Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 298/2017-T
Data da decisão: 2017-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 726.538,62
Tema: IRC – Dedutibilidade de encargos financeiros – Gastos.
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Acórdão Arbitral

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. Ricardo Gomes Pedro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-06-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, S.A., sociedade comercial anónima registada sob o número único de, matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa colectiva…, com sede na Avenida …, n.º…,  …., …, com o capital social de € 32.500.000,00 (doravante, simplesmente A… ou Requerente), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, e 17.º-A do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista à anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2012 com o número 2016… e o consequente acto de liquidação de juros compensatórios com o número 2016…, consubstanciados na demonstração de acerto de contas com o número 2016…, na parte que decorre da correcção traduzida na desconsideração de encargos financeiros suportados pela Requerente, com restituição das quantias pagas, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-04-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-06-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-06-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 10-10-2017 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

·        A Requerente é uma sociedade anónima, colectada desde 17-01-1966, tendo como objecto, de acordo com o ponto 1 do artigo 3.º dos Estatutos da Sociedade, o “exercício da indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais”.

·        O ponto 2 do artigo 3º dos Estatutos da sociedade acrescenta que “a sociedade poderá ainda adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas”.

·        A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016…, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

III. - 1. Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

Ill. - 1.1. Encargos financeiros e imposto de selo decorrentes de capitais alheios

Investimentos financeiros -empréstimos financiamento/empréstimos concedidos

Nas contas SNC, relativas ao período de 2012:

a.        "-41130000 INV.FIN - EMPR CONCEDIDOS -SUBSIDIÁRIAS";

b.      - "412300o0 INV. FIN - EMPR CONCEDIDOS-INVESTIMENTOS ASSOClADA “,

c.       - "41410000 INV. FIN - PARTES DE CAPITAL - OUTRAS EMPRESAS”"; e .

d.      - "41420000 INV.FIN - EMPR CONCEDIDOS -OUTRAS EMPRESAS”

foram registadas as ordens de transferência de fundos sobre o B… (B…), C… (C…), D… (D…) e o E… (E…), para diversas sociedades participadas, como demonstrado no quadro seguinte, cujos dados foram retirados do Saf-t de contabilidade:

      (...)

      Deliberações das prestações, acessórias e suplementares nas sociedades participadas

      F… SA, NIPC…

      No dia 2012-12-20, reuniu a Assembleia Geral da sociedade F… SA, ata nº…, através da qual foi proposta e aprovada pelo representante da acionista única A… SA, a formalização da constituição de Prestações Acessórios, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, no montante global de € 24.500,00 (vinte e quatro mil quinhentos euros), já anteriormente entregue à sociedade”, para fazer face “as necessidades decorrentes da atividade atualmente desenvolvida pela sociedade, no decurso deste ano e do ano de 2011, a acionista única A… SA, predispôs-se a constituir Prestações Acessórias, tendo, para o efeito, entregue à sociedade, ao longo do ano de 2011, 0 montante de € 10. 000,00 (dez mil euros) e, ao longo da_2012, o montante de € 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) ...” (sublinhado nosso) (Anexo I).

      G… SA, NIPC…

      No dia 2012-12-17, reuniu a Assembleia Geral da sociedade G… SA, ata nº…, na qual foi aprovada pelo representante da acionista única A… SA, "...a formalização da constituição de Prestações Acessórias, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas a regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, no montante global de € 2. 238.015,67 (dois milhões, duzentos e trinta e oito mil, quinze euros e sessenta e sete cêntimos), já anteriormente entregue à sociedade”, para fazer face “às necessidades decorrentes da atividade atualmente desenvolvida pela sociedade, no decurso deste ano e do ano de 2011, a acionista única A… SA, predispôs-se a constituir Prestações Acessórias, tendo, para o efeito, entregue à sociedade, ao longo do ano de 2011, o montante de € 1.883.000,00 (um milhão, oitocentos e oitenta e três mil euros) e, ao longo de 2012, o montante de € 355.015,67 (trezentos e cinquenta e cinco mil quinze euros e sessenta e sete cêntimos” (sublinhado nosso) (Anexo II).

      H… SA, NIPC…

      Na Acta com o nº …- da Assembleia Geral da H… SA, realizada no dia 201242-19, consta a deliberação aprovada por unanimidade, sobre a formalização da constituição de prestações acessórias, a qual salienta que "...sociedade, no decurso deste ano a acionista única A… SA, não só se predispôs a entregar, como o fez ao longo do ano, o montante de € 640.824,38 (seiscentos e quarenta mil, oitocentos e vinte e quatro euros e trinta e oito cêntimos) à sociedade para constituição de Prestações Acessórias, que há agora que formalizar. Nesse contexto, propôs e desde logo aprovou o representante da acionista única A… SA a formalização da constituição de Prestações Acessórias, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211 º e 213 º do Código das Sociedades Comerciais, no referido montante de € 640.824,38 (seiscentos e quarenta mil, oitocentos e vinte e quatro euros e trinta oito cêntimos, já anteriormente entregue à sociedade.,” (sublinhado nosso) (Anexo III).

      De notar que o valor constante da ate e superior ao apurado na conta 41230000 em 5,00 EUR, sendo este valor correspondente ao preço de aquisição da participada tendo em vista a detenção de 100% da mesma.

      I… SA, NIPC…

      No dia 2012-12-20, reuniu a Assembleia Geral da sociedade I… SA, ata nº…, através da qual foi proposta e aprovada pelo representante da acionista única A… SA, a "... formalização da constituição de Prestações Acessórias, em numerário, a título gratuito, estatutariamente sujeitas e um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, no montante global de € 13.000,00 (treze mil euros), já anteriormente entregue à sociedade”, para fazer face "às necessidades decorrentes da atividade atualmente desenvolvida pela sociedade, no decurso deste ano e do ano de 2011 e 2006, a acionista única A… SA, predispôs-se e constituir Prestações Acessórias, tendo, para o efeito, entregue à sociedade, ao longo do ano do 2008, o montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), ao longo de 2011, o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e, ao longo de 2012, o montante de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) ,. .” (sublinhado nosso) (Anexo IV).

      J… LDA, NIPC…

      No dia 2012-12-17, reuniu a Assembleia Geral da J…, LDA, tendo sido, lavrada a ata nº …, na qual foi aprovada a deliberação sobre a formalização da realização de Prestações Suplementares no montante total de 1.153.628,75 EUR, no valor de 477.000,00 EUR referentes ao ano de 2010, no valor de 333.000,00 EUR referentes ao ano de-2011 e no valor de 343.628,75 EUR referentes ao ano de 2012, efetuadas pela sócia A… SA, para fazer face ".., às necessidades decorrentes da actividade desenvolvida pela sociedade. no decurso deste ano, do ano de 2010 e do ano de 2011, a sócia A… SA, predispôs-se a constituir prestações Suplementares, tendo para o efeito, entregue à sociedade, e, ao longo do ano de 2012 o montante de € 343.628,75 (trezentos e quarenta e três mil, seiscentos e vinte e oito euros e setenta e cinco cêntimos) ...” (sublinhado nosso) (Anexo V).

 

      Do teor das atas supra referidas resulta que, a A… SA, efetuou, - Prestações acessórias as suas participadas: F… SA, G… SA, H… SA e I… SA, tendo em relação às mesmas deliberado, no que respeita a juros, remunerações e restituições, aplicar-lhe o regime idêntico ao das prestações suplementares.

      Essas prestações acessórias não venciam juros, nem seriam remuneradas por qualquer forma e apenas seriam restituídas quando a situação líquida das sociedades participadas assim o permitisse.

      - Prestações suplementares a J…, LDA.

      Das atas retira-se também que a razão da constituição, quer das prestações acessórias, quer das prestações suplementares, realizadas pela sócia A… SA às suas participadas, foi para fazer face às necessidades decorrentes da atividade desenvolvida pelas sociedades participadas.

     

      Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados (ABDR)         

 

      Em 2012-12-31, os empréstimos concedidos pelo sujeito passivo às suas participadas ascenderam a 23.154.531,47 EUR, tendo em conta os valores apurados no período anterior acrescidos dos movimentos ocorridos no período e que antes se identificaram.

      No decurso de 2011, a A… SA realizou prestações acessórias as sociedades F… Lda., K…, S.A., G… S.A., I…, S.A. e H…, S.A., no valor de 10.000,00 EUR, 172.000,00 EUR, 1.883.000,00 EUR (contabilizados na conta 41130000, totalizando 2.065.000,00 EUR), 2.500,00 EUR (contabilizado na conta 41410000) 0 198.505,79 EUR (contabilizado na conta 41230000), respetivamente, e prestações suplementares à sociedade J… Lda., no valor de 333.000,00 EUR (contabilizado na conta 41420000).

 

 

 

 

Atividade da A… SA

 

      A atividade da A… SA consiste no "exercício da indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais”, de acordo com o ponto 1 do artigo 3º dos Estatutos da sociedade (Anexo Vl).

      O ponto 2 do artigo 3º dos Estatutos da sociedade acrescenta que "a sociedade poderá ainda adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas” (Anexo Vi).

     

      Empréstimos obtidos/financiamentos obtidos

      Em 2012-12-31, o sujeito passivo tem registado na 'conta SNC "25 - financiamentos Obtidos", o valor total credor de 42.314.483,42 EUR, conforme apurado pelos movimentos e saldos constantes do ficheiro Saf-t de contabilidade.

 

 

De acordo com os documentos de suporte aos registos contabilísticos associados a estas contas, são diversos os fins dos empréstimos obtidos, designadamente: o investimento, o apoio e reestruturação da estrutura funcional das unidades produtivas com redução do quadro de pessoal, o reforço do fundo de maneio da empresa e o financiamento à exportação. Contudo, não foi possível proceder e uma associação direta entre os empréstimos obtidos pela A… SA e as prestações acessórias e prestações suplementares nas suas participadas.

 

      Encargos financeiros e Imposto de selo decorrentes dos empréstimos obtidos

Pelo facto de recorrer a empréstimos obtidos, o sujeito passivo suportou encargos financeiros e Imposto de selo.

Juros

Em 2012-12-31, os encargos financeiros com os empréstimos obtidos, registados nas contas 5NC "69111000 - GPF - EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS", "69116000 - GPF - PAPEL COMERCIAL", "69117000 GPF -JUROS FACTORING", "69118000 GPF - JUROS CONFIRMING" e "69180000 GPF - OUTROS JUROS", ascenderam ao valor de 2.932,368,77 EUR, conforme apurado pelos movimentos e saldos constantes do ficheiro Saf-t de contabilidade.

Serviços bancários

Os serviços bancários associados a estes empréstimos obtidos, no ano de 2012, registados na conta SNC "62270001 - FSE - SERVIÇOS BANCÁRIOS", ascenderam a 1.172.195,06 EUR, conforme apurado pelos movimentos e saldos constantes do ficheiro Saf-t de contabilidade.

Imposto de Selo

Acresce que o imposto de selo suportado pelo sujeito passivo, no ano de 2012, contabilizado na conta SNC "68120002-IMP. INDIRECTOS - IMPOSTO DE SELO", ascendeu a 216.213,08 EUR, conforme apurado pelos movimentos e saldos constantes do ficheiro Saf-t de contabilidade.

 

 

 

 

 

 

 

      Considerando que a A… SA,

- Concedeu prestações acessórias sujeitas a um regime idêntico ao do disposto nos artigos 211º a 213º do Código das Sociedades Comercias e prestações suplementares, não remuneradas, às suas participadas;

- Por sua vez recorreu a empréstimos;

- Pelo facto de recorrer a empréstimos suportou encargos financeiros e imposto de selo,

- Através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos em concreto que foram afetados à realização das prestações acessórias e suplementares,

     

      Importa quantificar qual o peso do valor dos empréstimos concedidos no total dos empréstimos obtidos, para efeitos de apuramento dos encargos financeiros e imposto de selo inerentes à realização de prestações acessórias e de prestações suplementares, conforme quadro seguinte.

 

 

 

 

     

 

 

 

 

 

 

 

Análise da operação do ponto de vista fiscal

      Sob análise estão os encargos financeiros e o imposto de selo decorrentes do recurso a capitais alheios destinados quer a financiar a atividade da A… SA, quer a concessão de prestações suplementares e de prestações acessórias, não remuneradas, às suas participadas.

      O artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) constitui uma cláusula geral, na qual estão estatuídas as regras de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, e que segundo António Moura Portugal "A doutrina tem elegido dois requisitos como essências para que o custo contabilístico seja aceite como custo fiscal: a comprovação (justificação) e a indispensabilidade. A estes, entendemos acrescentar um terceiro, normalmente não autonomizado, que é o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto...”

      Numa análise do conteúdo do artigo 23º do CIRC, Tomas de Castro Tavares, sustenta que “isolam-se diversos requisitos que presidem a dedutibilidade fiscal dos custos empresariais: desde logo, como pressuposto básico, tem de existir um gasto económico, ou seja, a assunção como contrapartida da aquisição de um qualquer factor de produção. Depois, que a referida subtracção ao rendimento não se encontre precludida por uma expressa previsão legal. Em terceiro lugar, certas exigências formais determinam uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento. Por fim, intima-se uma relação de causalidade (indispensabilidade) entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora”.

      Segundo o mesmo autor "A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem a obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa”.

      A dedutibilidade fiscal do custo depende de uma relação causal e justificada com a atividade exercida pela empresa. Fora do conceito de indispensabilidade ficam os actos desconformes com o escopo social.

      Esse mesmo entendimento é partilhado por António Moura Portugal, o qual salienta que "A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).

      Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectam com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”

      Este autor tem uma interpretação da indispensabilidade em função do objeto social e da atividade desenvolvida pela própria sociedade.

      Esta mesma posição tem o autor Vítor Faveiro, considerando que "o conceito tributário de indispensabilidade dos custos tenha de ser reportado aos elementos e dados económicos ou integrais do objecto de cada situação, só podendo os custos ser objecto de correção directa, nos termos do artigo 23º do CIRC, quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciam objectivamente como estranhos ao objecto e ao fim económico e gestionário da empresa".

      Assim, a indispensabilidade, deve, ser interpretada em função do concreto objeto societário e da atividade efetivamente exercida.

      Importa, então, apreciar se os gastos em causa são indispensáveis para a realização da atividade produtiva da A… SA.

      A atividade da A… SA consiste no "exercício da indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de actividade industrial ou comercial que a Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais”, de acordo com o ponto 1 do artigo 3º dos Estatutos da sociedade. O ponto 2 do artigo 3º dos Estatutos da sociedade acrescenta que "a sociedade poderá ainda adquirir participações de capital em outras sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o seu objecto social, e, bem assim, adquirir participações de capital em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas”. Nestes termos, não se pode considerar que a concessão de prestações acessórias e de prestações suplementares às suas participadas, com vista ao financiamento da atividade destas, integre um ato da sua atividade normal e corrente; Tais quantias, não estão directa e totalmente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social.

      Os encargos financeiros e o imposto de selo em questão, não estão associados a capitais alheios obtidos para afetar, na totalidade, à atividade por si exercida, que consiste no exercício de indústria têxtil e, consequentemente, à obtenção de rendimentos dela derivada.

      As prestações acessórias e as prestações suplementares concedidas, a título gratuito, às suas participadas, beneficiam diretamente a atividade prosseguida pelas próprias participadas, não sendo indispensáveis para a obtenção dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora da A… SA. Em face do exposto, verifica-se que a A… SA se financiou junto de instituições financeiras, aplicando uma parcela daquele financiamento na concessão de prestações acessórias e de prestações suplementares, não remuneradas, às suas participadas, pelo que a parte dos encargos financeiros e do imposto de selo correspondente a essa parcela, não configura um gasto com relevância fiscal na esfera da A… SA.

      Assim, e considerando o apuramento elaborado no quadro 7, propõe-se uma correcção positiva ao lucro tributável / prejuízo fiscal do período de 2012, nos termos do artigo 23º do CIRC, no montante de 2.364.333,84 EUR.

 

 

·        Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2016…, relativa ao período de 2012, a liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e a demonstração de acerto de contas n.º 2016…, cujas cópias constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

·        No dia 27-04-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, em que impugna apenas as liquidações de IRC e juros compensatórios na parte em que assentam na referida correcção no valor de € 2.364.333,84, que se consubstancia na desconsideração fiscal, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, de parte dos encargos financeiros e Imposto do Selo suportados no exercício de 2012, com financiamentos bancários;

·        A Requerente financiou as suas participadas, todas detidas directa ou indirectamente a 100%, através de prestações suplementares e prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares para evitar as consequências negativas que resultariam para si da insolvência daquelas, em termos reputacionais e de análise de crédito;

·        A Requerente tem uma actividade integral de produção e comercialização de têxteis repartida pelas suas participadas, abrangendo a produção completa de tecidos (desde a fiação, tecelagem, acabamentos, tinturaria), confecção de roupas completas e venda directa ao público através de uma marca própria, que a Requerente adquiriu;

·        A comercialização de peças por empresas participadas permite incrementar a actividade de produção da Requerente;

·        A Requerente é a empresa mãe que gere a globalidade da produção e comercialização;

·         Além da produção e da comercialização directa ao público através de participadas, a Requerente também exporta e produz para outras empresas e marcas;

·        A F… em 2012 já estava inactiva, mas interessava-lhe manter as instalações por disporem de um imóvel que está à venda e a Requerente conta vender por um valor elevado, para depois, dissolver essa sociedade;

·        A F… apesar de inactiva tinha encargos a suportar com a gestão e manutenção do seu património, pelo que necessitava de ser financiada pois não tinha possibilidade de gerar meios para os suportar;

·        A Requerente não queria que a F… fosse declarada insolvente, pois correria o risco de delapidar valor se o seu património fosse vendido ao desbarato;

·        A I… já estava inactiva em 2012, os únicos activos de que dispõem são imóveis (quintas);

·        A I… destinou-se a ceder terrenos para a fiação da Requerente e proporcionar à Requerente a possibilidade de captação de água proveniente de poços de que dispõem as quintas, que utiliza para produção de energia e no processo produtivo, que implica grande consumo de água;

·        A Requerente entende que os imóveis da I… têm um valor de cerca de € 500.000, tencionando vendê-los, para o que já fez diligências;

·        O investimento que a Requerente lhe fez em 2012, de cerca de €5.500 destinava-se à manutenção do património em termos de uso e evitar que perdesse valor de mercado;

·        A H… estava inactiva em 2012 e já foi dissolvida, dedicando-se à produção e comercialização de vestuário detendo a marca de comercialização directa ao público;

·        O investimento à H… tinha a ver com a manutenção da marca …, em que a Requerente acreditava, bem como a manutenção do sector de venda directa ao público que entendia que tinha potencial, para além de, por razões reputacionais, a Requerente não querer que a empresa e marca caíssem;

·        A Requerente era uma empresa fortemente alavancada, recorrendo intensamente ao crédito, estando sob atenção intensa da banca e pelas empresas de informação financeira que atribuem ratings, pelo que tinha interesse em evitar que empresas por si dominadas se tornassem insolventes, por que isso teria impacto negativo nas condições de obtenção de crédito pela Requerente (que já tinha spreads elevados, em 2012) e no pagamento de seguros de crédito;

·        A Requerente estava convicta de que, se não tivesse efectuado os investimentos às participadas sofreria mais prejuízos do que fazendo-os;

·        A Requerente não fez os referidos aportes de capital com juros, por as participadas não os poderem pagar;

·        Se não tivesse efectuado os investimentos às participadas, a Requerente não reduziria forçosamente as suas dívidas à banca, pois poderia aumentar os seus investimentos ou efectuar outras despesas;

·        Em 25-01-2017, a Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que os empréstimos bancários contraídos pela Requerente estivessem relacionados com os investimentos realizados às suas participadas.

Quanto a este ponto, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu no Relatório da Inspecção Tributária que «através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos em concreto que foram afetados a realização das prestações acessórias e suplementares» (página 9).

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e na prova testemunhal [esta última quanto aos factos das alíneas F) a W)].

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que prestaram depoimento.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício de 2012, em que averiguou que foram efectuados por esta prestações suplementares e prestações acessórias a suas participadas, com o regime das prestações suplementares, não vencendo juros.

No mesmo exercício, a Requerente suportou encargos financeiros relativos a empréstimos e financiamentos obtidos junto de entidades bancárias, destinados ao «investimento, o apoio e reestruturação da estrutura funcional das unidades produtivas com redução do quadro de pessoal, o reforço do fundo de maneio da empresa e o financiamento à exportação».

Mas, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «não foi possível proceder e uma associação direta entre os empréstimos obtidos pela A… SA e as prestações acessórias e prestações suplementares nas suas participadas».

Neste contexto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «importa quantificar qual o peso do valor dos empréstimos concedidos no total dos empréstimos obtidos, para efeitos de apuramento dos encargos financeiros e imposto de selo inerentes à realização de prestações acessórias e de prestações suplementares».

Para efectuar essa quantificação, a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou, com referência a 31-12-2012, a percentagem dos «empréstimos concedidos» (prestações acessórias no montante de € 23.154.531,47) no total dos «empréstimos obtidos» (€ 42.314.483,42), obtendo o valor de 54,72%.

Depois, a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou o montante global dos encargos financeiros e Imposto do Selo suportados aplicou a percentagem referida, chegando ao valor de € 2.364.333,84.

A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que este montante não pode ser aceite como gasto para efeitos fiscais, por, em suma, faltar uma relação causal e justificada destes com a actividade exercida pela empresa, os gastos não terem sido suportados no interesse da Requerente: «verifica-se que a A… SA se financiou junto de instituições financeiras, aplicando uma parcela daquele financiamento na concessão de prestações acessórias e de prestações suplementares, não remuneradas, às suas participadas, pelo que a parte dos encargos financeiros e do imposto de selo correspondente a essa parcela, não configura um gasto com relevância fiscal na esfera da A… SA».

No presente processo, a Requerente defende, em suma,

– que a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que os financiamentos bancários beneficiaram apenas as referidas participadas, pelo que não podem considerar-se indispensáveis para a Requerente colide com o facto de não existir um nexo de conexão entre os empréstimos bancários contraídos pela A… e os montantes aportados às subsidiárias;

– que a liquidação impugnada é ilegal, desde logo, porquanto viola os princípios constitucionais de tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, e os princípios da segurança jurídica e protecção da confiança, na medida em que ao efectuar o cálculo virtual da afectação de recursos financeiros obtidos pela Requerente ao investimento em sociedades participadas socorreu-se de elementos relativos a exercícios relativamente aos quais já tinha caducado o direito à liquidação;

– mesmo que a Requerente tivesse de facto utilizado os montantes que lhe foram mutuados para com eles reforçar a situação financeira das suas participadas não se pode concluir que os encargos financeiros correspondentes eram dispensáveis na esfera jurídico-tributária da Requerente, pois ao reforçar a situação patrimonial das sociedades por si dominadas, a Requerente reforçava também o valor do seu activo (financeiro) que são as correspondentes participações sociais, que lhe pertenciam em exclusividade;

– não é relevante que a Requerente não seja uma SGPS, pois não é à luz do concreto objecto social que deverá aferir-se a indispensabilidade de um gasto, mas em face da actividade efectivamente exercida pela sociedade inspeccionada, e no caso, a Requerente exercia efectivamente a actividade de gestão das suas participadas;

– as prestações acessórias ou suplementares realizadas foram na medida do estritamente necessário para assegurar a viabilidade das subsidiárias – i.e., a manutenção do activo detido pela Requerente, da sua fonte produtora - e, consequentemente, os ganhos futuros que a Requerente espera (fundadamente) delas extrair e visavam também salvaguardar o Grupo e a própria Requerente das consequências desastrosas que certamente resultariam do fracasso de (apenas uma!) das mencionadas participadas, sobretudo no contexto de crise económica e de profunda alavancagem bancária em que se encontrava a Requerente.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a posição assumida no relatório da inspecção tributária e defende, em suma, o seguinte:

 

– as sinergias entre as empresas encontram plena justificação no âmbito da liberdade de gestão, e não obstante a gestão centralizada e a existência de uma logística partilhada, bem como o interesse da Requerente em não deixar cair nenhuma das participadas em falência, tal facto, que consubstancia uma opção de gestão perfeitamente legítima da Requerente, não altera a existência de entidades jurídicas distintas e a indispensabilidade como critério fiscal, consignado no art. 23º do CIRC, para aferir da dedutibilidade fiscal dos encargos incorridos, que é determinada pelo princípio da legalidade, da justiça e da igualdade na tributação;

– a dedutibilidade fiscal do custo depende de uma relação causal e justificada com a actividade exercida pela empresa, ficando fora do conceito de indispensabilidade os actos desconformes com o escopo social, como é o caso dos financiamentos às participadas, bem como a obtenção de «vantagens potenciais»;

– as correcções apenas tiveram impacto no exercício de 2012 e não nos anteriores, pelo que não há violação do princípio da legalidade;

– no que concerne à quantificação os critérios utilizados são claros e objectivos, respeitando o princípio da legalidade;

– os gastos previstos no artigo 23.º do CIRC têm de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada gasto daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, e que esta actividade consista na concretização do seu objecto social;

– o facto de a Requerente ser a sociedade holding, de cúpula de um grupo económico, não significa que as actividades exercidas pelas empresas dentro do grupo, percam a sua autonomia, tanto mais que a actividade de gestão de participações sociais não faz parte do seu objecto social e não se diga que tal é uma questão irrelevante, porquanto se exerce esta actividade, fá-lo ao arrepio da lei, estando perante uma modificação de facto do seu objecto social que só pode produzir efeitos dentro do grupo;

– embora se entenda que a existência destas estruturas vise objectivamente minimizar os custos comerciais ou financeiros do grupo, estes não se podem sobrepor aos princípios do ordenamento jurídico fiscal, que no caso em concreto levam à desconsideração fiscal dos encargos financeiros relativos ao financiamento das entidades associadas da Requerente, por terem sido utilizados na sua actividade, enquanto entidade autónoma.

 

3.2. Apreciação da questão

 

Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC (na redacção vigente em 2012), «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

O conceito de indispensabilidade tem sido repetidamente apreciado pela jurisprudência arbitral, designadamente no que concerne ao reforço do investimento por uma sociedade a suas participadas, pelo que se vai adoptar em linhas gerais essa jurisprudência, designadamente a fundamentação do acórdão de 13-02-2015, proferido no processo n.º 585/2014-T.

«A noção legal de indispensabilidade recorta-se (...) sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.» (…) «A indispensabilidade subsume-se a todo e qualquer acto realizado no interesse da empresa (…) A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro”. [1]

«Indispensabilidade não significa, pois, um nexo de causalidade obrigatória com rendimentos/proveitos, nem que, a posteriori, se devem verificar ou comprovar necessariamente efeitos económicos lucrativos decorrentes de tais gastos. Desde que os gastos resultem de actos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objectivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade». [2]

Refere-se no acórdão proferido no processo n.º 585/2014-T o seguinte:

«A indispensabilidade surge como um factor determinante para a admissibilidade dos custos. A sua delimitação é, pois, fundamental para se aferir se os encargos foram contraídos no interesse da sociedade participante.

É que não se deve excluir sempre a possibilidade de dedução de custos de investimento de sociedades nas suas participadas.

O conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC deve corresponder aos custos incorridos no interesse da empresa, aos gastos suportados no âmbito das actividades abrangidas pelo seu fim estatutário, no caso de uma sociedade.

Não é, assim, necessária uma ligação aos proveitos, um obrigatório nexo de causalidade entre despesas e proveitos. Por outro lado, não relevam para aquele efeito os juízos da Administração Tributária sobre o acerto das decisões de gestão, bastando que as mesmas sejam tomadas no âmbito do interesse da empresa.

O Tribunal Central Administrativo Sul, no proc. n.º 06754/13 CT- 2º Juízo de 16.10.2014 aponta para a seguinte solução “É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 21.04.2010, rec. n.º 774/09; Ac. S.T.A. -2ª.Secção, de 13.02.2008, rec. n.º 798/07; Ac. T.C.A. Sul -2ª Secção, de 17.11.2009, proc.3253/09).

Ora, um «activo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros» - ponto 49 (a) da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística homologada pelo despacho publicado no Aviso n.º 15 652/2009, Diário da República, II Série, de 7 de setembro.

Assim, a “atividade” de uma empresa não se esgota no conjunto de operações produtivas ou operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras. Tanto será atividade a gestão de um ativo físico, como a de um intangível, como a de um ativo não corrente detido para venda, como a de um ativo financeiro.

A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse deste caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes

A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).

O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.

A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.

Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.»

 

 

A situação da Requerente e das suas participadas é fundamentalmente idêntica à apreciada neste acórdão, pois todas as participadas são detidas, directa ou indirectamente, pela Requerente, a 100% e, por isso, todos efeitos dos investimentos efectuados acabam por se repercutir na esfera patrimonial da Requerente, através da valorização ou desvalorização das participações pelo que é óbvio o seu interesse.

«A participada não é um qualquer ente estranho à actividade e interesses da participante. Não há um gasto na esfera da última que nada tem que ver com o seu interesse societário. O gasto com juros incorridos com capitais obtidos e, posteriormente aportados à participada, é feito no interesse da participante, numa consequência directa da sua actividade de gestão de um activo que emerge de uma participação, a qual é real ou potencialmente produtora de rendimento».[3]

No caso em apreço, resulta da prova produzida que os investimentos foram efectuados pela Requerente para suprir dificuldades económicas das participadas, de forma a manterem o seu património em condições que permitam a obtenção de melhores preços em futuras vendas desse mesmo património ou manterem a possibilidade de vir a obter proveitos no futuro, pelo que tem de se concluir que a Requerente tem interesse próprio em efectuar aqueles investimentos.

Por outro lado, resulta da prova produzida que a Requerente tinha interesse próprio em evitar que fosse declarada a insolvência de sociedades que controla a 100%, pelos prejuízos reputacionais que sofreria e que, inclusivamente, poderiam implicar dificuldades ou agravamento de condições na obtenção de crédito, a que a Requerente recorria intensamente, sendo uma empresa fortemente alavancada, sob atenção intensa da banca.

Assim, os investimentos às participadas afiguram-se como necessários ou, pelo menos, convenientes não só para a prossecução directa dos interesses de cada uma das sociedades participadas mas também, mesmo directamente, para a prossecução do fim da Requerente a nível da «realização de rendimentos sujeitos a imposto» (nomeadamente, com a melhoria dos seus resultados através da manutenção das actuais ou até obtenção de melhores condições junto da Banca com o repudiar de danos reputacionais em caso de insolvência de alguma das suas participadas), bem como da manutenção da fonte produtora, em que se incluem os proveitos que podem advir da alienação de património por parte dos activos financeiros (participadas), onde reforçou o seu investimento através da concessão de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares.

Do exposto decorre que a correcção efectuada relativa à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2012 para financiar as suas participadas viola o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, o que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação, na parte correspondente a essa correcção.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Devendo proceder o pedido de pronúncia arbitral pelas razões referidas, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

4. Restituição da quantia paga

 

A Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral), pelo que tem direito ao reembolso da quantia paga a mais, correspondente à correcção cuja legalidade é impugnada no presente processo.

A Requerente indica como valor da causa a quantia de € 726.538,62 (correspondendo à soma de [taxa de IRC em 2012, a saber 25% * 2.364.333,84 valor da correcção efectuada = € 591.083,46] + [taxa da derrama municipal aplicável à Requerente em 2012, a saber 1,20% * valor correcção efectuada = € 28.372,01] + juros compensatórios, na proporção que respeita à correcção impugnada, a saber, € 107.083,15]).

            Assim, é de € 726.538,62 a quantia a reembolsar.

 

5. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2012 com o n.º 2016… e a liquidação de juros compensatórios com o n.º 2016…, na parte que decorre da correcção no valor de € 2.364.333,84, relativa à desconsideração de encargos financeiros e Imposto do Selo suportados pela Requerente;

– julgar procedente o pedido de restituição da quantia de € 726.538,62, (sendo € 591.083,46 de IRC, € 28.372,01 de derrama municipal e € 107.083,15de juros compensatórios) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar essa quantia à Requerente.

 

 

6. Valor do processo

 

     De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 726.538,62.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 28-11-2017

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

(Ricardo Gomes Pedro)

 



[1]              TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137.

[2]              Acórdão arbitral de 21-04-2015, proferido no processo n.º 644/2014-T, proferido sobre uma situação de financiamentos gratuitos a participadas.

[3]              Acórdão arbitral do processo n.º 264/2016-T.