovação do RJAT, constante do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, onde se afirma a intenção de uma verdadeira alternatividade entre o processo judicial e o processo arbitral tributários, ali se lendo que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

49.  Não se diga que, a circunstância do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais tributários, não fazendo referência expressa a decisões constitutivas (anulatórias) e decisões condenatórias, obsta à condenação nos juros indemnizatórios. É que tal deve ser entendido, de harmonia com a autorização legislativa e, obviamente, com os efeitos assacados às decisões arbitrais previstos no artigo 24º, nº1, alínea b) do RJAT, garantindo a plena reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

50.  De realçar que, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – isso não impede de nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, pelo que, idêntica conclusão se impõe no âmbito do processo arbitral tributário.

51.  No caso dos presentes autos, como ficou demonstrado, as liquidações adicionais de Imposto do Selo e juros compensatórios impugnadas enfermam de ilegalidade imputável à Requerida, que, por sua iniciativa os praticou sem suporte legal.

52.   Tem, pois, a Requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º, nº1, da LGT, relativamente ao valor do imposto e juros indevidamente pagos, contados desde a data em que tais valores foram indevidamente pagos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

VI - DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar procedente o pedido arbitral deduzido e anular os atos tributários de Liquidação de imposto e juros compensatórios impugnados nos autos, no valor total de € 30.221,20;

b)       Em consequência, da anulação, condenar a Requerida a restituir o imposto indevidamente pago pela Requerente em cumprimento das liquidações ora anuladas, acrescido de juros indemnizatórios a partir da data do pagamento das liquidações anuladas até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do nº 1, do artigo 43º da LGT, nos termos acima fixados.

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €30.221,20 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de novembro de 2017

 

 

O Tribunal Arbitral,

 

 

 (Maria do Rosário Anjos)

 



[1] Alterada pelas Diretivas n.ºs 2011/61/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho, e 2013/14/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2013. O Decreto-Lei n.º 124/2015 de 7 de junho, relativo às atividades e à supervisão destas entidades, que operou a sua transposição parcial para a ordem jurídica interna.

[2] Cfr. Ac. Arbitral de 02-05-2017, in Proc. 348/2016-T.

[3] Cfr.: Lei nº 32- B/2002, de 31 de dezembro 2002.

[4] Cfr: Baptista Machado, J. (2010) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18º Reimp. Almedina, pags245 e ss.

[5] Cfr. Jónatas Machado, Paulo Nogueira da Costa (2012) Curso de Direito Tributário, Almedina, 2012.

[6] Cfr. Carla Castelo Trindade (2016), Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, pp. 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, pp. 116.