Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 282/2017-T
Data da decisão: 2017-11-11  IUC  
Valor do pedido: € 1.585,39
Tema: IUC – Incidência subjectiva.
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

  1. A..., contribuinte n.º…, residente em Rua …, Lote …, …, … Santarém, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária com vista declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), e respetivos juros compensatórios, relativos ao período de tributação de 2013 e aos veículos automóveis com os números de matrícula …-…-… e …-…-…, na importância total de € 1 585,39.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 21-04-2017, o Requerente, na qualidade de revertido em processos de execução fiscal cujo devedor originário é a sociedade B… Ld.ª, invoca a ilegalidade das liquidações impugnadas, alegando, em síntese,  que os veículos em causa já não se encontravam na posse da executada no período em causa em virtude de terem já então sido transmitidos a terceiros, por contratos de compra e venda celebrados em momento anterior ao da exigibilidade do imposto a que respeitam as questionadas liquidações.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-04-2017.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 14-06-2017.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30-06-2017.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Considerando estar-se, essencialmente perante uma questão de direito e atento o conhecimento que decorre das peças processuais junto ao processo, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

 

 

 

 

II. Matéria de facto

 

11. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais que, com base nos elementos que integram o presente processo, se consideram provados:

 

11.1. Em 26-04-2015 foram efetuadas liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC), bem como dos respetivos juros compensatórios, com referência ao período de tributação de 2013 e aos veículos com as matrículas …-…-… e …-…-…, nos montantes, respetivamente, de € 976,92, e € 608,47.

 

11.2. Oportunamente notificadas ao respetivo sujeito passivo, B… Ld.ª, e tendo terminado em 04-06-2015 o prazo de pagamento voluntário, foram instaurados, no Serviço de Finanças de …, os processos de execução fiscal n.ºs …2015… e …2015… para cobrança coerciva das importâncias em dívida (cfr. Docs. 1 e 2).

 

11.3. Em face do insucesso das diligências desenvolvidas no sentido da cobrança das dívidas exequendas foi, por despachos de 21-11-2016 do chefe de finanças de …– órgão da execução – determinada a reversão das execuções contra o ora Requerente, na qualidade de responsável subsidiário.

 

11.4. Na referida qualidade, foi o ora Requerente citado em 02-12-2016, conforme consta de documentos juntos ao processo.

 

III. Matéria de direito

 

12. O Requerente, na qualidade de revertido nas execuções instauradas contra B…, Ld.ª vem, com a legitimidade que lhe advém do disposto nos artigos 22.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária e 9.º, n.º 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário, impugnar as liquidações de Imposto Único de Circulação a que se referem as dívidas em cobrança coerciva nos já acima identificados processos de execução fiscal.

 

13. Fundamenta o seu pedido na circunstância de, à data da exigibilidade do tributo em causa, com referência ao período de 2013 e veículos com os números de matrícula …-…-… e …-…-…, estes se não encontrarem já na esfera patrimonial da executada originária, por terem já então sido objeto de transmissão para terceiros por contrato de compra e venda.

 

14. Segundo alega, o facto de os veículos em causa se encontrarem, naquela data, inscritos na Conservatória do Registo Automóvel em nome da executada originária, qualificando esta de sujeito passivo da obrigação de imposto cederia perante prova de não ser a mesma sua proprietária, porquanto a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC consagra uma mera presunção, ilidível nos termos gerais.

 

15. Diferente é o entendimento da Requerida, no sentido de que a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "o legislador tributário ... estabeleceu expressa e intencionalmente que estes (os sujeitos passivos do IUC) são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados"

 

16. Entretanto, por requerimento de 10-10-2017, o Requerente, na sequência de notificação de despacho proferido com vista ao esclarecimento da data da citação da reversão das execuções, veio suscitar a eventual inutilidade superveniente da lide, considerando que “... a AT , veio no processo de impugnação judicial sob o P.º …/15… BELRA, do TAF de Leiria, onde é impugnante o ora respondente, informar que no que respeita à viatura com a matrícula …-…-…, em que se encontram impugnadas liquidações de IUC a ela respeitantes, veio aquela desistir das liquidações porquanto em face de “certidão emitida pela Alfândega Marítima de Lisboa, que foi declarada para exportação através do DAU de exportação n.º… de 03.03.2006...”

 

 17. Em reposta ao alegado pelo Requerente, vem a Requerida “...dizer que o requerimento da Requerente é desprovido de sentido, uma vez que a AT não emitiu nenhum ato administrativo ou tributário sobre o processo que está aqui em discussão, pelo que não há qualquer inutilidade superveniente da lide. Aliás, a AT está, nesta altura processual, impedida de praticar qualquer ato procedimental, sob pena de todos os atos praticados serem nulos, nos termos do artigo 13º, n.º3, do Regime Jurídico da Arbitragem...”

 

18. Com efeito, extrai-se do documento junto ao pedido do Requerente que na impugnação que invoca como fundamento do pedido de declaração de inutilidade superveniente da lide estão efetivamente em causa liquidações de IUC referentes ao veículo que identifica, mas com referência aos períodos de tributação de 2008 a 2011. Estando em causa no presente processo uma liquidação de IUC relativa à referida viatura respeita a mesma ao período de 2013 pelo que, conforme sustenta a Requerida, não se verifica a invocada inutilidade.

 

19. Porém, previamente à apreciação do mérito do pedido, coloca-se a questão de conhecer-se da sua tempestividade, isto é, da eventual caducidade do pedido de pronúncia arbitral.

 

20. Conforme se extrai dos documentos juntos ao presente processo na sequência de despacho de 27-09-2017, o Requerente foi citado em ambas a execuções fiscais relativas às dívidas a que respeitam as liquidações impugnadas em 02-12-2016.

 

21. De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no “No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário...”.

22. O termo inicial do referido prazo situa-se, no caso de impugnação deduzida pelo revertido, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º5, da Lei Geral Tributária, na data da citação do responsável subsidiário em processo de execução fiscal, conforme dispõe o artigo 102.º, n.º 1, alínea c).

 

22. De acordo, pois, com as disposições conjugadas da alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e alínea c), n.º 1, do artigo 102.º do CPPT, o Requerente dispunha do prazo de 90 dias para propositura da ação, sendo esse prazo contado a partir de 02-12-2016.

 

23. Como é pacífico na jurisprudência, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, sendo contado de acordo com as regras do artigo 279.º do Código Civil, conforme decorre do artigo 20.º, n.º1, do CPPT.

 

24. Do exposto resulta, assim, que o prazo de 90 dias para requerer a constituição do tribunal arbitral se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil: contagem contínua, iniciada no dia posterior ao da notificação, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, caso termine a um sábado, domingo ou feriado.

 

25. A questão da natureza deste prazo tem sido objeto a apreciação em sede arbitral e do Supremo Tribunal Administrativo, conforme é referido no Processo 314/2014-T, de que se extrai: “ 55 - Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do artigoº 279.º do Código Civil (CC) e do artigoº 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Trata-se, com efeito, de um prazo perentório, cujo decurso, extingue o direito de praticar o ato, no caso, o pedido de constituição e pronúncia deste Tribunal Arbitral.”

 

26. Aderindo, sem reserva, à fundamentação e conclusão acima expostas, verifica-se que o termo inicial do prazo para deduzir o pedido de pronúncia arbitral se situa no dia 02-12-2016, pelo que, contado nos termos do artigo 279.º do Código Civil, o seu termo se situa no dia 02-03-2017.

 

27. Assim, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 21-04-2017, havia já então caducado o direito de ação por parte do Requerente.

 

28. Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar improcedente o pedido, por intempestividade e, consequentemente, abster-se de apreciar o mérito da causa e condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 1 585,39, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 306, 00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 11 de Novembro de 2017,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira