Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 296/2017-T
Data da decisão: 2018-03-02  IRS  
Valor do pedido: € 787.780,92
Tema: IRS - Cláusula Geral Antiabuso - Artigo 38º, nº 2, da LGT
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Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), José Rodrigo de Castro e Américo Brás Carlos (árbitros vogais), designados nos termos do artigo 6º, nº 2, alínea b), e do artigo 11º, nº 6, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, acordam na seguinte:

DECISÃO ARBITRAL 

1. Relatório

A…, SA, com o NIPC…, e sede na Rua…, n.º…, …, …-… Loures, apresentou um pedido de pronúncia arbitral nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 3.º do RJAT, requerendo a declaração de ilegalidade e consequente anulação das seguintes liquidações de Retenções na Fonte de IRS:

Nº liquidação

Ano da retenção

Valor a pagar (€)

2016 …

2012

282 150,41

2016 …

2013

505 630,51

no valor total de 787.780,92 Euros, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Em síntese, a sociedade A…, SA (Requerente) defende que aquelas controvertidas liquidações estão feridas de ilegalidade, por:

  1. Falta de notificação da decisão de aplicação da cláusula geral antiabuso para exercício da audição prévia a B… (daqui para a frente, B…) e C… (daqui para a frente, C…), enquanto alegados beneficiários das vantagens fiscais.
  2. Aplicação indevida da cláusula geral antiabuso e consequente violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, em virtude de não ocorrer a verificação cumulativa dos elementos - meio, resultado, intelectual e sancionatório - constantes do nº 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária (LGT);
  3. Inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da cláusula geral antiabuso.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.

O tribunal foi constituído em 11/7/2017, tendo, nos termos do nº 2 do artigo 21º do RJAT, sido prorrogado por dois meses o prazo para prolação da decisão arbitral.

A Requerida argumenta no sentido da improcedência do pedido porque, em resumo, deve, por força do nº 2 do artigo 38º da LGT, ser desconsiderada para efeitos tributários, a constituição e manutenção das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, D…– SGPS, S.A., e E…- SGPS, S.A., detidas pelos irmãos B… e C…, ao tempo únicos acionistas da Requerente.

Segundo a Requerida, a criação e manutenção de tais SGPS permitiram a B… e a C…, por via da instrumentalização destas sociedades holdings, como meros veículos, obter senão vantagens fiscais relacionadas com o encobrimento da distribuição de dividendos da sociedade Requerente (operação real) sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, al. h) do CIRS, sob a aparência de pagamentos do preço das ações por si alienadas (operação aparente) excluídos de tributação em sede de IRS.  

Não havendo outra prova a produzir, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT. 

Foram apresentadas alegações escritas pelas Partes, tendo a Requerida se limitado a remeter para o relatório inspetivo e a resposta.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas.

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) A Requerente tem por objeto social a “indústria e comércio de alimentos congelados” e está enquadrada no regime geral do IRC, sendo o seu lucro tributável determinado nos termos do nº 1 do artigo 17º do CIRC.

b) Em 2001, B… e C… detinham, respetivamente, 49% e 51% do capital da Requerente e eram seus administradores.

c) Em Dezembro de 2001 a A… foi objeto de uma avaliação por uma Sociedade de ROC’S, que fixou o seu valor global entre € 16.465.986,63 e € 16.919.084,20;

d) Em 2001, B… alienou a sua participação na Requerente à sociedade F…, SGPS, por si constituída e recomprou as mesmas ações em 2003 por €7.619.137,87.

e) Em 2001, C… alienou a sua participação na Requerente à sociedade G…, SGPS, por si constituída e recomprou as mesmas ações em 2003 por €8.105.465,83.

f) As mais – valias resultantes da venda e da recompra das referidas ações não eram, ao tempo, susceptíveis de tributação para qualquer das entidades envolvidas, por força do artigo 10º, nº 2 do CIRS e do artigo 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), então vigentes.

g) No início de 2004, B… e C… detinham, respetivamente, 49% e 51% do capital da Requerente e eram, e continuaram sendo, os seus administradores.

h) Em 2004, B… constituiu a D…, SGPS, SA a quem vendeu 47% do capital da Requerente por €7.619.137,87 (o mesmo valor porque recomprou as ações à F…, SGPS) ficando na sua esfera pessoal com 2% do capital da Requerente; e C… constituiu a E…, SGPS, SA, a quem vendeu 50% do capital da Requerente por €8.105.465,83, (o mesmo valor porque recomprou as ações à G…, SGPS) ficando na sua esfera pessoal com 1% do capital da Requerente.  

i) Nos contratos de compra e venda indicados na alínea anterior, para além da sua qualidade de alienantes, B… e C… participaram também como representantes, respectivamente, da D…, SGPS e da E…, SGPS, nas suas qualidades de seus administradores únicos. 

j) As compradoras D…, SGPS e E…, SGPS, não efetuaram os respetivos pagamentos do preço das ações da Requerente no momento da assinatura dos contratos, como contratualmente previsto, gerando-se nestas sociedades dívidas de montantes iguais aos dos preços de aquisição, para com os alienantes, respetivamente, B… e C… . 

l) Esta dívida da D…, SGPS, para com B…, foi sendo amortizada ao longo dos anos e era de € 5.354.271,87 no início de 2012 e de €4.709.271,87 no início de 2013; e a dívida da E…, SGPS para com C…, depois de alguma amortização ao longo dos anos, era de €5.791.733,26 no início de 2012 e de €5.096.733,26 no início de 2013 e de 2014.

j) Durante os exercícios económicos de 2004 a 2013, as sociedades D…-SGPS e E…-SGPS não detiveram quaisquer outras participações sociais, para além das ações da Requerente que adquiriram, respetivamente, a B… e a C… .

k) B… e C… detinham o domínio e controlo, respetivamente, da D…-SGPS e da E…-SGPS, com 99,9925% do capital social, sendo em 2012 e 2013 os seus administradores únicos, cumulativamente com o exercício das funções de administradores, nos termos de contrato escrito.

l) De 2004 a 2010, a Requerente não distribuiu dividendos aos seus acionistas, quer às SGPS, quer aos acionistas individuais, tendo no entanto obtido lucros acumulados no valor de €7.617.085,16, que, acrescidos aos dos anos anteriores, totalizavam €12.524020,38.

m) A A…, durante os anos de 2004 a 2013 procedeu ao pagamento de gratificações aos seus administradores –B… e C…- e ao pessoal, nos termos seguintes:

ANOS

GRATIFICAÇ. AOS ADMIN. €

GRATIF. AO PESSOAL €

2004

100.000,00

144.850,00

2005

77.000,00

85.250,00

2006

77.000,00

97.900,00

2007

77.000,00

42.500,00

2008

70.000,00

67.400,00

2009

60.000,00

48.000,00

2010

SOMAS PARCIAIS

50.000,00

                                       (                                       511.000,00)    

125.100,00

(489.150,00)

2011

75.000,00

126.000,00

2012

71.400,00

125.000,00

2013

16.000,00

158.050,00

SOMAS

673.400,00

898.200,00

n) Relativamente a cada um dos exercícios de 2011 e 2012, foram distribuídos €1.000.000,00 de dividendos; e relativamente ao exercício de 2013 foram distribuídos dividendos no montante de €1.650.000,00.

o) A distribuição daqueles dividendos resultaram de deliberações em assembleias gerais da Requerente, estando presentes B… e C…, tendo, não obstante a constituição da D…-SGPS e da E…-SGPS, ficado exarado nas respetivas atas que estes sócios representavam a totalidade do capital.

p) Ao longo dos exercícios económicos de 2004 a 2013, verificou-se que os rendimentos contabilizados pelas D…-SGPS e pela E…-SGPS, foram os dividendos distribuídos pela Requerente em 2011, 2012 e 2013, e os rendimentos relativos à prestação de serviços técnicos de administração e gestão prestados por estas holdings à sociedade Requerente.

q) Em 1 de setembro de 2004, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a sociedade D…-SGPS representada naquele ato, pelo seu administrador único, B… e a sociedade Requerente, representada pelos seus administradores C… e B…, onde aquela holding “compromete-se a prestar serviços técnicos de administração e gestão” à Requerente.

r) Também em 1 de setembro de 2004, a sociedade E… -SGPS celebrou um contrato de prestação de serviços, em termos semelhantes ao celebrado entre a sociedade D…-SGPS e a sociedade Requerente, pelo qual a E…-SGPS, representada pelo seu Administrador único, C… se compromete “a prestar serviços técnicos de administração e gestão” à Requerente, representada pelos seus administradores C… e B… .

s) Foi informado pela D…-SGPS que as “prestações de serviços técnicos de administração e gestão” contratadas “tiveram especial preponderância ao nível da intervenção dos administradores ao nível do planeamento estratégico e de expansão de negócios da A… (v. Anexo 4 do processo administrativo).

t) Em ambos os contratos ficou estabelecido o pagamento de contraprestações trimestrais, que foram faturadas por cada uma destas sociedades (D… e E…) à sociedade Requerente, no montante de €68.100,00 acrescido de IVA à taxa em legal em vigor, sendo o valor atualizado de acordo com a cláusula 4 dos referidos contratos.

u) Nos exercícios económicos de 2004 a 2011, relativamente aos gastos com o pessoal, tanto a D…-SGPS como E…, SGPS não dispunham de colaboradores, declarando apenas gastos com os seus órgãos sociais.

v) Em 2012, a D…-SGPS admitiu os seguintes trabalhadores: I…, detentor de uma ação da D… e filho do accionista maioritário (com 39.997 ações de um total de 40.000) e administrador único B…; J…, detentor de uma ação da D… e filho do accionista maioritário e administrador único B…; K…, detentora de uma ação da D… e esposa do accionista maioritário e administrador B… .

w) Em 2012, a E…-SGPS, admitiu L…, filha do seu accionista maioritário e administrador único C… .

x) Em 19.09.2013, a sociedade E…-SGPS, adquiriu 47% do capital da Requerente à D…-SGPS por €6.714.285,71 e 2% a B… por €285.714,29, passando a deter 99% do capital da sociedade Requerente.

y) De 2004 a 2013, a Requerente apresentou o seguinte histórico de proveitos/volume de negócios:

Ano

Total de Proveitos/Vol. Negócios

2004

€ 40.597.947,94

2005

€ 41.687.912,24

2006

€ 43.869.233,74

2007

€ 42.235.168,65

2008

€ 41.078.130,71

2009

€ 39.542.629,37

2010

€ 45.272.906,62

2011

€ 50.512.720,17

2012

€ 53.098.336,53

2013

€ 48.881.117,96

 

z) De 2004 a 2013, a Requerente (A…, SA) apresentou o seguinte histórico de Resultados Líquidos e de Lucros distribuídos:

ANO

RESULTADO

LÍQUIDO

LUCROS DISTRIBUÍDOS

2004

 1 359 835, 20

-

2005

    838 817, 85

-

2006

    959 805, 08

-

2007

    461 162, 23

-

2008

    972 676, 78

-

2009

    897 844, 96

-

2010

 2 126 943, 06

-

2011

 1 643 567, 42

     1 000 000, 00

2012

 1 089 895, 44

     1 000 000, 00

2013

 1 840 663, 78

     1 650 000, 00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

aa) Para exercício do direito à audição prévia relativamente às liquidações controvertidas, foi apenas notificada a Requerente e não os seus sócios B… e C… .

bb) A aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT foi previamente autorizada nos termos do nº 7 do artigo 63º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT). 

 

2.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados tiveram por base a apreciação crítica da posição processual assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos apresentados e nas informações oficiais juntas ao processo, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.

 

3. MATÉRIA DE DIREITO

  1. QUANTO À ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES

 

No caso em apreço são impugnadas as liquidações de IRS n.ºs 2016…, do ano de 2012, na importância de € 282.150,41 e 2016…, do ano de 2013, na importância de € 505.630,51, cuja legalidade se contesta com base nos seguintes fundamentos:

 

  1. Falta de notificação da decisão de aplicação da CGAA – Cláusula Geral Antiabuso;
  2. Aplicação indevida da CGAA e consequente violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito; e
  3. Inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da CGAA.

3.1-b. Aplicação indevida da CGAA e consequente violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

A questão central que vem posta centra-se na verificação ou não dos pressupostos de aplicação da CGAA, que cumpre começar por apreciar.

Alega a Requerente que a liquidação efetuada encontra-se ferida de ilegalidade, por aplicação indevida da CGAA e consequente violação da lei por erro nos pressupostos.

Para tanto, invoca que a CGAA, cuja aplicação se mostra prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, “depende da verificação de quatro requisitos cumulativos, que a verificarem-se permitem a respetiva estatuição da norma, o elemento sancionatório, e que Gustavo Lopes Courinha, na citada obra[1] identifica como elemento meio, o elemento resultado, o elemento intelectual e o elemento normativo, adotados uniformemente pela jurisprudência como os ‘testes’ a que a respetiva aplicação deve ser submetida: se um deles falhar, a norma anti-abuso não é suscetível de ser aplicada”.

E a Requerente discorre sobre cada um dos referidos requisitos, colocando a tónica naquilo que, em seu entender, não foi utilizado nenhum meio qualificado como artificioso ou fraudulento e com abuso das formas jurídicas, porquanto este só existirá “se for mascarada a realidade de facto, para conseguir subsumir a sua situação a uma norma de incidência mais favorável”.

Entende a Requerida que “não faz sentido a existência destas (D… e E…) SGPS sem qualquer valor acrescentado, sem trabalhadores e sem investimentos, empréstimos ou qualquer aport à sociedade A…, S.A. a não ser supostos serviços de administração, pelos administradores da A…, S.A. que já são remunerados na A… por esse serviço, ou seja por serem administradores”.

Mais refere ainda que “Para se enquadrar no citado normativo, é necessário que a ‘estrutura’ sub Júdice tenha tido por fim determinante evitar a tributação que seria devida em caso de acto de substância económica equivalente”.

E ainda que “O planeamento fiscal legítimo, isto é a actuação intra legem num todo visando objetivos de poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, mas o planeamento fiscal abusivo sim, constituindo o seu combate a razão de ser da consagração, no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, da CGAA”.

E que “as práticas evasivas aproveitam-se com frequência de lacunas da lei ou de disposições legais deficientemente formuladas, mas também acontece que muitas vezes se servem da letra da lei para fins diversos daqueles que o legislador tinha em mente”.

E a AT reforça a sua tese com a conclusão de que “é seguro afirmar que não tinha o legislador em mente permitir a prática de um conjunto de actos que resultaram numa requalificação de um pagamento de uma dívida artificiosamente criada pelos accionistas junto da sociedade por si controlada em dividendos”.

Assim, apreciando,

Importa, antes de mais, citar a norma do artigo 38.º, n.º 2, da LGT:

“São ineficazes no âmbito tributário, os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.

Como se depreende, a presente norma é constituída por duas partes distintas, sendo a primeira, relativa aos requisitos de aplicação da CGAA e a segunda, relativa às consequências de aplicação da referida cláusula.

No que à primeira parte da norma respeita, podem distinguir-se nela quatro condições, a saber:

  a) Que tenha havido celebração de atos ou negócios jurídicos;

b) Que em consequência dos mesmos tenha resultado um ganho fiscal (redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios);

c) Que a celebração dos mesmos tenha ocorrido com o intuito essencial ou principal de obter tal ganho; e

d) Que os referidos atos ou negócios tenham sido celebrados por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas.

Os requisitos referidos têm natureza cumulativa e permitem aferir – como de um teste se tratasse – da verificação de uma atividade que pode ser caraterizada como um planeamento fiscal abusivo[2].

Esta análise, como escreve Gustavo Lopes Courinha, não pode ser vista de uma forma estanque: “a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro”, pelo que estes “não deixarão com frequência […] de auxiliar-se, mutuamente[3].

Realça-se que, em conformidade com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, a Administração Tributária tem sempre o ónus de provar os factos constitutivos do direito que invoca. Impende-lhe, pois, não somente o ónus de alegar, como também o de demonstrar a verificação dos referidos requisitos.

- Aliás, face ao disposto no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, conclui-se ainda que os mencionados requisitos ou elementos devem constar do Projeto e da Decisão de aplicação da CGAA.

Cumpre, pois, avaliar se a AT cumpriu as disposições legais citadas, ou seja, o ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos mencionados.

1. Elemento-meio – que corresponde ao requisito mencionado na anterior alínea a) e tem a ver com a via livremente escolhida pelo contribuinte para obter o ganho ou vantagem fiscal pretendidos[4], sendo que tal via coincidirá com a prática de actos ou negócios jurídicos – isolados ou enquanto partes de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário.

No caso dos presentes autos, não se verifica um encadeamento de negócios jurídicos, que possa permitir que se chame à colação a denominada “step-by-step transaction doutrine”.

Existem actos ou negócios jurídicos que acabam por conduzir a um certo “diferimento temporal de impostos”, mas não existe uma sequência temporal de actos ou negócios, dado que ocorre um grande intervalo de tempo entre os vários atos ou negócios ocorridos.

Veja-se, pois, o encadeamento dos atos ou negócios jurídicos praticados durante o período dito pela AT como elisivo:

1.º - Em 2000, B… e C…, eram acionistas da A…, SA, detendo cada um, respetivamente, 49% e 51% do seu capital social, no valor de € 153.846,00 e € 169.639,00.

2.º - Em Dezembro de 2001 a A… foi objeto de uma avaliação por uma Sociedade de ROC’S, que fixou o seu valor global entre € 16.465.986,63 e € 16.919.084,20;

3.º - Ainda em 2001, os acionistas B… e C…, alienaram as suas participações na A… às SGPS F… e G…, com início de atividade em 31/12/2000;

Estas alienações foram efetuadas pelos referidos acionistas, respetivamente por € 7.619.137,87 e € 8.105.465,83, às referidas F… e G…, tendo sido, conforme referido acima, o respetivo valor de aquisição, respetivamente, de € 153.846,00 e € 169.639,00.

Estas alienações não geraram tributação das mais-valias obtidas na pessoa dos acionistas, por beneficiarem da exclusão prevista no anterior artigo 10.º, n.º 2 do CIRS – alienação onerosa de ações detidas por período superior a 12 meses, segundo a AT.

Segundo a Requerente, as mais-valias realizadas não foram objeto de tributação pelo facto de, em cerca de 70% beneficiarem da exclusão tributária, por terem sido adquiridas antes de 1989 (Regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11) e os restantes 30%, essas sim, por serem detidas por um período superior a 12 meses (artigo 10.º, n.º 2 do CIRS).

4-º - Os acionistas B… e C… readquiriram pelo mesmo valor, em 2003, às sociedades F… e G…, as ações anteriormente alienadas a estas SGPS;

5.º - Em 2004, o acionista B… alienou à sociedade então constituída D…, SGPS, parte das suas ações detidas na A… pelo valor da sua anterior aquisição à SGPS F…, de € 7.619.137,87, e o acionista C… alienou parte das suas ações detidas na A…, à E…, SGPS, pelo valor com que as havia readquirido à G…, SGPS, de € 8.105.465,83.

A D…, SGPS foi constituída com o capital social de € 200.000.000,00, sendo detida a 99,9925% pelo acionista B…, tendo aquela ficado a deter 47% do capital social da A… e o acionista B… com 2%.      

  A E…, SGPS foi constituída em 2004, também com o capital social de € 200.000.000,00, sendo detida pelo acionista C…, ficando aquela a deter 50% do capital social da A… e o acionista C… com 1%.

6.º - Estas sociedades ficaram devedoras aos seus acionistas, respetivamente, de € 7.480.945,46 e € 7.967.273, 42, dívidas que as SGPS foram amortizando ao longo dos anos de, pelo menos, 2004 a 2012 e 2004 a 2013, respetivamente.

Para melhor compreensão, veja-se a evolução do Grupo:

                                               A…, SA

 

 
 

 

 

 

                                                                      

                            C…                                                   B…

                           51% C.S.                                                          49% C.S.

                                                    ANO DE 2001

 

       
   

 

 

 

                      G…, SGPS                                 F…, SGPS

                               51% C.S.                                 49% C.S.

                                                    ANO DE 2003

 

       
   

 

 

 

                            C…                                                   B…

                               51% C.S.                                      49% C.S.

                                                    ANO DE 2004

 

       
   
 

 

 

 

                       E… -SGPS                                    D…-SGPS

                               50%                                              47%

 

                                            SITUAÇÃO ATÉ 2013

            E…–SGPS              C…              D…, SGPS            B…

                  50%  C.S.               1% C.S.         47% C.S            2% C.S.

 

De relevar que foi em 2001 que os acionistas C… e B… alienaram as participações que detinham na A… às SGPS F… e G… .

            E que, ainda em 2001, a A… procedeu à reavaliação do seu património, de que resultou uma valorização das respetivas ações, conforme consta da matéria fixada nos autos.

            Em 2003, os mesmos acionistas C… e B…, readquiriram as suas ações às SGPS F… e G…, por valores muito superiores ao da venda, em razão da avaliação da A… em 2001.

            Em 2004, os mesmos acionistas procederam à alienação de, respetivamente, 50% e 47% das suas participações às SGPS E… e D…, que geraram mais-valias excluídas de tributação, por serem detidas há mais de um ano.

            Os respetivos valores dos negócios realizados constam dos anteriores quadros.

Veja-se o quadro de pagamentos da dívida a B… e C…, pelas referidas SGPS, D… e E…:

 

ANOS

DÍVIDAS A TERCEIROS/OUTROS CREDORES/B…

DÍVIDAS A TERCEIROS/OUTROS CREDORES/C…

2004

7.480.945,46

7.967.273,42

2005

7.217.345,04

7.978.581,68

2006

6.984.271,87

7.477.636,11

2007

6.804.371,98

7.297.695,11

2008

6.634.621,98

7.101.828,54

2009

6.454.271,78

6.911.733,26

2010

6.214.605,98

6.691.733,26

2011

5.354.271,87

5.791.733,26

2012

4.709.271,87

5.096.733,26

2013

0,00

5.096.733,26

7.º - Durante os anos de 2004 a 2010, a A… não distribuiu dividendos aos seus acionistas, quer às SGPS, quer aos acionistas individuais, tendo, no entanto, obtido naquele período, lucros acumulados no valor de € 7.617.085,16, que acrescidos aos dos anos anteriores totalizavam € 12.524.020,38, que poderiam ter sido distribuídos.

8.º - Durante os anos de 2011 a 2013 foram obtidos os seguintes lucros e distribuídos dividendos aos seus acionistas, da forma seguinte:

ANO

RESULTADO LÍQUIDO €

DIVIDEND. DISTRIB. €

2011

1.643.567,42

1.000.000,00

2012

1.089.895,44

1.000.000,00

2013

1.840.663,78

1.650.000,00

SOMA

4.574.126,64

3.650.000,00

9.º - A A…, durante os anos de 2004 a 2013 procedeu ao pagamento de gratificações aos seus administradores e pessoal, nos termos seguintes:

ANOS

GRATIFICAÇ. AOS ADMIN. €

GRATIF. AO PESSOAL €

2004

100.000,00

144.850,00

2005

77.000,00

85.250,00

2006

77.000,00

97.900,00

2007

77.000,00

42.500,00

2008

70.000,00

67.400,00

2009

60.000,00

48.000,00

2010

SOMAS PARCIAIS

50.000,00

                                       (                                       511.000,00)    

125.100,00

(489.150,00)

2011

75.000,00

126.000,00

2012

71.400,00

125.000,00

2013

16.000,00

158.050,00

SOMAS

673.400,00

898.200,00

Alega a AT que actos ou os negócios antes referidos, designadamente a criação das 4 SGPS referidas, e muito em particular a criação das sociedades D… e E…, foi o meio utilizado para fins abusivos, pois tratando-se de sociedades estáticas, não havia razões económicas para a sua constituição.

Mais alega que terão sido instrumentais aos acionistas para obterem vantagens fiscais, numa lógica de planeamento fiscal e utilizadas como “meros veículos” para encobrir a distribuição de dividendos da A…, ao longo de 2004 a 2013, com a “veste encaputada de pagamento de preço das ações, com exclusão de tributação em sede de imposto sobre o rendimento”.

Em primeiro lugar a forma societária escolhida, tendo por objeto a detenção de ações ou participações, é legítima, ainda que seja detida apenas uma participação financeira.

Acresce que pelas referidas sociedades foram prestados serviços técnicos de administração e gestão à A…, conforme informação constante das declarações anuais e das informações empresariais simplificadas e que se discrimina:

ANOS

      PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS…..

…  À A…

 

PELA D…, SGPS

PELA E…, SGPS

2004

136.200,00

136.200,00

2005

272.400,00

272.400,00

2006

272.400,00

272.400,00

2007

272.400,00

272.400,00

2008

272.400,00

272.400,00

2009

272.400,00

272.400,00

2010

SOMA PARCIAL

316.200,00

(1.814,400,00)

316.200,00

(1.814.400,00)

2011

360.000,00

360.000,00

2012

360.000,00

360.000,00

2013

270.000,00

270.000,00

SOMAS

2.804.400,00

2.804.400,00

E, por outro lado ainda, nos anos de 2004 a 2010, inclusivé, a A… poderia ter distribuído dividendos, face aos seus lucros acumulados de € 12,524.020,38 e não o fez.

Também quanto ao pagamento da dívida resultante da compra das ações pelas referidas SGPS, esta só resultou pelo facto de a A… ter sido objeto de uma reavaliação em 2001, por uma sociedade de ROC’S, três anos antes da constituição destas sociedades, em data, portanto, que não é legítimo supor-se que viriam a ser criadas as SGPS D… e E… .

Não fica demonstrado que a venda das ações tenha sido efetivada a um preço que indicie tentativa de transferência de mais-valias para as SGPS.

Não se afigura, desta forma, que os factos ou os negócios jurídicos praticados, atentas as razões invocadas e dado o seu desfasamento no tempo, tenham sido um meio utilizado para fins abusivos de elisão ou fraude fiscal agressiva.

Termos em que também este elemento intelectual não se mostra verificado.

  1. Quanto ao elemento resultado – deve entender-se que com a obtenção da vantagem fiscal, na sequência do elemento meio, vantagem que deve ser aferida considerando a carga tributária que se verificaria caso tivessem sido praticados os actos ou negócios jurídicos de efeito económico equivalente[5] e não passíveis de gerar a aplicação da cláusula geral anti-abuso.

 

Comparando, assim, a carga fiscal decorrente dos actos ou negócios jurídicos praticados, com a que resultaria na ausência dos mesmos, tem-se que, relativamente aos anos de 2004 a 2010, como não houve distribuição de dividendos por parte da A… aos seus acionistas, de uma forma ou de outra não haveria, neste período longo de sete anos, qualquer tributação, apesar de existirem no final de 2010 lucros acumulados de € 12,524.020,38, que poderiam ter chegado aos sócios das D… e E… sem qualquer tributação.

Não faz sentido que a AT diga que não fosse o pagamento da dívida aos acionistas B… e C…, por parte das SGPS D… e E…, estes receberiam dividendos, porquanto estas SGPS não os receberam, neste período de 2004 a 2010, da A… .

Mesmo que por força da aplicação da CGAA se desconsiderassem os actos ou negócios jurídicos praticados, nada resultava de diferente em termos de tributação entre 2004 e 2010.

Aliás, até resultaria um menor imposto, porquanto os pagamentos de gratificações pagas aos acionistas Administradores C… e B…, entre 2004 e 2010 e aos trabalhadores, atingem o valor, respetivamente, de € 511.000,00 e € 489.150,00, sujeitas a tributação em IRS, por englobamento obrigatório, assim como os pagamentos da mesma natureza, entre 2011 e 2013, no valor respetivamente de € 62.400,00 e € 409.050,00.

E também deixaria de ser cobrado IRC pelas prestações de serviços efetuadas pelas SGPS D… e E… à A…, naqueles anos de 2004 a 2013, no valor, respetivamente, de € 2.804.400,00 e € 2.834.400,00, tendo € 990.000,00 e € 1.020.000 sido efetuadas nos anos de 2011 a 2013. 

 Somente a partir de 2011 é que a A… distribuiu dividendos às SGPS D… e E…, no valor total de € 3.650.000,00, assim repartidos pelos três anos, (1.000.000,00+1.000.000,00+1.650.000,00), em que não houve lugar a qualquer tributação, por beneficiarem do regime de eliminação da dupla tributação económica e, consequentemente, de dispensa de retenção na fonte, por força do artigo 32.º do EBF, que vigorou até à entrada em vigor do OE/2014. Também pelo artigo 51.º do CIRC estas sociedades beneficiavam da isenção, desde 2011.

Assim, não tendo havido distribuição de dividendos pela A… entre 2004 e 2010 – quando poderia ter havido – não se poderá concluir que dos actos ou negócios jurídicos antes referidos, tenham resultado vantagens fiscais superiores aquelas que resultariam se não tivessem sido constituídas as SGPS referidas.

Se a AT tivesse iniciado a sua ação de inspeção em 2011 ou mesmo 2012, não poderia concluir, de forma alguma que haviam sido praticados actos ou negócios jurídicos lesivos do Estado, por terem como objetivo principal ou um dos seus objetivos, a diminuição de impostos a pagar.

Se assim seria nestes anos, porque há-de concluir-se de modo diferente em 2016, relativamente a 2012 e 2013, mais de 8 anos anos depois da constituição das SGPS em causa, D… e E… .

Não se afigura plausível que quem tem intenção de planeamento fiscal agressivo proceda à criação de SGPS´s para não receber, desde logo, as “ditas vantagens”. Antes aguarde para obter vantagens 8 ou 9 anos depois, quando as circunstâncias negociais e de vida se alteram hoje em dia, a grande velocidade, incluindo a legislação fiscal (fator de todo incontrolável).

 

3 – Quanto ao elemento intelectual – que se considera cumprido quando a escolha do meio os dos meios seja “essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos” ou à obtenção de vantagens fiscais (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), há a referir o seguinte.

Este elemento, para além de exigir a verificação de um mais vantajoso tratamento fiscal, exige que o contribuinte pretenda que “um ato, um negócio ou uma determinada estrutura”, foi concebido e criado, “apenas ou principalmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam”.

Ou seja, importa que o meio utilizado tenha sido escolhido com a finalidade principal de “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos”, porquanto somente devem ser tidas como elisivas as operações em que o objetivo de economia fiscal seja o principal objetivo.

Daí que a demonstração deste objetivo constitua uma prova difícil e, em certos casos impossível, em razão das dificuldades inerentes à vertente subjetiva, tanto mais que determinadas motivações podem ter relevância em mais do que um único aspeto.

Estamos no domínio das intenções e, por isso, não é fácil e, por vezes até é impossível demonstrar o estado psicológico e emocional dos agentes, quando da prática dos atos ou negócios jurídicos praticados.

Por isso, deverá relevar apenas a motivação objetiva dos factos concretamente apreensíveis, tendo em conta a conceção objetiva a que se refere o artigo 63.º do CPPT, tendo em atenção os elementos de facto, objetivos, dos quais se possa retirar a ilação relativa à intenção do contribuinte.

A este respeito, alega a Requerente que “se a operação tivesse sido principalmente dirigida à obtenção de uma vantagem fiscal, teriam, ao invés, sido remunerados como a AT afirma ‘sob as vestes encapotadas de pagamentos do preço das ações’ sem qualquer tributação, o que não aconteceu, e põe em evidência a inexistência de intenções elisivas imputadas aos acionistas”.

E mais refere que “se as SGPS tivessem sido constituídas como meros veículos para esta operação, já teriam sido dissolvidas e liquidadas, o que igualmente não aconteceu”.

E esclarece ainda que “a D… deixou de ser acionista da A…, mas adquiriu, de imediato, participações em sociedade do setor imobiliário, para onde fez convergir a sua atividade e a E… reforçou a sua posição na A…”.

A Requerida refere a este respeito que sendo os resultados económicos concretizados nos exercícios de 2012 e 2103 sempre os mesmos, quer existissem ou não as sociedades D… e E…, “é notório que desde a constituição e manutenção destas sociedades, ao longo dos exercícios de 2004 a 2013, as mesmas serviram exclusivamente, como ‘meros veículos’ para encobrir os recebimentos dos dividendos da A…, de forma a anular os valores retidos, em sede de Retenção na Fonte de IRS”.

Face a tudo o que antecede e que tem sido apreciado pelo Tribunal, entende-se que se fosse como refere a AT, então a A… teria distribuído às sociedades D… e E…, desde 2004 até 2010, os dividendos acumulados de mais de 12 Milhões de euros, que poderiam ter servido para pagar as dívidas destas sociedades aos seus acionistas – o que não aconteceu.

Somente a partir de 2011, mais de 7 anos depois dos atos ou negócios jurídicos que vêm sendo referidos e apreciados, é que a A… começou a distribuir dividendos e em escala reduzida, em relação aos lucros acumulados.

Vê-se, assim, com alguma dificuldade, que seja possível considerar que o contribuinte tivesse pretendido, objetivamente, quer a título principal, quer acessório, que aqueles atos ou negócios jurídicos, ou até as estruturas, tenham sido concebidos apenas ou principalmente, para obtenção de vantagens fiscais que lhe proporcionassem a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos. Pois que somente devem ser tidas como elisivas as operações em que o objetivo de economia fiscal seja o principal objetivo.

Assim sendo, entende-se não dar como verificados os pressupostos para que o elemento intelectual se mostre objetivamente cumprido.

4 – Quanto ao elemento normativo – que se consubstancia no requisito abusivo, segundo o qual se exige que os actos ou negócios jurídicos tenham sido celebrados por meios artificiosos ou fraudulentos, com abuso das formas jurídicas.

Porque importa que todos os elementos sejam verificados para que possa ser aplicada a CGAA, impõe-se também, neste caso, a apreciação dos actos ou negócios jurídicos praticados, no sentido de conhecer se foi ultrapassado o limiar do legítimo planeamento fiscal, quando da obtenção de eventuais vantagens fiscais.

O comportamento da Requerente deve, pois, merecer um juízo de reprovação pelo Direito, já que os casos de elisão fiscal que determinem mera poupança fiscal legítima não são censuráveis.

É óbvio que todos os elementos que vêm sendo apreciados têm o seu encadeamento e, por isso, todos devem dar-se por verificados, para que sejam verificados os pressupostos para aplicação da CGAA.

Relativamente a este pressuposto, importa conhecer, por um lado, se a criação das SGPS teve finalidade organizativa ou era dispensada, e, por outro, se delas resultou um comportamento que merece reprovação.

Alega a Requerente que a constituição das SGPs em causa teve a finalidade que lhe está consagrada no respetivo quadro normativo e que o pagamento da dívida pelas mesmas aos seus acionistas não tem qualquer relevância fiscal, não constituindo facto tributário no sistema fiscal.

Quanto à não tributação dos dividendos pagos pela A… às SGPS em causa, D… e E…, a mesma ficou a dever-se em razão de manifesta intenção do legislador plasmada no ex-n.º 1 do artigo 32.º do EBF e atual 51.º do CIRC à data dos factos, como forma de eliminação da dupla tributação económica ao nível das SGPS.

E mais refere que “não há, portanto, qualquer juízo de reprovação pelo direito quanto aos atos ou negócios efetuados”.

E porque a AT não pode “ficcionar que os dividendos foram pagos pela A… aos sócios das SGPS”, quando foram pagos a estas.

Fazê-lo, tratar-se-ia de “uma ilegítima desconsideração da personalidade jurídica de duas sociedades, que só encontra justificação na ‘necessidade’ de colocar a A… na condição de sujeito passivo de uma relação jurídica de substituição tributária…”.

A Requerida, por sua vez, refere que “Os ganhos obtidos por B… e C… são efetivamente a exclusão da tributação do recebimento dos dividendos (operação real), sob a operação aparente de pagamento do preço das ações”.  

Ora sucede que a criação das SGPS resultou, por um lado, da vontade dos acionistas, como instrumentos de gestão das participações. Para além disso, a criação de SGPS tem por finalidade, segundo a Requerente, permitir a manutenção do capital social na mão da família.

E, por outro, desde a criação das duas primeiras SGPS, em 2001, até a A… começar a distribuir dividendos, a partir de 2011, são decorridos 8 anos após a constituição das SGPS D… e E… .

Assim se a A… tivesse, desde logo, pelo menos desde 204 ou 2005, procedido à distribuição de dividendos às SGPS D… e E… e estas não os distribuíssem, de seguida, aos seus acionistas, não ocorrendo, portanto, a tributação dos mesmos, então daríamos como verificado este elemento normativo.

Acontece que todo o processo organizativo antes demonstrado se iniciou em 2001 com a criação das SGPS F… e G… e continuou em 2004 com a criação das SGPS D… e E…, e apenas em 2011, apesar dos enormes lucros acumulados, de mais de 12 Milhões de euros, é que a A… deu início à distribuição de dividendos.

Assim sendo, por tudo o quanto foi dito, não pode deduzir-se, sem mais, que os referidos atos jurídicos tenham tido por finalidade um planeamento fiscal agressivo censurado pelo Direito.

De referir, adicionalmente e em reforço, relativamente ao invocado planeamento fiscal pela AT, refere Saldanha Sanches que o planeamento fiscal legítimoconsiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por ação intencional ou por omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais”; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimoconsiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo” (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p.21).

Donde, não poderá dizer-se, no caso em análise, que se está perante uma atuação contra-legem ou extra-legem, por a Requerente não ter uma atuação frontal e inequivocamente ilícita, nem aproveitado de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável.

Está-se, outrossim, perante uma atuação intra-legem e, portanto, perante um planeamento fiscal legítimo ou não abusivo, porquanto a obtenção de uma poupança fiscal, em si mesmo, não constitui[6] um comportamento proibido por lei, desde que os atos ou negócios jurídicos praticados não sejam artificiosos ou fraudulentos – o que no entender do Tribunal, pelos fundamentos já referidos não o foram[7].

Em suma, mesmo que não tivessem sido criadas as referidas SGPS, os acionistas C… e B…, a manter-se o mesmo comportamento da A…, não teriam recebido quaisquer dividendos de 2001 a 2010.

E relativamente ao argumento da AT de que o aumento do valor das ações verificado em 2001 serviu para criar dívidas a favor dos acionistas, o que, na opinião da AT, tais dívidas constituem verdadeiros “dividendos encaputados”, também poderia, eventualmente, concluir-se que assim poderia ter sido, se de facto tivessem, desde logo, sido distribuídos dividendos, o que não aconteceu.

Não se vê, pois, que os pressupostos exigidos por este elemento se mostrem verificados, ou seja, que toda a organização do Grupo tenha sido criado como meio artificioso e com a finalidade de evasão fiscal, o mesmo é dizer que tenha havido um planeamento fiscal agressivo, censurado pelo Direito.

Posto tudo o que antecede, não poderá dar-se por verificado qualquer dos elementos que pressupõem a aplicação da CGAA, porquanto:

  1. Não existe um encadeamento de negócios jurídicos anómalo e de escusada complexidade ou de duvidosa eficácia relativamente aos fins para que criados;
  2. Não se mostra claro que tenha sido desenvolvido com o intuito quer dominante, quer exclusivo, de obtenção de um resultado fiscal diverso do que corresponderia a uma normalidade negocial, visto que nada de anormal ocorreu;
  3. E se foram gerados créditos a favor dos acionistas, tudo se deve à reavaliação da sociedade-mãe, em 2001, feita por Sociedade de ROC´s de reconhecido mérito e somente em 2011 começaram a ser distribuídos dividendos às últimas duas SGPS criadas.

 

5. Elemento sancionatório

Este elemento pressupõe a verificação cumulativa dos restantes elementos, de forma a permitir a aplicação da sanção de ineficácia, em termos estritamente fiscais, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, efetuando-se então, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência.

No entender da Requerente não faz sentido a desconsideração das referidas SGPS, designadamente a D…, porquanto, “após a venda da sua participação financeira ao sócio maioritário da A…, recentrou de imediato a sua atividade no setor imobiliário adquirindo a M… SA e, mais tarde, fundando uma empresa ligada à área das redes de abastecimento de águas, a N… SA. Tem, portanto, investimentos diversificados, emprega pessoas e gere participações sociais”.

A Requerida AT entende, por outro lado, que as sociedades D…-SGPS e E…-SGPS devem ser desconsideradas fiscalmente, bem como os negócios traçados de alienação das participações na sociedade A… a estas sociedades, de forma a reconstruir os negócios de molde a que produzam os seus reais efeitos fiscais.

Acontece que, no caso em apreço, se foi concluindo, ao longo da análise de toda a argumentação das partes e dos atos e negócios celebrados e constantes dos autos, que eles não conduziam ao preenchimento de nenhum dos elementos que integram doutrinariamente a CGAA, conforme conclusões extraídas relativamente a cada um.

 Donde se impor concluir não ser relevante, porque prejudicado, a apreciação deste elemento no caso dos autos.

O mesmo se diga quanto à questão da inoponibilidade à Requerente, como substituta tributária, da desconsideração de efeitos fiscais resultantes da aplicação da CGAA.

Somente, portanto, em caso de ser legítima e devida a aplicação da CGAA, é que haveria que proceder à reconstituição da situação que, para efeitos fiscais se verificaria, caso a Requerente não tivesse praticado os atos e negócios jurídicos em causa.

Por tudo o quanto vai dito, conclui-se não haver fundamento legal para aplicação da CGAA, por falta de verificação dos respetivos pressupostos, designadamente dos constantes do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

 

3. 1-a. Falta de notificação da decisão de aplicação da CGAA

A este propósito alega a Requerente, no essencial, que o projeto de decisão de aplicação da cláusula antiabuso, ao ser exclusivamente notificado à A…, e não aos sujeitos passivos enquanto alegados beneficiários (B… e C…) terá sido violado o direito de audiência prévia, previsto no n.º4 do artigo 63.º do CCPPT.

Acontece que tendo este Tribunal dado como procedente o vício de violação de lei invocado pela Requerente, com a consequente anulação das liquidações impugnadas, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.

Com efeito, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Termos em que, não assistindo razão à Requerida, deve proceder o pedido da Requerente.

 

4. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente pede ao Tribunal que, seja condenada a AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das liquidações contestadas, com base em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

Nos termos conjugados do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, a AT será condenada ao pagamento de juros indemnizatórios quando, devido a erro, (de facto ou de direito) imputável aos serviços daquela, o contribuinte pague indevidamente um tributo e este venha a ser considerado indevido em razão de o ato ou atos de liquidação serem anulados em consequência de impugnação judicial – como foi o caso .

Mais é referido nas citadas normas que os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto à emissão da respetiva nota de crédito, sendo calculados de acordo com a aplicação da taxa prevista nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil.

Deste modo, por se verificar não existirem pressupostos legais para aplicação da CGAA e, consequentemente, serem indevidas as liquidações de IRS em causa, não pode deixar de se reconhecer o direito à Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos antes referidos.

 

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal em: 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, por não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT;
  2. Declarar a ilegalidade das liquidações de retenção na fonte de IRS n.º 2016…, do ano de 2012, no valor de € 282.150,41 e n.º 2016…, do ano de 2013, no valor de € 505.630,51, com a consequente anulação;
  3. Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais, pela privação das importâncias que foram indevidamente exigidas e pagas pela Requerente.

 

 6. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, 297.º, n.º 2 do C.P.C., 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 787.780,92.

Notifique-se.

 Lisboa, 2 março de 2018.

                                                           O Árbitro Presidente,

                                    __________________________________________

                                                              (Fernanda Maçãs)

                                                             

    Os Árbitros Vogais,

____________________________________________

                         (José Rodrigo de Castro)

                                    ____________________________________________

                                                              (Américo Brás Carlos)

Voto vencido, conforme declaração que junta e faz parte integrante deste acórdão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                               

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não votei favoravelmente o Acórdão, porque entendo que estão verificados os pressupostos para aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT e para a consequente ineficácia fiscal da constituição das duas SGPS (D… e E…), nas condições em que o foram.

 

De facto, tendo em conta o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 15.02.2011, procº nº 04255/10, concluo que cumprem-se, no caso sub judice, os elementos “meio”, “resultado”, “intelectual (motivação)” e “normativo (reprovação normativa)”, que, na linha daquele aresto, preenchem a previsão de aplicação da cláusula geral anti-abuso (CGAA) constante do citado artigo 38º, nº 2 da LGT. A consideração da jurisprudência do STA e dos TCA impõe-se legalmente por força do sistema de recursos resultante do nº 2 do artigo 25º do RJAT. A prossecução dos objetivos inerentes à criação da Arbitragem Tributária (v. preâmbulo do D.L. nº 10/2011, de 20.01) há-de fazer-se, pois, sem prejuízo da natural valoração subjetiva dos factos em cada caso, no respeito pelo papel conformador da jurisprudência daqueles tribunais superiores. 

 

A constituição de SGPS é naturalmente um acto lícito e até incentivado pela lei. No caso de que tratam os autos, porém, tal constituição traduziu-se num meio artificioso de abuso das formas jurídicas. De há muito se entende que existe abuso das formas jurídicas ou das possibilidades de configuração do direito civil quando a lei liga um imposto a determinados fenómenos económicos, factos ou relações na sua configuração adequada e, para evitar esse imposto, escolhe-se inadequadamente uma forma jurídica inusual[8]. No dizer do Ac. do TCAS no proc.04255/10, estamos em presença de “atos e contratos atípicos ou anormais visando tornear a lei.”

No caso, cada um dos únicos sócios, pessoas singulares e administradores de uma sociedade mãe, com atividade económica efetiva e lucrativa, constituiu uma SGPS a quem vendeu a sua participação na sociedade mãe, sendo que as SGPS não pagaram e ficaram devedoras da totalidade do preço, nos montantes de €7.619.137,87 e €8.105.465,83, respetivamente. Acresce que as duas SGPS não tinham colaboradores nem nunca tiveram outro ativo que não fosse as participações na sociedade mãe que lhes foram transmitidas pelos sócios que as constituíram. Finalmente, os até aí únicos sócios e administradores da sociedade mãe, são os sócios com 100% e mais de 99,99% do capital social e os únicos administradores, de cada uma das SGPS, tendo permanecido como únicos administradores da sociedade mãe e, expressamente, também com o seu controlo. Tudo visto, a figura jurídica da SGPS foi artificiosamente desfuncionalizada.

 

Para verificação do quão longe se ficou da motivação normativa subjacente à constituição de SGPS’s, tenha-se em conta algumas passagens do preâmbulo do D.L. nº 495/88 de 30/12, concernente à introdução das SGPS na ordem jurídica nacional. A introdução da figura das SGPS visou "facilitar e incentivar a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português" "proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada". Ora nada disto aconteceu. Não só não houve a constituição de qualquer grupo económico, nem reunião de ativos e atividade numa única sociedade, como ao invés, cada um dos únicos sócios da sociedade mãe constituiu a sua própria SGPS, e tudo ficou materialmente como estava antes da constituição das ditas SGPS no que respeita às participações sociais e à gestão. 

Note-se que as SGPS mantiveram como único ativo as participações que os seus sócios e administradores únicos tinham na sociedade mãe e que lhes foram transmitidas por estes; e os administradores únicos de cada SGPS continuaram a ser os administradores da sociedade mãe e a ter sobre ela o controlo e domínio.

 

Relativamente à vantagem fiscal prosseguida, enquanto pressuposto de aplicação da CGAA denominado “resultado”, deve dizer-se que com a interposição das SGPS entre a sociedade mãe e os seus únicos sócios e administradores, passa a não haver tributação no momento do pagamento dos dividendos pela sociedade mãe às ditas SGPS (art. 51º CIRC) e, tratando-se, formalmente, de pagamento de dívida contraída pelas SGPS perante os seus sócios quando da aquisição das participações que estes detinham na sociedade mãe - e que aquelas vão pagando ao longo de anos essencialmente com os dividendos provenientes da sociedade mãe (há uma menor parte resultante de pagamentos da sociedade mãe por prestação de serviços de gestão e administração às SGPS, que, aliás, já eram e continuaram a ser prestados pelos também seus administradores nessa qualidade) - não há tributação em sede de IRS no momento em que as SGPS pagam aos referidos sócios. Ausência de tributação esta, decorrente da transformação de rendimentos em reembolso de capital em dívida, que compara com a que normalmente ocorreria sobre os dividendos na ausência das SGPS: tributação em IRS por retenção na fonte à taxa de 28%, com opção pelo englobamento. 

 

A motivação fiscal do sujeito passivo, traduzida na circunstância de os actos praticados serem essencial ou principalmente dirigidos à vantagem fiscal acima assinalada, está também presente. É que da constituição das referidas SGPS, em 2004, não resultou, como se viu, qualquer mudança na direção e gestão da sociedade mãe, nem a criação dessas novas estruturas societárias visou a concretização de qualquer objetivo económico empresarial de natureza não fiscal. Acresce que também não se vislumbra uma intenção económica empresarial relevante no facto de cada uma das referidas sociedades iniciar a sua atividade com dívidas de mais de sete e oito milhões de euros, respetivamente, quando não têm por objetivo efetuar outros investimentos. 

 

Ainda que, tivesse sido provado que, como refere a Requerente, uma das SGPS tinha, em data que não se sabe, mas sempre depois de 19.09.2013, recentrado a sua atividade no setor imobiliário e nas redes de abastecimento de água, e realizado investimentos e admitido pessoal para o efeito, isso teria ocorrido pelo menos cerca de dez anos depois da sua constituição e já fora do parâmetro temporal a que respeitam os autos.

 

Pelo que, tudo visto, entendo que o pedido de pronúncia arbitral não podia ter sido julgado procedente.

Américo Brás Carlos



[1] Obra citada no artigo 17. Da P.I., qual seja, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, Almedina.

[2] Essa atividade resultará de “uma actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário” – (Cfr. COURINHA, GUSTAVO LOPES, in A Cláusula Geram Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributo para a sua Compreensão, Almedina, 2009, pp 15-17 e 163-165; bem como Ac. do TCA de 15/02/2011, proc. N.º 04255/10, conclusões XIII e XIV.

[3] Ainda segundo COURINHA, na obra citada, p. 165 e identicamente SALDANHA SANCHES, JL, in Os Limites…, p. 170, que refere a existência de uma “relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei”.

 

[4] Como decorre da seguinte parte do n.º 2 do art.º 38.º, da LGT:”actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abusos das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos”.

[5] Tal como decorre do seguinte segmento do n.º 2 do artigo 38.º, da LGT: “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado dos factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”.

[6] Também segundo SALDANHA SANCHES, Reestruturação de empresas e e limites de planeamento fiscal. As duas constituições – nos dez anos de cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, 2009, pp 49-50, afirma a este respeito: “a consagração da cláusula geral antiabuso implica […] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter um comportamento julgado de acordo com este critério. […]A evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso das formas jurídicas, sem negócio jurídicos artificiosos e fraudulentos, mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais”.

[7] Vide também situação idêntica tratada no Processo Arbitral n.º 383/2016.

[8] ALBERT HENSEL, Derecho Tributário, Tradução do original Steuerrecht, de 1933, por Andrés Báez Moreno e outros, Marcial Pons, 2005, p. 227.