Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 378/2017-T
Data da decisão: 2018-02-26  IRC  
Valor do pedido: € 95.426,99
Tema: IRC – Preços de transferência.
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Francisco Carvalho Furtado (designado pelo Sujeito Passivo) e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro (designada pela Autoridade Tributária e Aduaneira) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-09-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, S.A., com sede no …, Rua …, n.º…,  …, …-… …, NIPC …, doravante designada como «Requerente», veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea b) do n.º 3 do artigo 5.º e al. b) do n.º 2 do artigo 6.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (adiante «RJAT») requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade do e consequente anulação do acto tributário de liquidação de IRC n.º 2017…, de 16-03-2017, referente ao período de tributação de 2014, e através da qual foi corrigido o prejuízo fiscal do período de tributação para € 101.869,23.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Francisco Carvalho Furtado, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-06-2017.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os Árbitros designados pelas Partes designaram como Árbitro Presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que aceitou a designação.

Em 31-08-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 19-12-2017 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Importa apreciar prioritariamente a excepção de incompetência (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 23.12.2013 e com início de actividade em 26-12-2013;
  2. A Requerente está registada com o CAE principal 68100 –Compra e Venda de Bens Imobiliários;
  3. A Requerente dedica-se à aquisição, para revenda, de imóveis e créditos junto de instituições financeiras e à aquisição de títulos de dívida para posterior gestão e rentabilização (depoimentos de B…, C… e D…);
  4. Em sede de IRC é tributada pelo regime geral e em sede de IVA encontra-se colectada no regime normal, registada como sendo sujeito passivo misto com afectação real de todos os bens, com periocidade trimestral desde 30-11-2015;
  5. Em 31-12-2014, o capital social da Requerente era constituído por 1 quota no valor de 1 euro detida pela sociedade E…, S.A.R.L., entidade sediada no Luxemburgo, por sua vez detida na totalidade por fundos geridos pela sociedade F…;
  6. No exercício de 2014, a requerente não tinha ao seu serviço quaisquer colaboradores nem possuía instalações próprias, estando as funções de apoio e de logística à Requerente centradas na sociedade G… SA, NIPC … (Relatório da Inspecção Tributária e depoimento da testemunha B…);
  7. A Requerente foi constituída com o propósito de adquirir os comummente designados “créditos malparados” detidos pelas instituições financeiras nacionais, incluindo os imóveis adquiridos na sequência da execução das garantias associadas aos referidos créditos (depoimentos de B…, C… e D…);
  8. As instituições bancárias portuguesas procuram transmitir esse tipo de activos para não prejudicarem a sua viabilidade (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Trata-se de activos mobiliários e imobiliários com risco associado (depoimentos das testemunhas B… e C…);
  10. Em 2014, as aquisições foram realizadas, essencialmente, à H… (contrato-promessa incluído no processo administrativo);
  11. Em 23 de Dezembro de 2014, entre a A… e a H… (H…), um contrato promessa compra e venda, denominado de “Receivables and Properties Promissory Sale Agreement” de € 692.000.000,00 para a aquisição de imóveis e de uma carteira de créditos” (processo administrativo);
  12. No âmbito da sua actividade, a Requerente realizou perdas aquando da revenda de alguns dos imóveis adquiridos a instituições financeiras, designadamente nos casos indicados no documento n.º 6-A junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido (depoimento da testemunha B…);
  13. Em alguns dos imóveis têm de ser efectuadas reparações para ficarem em condições de ser vendidos (depoimento da testemunha B…);
  14. Alguns dos imóveis adquiridos ainda não foram revendidos, designadamente os indicados no documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  15. Em relação a esses activos não existem quaisquer garantias de que a eventual venda, caso ocorra, seja efetuada a valores superiores aos valores de aquisição, acrescidos dos custos de gestão e manutenção associados à detenção dos mesmos (depoimento da testemunha B…);
  16.  Nos exercícios seguintes a 2014 a Requerente efectuou a compra de instrumentos de dívida (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  17. No decorrer do exercício fiscal de 2014, a Requerente contraiu financiamentos, sob a forma de suprimentos, junto do seu acionista único, a E…, S.A.R.L (“E…”), de forma a dispor de fundos para o adequado desenvolvimento da sua actividade (processo administrativo e depoimento da testemunha B…);
  18.  Todos os suprimentos acordados pela Requerente foram estabelecidos tendo por referência uma maturidade de 4 anos (processo administrativo);
  19. Os suprimentos foram denominados em Euros e apresentam montantes que variam entre os €764.965,00 e os €75.127.790,77 (processo administrativo);
  20. Os contratos em causa prevêem que o reembolso de capital e juros ocorra apenas na maturidade, apesar de os mesmos preverem também a possibilidade de se efectuarem reembolsos antecipados de capital e juros, sem qualquer bónus ou penalidade (processo administrativo);
  21.  A taxa contratualizada nos suprimentos em apreço é de natureza fixa e assume o valor de 9% sobre o montante em dívida assumindo os juros respetivos a forma de juros simples (processo administrativo);
  22. Os contratos de suprimentos não dispõem de quaisquer garantias associadas (processo administrativo e depoimentos das testemunhas B…, C… e D…).
  23. A actividade principal da Requerente é a compra de créditos hipotecários (depoimento da testemunha B…);
  24. Para a Requerente poder avançar com os investimentos previstos no seu plano de negócios, as necessidades de financiamento subjacentes implicaram sempre a contratação de créditos adicionais junto de entidades bancárias;
  25. Em 28-05-2015, a Requerente celebrou um mútuo com hipoteca imobiliária com o J…, no valor de € 5.613.072,40 (cinco milhões seiscentos e treze mil e setenta e dois euros e quarenta cêntimos), constituindo como garantia uma hipoteca sobre 84 imóveis no valor global de € 8.138.954,98 (oito milhões cento e trinta e oito mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos) (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  26. Em 19-11-2015, a Requerente celebrou novo mútuo com hipoteca imobiliária com o J…, no valor de € 706.870,45, constituindo como garantia uma hipoteca sobre 11 imóveis no valor global de € 1.024.962,15 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  27. Os empréstimos bancários contraídos em (2015) pela Requerente junto de instituições bancárias implicaram a concessão ao credor bancário de hipotecas sobre imóveis, pelo que estes activos passaram a ser dados como garantias reais desses créditos bancários e não estão disponíveis para compensar uma eventual falha da Requerente no reembolso dos suprimentos (depoimentos das testemunhas B… e C…);
  28. Foi realizada uma inspecção tributária à Requerente ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015… em que foram efectuadas várias correcções, inclusivamente um acréscimo de € 95.426,99 respeitantes a encargos financeiros que considerou não dedutíveis relacionados com os financiamentos recebidos pela Requerente do seu accionista único, a E…, sob a forma de suprimentos;
  29. No Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

Conforme já foi referido o sujeito passivo não procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC com referência ao exercício em apreço.

Neste contexto, solicitou-se ao sujeito passivo aquando do início da ação inspetiva, a apresentação do balancete analítico de dezembro de 2014 e demais documentação de suporte contabilístico, por forma a proceder-se a regularização declarativa do detetado.

Durante o procedimento inspetivo foi analisada toda a contabilidade, tendo-se verificado que, neste exercício, o resultado contabilístico foi negativo no valor de € 377.551,19.

Face à falta de entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, a Autoridade Tributária nos termos do disposto da alínea b) do artigo 89.º do CIRC tem competência para promover a liquidação de IRC.

Ora o artigo 17.º do CIRC estabelece que o lucro tributável das pessoas coletivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do IRC.

Assim do exposto, o resultado fiscal do exercício de 2014 determinado em conformidade com os artigos 17.º, 89.º alínea b) e 90.º nº 1 alínea c), todos do CIRC, é apurado da seguinte forma:

Resultado Líquido do Período (- € 377.551,19) + Acréscimos ao RLP = Resultado fiscal

 

III.1 Correções Aritméticas em sede de IRC

(...)

III.1.2 - ANÁLISE DOS FINANCIAMENTOS CONTRATADOS EM 2014

No decurso do exercício de 2014, o sujeito passivo contraiu vários financiamentos junto do sócio (detentor da totalidade do capital social), conforme se detalha a seguir:

Relativamente ao financiamento no valor de € 468.254,00 o montante foi integralmente reembolsado em 19 de agosto de 2014, não existindo neste exercício o registo de quaisquer encargos financeiros.

Solicitaram-se os contratos de financiamento celebrados entre a I… e a E… que suportam os gastos financeiros registados. Todos os contratos apresentados foram redigidos em língua estrangeira pelo que solicitou-se a tradução para português dos referentes aos de maior valor.

Da análise aos mencionados contratos verifica-se que as cláusulas contratuais estabelecidas são, genericamente, idênticas entre os contratos, designadamente, no respeita ao acordo de o capital e os juros serem reembolsados na maturidade do empréstimo.

Com excepção do montante de € 200.000,00 que faz parte integrante do financiamento concedido pelo sócio em 20 de maio de 2014 (no montante de € 764.964,00) e do financiamento no montante de €981.512,00, concedido em 26 de junho de 2014, cujos montantes foram creditados na conta de depósitos à ordem detida pelo sujeito passivo junto do K…, os restantes financiamentos foram concedidos pelo sócio para pagamento direto de responsabilidades assumidas pela A… .

Os gastos financeiros relativos a juros a pagar ao sócio da sociedade por suprimentos encontram-se registados na conta 6911 - Juros de financiamentos obtidos (vd. anexo 3).

A contabilização na conta de gastos (a débito) ocorreu por contrapartida da conta 272202 - Juros a acrescer (a crédito) pois apesar de não ter sido emitida qualquer nota de débito por parte do sócio, atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do CIRC, a A… tem vindo a calcular os juros, registando o respetivo valor em gastos do período por contrapartida desta conta.

III.1.2.1 - ENQUADRAMENTO LEGAL DOS GASTOS FINANCEIROS RESULTANTES DE JUROS DE SUPRIMENTOS

Conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, consideram-se gastos do período os que comprovadamente sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nomeadamente os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios.

Ora, de acordo com a informação recolhida no decurso da ação inspetiva, os suprimentos realizados em 2014 pelo sócio tiveram como propósito dotar a sociedade de meios financeiros para poder adquirir imóveis. A maior parte aquisições caraterizou-se por ser em bloco/pacote de imóveis pertencentes a instituições bancárias, essencialmente da H… (neste caso a maior das escrituras de aquisição foi celebrada no decurso do ano de 2015) e do Banco  L… SA.

Tal como já foi referido neste relatório, o sujeito passivo iniciou a sua atividade em finais do exercício de 2013, não tem uma estrutura empresarial e, de facto, o seu capital social inicial não é por si suficiente para a realização da atividade prevista.

Assim se conclui que os financiamentos realizados dotaram efetivamente a empresa de meios financeiros por forma a se apresentar mais sólida e abrangente no mercado em que opera.

Pelo referido, os juros resultantes dos suprimentos efetuados serão de aceitar, de um modo geral, para efeitos fiscais de acordo com o já mencionado artigo 23º do CIRC.

No entanto, dispõe a alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos com "juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelo sócio à sociedade, na parte em que excedam a taxa de definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º"

Assim importa, então, analisar o enquadramento da situação concreta à luz do Princípio de Plena Concorrência e dos Preços de Transferência, previsto no artigo 63º do CIRC atendendo a que se trata de financiamentos concedidos pelo único sócio E…, S.A.R.L. (E…) à sociedade A… .

 

III.1.2.2 - ENQUADRAMENTO LEGAL DO PRINCÍPIO DA PLENA CONCORRÊNCIA E DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NAS OPERAÇÕES VINCULADAS

O Princípio de Plena Concorrência, consagrado no ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63º do CIRC define que "nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis” (sublinhado nosso).

Para determinar quais os termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, refere o n.º 2 do mesmo artigo que “o sujeito passivo deve adotar (...) o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negocio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco."

Para tal, deverá o sujeito passivo eleger um dos métodos referidos no n.º 3 do artigo 63º do CIRC, que se encontram mais detalhados na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, a qual veio regular os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade.

Deverá ainda o sujeito passivo, de acordo com o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, "manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à politica adotada em matéria de preços de transferência, incluindo as diretrizes ou instruções relativas a sua aplicação, os contratos e outros atos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectiva cumprimento, a documentação e informação relativa aqueias entidades e bem assim as empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados setoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a seleção do método ou métodos utilizados."

 

III.1.2.3 - SUBORDINAÇÃO DOS SUPRIMENTOS REALIZADOS (OPERAÇÃO VINCULADA) ÀS REGRAS DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

Conforme já referido, para aplicação das regras de preços de transferência, é necessário que o sujeito passivo realize operações com uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, devendo então, certificar-se de que estão a ser contratados e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente o seriam entre entidades independentes em operações comparáveis.

Importa assim saber qual a definição legal de relações especiais e se esta se aplica ao caso em análise, isto e, aos suprimentos realizados pelo detentora do capital social da A… em 2014.

Define o n.º 4 do artigo 63º do CIRC que “existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto; (...)

b) (...)

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes; (..,)".

Relativamente ao estipulado, e considerando que o capital social da A… era detido na totalidade pela E…, S.A.R.L. (E…), entidade sedeada no Luxemburgo, podemos concluir se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC e consequentemente, no exercício em análise, o sócio tinha o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo relações especiais entre as duas entidades.

Pelo exposto, somos de concluir que o caso em apreço - a realização de suprimentos pelo sócio a sociedade - é uma operação vinculada, nos termos do n.º 4 do artigo 63º do CIRC e da alínea b) do n.º 3 do artigo 1º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, estando assim sujeito a observância do Princípio de Plena Concorrência, já referido.

Face ao volume de negócios, o sujeito passivo encontra-se dispensado de elaborar o dossier de preços de transferência, nos termos do estipulado no n.º 3 do artigo 13.º da mencionada Portaria a que se refere o n.º 6 do artigo 63º do CIRC, para o exercício de 2014.

Da análise documental aos valores assumidos em gastos do exercício verificou-se que não existe, na contabilidade, qualquer documentação que demonstre a obtenção da taxa de juro assumida contratualmente, não tendo sido apresentados os pressupostos inerentes a fórmula de cálculo das taxas de juro contratadas e praticadas no exercício de 2014.

Questionado o sujeito passivo sobre o apuramento da taxa de juro contratada, o mesmo apresentou, em resposta ao solicitado, um documento redigido em inglês, elaborado pela F…, com a designação N…, o qual se anexa ao presente relatório. (vd. anexo 4)

Sobre o referido documento retiraram-se as seguintes conclusões:

- o sujeito passivo enquadrou a operação de financiamento como um instrumento de dívida subordinada (obrigações subordinadas são títulos de dívida abrangidos por uma cláusula de subordinação, i.e., no caso de falência da entidade emissora, apenas são reembolsados após os demais credores por dívida não subordinada), com um nível de risco elevado;

- como justificação para a taxa de juro contratada, apresenta uma análise às taxas de juro respeitantes à dívida sénior, a investimentos especulativos e a instrumentos de dívida subordinada. Refere-se, ainda, que os financiamentos obtidos, provenientes do detentor de capital, devem ter uma remuneração que se deve situar entre a da dívida profundamente subordinada e o cost of equity;

- são, ainda, apresentados gráficos comparativos, respeitantes a empréstimos com nível de risco elevado, com o comportamento dos mercados da Europa e dos Estados Unidos e gráficos respeitantes ao comportamento da remuneração da dívida soberana de Portugal e da Alemanha.

Sobre o documento apresentado cabe, agora, tecer algumas considerações:

- Os financiamentos provenientes do detentor do capital social da A… visaram dotar a sociedade de meios financeiros para adquirir património imobiliário. Efetivamente comprovou-se a utilização dos fundos obtidos nesse objetivo.

- verificou-se que os imóveis foram adquiridos, na sua maior parte, a instituições de bancárias. O valor de transação dos imóveis adquiridos não assume a característica de ter intrínseco um valor especulativo, não existindo por isso aquisições com valores acima do valor de mercado dos bens (pelo contrário em alguns casos estão abaixo do valor de mercado).

- Pelo exposto, retira-se que a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido pelo facto de ser aplicado em património imobiliário e pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado).

- Pelos motivos atrás descritos, não nos parece plausível a comparação/justificação efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamenta em créditos que tem um nível de risco elevado e com uma maturidade superior ao da que foi assumida contratualmente pela E… e pela A… . As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.

Conclui-se, portanto, que as operações tem características económicas e financeiras distintas, não sendo por isso o método mais apropriado para fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados, numa situação de plena concorrência, ou seja, contratados entre entidades independentes.

III.1.2.4 - SELEÇÃO DO MÉTODO MAIS ADEQUADO DE DETERMINAÇÃO DO PREÇO DE TRANSFERÊNCIA DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA

 De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, bem como no n.º 1 do artigo 4º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações.

Segundo o n.º 2 do artigo 4º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que e suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

O Código do IRC e a referida Portaria enumeram os métodos a utilizar, em tinha com as orientações do Relatório da OCDE, que se agrupam numa de duas tipologias, a saber:

--> Métodos Tradicionais ou Métodos Baseados nas Operações (Traditional Transactions Methods);

--> Métodos Baseados no Lucro das Operações (TransactionaI Profit Methods).

São identificados no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes métodos baseados nas operações:

- Método do Preço Comparável de Mercado;

- Método do Preço de Revenda Minorado;

- Método do Custo Majorado

e, ainda, os seguintes métodos baseados no lucro das operações:

- Método do Fracionamento do Lucro;

- Método da Margem Líquida da Operação.

Em conformidade com as mais recentes Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (vide § 2.1 e seguintes das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para cada caso específico.

Neste sentido, e considerando o disposto no § 2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são vistos como os métodos mais diretos de estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são de plena concorrência.

Mais ainda, desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do Princípio de Plena Concorrência, devendo-lhe ser dada preferência sobre todos os demais.

De acordo com o n.º 2 do artigo 6.º da Portaria, este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes condições:

"a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares" (comparáveis internos);

"b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objeto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares” (comparáveis externos).

 

O Método do Preço Comparável de Mercado

O Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) consiste em comparar o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada.

Este método pode ser utilizado, designadamente, quando o sujeito passivo em análise ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo, realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objeto um serviço idêntico, com uma entidade independente. Desde que seja possível identificar operações comparáveis em mercado aberto, o MPCM constitui o meio mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência. Por consequência, neste caso deve ser dada preferência a este método sobre todos os demais.

De igual forma o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001 refere que “a adoção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objeto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes", o que significa que, podendo ser aplicado, satisfaz a condição prevista no n.º 2 do artigo 4.º da mesma portaria sendo por isso considerado o método mais apropriado.

O Método do Preço Comparável de Mercado assume-se, assim, como o método mais adequado a aplicar, sendo que a sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência.

Deste modo, uma vez que, conforme se verá, se encontram reunidas as condições de aplicação deste método à operação financeira em análise, encontra-se perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.

 

Rejeição do Método do Preço de Revenda Minorado

O Método do Preço de Revenda Minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo Sujeito Passivo numa operação comparável realizada com uma entidade independente, tendo por objeto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável (Cfr. artigo 7.º da Portaria).

Este método e especialmente recomendado para atividades de distribuição (Cfr. parágrafo 2.14. a 2.31. do Relatório da OCDE 1995). Assim, uma vez que as operações em análise não se enquadram como atividades de distribuição, rejeitamos a utilização deste método.

 

Rejeição do Método do Custo Majorado

O Método do Custo Majorado tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável (cfr. artigo 8.º da Portaria).

A utilização deste método é recomendada pela OCDE essencialmente no caso de vendas de produtos semiacabados entre empresas associadas, no quadro de acordos celebrados entre empresas associadas com vista a usufruição em comum de equipamentos ou ao aprovisionamento a longo prazo, ou quando a operação vinculada consiste na prestação de serviços (cfr. parágrafo 2.32. do Relatório da OCDE de 1995). Assim, atendendo a operação controvertida, rejeitamos a utilização deste método.

 

Rejeição dos métodos não tradicionais

Os vulgarmente designados métodos não tradicionais (método do fracionamento do lucro e método da margem liquida da operação) apenas serão suscetíveis de utilização quando os métodos tradicionais (método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado e método do custo majorado) não possam ser aplicados (cfr. í b) in fine do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria).

Face a tudo o que foi exposto, o método do preço comparável de mercado revela-se o mais apropriado em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 4.º da Portaria, pelo que será utilizado na pesquisa de condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares às ora analisadas.

 

 Pesquisa de uma operação comparável

O Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado comparando as condições ocorridas numa operação vinculada com as condições praticadas numa operação realizada com uma entidade independente.

De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminam os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

Ora, para o caso em apreço, efetuou-se, relativamente ao exercício de 2014, uma análise:

- às taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MFI interest Rates, tendo-se verificado que, em termos anuais, não ultrapassam a taxa de 4,5% (vd. anexo 5);

- à informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal, tendo se constatado que a taxa acordada anualizada (taa)" no decurso do exercício de 2014, para financiamentos com as características dos financiamentos do sujeito passivo, se situa genericamente no intervalo entre os 3% e 5%, tendo a taa reportada a dezembro de 2014, para operações acima de 1 milhão de euros, sido de 3,48% (vd. anexo 6);

- a nota estatística reportada às taxas de juro relativas a 2014, divulgada pelo Banco de Portugal, onde se refere que a redução das taxas de juro foi mais expressiva nos novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, cuja taxa média se fixou, em dezembro de 2014, em 4,09 por cento, menos 99 pontos base (p.b.) do que no período homólogo. (vd. anexo 7).

Conforme se verifica a remuneração dos financiamentos do sujeito passivo estão a ser remunerados a taxas superiores às constantes da informação estatística atrás descrita.

Ora entende-se que por empréstimo comparável ou similar, será necessário atender aos seguintes fatores, tais como o montante e a duração do empréstimo, a sua natureza ou o seu objetivo, a divisa em que se encontra especificado, e a situação financeira do mutuário.

Dada a falta de apresentação de uma operação comparável por parte do contribuinte, optou-se por utilizar como fonte os dados da entidade Banco de Portugal, compilados pela PORDATA, obtendo-se como média anual da taxa de juro sobre operações de empréstimos a empresas, durante o exercício de 2014, a

percentagem de 4,89% (vd. anexo 8), por se considerar que não contraria toda a informação estatística fornecida peio BCE, tem em linha de conta as características do mercado financeiro português e é aquela que apresenta um valor mais alto.

De facto, da análise efetuada a todas informações estatísticas, reportadas ao exercício de 2014, fornecidas por entidades oficiais, onde são retratadas taxas que resultam de médias praticadas no mercado, optou-se para 0 presente efeito por aquela que apresenta um valor mais elevado, sendo por isso a mais favorável ao sujeito passivo.

Face a tudo que já foi referido, somos de concluir que os comparáveis externos utilizados pelo sujeito passivo para justificar a conformidade da operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência não preenchem os requisitos impostos pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21/12, não proporcionando assim o mais elevado grau de comparabilidade entre a operação vinculada e outra(s) não vinculada(s) e, consequentemente, não satisfazendo o Princípio de Plena Concorrência.

Concluiu-se, então, que a taxa de juro assumida contratualmente pelo sujeito passivo manifesta uma forma de remunerar a detentora do seu capital social, uma vez que ultrapassa as taxas de remuneração, dos financiamentos, utilizadas pelas instituições financeiras monetárias.

Atendendo aos fundamentos aduzidos nos pontos a anteriores, se as operações contratadas entre a A… e a E… tivessem sido celebradas entre entidades independentes, teriam sido contratados, aceites e praticados termos similares aos definidos no mercado financeiro, e a A…, teria suportado uma taxa de financiamento inferior. Assim, o seu lucro tributável encontra-se sub-quantificado, em resultado da contabilização de encargos financeiros excessivos, face aos que seriam exigíveis em condições de plena concorrência, verificando-se assim uma violação do Princípio de Plena Concorrência consagrado no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC.

 

III.1.2.5 - IMPACTO DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA NA DETERMINAÇÃO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL

Face a todo o exposto, dever-se-á proceder ao cálculo do impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável da A…, considerando que tal transação, em condições de plena concorrência, e em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, deveria envolver termos análogos, aos que seriam definidos entre entidades independentes em operações comparáveis, utilizando para 0 efeito uma taxa de remuneração similar às taxas de mercado atrás indicadas. Por conseguinte, considera-se que a taxa de juro de 4,89%, é aplicável aos empréstimos de 2014 concedidos pela casa-mãe.

Deste modo, verificando-se que as taxas de juro aplicadas pelo sujeito passivo para a remuneração dos empréstimos, de 9%, 8,8297%, 7.9895%, 7,7574%, respetivamente para os financiamentos atrás mencionados no ponto III.1.1. do presente relatório, não consubstanciam as taxas de mercado para o efeito e existindo uma taxa de referencia para o exercício em análise, atrás exposta, verifica-se que não são aceites como custos fiscais os encargos (juros) correspondentes ao excedente na taxa de juro dos empréstimos, pelo que no quadro abaixo estão calculados os juros aceites como custos fiscais.

Nestes termos, considerando o disposto no artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, que refere que “sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, deve aquele efetuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correção positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio, por forma que o lucro tributável não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais" e o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, deve ser acrescido ao resultado apurado, pelo sujeito passivo, o montante de € 95.426,99, correspondente aos encargos não dedutíveis. Este valor resulta da diferença entre os gastos financeiros registados contabilisticamente pelo sujeito passivo e os gastos financeiros considerados como correspondentes a operações realizadas entre entidades independentes (€ 242.408,00 - € 146.981,01).

Em suma do exposto, em matéria de correções aritméticas em sede de IRC, apurou-se que fiscalmente não dedutíveis gastos no montante de € 275.681,96 (€ 180.254,97 + € 95.426,99)

(...)

IX - Direito de Audição

Em 2016/10/18 através do ofício n.º … foi notificado o sujeito passivo para o exercício do direito de audição nos termos dos artigos 60.º da Lei Geral Tributaria e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.

Sobre os factos e fundamentos descritos no correspondente projeto de relatório, veio o sujeito passivo em 2016/11/02 pronunciar-se. (vd. Anexo 9)

O sujeito passivo veio apresentar os fundamentos da sua discordância quanto à correção aritmética em sede de IRC respeitante aos encargos financeiros.

Refere o sujeito passivo que, efetivamente, os termos e condições praticados nas operações realizadas com a sociedade E… estão sujeitos às regras de preços de transferência, previstas no artigo 63.º do CIRC.

Neste sentido veio, o sujeito passivo, novamente referir um estudo desenvolvido com o intuito de suportar a definição das taxas de juro aplicáveis aos financiamentos concedidos pela empresa-mãe. Salienta que as conclusões de tal estudo tem em linha de conta as características específicas das operações em apreço, tais como, a moeda, o mercado onde foram estabelecidas e o tipo de subordinação, considerando por isso, que existe grau de comparabilidade dos dados de mercado "em virtude de refletirem condições similares aquelas vertidas nas operações financeiras intragrupo estabelecidas entre a exponente e o seu acionista único.

O sujeito passivo reitera a ideia de que existem "premiuns" acrescidos às taxas de mercado arroladas que são intrínsecos ao grau de subordinação das operações de dívida em análise. Fundamenta-se que os financiamentos em questão, por assumirem a natureza de suprimentos, caraterizam-se automaticamente em dívida subordinada, e por isso a taxa de juro acordada respeita o princípio de plena concorrência.

Refere, ainda, que admitindo a desconsideração por parte dos Serviços de inspeção do estudo apresentado “não se considera estarem respeitados na seleção dos comparáveis efetuada pelos Serviços de Inspeção os fatores de comparabilidade mais adequados e exigíveis numa análise específica a este tipo de operações financeiras com características peculiar e num contexto próprio e específico”.

Argumenta que as fontes de informação consideradas pela Autoridade Tributária fornecem informação sobre taxas de juro que resultam de uma média ponderada “da amostra recolhida a qual não permite identificar o intervalo de taxas de juro acordadas pelas entidades envolvidas nas operações não vinculadas consideradas para a definição da taxa de juro média do sistema bancário.” Refere que a utilização de médias ponderadas para o efeito pretendido e questionável, referindo que não se pode assumir que as médias sejam o único referencial admissível de aferição da remuneração de mercado para as operações em apreço dado que se desconhece o intervalo de taxas de remuneração de mercado nas operações que foram utilizadas para aferir essa media.

Em conclusão do exercício do direito de audição o sujeito passivo, por considerar que a informação respeitante à média anual da taxa de juro sobre empréstimos concedidos a empresas, preparada pelo Banco de Portugal, não considera elementos de comparabilidade, vem apresentar uma análise económica de preços de transferência desenvolvida por uma entidade independente (a empresa de consultadoria O…), fundamentando-se no recurso a informação fornecida pela base de dados da Bloomberg. Esta análise foi anexada à exposição do sujeito passivo. (vd. Anexo 10)

Deste relatório, verifica-se que o enquadramento dado às operações financeiras em análise é de que se trata de dívida subordinada, atendendo ao disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 245.º do Código das Sociedades Comerciais que prevê que caso seja decretada falência ou insolvência "os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquele para terceiros”.

Nestes termos a entidade supra referida, na pesquisa na base de dados Bloomberg, ao definir os critérios que permitem a obtenção de operações de mercado comparáveis requereu, entre outros, que apenas fossem selecionados empréstimos com características de operações subordinadas e com ausência de garantia (esta definição foi considerada no critério de exportação de dados respeitante ao tipo de colateral).

Da análise aos dados obtidos da Bloomberg, a empresa O… concluiu que a taxa de juro acordada nos suprimentos contraídos pela A… junto da E… está em linha com o intervalo de mercado obtido com as taxas de juro estabelecidas nas operações selecionadas como comparáveis, apresentando o seguinte quadro com o intervalo de plena concorrência:

Ora, e de acordo com o intervalo de mercado obtido da análise aos dados da Bloomberg, verifica-se que 50% dos financiamentos nas operações selecionadas como comparáveis têm taxa de juro até 4,80, 75% até 7,00%, considera o sujeito passivo que a taxa aplicada de 9% será aceitável por ainda ser inferior ao máximo observado de 15%. No entanto, analisando o gráfico de distribuição destas taxas observadas e consideradas comparáveis pelo sujeito passivo, todo o 4.º quartil deve ser considerado “outlier”' e anormal.

Ora analisando esta listagem verifica-se que, para além de todos os financiamentos terem um risco de exposição muito elevado, existem muito poucas operações relativas a empresas dedicadas ao sector imobiliário (consequentemente com imóveis subjacentes) sendo todas elas com taxas inferiores as praticadas pelo sujeito passivo e à proposta da Autoridade Tributária no âmbito deste procedimento de inspeção.

Aliás todas as taxas apresentadas acima de 8,13% referem-se a financiamentos concedidos a empresas da área financeira (Financial Services). Outra constatação sobre o mencionado relatório é que apesar de a amostra ter sido estabelecido como critério países que compõem a União Europeia, verifica-se que nas conclusões obtidas não foi contemplada nenhuma operação situada em Portugal.

Pese embora as conclusões descritas, refere-se que, eventualmente, a única operação que poderia ser considerada como comparável com a operação do financiamento do sujeito passivo seria a identificada com “…/BE /M…/05-12-2014 /05-O2-2021 /6 /EUR /SUBORDINATED /4,85%” por se tratar de uma empresa relacionada com o sector imobiliário, cujo financiamento foi contratado em dezembro de 2014, altura do ano coincidente com a data em que o sujeito passivo contratou o seu financiamento. Em consonância com o que já foi referido, constata-se que a taxa de juro considerada pela Autoridade Tributária como sendo de referência não se afasta das taxas de juro praticadas a nível europeu para as empresas que desenvolvem atividades que se inserem sector de atividade do sujeito passivo.

Face ao exposto, considera-se que as operações constantes do relatório apresentado incluem observações que não são comparáveis com o financiamento obtido pela A… pelo que não é de aceitar fiscalmente a conclusão apresentada quanto ao intervalo de plena concorrência.

Finalmente, quanto ao facto de o sujeito passivo contestar a utilização pelos Serviços de Inspeção de uma taxa média como referência, cabe alegar que não tendo sido possível obter uma operação exatamente comparável com a operação em análise (comparação com situações de mercado ou ausência de relações especiais que tem em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens e a estratégia de negócio) considerou-se utilizar como referência a informação estatística publicada pela entidade que superintende a atividade das instituições de crédito em Portugal. Tai como o sujeito passivo refere, a taxa média publicada refere-se a operações denominadas em euros, contratadas por instituições financeiras e concedidas a residentes, resultando o seu valor de uma amostra que contém operações com taxas mais elevadas que a média e outras mais reduzidas que a média.

Nestes termos, face a ausência de uma operação exatamente comparável, considera-se fiscalmente que o mais equilibrado é utilizar como referência, para calculo dos encargos financeiros que são dedutíveis fiscalmente, a taxa média publicada pelo Banco de Portugal, que se verificou ficar abaixo das praticadas nas observações consideradas no estudo apresentado pelo sujeito passivo para P…, Q… e M…, contratados no final do ano de 2014.

Ora atendendo a tudo o que foi exposto e, considerando que o sujeito passivo apresentou como comparáveis operações que estes Serviços de Inspeção não consideram comparáveis, e não tendo o mesmo apresentado uma taxa de juro que seja circunjacente da taxa média publicada pelo Banco de Portugal para o exercício de 2014, entendem estes serviços ser de manter a correção proposta.

 

  1. Em sede de direito de audição a Requerente apenas contestou a correcção efectuada em termos de preços de transferência;
  2. Em 26-11-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 23-11-2016, referente ao período de tributação de 2014, no qual fixava o prejuízo tributável da Requerente em € 0,00 (zero euros e zero cêntimos) (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); [1]
  3. Em 23-02-2017, a Requerente submeteu a declaração periódica de rendimentos/ modelo 22 de IRC referente ao mesmo período de 2014 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 22-03-2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017…, de 16-03-2017, referente ao período de tributação de 2014, e através da qual foi corrigido o prejuízo fiscal do período de tributação para € 101.869,23 (cento e um mil oitocentos e sessenta e nove euros e vinte e três cêntimos) (Documento n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. Em 20-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

            A fixação da matéria de facto baseia-se no Relatório da Inspecção Tributária, nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e nos depoimentos referidos sobre ponto específicos.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que depuseram.

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere explicitamente que constata uma verdadeira divergência entre a Requerente e a Requerida sobre os factos (artigo 114.º da Resposta).

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Âmbito do processo

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou várias correcções a matéria tributável da Requerente, mas esta apenas impugna a liquidação na parte em que assenta na correcção efectuada com base na aplicação do regime de preços de transferência.

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )

Por outro lado, sendo o acto impugnado o objecto do processo, não está em causa apreciar se foi correcta ou não a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apenas apurar de a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem suporte legal.

 

3.2. Apreciação da questão

 

A Requerente foi constituída com o propósito de adquirir os comummente designados “créditos malparados” detidos pelas instituições financeiras nacionais, incluindo os imóveis adquiridos na sequência da execução das garantias associadas aos referidos créditos.

A Requerente obteve financiamento através de suprimentos efectuados pelo seu único accionista, a  E…, S.A.R.L..

De harmonia com o preceituado na alínea m) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável «os juros e outras formas de remuneração de suprimentos e empréstimos feitos pelos sócios à sociedade, na parte em que excedam a taxa definida por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, salvo no caso de se aplicar o regime estabelecido no artigo 63.º».

O artigo 63.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 63.º

 

Preços de transferência

 

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

 

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g) Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

Este regime é complementado pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 6.º, invocados pela Requerente:

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

 

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

(...)

Artigo 6.º

 

Método do preço comparável de mercado

 

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidên-cia tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

 

No caso em apreço, há acordo das Partes quanto à aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do Código do IRC, designadamente quanto à existência de «relações especiais» entre a Requerente e o accionista único, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária: «o capital social da A… era detido na totalidade pela E…, S.A.R.L. (E…), entidade sedeada no Luxemburgo, podemos concluir se enquadra na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC e consequentemente, no exercício em análise, o sócio tinha o poder de exercer influência significativa nas decisões de gestão da empresa existindo relações especiais entre as duas entidades».

Assim, a remuneração dos suprimentos para a determinação do lucro tributável da Requerente será relevante nos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, determinados nos termos do regime de preços de transferência a que se refere o artigo 63.º do CIRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

A solicitação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente apresentou-lhe um documento redigido em inglês, elaborado pela F …, com a designação N…, relativo ao apuramento da taxa de juro contratada, que foi de 9% ao ano, para empréstimos com a duração de 4 anos, tendo sido praticadas efectivamente no ano de 2014 taxas de juro entre 7,9895% e 9%.

A Requerente enquadrou a operação de financiamento como um instrumento de dívida subordinada, com um nível de risco elevado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou o invocado pela Requerente para apuramento da taxa de juro referida, por entender, em suma, o seguinte:

– Os financiamentos provenientes do detentor do capital social da A… visaram dotar a sociedade de meios financeiros para adquirir património imobiliário. Efetivamente comprovou-se a utilização dos fundos obtidos nesse objetivo.

– verificou-se que os imóveis foram adquiridos, na sua maior parte, a instituições de bancárias. O valor de transação dos imóveis adquiridos não assume a característica de ter intrínseco um valor especulativo, não existindo por isso aquisições com valores acima do valor de mercado dos bens (pelo contrário em alguns casos estão abaixo do valor de mercado).

– Pelo exposto, retira-se que a aplicação dos fundos obtidos tem um risco inerente reduzido pelo facto de ser aplicado em património imobiliário e pelo facto de este ser adquirido por preços mais baixos (valores abaixo do valor de mercado);

– não nos parece plausível a comparação/justificação efetuada pelo sujeito passivo dado que se fundamenta em créditos que tem um nível de risco elevado e com uma maturidade superior ao da que foi assumida contratualmente pela E… e pela A… . As operações em comparação, apresentadas pelo sujeito passivo, não envolvem nem funções, nem ativos e nem riscos similares.

 

            Analisando os métodos previstos no artigo 63.º, n.º 4, do CIRC para determinação dos termos e condições que normalmente seriam acordados, aceites ou praticados entre entidade independentes, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se encontram reunidas as condições de aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado.

«A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 121 de Dezembro).

«Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

Para aplicar este método, a Autoridade Tributária e Aduaneira atendeu:

– às taxas de juro divulgadas mensalmente pelo Banco Central Europeu (BCE) - MFI interest Rates, tendo verificado que, em termos anuais, não ultrapassam a taxa de 4,5%;

– à informação estatística divulgada pelo Banco de Portugal, tendo se constatado que a taxa acordada anualizada (taa)" no decurso do exercício de 2014, para financiamentos com as características dos financiamentos do sujeito passivo, se situa genericamente no intervalo entre os 3% e 5%, tendo a taa reportada a dezembro de 2014, para operações acima de 1 milhão de euros, sido de 3,48%;

- à nota estatística reportada às taxas de juro relativas a 2014, divulgada pelo Banco de Portugal, onde se refere que a redução das taxas de juro foi mais expressiva nos novos empréstimos concedidos a sociedades não financeiras, cuja taxa média se fixou, em dezembro de 2014, em 4,09 por cento, menos 99 pontos base (p.b.) do que no período homólogo.

 

Na sequência desta análise a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu o seguinte:

 

Dada a falta de apresentação de uma operação comparável por parte do contribuinte, optou-se por utilizar como fonte os dados da entidade Banco de Portugal, compilados pela PORDATA, obtendo-se como média anual da taxa de juro sobre operações de empréstimos a empresas, durante o exercício de 2014, a

percentagem de 4,89% (vd. anexo 8), por se considerar que não contraria toda a informação estatística fornecida peio BCE, tem em linha de conta as características do mercado financeiro português e é aquela que apresenta um valor mais alto.

 

Afigura-se manifesto que a utilização da taxa de juro média sobre operações de empréstimos a empresas não é um método que satisfaça as exigências de comparabilidade de operações formuladas pelo n.º 2 do artigo 63.º do CIRC, que alude à ponderação das «caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco».

Na verdade, subjacentes àquela taxa de juro média sobre operações de empréstimos a empresas estão necessariamente subjacentes operações completamente distintas: de curto, médio e longo prazo; garantidas e não garantidas; dívidas subordinadas e dívidas séniores; financiamento de actividades de risco agravado e de menor risco; empréstimos a devedores com passado exemplar e com passado de incumprimento e a devedores com boa situação financeira e com má situação financeira; empréstimos a empresas que se dedicam apenas a comercialização de imóveis e a empresas que se dedicam a outras actividades; empréstimos entre empresas com relações especiais e entre empresas independentes; empréstimos reembolsados em tranches e empréstimos com reembolso apenas na maturidade; empréstimos a taxa variável e a taxa fixa; empréstimos feitos antes da crise económica iniciada em 2008 e depois desse início.

De qualquer forma, a correcção de preços prevista no artigo 63.º do CIRC tem de ser efectuada através dos métodos previstos na lei.

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira optou por utilizar um dos métodos previstos na lei, que é o método do preço comparável de mercado.

No entanto, é manifesto que não foram observados pela Autoridade Tributária e Aduaneira os requisitos legais previstos para utilização desse método, que «requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

Na verdade, para duas operações serem consideradas comparáveis é necessário que sejam «substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001), o que afasta manifestamente a possibilidade de ser utilizado para efeito da determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes um valor médio para cujo apuramento foi considerado um conjunto indefinido de operações cujas características não são determinados, como sucede uma média geral dos empréstimos a empresas, mas em que, segura e inevitavelmente, por se tratar de todos os empréstimos em euros concedidos por instituições financeiras em 2014, se incluem operações substancialmente distintas, com características económicas e financeiras relevantes completamente distintas das que têm as operações vinculadas, a nível de garantias e de risco do credor.

Assim, tem de se concluir que o método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, viola o os citados n.º 2 do artigo 63.º do CIRC e o n.º 4 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, o que justifica a anulação da liquidação efectuada com base na correcção ilegalmente efectuada, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Justificando-se a anulação da liquidação com este fundamento, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento das restantes questões de legalidade suscitadas pela Requerente.

 

4. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração da ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2017…, de 16-03-2017, referente ao período de tributação de 2014, na parte que se reporta ao valor de € 95.426,99 respeitante a encargos financeiros não dedutíveis relacionados com os financiamentos recebidos pela Requerente do seu acionista único, a E…, sob a forma de suprimentos;
  2. Anular a liquidação na parte respectiva.

 

5. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 95.426,99.

 

Lisboa, 26-02-2018

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

  (Francisco Carvalho Furtado)

 

 

            (Maria Manuela do Nascimento Roseiro)

           (vencida conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

1. Concordo que, tal como afirmado na douta decisão arbitral que fez vencimento, o objecto de apreciação do presente Tribunal Arbitral é o acto praticado, tendo em conta o respectivo teor, tal como foi praticado, sem poder ter-se em consideração outros fundamentos alternativos. Ou seja, no presente caso, trata-se de decidir se a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem suporte legal. Mas, quanto a mim, este juízo não pode ser desligado da apreciação da prática da Requerente na aplicação do regime de preços de transferência (sendo certo que as Partes concordam com a aplicação desse regime à situação dos autos). E, nessa perspectiva, não subscrevo alguns dos considerandos e a conclusão da presente decisão arbitral, pelas razões a seguir apresentadas.

2. Quanto à matéria de facto, considero que devem ser realçados os seguintes aspectos:

2.1. Montante dos financiamentos obtidos e garantias existentes

A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em finais de 2013 e que iniciou então a sua actividade, com o capital social constituído por uma quota, no valor de 1 (um) euro, detida por uma holding sediada no Luxemburgo, que, por sua vez, é detida na totalidade por Fundos geridos pela sociedade F… (RIT, p. 5).

Em 2014, exercício a que se refere o acto de liquidação impugnado nos autos, a Requerente – que não tinha ao seu serviço quaisquer colaboradores nem possuía instalações próprias - contraiu vários financiamentos junto do sócio detentor da totalidade do capital social, para aplicar na aquisição de imóveis, sendo relevantes para o presente caso os seguintes: de € 764.964,00 (em 20/05/2014), € 981.512,00 (em 26/06/2014), €75.127.791,00 (em 22/12/2014) e € 1.258.964,00 (em 31/12/2014)[3].

Em 23 de Dezembro de 2014, a Requerente outorgou com a H… um contrato promessa de compra e venda, no valor de € 692.000.000,00 para a aquisição de imóveis e de créditos. A lista anexa ao contrato continha várias centenas de imóveis a adquirir. Neste acordo previa-se o pagamento de um sinal correspondente a 20%, no valor de € 75.127.791,00, cujo montante foi directamente depositado pela sociedade E… numa conta bancária escrow (conta de garantia bloqueada), aberta na H… (RIT, p. 23). Nos contratos de empréstimo com o sócio previu-se a aplicação de taxa de juros de 9%. [4]

Significa isso que para um total de financiamento de € 78.133.231,00 concedido em 2014 pelo sócio único foi contabilizada a importância de € 242.408,00 de juros.

Em 2015, no exercício posterior ao aqui em causa, a Requerente celebrou dois contratos de mútuo com o J…, nos valores de € 5.613.072,40 e de € 706.870,45, o primeiro garantido com hipoteca sobre 84 imóveis (valor global de € 8.138.954,98) e o segundo garantido com uma hipoteca sobre 11 imóveis (valor global de € 1.024.962,15).

Ou seja, a Requerente obteve empréstimos bancários de uma importância total no valor de € 6.319.942,85, dando como garantia a hipoteca de apenas 95 imóveis.

O que nos leva a concluir que tendo adquirido, só em 2014 e 2015, centenas de imóveis (mesmo não tendo concretizado a compra dos cerca de 1.500 constantes da lista do contrato promessa terá adquirido um número elevado de imóveis, a essa ou outras entidades, já que a lista dos imóveis por vender adquiridos em 2015 é ainda bastante grande[5]), apenas 95 se encontravam onerados por hipoteca.

Portanto, nada obsta a que se considere que o montante total de empréstimos efectuados pelo sócio à Requerente, no valor de € 78.133.231,00 (importância bastante superior ao financiamento obtido junto da banca em 2015, no total de 6.319.942,85) não é um empréstimo sem garantia, já que o activo da entidade mutuária se tornava bastante mais importante do que a parte dos bens onerados com hipoteca.

Por isso não me parece correcto retirar do facto provado na alínea aa) do ponto 2.1. da decisão supra - “Os empréstimos bancários contraídos em (2015) pela Requerente junto de instituições bancárias implicaram a concessão ao credor bancário de hipotecas sobre imóveis, pelo que estes activos passaram a ser dados como garantias reais desses créditos bancários e não estão disponíveis para compensar uma eventual falha da Requerente no reembolso dos suprimentos” - a ilação de que os restantes créditos (referentes aos suprimentos) se encontravam impossibilitados de se fazer pagar sobre activos ainda substanciais, como o que se pode ser levado a deduzir da alínea v) - “os contratos de suprimentos não dispõem de quaisquer garantias associadas”.

2.2. Risco dos créditos concedidos como suprimentos

A Requerente justifica a taxa contratada com o sócio único, de 9%, em documentos sucessivamente apresentados sobre a questão, ao longo de todo o processo.[6]

Contudo, independentemente dos critérios utilizados na escolha de comparáveis, pode dizer-se que a fundamentação apresentada pela Requerente em qualquer desses momentos, com base na respectiva documentação, radica na atribuição de um nível de risco elevado à operação de financiamento efectuada pelo seu sócio único.

Mas não é essa a conclusão que, na minha apreciação, se retira da prova resultante do processo: os financiamentos do sócio único usados na aquisição de património imobiliário a instituições bancárias não se configuram como tendo especial risco e, apesar de os créditos dos sócios serem satisfeitos apenas após os outros credores, não só o crédito assumido em 2014 foi anterior aos mútuos efectuados com entidades terceiras apenas em 2015, como se verifica que estes mútuos (de valor bastante inferior aos suprimentos efectuados pelo sócio) vão ser garantidos por hipotecas incidentes sobre um número reduzido de prédios face aos que terão sido adquiridos pela Requerente.

E se é certo que a aquisição de uma carteira de créditos, prevista no contrato promessa outorgado com a H… em 2014, poderia constituir um maior risco, a verdade é que tal aquisição não se veio a realizar devido à cedência da posição contratual da Requerente, durante 2015, a outra entidade, a I…, SA, concretizando-se apenas a aquisição de imóveis (RIT, p. 23). Assim, manteve-se a caracterização da Requerente como tendo a actividade que ela própria escolheu como objecto - a compra e venda de imóveis e não como entidade dedicada a compra de produtos financeiros.

3. Aplicação do regime de preços de transferência pela AT

Porém, considerar que os métodos propostos pela Requerente não conseguem justificar a adequação da taxa contratada à aplicação do regime de preços de transferência, não conduz necessariamente à conclusão de que o critério utilizado pela Administração Tributária e Aduaneira na aplicação do “método do preço comparável de mercado” se encontra justificado. Vejamos.

3.1. Na interpretação acolhida pelos Ilustres Colegas de Colectivo afigura-se que a utilização pela AT da taxa de juro média realizada sobre operações de empréstimos a empresas não é um método que satisfaça as exigências de comparabilidade de operações formuladas pelo n.º 2 do artigo 63.º do CIRC. Porque a referida taxa de juro média sobre operações de empréstimos a empresas abrange operações completamente distintas quando «na verdade para duas operações serem consideradas comparáveis é necessário que sejam «substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001), o que afasta manifestamente a possibilidade de ser utilizado para efeito da determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes um valor médio para cujo apuramento foi considerado um conjunto indefinido de operações cujas características não são determinados, como sucede uma média geral dos empréstimos a empresas, mas em que, segura e inevitavelmente, por se tratar de todos os empréstimos em euros concedidos por instituições financeiras em 2014, se incluem operações substancialmente distintas, com características económicas e financeiras relevantes completamente distintas das que têm as operações vinculadas, a nível de garantias e de risco do credor.» (citando texto do acórdão).

3.2. «As regras de preços de transferência são (…) geralmente consideradas regras anti-abuso, que visam eliminar para efeitos fiscais eventuais situações abusivas em que se utilizem os preços praticados entre entidades em situação de relações especiais, com motivações fiscais (provocando uma deslocação dos resultados tributáveis para entidades com prejuízo ou com sede na jurisdição de mais baixa pressão fiscal)». [7]

O nº 2 do artigo 63º do CIRC dispõe que: “O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.” (sublinhado meu)

Mas, como visto supra, o sujeito passivo, a Requerente, não terá fundamentado tal evidência, recorrendo, inclusivamente, a sucessivos estudos para tentar eleger casos e intervalos que justificassem a taxa contratada.

Cabia então à Administração Tributária e Aduaneira efectuar correcções sendo que o nº 13 do artigo 63º do CIRC prevê que a “aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças”, ou seja, de acordo com o disposto na Portaria nº 1446-C/2001, de 21/12.

A Administração Tributária e Aduaneira deveria procurar, segundo nos diz a Portaria no seu preâmbulo, a “melhor estimativa de um preço independente “devendo tomar “em linha de conta os factos e circunstâncias do caso concreto e o conjunto dos dados disponíveis[8] sendo também de recordar “que as regras sobre preços de transferência não permitem actuar com o rigor e a precisão próprios de uma ciência exacta”.[9]

A Administração foi confrontada, na inspecção tributária, com uma situação singular, amplamente referida e demonstrada no RIT – uma sociedade criada com 1€ de capital social sem activos e sem pessoal, detida a 100% por um único sócio sediado no Luxemburgo. Considero que a singularidade da situação justifica as dificuldades de se proceder a uma análise de comparabilidade com base nos factores descritos no art.º 5.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21/12.

Os factos em presença não permitem encontrar operações substancialmente idênticas, apenas é possível conjecturar uma aproximação, configurando uma operação de concessão de empréstimos bancários a uma sociedade que apresenta garantias, visto que em caso contrário nenhuma instituição bancária emprestaria dinheiro a uma sociedade sem património e com €1,00 de capital social. Não pode ser esquecido que no quadro de uma anormal subcapitalização os suprimentos do sócio único substituem, na prática, a função de entrada de capital, não devendo ser tomados como sujeitos a risco de crédito elevado sob pena de se esquecer a função anti-abuso das regras de preços de transferência.

E também não parece que apenas se encontre como única alternativa, nestes casos, afastar a aplicação das regras de preços de transferência considerando que seria mais adequada a aplicação de CGAA, com a não aceitação de dedução de custos por desconsideração dos juros pagos como remuneração de suprimentos…[10] Para além das dificuldades de aplicação, a alternativa de aceitar a dedução de encargos com os juros, quando há efectivamente concessão de financiamento (não sendo obrigatório um mínimo de capital), parece legítima.

Apesar da objectividade que parece resultar dos critérios enunciados nas alíneas do artigo 5º e do nº 2 do artigo 6º da Portaria nº 1446-C/2001, trata-se de matéria com muitas dificuldades, como aliás ressalta do nº 3 do artigo 6º: «Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.». De facto, este normativo lembra-nos que não existem comparáveis perfeitos, e admite claramente operações que não sejam substancialmente comparáveis.

Ora, no presente caso, sendo verdade que a taxa média que serve de referencial à AT não distingue as empresas por sectores de actividade, nem outras variantes dos empréstimos bancários, considero que o juízo de que a taxa de juros praticada tenderia para a média das taxas de juros praticadas no mercado bancário nacional apresenta razoabilidade.

Aliás, a prova de que o indicador de taxa de juro considerado pela AT constitui uma aproximação razoável à taxa de juro do mercado, em observância do princípio no n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, reside no facto de se encontrar alinhada com a mediana do intervalo  construído com base na análise de dados obtidos da Bloomberg, apresentado no estudo da O… .

Assim, o sentido da minha decisão seria de não julgar ilegais as correcções efectuadas pela Administração Tributária Aduaneira que, tendo em conta os dados do BCE e do Banco de Portugal, e a singularidade da situação em análise, consideraram como média anual da taxa de juro sobre operações de empréstimos a empresas, durante o exercício de 2014, a percentagem de 4,89%.

 

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2018

Manuela Roseiro

 

 



[1] A Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, indica incorrectamente os números dos documentos 3 e 4.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

      -        de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 032702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

      -        de 19/06/2002, processo n.º 047787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;

      -        de 09/10/2002, processo n.º 0600/02;

      -        de 12/03/2003, processo n.º 01661/02;

 

[3] Um outro financiamento, no valor de € 458.254,00, concedido em 27/06/2014, foi reembolsado em 19/08 desse ano sem encargos financeiros. (RIT, pp. 7 e 8).

[4] As taxas de juros aplicadas foram efectivamente de 8,8297%, 7,9895%, 7,7574% e de 9% (esta no caso do empréstimo de € 1.256.964,00).

[5] Doc. nº 8 junto pela Requerente.

[6] No estudo apresentado em procedimento de inspecção, elaborado pela entidade F… (detentora última da Requerente) a taxa de juro justifica-se por se tratar de investimentos especulativos e dívida subordinada. -No segundo documento, junto aquando do exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, a Requerente apresentou um estudo da O…, efectuado com base na análise de dados obtidos da Bloomberg, seleccionando operações tidas como comparáveis, em que as taxas de plena concorrência apresentavam um intervalo entre 1% e 15%, verificando-se que 50% dos financiamentos nessas operações tinham taxa de juro até 4,80. Concluía-se que a taxa aplicada de 9% seria aceitável por ainda ser inferior ao máximo observado de 15%. No terceiro estudo, apresentado com a PI, são seleccionadas operações cuja entidade mutuária desenvolvesse operações semelhantes às suas (actividades de investimento imobiliário, carteiras de créditos e outras tipologias de investimento em geral), resultando 6 observações que considera comparáveis, em que surge uma taxa de juro mínima de 3,43% e máxima de 12%. Pode dizer-se que também este estudo justifica a taxa de juro de 9%, colocando-a no extremo da parte superior do intervalo identificado, por se tratar de financiamento qualificado como suprimentos, considerado automaticamente dívida subordinada

[7] Cláudia Reis Duarte e António Castro Caldas, in Ajustamentos de preços de transferência, Cadernos Preços de Transferência 2013, Almedina, p. 51. E recordam que “o objectivo das referidas regras parece ser não apenas estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes, mas também neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente protecção da base tributável interna” (cf. também primeiro parágrafo do preâmbulo da Portaria nº 1446-C/2001, de 21/12). A prossecução do segundo objectivo justificaria a respectiva qualificação pela doutrina como norma específica anti-abuso (como Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, Coimbra 2007, p. 165).

[8] « Adopta o regime de obrigatoriedade de recurso ao método mais apropriado para cada operação, por se revelar mais apto a produzir a melhor estimativa de um preço independente e assegurar o mais elevado grau de compatibilidade entre operações vinculadas e operações entre partes independentes, tomando em linha de conta os factos e circunstâncias do caso concreto, o conjunto dos dados disponíveis e a fiabilidade relativa dos vários métodos».

[9] «Importa sublinhar que as regras sobre preços de transferência não permitem actuar com o rigor e a precisão próprios de uma ciência exacta, porquanto a fiabilidade dos resultados obtidos com a aplicação das metodologias preconizadas para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente aceites ou praticados numa operação comparável entre partes independentes depende, em grande medida, de análises complexas e elaboradas, em que entra um grande número de variáveis, da disponibilidade e facilidade de recolha de dados comparáveis externos e do maior ou menor apelo a critérios de índole subjectiva e aos pressupostos básicos assumidos».(sublinhado meu)

[10]  Sobre a questão, Miguel Teixeira de Abreu, Os preços de transferência e a cláusula geral anti-abuso. Cadernos de Preços de Transferência, p. 385.