Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 374/2017-T
Data da decisão: 2018-02-15  IRC  
Valor do pedido: € 218.411,11
Tema: IRC – art. 43º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dra. Ana Teixeira de Sousa, designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 01-09-2017, acordam em proferir o seguinte acórdão arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A sociedade “A…, S.A.”, sociedade anónima, com sede em Rua …, N.º…, …-… …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade do  ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC) n.º 2017…, no valor de €202.652,75, e bem assim, dos atos de demonstração de liquidação de juros compensatórios no valor de €18.825,22 e demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, por recebimento indevido, no valor de €2.624,84 (e, ainda do estorno da liquidação referente ao exercício de 2013, no valor de €15.758,36), incluídos no ato de Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017…, cujo valor global a pagar ascende a  €218.411,11. com referencia ao ano de 2013, no valor total de €218.411,11.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 14-06-2017, na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado automaticamente à AT, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não indicar árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. O tribunal ficou constituído em 01-09-2017.

 

  1. Em 09-09-2017 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta em 16-10-2017, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Em 07-11-2017, face à posição das partes evidenciadas nos autos, foi proferido despacho arbitral sobre a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, com o seguinte teor:

 

I – A Reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT

Salvo oposição expressa e fundamentada de qualquer das partes no prazo de 5 dias, fica dispensada a reunião, considerando que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e que não há exceções ou questões prévias a apreciar nesta fase nem aparente necessidade de correção de peças processuais.

II – Prova testemunhal

Analisadas as peças processuais de ambas as partes e a posição da AT relativamente ao quadro factual invocado pela parte contrária, considera o Tribunal inexistir, aparentemente, controvérsia em relação aos factos essenciais alegados para a boa decisão da causa passíveis de prova testemunhal.

Assim sendo, ponderada a aparente inutilidade da requerida diligência de inquirição de testemunhas e atento o disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e 130º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), o RJAT, dispensa-se, por inútil ou sem objeto, a produção de prova testemunhal, sem prejuízo de a Requerente vir a insistir, fundadamente e no prazo de 5 (cinco) dias, na realização da diligência, indicando, neste último caso e no sobredito prazo, os factos essenciais concretos sobre os quais pretende que incida a inquirição.

III – Alegações finais

Ambas as partes apresentarão, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. Esse prazo inicia-se após o

decurso, silente, dos 5 dias mencionados em I e II.

IV – Data para prolação e notificação da decisão final

Fixa-se desde já o dia 16-2-2018 como data limite para a prolação e notificação da decisão arbitral final.”

 

  1. Decorrido o prazo fixado, do silêncio das partes, se extrai a sua concordância quanto à proposta de dispensa da reunião. Em conformidade, em 30-11-2017, veio a Requerida juntar aos autos as suas alegações. A Requerente juntou as suas alegações em 04-12-2017.
  2. Em 03/01 foi proferido despacho arbitral solicitando às partes, ao abrigo do princípio da colaboração, que disponibilizassem as suas peças processuais em word para elaboração da decisão final.

   

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO e da posição da Requerente:

 

  1.  Em síntese, a Requerente, no pedido arbitral, insurge-se contra a conclusão do procedimento inspetivo que conduziu à emissão das liquidações impugnadas, por dois motivos invocados pela AT:
  2. O primeiro motivo assenta no entendimento de o artigo 43º do EBF não é aplicável ao caso concreto, considerando que não cumpre o requisito de situar a sua actividade principal na área beneficiária bem como não cumpre o requisito de mais de 75% da massa salarial estar situada dentro da área elegível;
  3. O segundo motivo resulta do entendimento da AT, segundo o qual não se poderia aplicar a taxa reduzida de 10% prevista na alínea b) do artigo 43º do EBF uma vez que essa disposição só se aplica no caso de instalação de novas entidades e no presente caso verificou-se a transferência de sede de uma entidade de … para … .

 

  1. A Requerente não aceita tal entendimento, contra o qual se insurge, alegando, em síntese que o tipo de atividade prosseguida pela Requerente não se coaduna com a concentração em determinado local da atividade exercida, antes implicando uma significativa dispersão do exercício da atividade que depende, no essencial, dos locais onde os programas televisivos são executados.

Sendo que, este Tribunal Arbitral já admitiu, no âmbito do Processo n.º 186/2016-T que “(...) no caso, a Requerente, enquanto sociedade unipessoal, em que a gerência é exercida pelo sócio único, criou, pelo menos, um posto de trabalho independente para este sócio gerente. Fixou-o muito mais à área geográfica, se é que antes já residia na área. A sua atividade empresarial, mesmo exercida através de operações praticadas fisicamente fora da área elegível para o benefício fiscal, irá captar recursos, que de uma forma ou de outra, vão ficar na zona do centro de actividades da empresa e potencialmente aí aplicáveis. Ao criar, pelo menos, um posto de trabalho independente, para o seu sócio-gerente, cria a Requerente estímulo de emprego tão estável, como se criasse 1 posto de trabalho dependente (face à actual flexibilidade da lei laboral e à instabilidade económica e social), podendo contribuir, com idêntica intensidade, para o combate à desertificação humana do interior.” (destaque da Requerente).

De todo o modo, alega ainda que se a Requerente não tivesse criado qualquer posto de trabalho, ainda assim, o requisito da massa salarial previsto no artigo 2.º n. 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, não pode ser interpretado como uma condição obrigatória com a virtualidade de derrogar o regime do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Na ótica da Requerente não se pode considerar que ao não possuir trabalhadores – o que de resto não é verdade – a Requerente não cumpre com um dos objetivos do benefício relativo a interioridade, que consiste na criação de emprego nas áreas beneficiárias, uma vez que esse objetivo do benefício não é exclusivo ou único. Se o legislador pretendesse que o estipulado no artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, constituísse uma condição obrigatória, tê-lo-ia feito no âmbito das várias Leis e respetivos Orçamentos de Estado que criaram e sucessivamente aprovaram os benefícios fiscais à interioridade, e não o faria no âmbito de um Decreto-Lei para regulamentar as normas necessárias à sua boa execução.

Alega, assim, que nos termos das regras gerais de interpretação da lei e, em especial, nos termos do artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais deve ser efetuada uma interpretação extensiva, efetivamente o benefício abrange todas as empresas que desenvolvam a sua atividade principal na área geográfica, e não limita expressamente esse âmbito. Isto é, a norma deve ser interpretada no sentido de abranger todas as empresas que tenham ou não a sua sede ou direção efetiva, e possua ou não massa salarial nessas áreas geográficas - desde que desenvolvam a sua atividade principal na área geográfica beneficiaria.

Acrescenta ainda que, recorrendo a uma interpretação histórica, a criação do benefício pela Lei 171/99 de 18 de setembro, não estava dependente da criação ou existência de trabalhadores, ou massa salarial, e as suas normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, previstas nos artigos 7.º a 11.º da Lei 171/99 de 18 de setembro, foram estabelecidas pelo Decreto-Lei 310/2001 de 10 de dezembro, igualmente não o previam. Ambos os diplomas não fazem qualquer referência como condição de acesso possuir uma massa salarial, ou a criação de posto de trabalho no seio do beneficiário para usufruir de algum dos benefícios previstos, com a exceção daqueles especificamente aplicáveis para a criação de postos de trabalho (alínea d) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Assim, não estando previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o requisito de possuir massa salarial por parte do sujeito passivo, não pode ser interpretado o artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março como um novo requisito de acesso ao benefício. Logo, tal norma pode ser afastada se o sujeito passivo demonstrar que cumpre com o requisito fundamental, que é a desenvolvimento da atividade económica principal na área beneficiária, que no caso em análise decorre, nomeadamente, do facto de a Requerente ter a sua sede em …, sendo aí o local da direção efetiva.

Conclui que, porque o objetivo dos benefícios fiscais relativos à interioridade são o desenvolvimento do interior, por meio de investimento, criação de infraestrutura e criação de postos de trabalho, não se limitando exclusivamente a criação de postos de trabalho, mas sim a um largo leque de atividades económicas, e limitar essas atividades a apenas aquelas que criem diretamente no seio da sua empresa postos de trabalho, não é o objetivo que se encontra previsto no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, nem resulta do teor da criação deste benefício, tendo em consideração a análise e interpretação de todos os diplomas que criaram e consagraram este benefício. A admitir-se o contrário, estamos na presença de uma violação clara do princípio de reserva de lei previsto no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, nos termos da qual “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

Assim, face aos argumentos apresentados, é inequívoco que a Requerente preenche os requisitos estabelecidos no artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais para efeitos de aplicação do regime fiscal da interioridade.

Alega, ainda, que neste mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal Arbitral no Processo n.º 18-2015T, no qual se decidiu que:

 É igualmente importante na interpretação, ter em consideração as regras constitucionais de reserva de lei, uma vez que a referida Lei que beneficio para à interioridade do artigo 43.º do EBF, aprovada pela lei do Orçamento de Estado, aprovada pela Assembleia da República nos termos da alínea g) do artigo 161.º da Constituição, criou uma autorização legislativa no artigo 43.º n.º 7º o EBF, para a definição dos critérios e a delimitação das áreas geográficas, bem como as normas regulamentares necessárias à boa execução do benefício.

Os Benefícios Fiscais devem ter os seus pressupostos expressamente elencados na Lei aprovada nos termos da Assembleia da República, sendo limitados Constitucionalmente pela Lei aprovada pela Assembleia da República, apenas os pressupostos previstos nessa lei é que podem ser aplicados ao sujeito Passivo.

É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao governo, a "criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas" artigo 165.º n.º 1 al i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas também à determinação dos respetivos elementos essenciais enunciados no artigo 106.º da CRP, abrangendo os benefícios fiscais.

Constitucionalmente o princípio da legalidade da administração, postula dois princípios fundamentais, (i) o princípio da supremacia ou prevalência da lei, e (ii) o princípio da reserva de lei. A lei parlamentar, é a expressão privilegiada do princípio democrático e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias.

O princípio da reserva geral de lei significa que determinados domínios materiais devem ser reservados à regulamentação da Lei, editada pelo parlamento. A reserva de lei em matéria fiscal atribui uma competência exclusiva à Assembleia da República ou ao governo sob autorização desta para a produção das leis fiscal que vigorarão no país.

As normas que atribuem os benefícios fiscais, criando regimes excecionais, são uma decisão sobre a distribuição de encargos fiscais pelo que são objeto de reserva de lei.

Mas as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, artigo 165.º n.º 2 da CRP.

Não é lícito que uma simples norma regulamentar possa fixar inovatoriamente critérios gerais e abstratos que permitam a fixação do montante sobre o qual irão incidir.

  Perante o exposto, resulta que está limitada a interpretação do Decreto-Lei no sentido de limitar ou aumentar o escopo das condições previstas no artigo 43.ºdo EBF, porque estar-se-ia assim a cair no âmbito de criação de Benefícios fiscais, que apenas cabe a Assembleia da República, pelo que as condições de acesso ao benefício fiscal do artigo 43.º, se cumpridas garantem o acesso do sujeito passivo ao Benefício.

O presente tribunal arbitral não possui competência para decidir se o Decreto-Lei, viola ou não o princípio constitucional de reserva da lei, contudo tem competência para interpretar as normas legislativas, tendo em consideração estes princípios constitucionais.

Mas se refere que deve ser igualmente tido em consideração na interpretação das regras hierárquicas das fontes de Direito, e a lei parlamentar, é hierarquicamente superior, ao Decreto-Lei nº 55/2008 de 26 de Março de 2008, pelo que a mesma não pode contrair ou alterar o significado da lei parlamentar.

E assim, nesse sentido, o Decreto-Lei nº 55/2008 de 26 de Março de 2008 deve ser interpretado como uma norma que dentro da autorização legislativa conferida e que vem complementar o artigo 43.º do EBF, não podendo nesse sentido criar novos requisitos ou limitar o acesso ao benefício, para além do já previsto no artigo 43.º do EBF.”

 

  1. Quanto ao segundo motivo invocado pela AT como fundamento das liquidações emitidas alega a Requerente que no caso concreto deve notar-se que o objetivo que presidiu à criação do regime fiscal de benefícios à interioridade foi a implementação de medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade (cfr. preambulo do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março).

Ora, a "recuperação acelerada” não se compadece com a atribuição de benefícios apenas a empresas que já exercessem a sua atividade na zona ou que se criassem ex novo para a desenvolver — com todo o tempo que isso implica, não só em termos de reunião das condições burocratas de que depende a constituição de uma sociedade, mas também de reunião de condições económicas, financeiras, logísticas e de outros tipo de que depende a criação de uma empresa nova.

Alega que, de facto, o que se pretendia era atrair atividade económica para o interior, independentemente de essa atividade económica implicar a constituição de uma nova sociedade ou a mera transferência para as zonas beneficiárias de atividade que estivesse a ser desenvolvida fora dessas zonas.

Efetivamente, sendo a "interioridade" a condição de determinadas zonas do país que traduz o respetivo afastamento em relação aos grandes centros urbanos e de desenvolvimento económico do pais, o que se pretendia com a criação e depois manutenção do regime fiscal de benefícios à interioridade era justamente atrair ("de forma acelerada") a atividade económica que estivesse concentrada em zonas mais desenvolvidas do pais, desviando-a para as zonas que sofrem as consequências negativas da interioridade.

A distinção entre as alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não passa, por conseguinte, pela aplicação da primeira a entidades já constituídas e da segunda a entidades constituídas ex novo.

Pelo contrário, passa sim pela aplicação da primeira a empresas que já exercessem a sua atividade nas zonas beneficiárias (incentivando-as a ficar) e pela aplicação da segunda a empresas que passassem a exercer a sua atividade nas zonas beneficiárias (atraindo-as para aí), independentemente de se constituírem de novo nessas zonas ou de deslocarem a sede ou direção efetiva da mesma para as áreas beneficiárias.

 

C – DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. Na sua resposta, junta aos autos em 16-10-2017, veio a Requerida pugnar pela legalidade dos atos impugnados. Entende que no presente processo arbitral está em causa a aplicação do benefício fiscal à interioridade previsto no artigo 43.º EBF (revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12). Sendo necessário, no caso em apreço, proceder à aplicação conjugada do nº 7 do artigo 43º do EBF com o nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 55/2008 e com o artigo 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro.

 

Em linhas gerais, o benefício fiscal à interioridade concede às empresas, que se fixarem em determinadas regiões que se consideram, para o efeito, desfavorecidas pela sua localização, benefícios que, entre outros, compreendem a redução da taxa de IRC, desde que estejam preenchidos determinados requisitos. Esta medida de incentivo fiscal constitui um auxílio de Estado com enquadramento a nível comunitário nos auxílios de mínimis para efeitos dos artigos 107º e 108º do TFUE (anteriores 87º e 88º do Tratado da EU).  Assim, quanto a esta matéria, importa ter presente a legislação nacional, bem como a sua necessária articulação com o direito comunitário.

Acrescenta que o regime de redução de taxa de IRC em discussão foi inicialmente consagrado no artigo 7º da Lei nº 171/99, de 18 de Setembro, diploma este que remetia, no seu artigo 13º, para decreto-lei a aprovar pelo Governo, as normas regulamentares necessárias à sua boa execução.

Dispunha o artigo 1º nº 1 da Lei nº 171/99 que «A presente lei estabelece medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior.»

O nº 2 do referido artigo 1º determinava que: «2. As medidas adoptadas incidem sobre a criação de infra-estruturas, o investimento em actividades produtivas, o estímulo à criação de emprego e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens.»

O artigo 7º nº 1 e nº 2 da Lei nº 171/99 estabelecia que:

1 — É reduzida a 25% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), previsto no n.º 1 do artigo 69.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias.

2 — No caso de instalação de novas entidades, a taxa referida no número anterior é reduzida a 20% durante os primeiros cinco exercícios de actividade.»

O artigo 7º da Lei nº 171/99 foi alterado pelo artigo 54º da Lei nº 30-C/2000, de 29 de dezembro, tendo sido aditado àquele artigo o nº4 que dispunha o seguinte: «Considera-se que a actividade principal é exercida nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.»

Este aditamento clarificou, assim, a forma de aferição do critério referente ao exercício da «atividade principal nas áreas beneficiárias.» Entretanto, o artigo 7º da Lei nº 171/99, foi transposto para o EBF, passando a constar do seu artigo 39º-B, aditado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, e alterado pela Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro. Que passou a artigo43º do EBF, após a renumeração pelo Decreto-Lei nº 108/2008, de 26/06, com a redacão supra referida.

Na sequência de várias alterações introduzidas no regime constante da Lei nº 171/99, foi aprovado o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26 de março, destinado a estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução do artigo 39º-B do EBF, tendo revogado o Decreto-Lei nº 310/2001.

O artigo 103º nº 2 da CRP estabelece que: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Conforme se pode ler em Lei geral Tributária Anotada e comentada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 4ª Edição, 2012, página 105, em anotação ao artigo 8º da LGT: “A lei que aqui se refere é uma lei em sentido próprio, emanada da Assembleia da República como se conclui do disposto no artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP, em que se inclui na reserva relativa de competência da Assembleia da República a criação de impostos e sistema fiscal. Embora nesta norma apenas se refira a criação de impostos e sistema fiscal, deverá entender-se que aquele art. 103º constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva. Por isso, todos os elementos referidos naquele art. 103º nº 2 estão abrangidos nesta reserva.(…) É à legislação sobre estas matérias que se reporta o nº 1 do presente art. 8º da LGT e, por isso, a lei exigida pelo princípio da legalidade é uma Lei em sentido próprio, emitida pela Assembleia da República, ou um Decreto-Lei baseado em autorização legislativa.”

Alega ainda a AT que, o Decreto-Lei n.º 55/2008 estabeleceu as normas de regulamentação necessárias à execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, conforme previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.  É preciso atentar com particular atenção ao disposto pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro (OE para 2007).  É a Lei nº 53-A/2006 que no seu artigo 83º adita ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o, então, artigo 39º-B (actual artigo 43º) que consagrava o seguinte:

“Artigo 39.º-B Benefícios relativos à interioridade 

1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas "áreas beneficiárias", são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) (…);

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 15% durante os primeiros cinco exercícios de actividade;

(…)

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.”

 

Também é a Lei nº 53-A/2006 que no seu artigo 87º nº 3 revoga a Lei nº 171/99, de 18 de agosto. É a Lei nº 53-A/2006 que expressamente determina aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos no artigo 39-B do EBF são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei nº 310/2001, que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 55/2008. Conforme se pode ler em Manual de Direito Constitucional, Tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 2ª Edição, página 354, Jorge Miranda: “Um atento da Constituição, no texto actual, permite apontar as seguintes espécies de leis reforçadas (em sentido restrito): - Orçamento do Estado [artigos 105º, 106º e 161º alínea g) e 165º nº 5 ].”

E, ainda, na página 362: “7) Quanto às relações entre os órgãos – Leis de Vinculação Plural (vinculando quer o órgão seu autor, quer outros órgãos) – (…), as leis orçamentais, (…).”

O direito ao benefício fiscal consignado no artigo 43º do EBF está dependente da verificação de pressupostos cuja definição não se compreende na regra mais geral contida neste normativo.

Assim, sem a regulamentação que especifique e concretize os restantes pressupostos de que depende o benefício ali consignado em termos genéricos, não é tão-pouco admissível falar de um qualquer direito a um benefício fiscal, uma vez que os pressupostos de que depende esse direito ainda não se encontram instituídos.

Acresce que a Requerente arroga-se o direito de reunir os requisitos legalmente previstos para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 43.º do EBF.

No entanto, sem especificar em que termos e em que medida, uma vez que se pretende fazer enquadrar no referido regime em termos genéricos.

Frisando, exaustivamente, isso sim, não considerar condição essencial deter uma concentração de 75% da massa salarial na área onde pretende ver reconhecido o referido benefício fiscal.

Assim, conclui a AT, atendendo ao quadro factual exposto, nomeadamente, aos contornos assumidos pela atividade da Requerente, não se percebe em que media, e em que termos, considera a Requerente que o benefício fiscal à interioridade lhe pode ser aplicado. Uma vez que o mesmo tem como objetivo primacial dinamizar determinada área geográfica, exatamente para combater a desertificação do território. Considera ainda que, tendo em consideração a atividade da Requerente, o modo como a pratica, revela-se totalmente indiferente a partir de que local administra ou gere os futuros da atividade. Considera que não há um sinalagma entre a atividade exercida pela Requerente e os benefícios reais que a área territorial de … usufrui, sendo este também um dos motivos subjacentes ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º do EBF.

O nº 7 do referido artigo 43º estabelece que. “A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.”  Por sua vez, o artigo 14º nº 6 da Lei nº 2/2007 consagrava que: «Entende-se por massa salarial o valor das despesas efectuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.»

Como sobejamente demonstrado no RIT, as despesas que a Requerente suporta com a massa salarial não estão localizadas em … (Cf. RIT).

Refere a este título a AT, que isso mesmo é confirmado pela própria Requerente, nos pontos 24 e 25 do pedido de pronúncia arbitral, quando indica que contratou apenas duas trabalhadoras para efetuar o trabalho administrativo. Mais, uma das trabalhadoras apenas foi contratada, a título temporário, e em regime de prestação de serviços, para substituir a funcionária que se encontrava impossibilitada de trabalhar.

Importa, ainda, atentar que o artigo 43º nº 1 do EBF utiliza a expressão “Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, (…)”

Ora, os benefícios fiscais previstos no EBF têm natureza excecional, conforme se pode ler no respetivo preâmbulo: “Na revisão do regime que agora se concretiza com a aprovação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, respeitante sobretudo aos impostos sobre o rendimento, entendeu o Governo acolher princípios que passam pela atribuição aos benefícios fiscais de um carácter obrigatoriamente excepcional, só devendo ser concedidos em casos de reconhecido interesse público; pela estabilidade, de modo a garantir aos contribuintes uma situação clara e segura; pela moderação, dado que as receitas são postas em causa com a concessão de benefícios, quando o País tem de reduzir o peso do défice público e, simultaneamente, realizar investimentos em infra-estruturas e serviços públicos.”

Não podemos interpretar o nº 1 do artigo 43º do EBF como concedendo os benefícios fiscais em causa a todas as empresas, bastando que as mesmas exerçam uma qualquer atividade natureza comercial, industrial ou agrícola, sem mais.

É o próprio legislador que, no artigo 43º do EBF, assume que esta norma necessita de ser regulamentada para ser aplicada!

A situação com que nos confrontamos mostra-se relacionada com uma figura ou instrumento de técnica legislativa – a remissão

Diz-se norma remissiva a norma em que o legislador, em vez de regular diretamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal.

“As normas remissivas constituem um instrumento de técnica legislativa a que se recorre com frequência e que tem cabimento sempre que um dado facto ou instituto jurídico possui já uma disciplina jurídica própria e o legislador quer que essa disciplina se aplique também a outro facto ou instituto. Para tal efeito, elabora então uma norma em que declara que as relações jurídicas que a este último respeitam se regulam (mutatis mutandis) pelas normas que integram o regime jurídico do primeiro.» (J. Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, p. 199.).

A remissão diz-se estática ou material quando é feita para certa norma, em atenção ao seu conteúdo; diz-se dinâmica ou formal quando é feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que, em certo momento, regula determinada matéria, aceitando-se o conteúdo, ainda que posteriormente alterado, da norma remitida (Castro Mendes, ob. cit., p. 66 e ss.; Menezes Cordeiro, “Anotação” à sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 15 de Março de 1987, em O Direito, Ano 121.º, 1989, I (Janeiro-Março), pp. 192-193.).

Pode-se concluir que a criação de postos de trabalho, a fim de permitir a fixação de população naquelas zonas determinadas, e em concreto, a concentração de mais de 75% da massa salarial no desenvolvimento da atividade principal na sede do sujeito passivo, sempre foi uma condição de atribuição do benefício.

Mais, de salientar que este pressuposto, relativo à concentração de mais de 75% da massa salarial na zona beneficiária, foi introduzido por Lei da Assembleia da República, mais concretamente através do OE 2005. Tanto assim, que este também é o entendimento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que na sua sentença relativa ao processo nº 9/12.1BEVIS, nota o seguinte:

“(…) os benefícios fiscais – designadamente um do tipo em causa, isto é de redução de taxa de imposto para determinados sujeitos – vivem numa “permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o principio da capacidade tributária”, o que lhes “uma especial legitimação: a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância” (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, pp. 151, 285- 286).

O que significa que, na interpretação que dos mesmos se faça, se deve ter em conta o especial interesse público da que lhes está subjacente e que se sobrepõe ao interesse público da percepção do imposto e dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, de tal modo que se abranjam na sua previsão as situações que efectivamente contribuam para a realização dos desígnios que determinaram a sua previsão.

O que não é de todo o caso quando a entidade não tem massa salarial, já que em tal circunstância não há criação de emprego, não há fixação de jovens, nem atracção de recursos humanos para a região, com vista à promoção ao seu desenvolvimento. (sublinhado nosso)

E conclui referindo que: “(…) seja atendendo ao teor literal da norma, seja ao elemento histórico, seja à sua ratio, é manifesto que uma entidade como a Impugnante que não detém massa salarial que não preenche a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no art. 43.º, n.º 1, al. a) do EBF reportada a situar a sua actividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. d) e 2. do DL55/2008.”

 

Assim, conclui a AT que não pode proceder o pedido arbitral, por inexistir qualquer vício invalidante, nomeadamente, o alegado vício de violação do princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República previsto no n.º 2, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, alegado pela Requerente, que as liquidações de imposto impugnadas são legais e devem ser mantidas.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

O processo não padece de vícios que o invalidem, pelo que se verificam todos os pressupostos processuais para o tribunal arbitral conhecer do pedido.

 

12. Tendo em conta a prova documental junta aos autos e o alegado pelas partes, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

  1. Factos Provados

 

 

13. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

  1. A Requerente tem por atividade a produção, edição, publicação e comercialização de programas televisivos e radiofónicos, produção e comercialização de espetáculos de teatro e musicais, produção e distribuição cinematográfica, produção e comercialização de conteúdos na internet, publicidade e merchandising, produção e conceção de programas, guionismo, casting, figuração, agenciamento e representação de atores, artistas e entertainers nacionais e estrangeiros, edição de todo o tipo de publicações periódicas e não periódicas, edição discográfica, de videogramas ou de qualquer outro suporte audiovisual, representação e agenciamento de produtos na área da comunicação social e audiovisual incluindo programas televisivos e conteúdos.
  2. Os principais programas que desenvolveu nos últimos anos são:
  3. “…” - programa em direto nas tardes da B… (realizado nos estúdios deste canal televisivo); e (Loures e/ou Lisboa)
  4. “…” – programa em direto que acompanha os principais acontecimentos festivos a nível local em Portugal (realizado em qualquer zona do território continental e ilhas).
  5. Outros Programas são produzidos em Lisboa, Setúbal, Fátima e dispersamente em outros pontos do país.
  6. Esta dispersão geográfica inerente aos serviços e produtos desenvolvidos pela Requerente implica que os seus trabalhadores/ colaboradores se encontrem igualmente dispersos pelo país e/ ou disponham de total flexibilidade para desenvolverem a sua atividade em qualquer parte do país durante um determinado período de tempo sendo que os custos refletem esta dispersão geográfica (provado por documentos da contabilidade, 4, 5 e 6 juntos com a PI)
  7. Em 2013 a Requerente tinha a sua sede no concelho de … (provado por alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida)
  8. Arrendaram um escritório em … em 2011 com renda de € 325 /mês (provado por documento 7 junto à PI)
  9. Contrataram uma trabalhadora para serviços administrativos em 2012 com contrato de trabalho por tempo indeterminado (provado por documento 8 junto à PI)
  10. Em 2013 não houve pagamentos de rendimentos da Categoria A de IRS a nenhum trabalhador;
  11. No exercício em causa, houve pagamentos a 4 trabalhadores independentes sendo que apenas 1 deles tem domicílio fiscal no Concelho de … .
  12. A inspeção realizada pela AT teve como consequência a emissão das liquidações impugnadas, no valor global de €218.411,11.
  13. Em 14.06.2017 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

 

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS

 

14. Não existem outros factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

15. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pelos documentos que instruem o processo administrativo junto aos autos pela AT, pelas posições assumidas pelas partes e pela prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos elencados, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito

 

16. Em causa nos presentes autos está a questão de saber se a Requerente cumpria, com referência ao exercício de 2013, os requisitos legalmente previstos para poder beneficiar do benefício fiscal previsto no artigo 43º do EBF.

 

17. Como resulta da síntese supra exposta, a Autoridade Tributária promoveu as liquidações de imposto por entender que a Requerente usufruiu indevidamente do benefício fiscal à interioridade por dois motivos, a saber:

 

(i) A Requerente não cumpriu com o disposto na alínea d) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do Decreto-lei n.º 55/2008, de 26/03; e

 

(ii) Ainda que tivesse cumprido o requisito supra, não poderia usufruir do benefício à interioridade, uma vez que não teria enquadramento legal na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e a alínea a) do mesmo normativo já se encontrava revogada, não tendo aplicação no exercício de 2013.

 

Cumpre decidir.

 

18. Em primeiro lugar, das extensas considerações supra expostas em síntese das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados se extrai que a questão essencial de direito a decidir convoca a análise do regime jurídico dos benefícios fiscais, em geral, e, em particular, do que vem previsto no artigo 43º do EBF, na versão em vigor ao tempo do facto tributário, ou seja, o ano de 2013. Impõe-se assim, sistematizar e analisar os preceitos legais relevantes para a decisão da questão decidenda.

 

Dispõe o artigo 43.° do Estatuto dos Benefícios  Fiscais, na redação que se encontrava em vigor no ano de 2011 e queprevia o regime fiscal da interioridade, integrando os benefícios fiscais destinados a incentivar a atividade económica em zonas do pais que sofrem das desvantagens da interioridade:

 

“1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 15 % a taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respetivo Código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de atividade;

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500 000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30 %;

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho, por tempo indeterminado, nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50 %, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais, nos termos do artigo 58.º do Código do IRC;

e) Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos do Código do IRC são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos sete exercícios posteriores.

2 - São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior:

a) A determinação do lucro tributável ser efetuada com recurso a métodos diretos de avaliação;

b) Terem situação tributária regularizada;

c) Não terem salários em atraso;

d) Não resultarem de cisão efetuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.

(...)

6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

 

 

19. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março, que procedia à regulamentação das normas necessárias à execução da norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais, previa no artigo 2.º do referido Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de março dispunha que as entidades beneficiárias deviam reunir as seguintes condições de acesso:

1. (…)

a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua atividade;

b) Encontrarem-se em situação regularizada perante a administrarão fiscal, a segurança social e o respetivo município;

c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

d) Situarem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias;

e) Comprometerem-se, nos casos dos incentivos previstos na alínea c) do nº 1 e na alínea b) do n.º 3, ambas do artigo 39.º - B [43.° na redação do EBF em vigor no ano de 2011] do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a manter afeto a respetiva atividade o investimento realizado, bem como a manter a sua localização geográfica, durante um período mínimo de cinco anos a contar da data da realização integral do investimento;

f) Comprometerem-se, no caso dos incentivos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 39.°- B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a manter os novos postos de trabalho por um período mínimo de cinco anos a contar da data da sua criação;

g) Informarem a entidade responsável a que se refere o artigo 3.° do presente decreto-lei da atribuição de qualquer outro incentivo ou da apresentação de candidatura para o mesmo fim;

h) Obterem previamente, no caso do incentivo previsto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a autorização a que se refere o n.º 5 do mesmo artigo.

2 - Considera-se que a atividade principal é situada nas zonas beneficiarias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial. “(sublinhado nosso)

 

  1. Face ao que vem exposto, cabe ao tribunal apurar se a Requerente cumpriu ou não cumpriu com o disposto no artigo 43º do EBF. Ora, face à matéria assente como provada nos presentes autos, a Requerente não cumpriu com o disposto na alínea d) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do Decreto-lei n.º 55/2008, de 26/03. Por outro lado, ainda que tivesse cumprido aquele primeiro requisito, não poderia usufruir do benefício à interioridade, uma vez que não teria enquadramento legal na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e a alínea a) do mesmo normativo já se encontrava revogada, não tendo aplicação no exercício em causa.

 

  1. De notar que, relativamente ao beneficio pretendido pela ora Requerente, que se mantém com os mesmos termos, embora com uma escrita diferente, no artigo 43.º n.º 1 e n.º 1 al. b) do EBF face ao que se verificava no artigo 7º n. 1 e 2 da Lei 171/99.Chegados aqui, importará referir, que a revogação do artigo 43º do EBF pela Lei nº 64-B/2011 (Lei do OE 2012) ,  não releva no caso em apreço, porquanto a versão anterior mantém a sua vigência por força do regime aplicável aos benefícios fiscais anteriormente previstos, nos termos e com os limites previstos no artigo 11º do EBF. Assim, nos termos das normas que regulam a aplicação dos benefícios fiscais no tempo, entende-se em cumprimento do princípio da confiança e estabilidade das relações jurídicas estabelecidas no passado que as novas alterações respeitarão o período temporal garantido ao BF.

 

  1. Esta é, aliás, a posição reconhecida pela AT, assumida em diversas informações vinculativas, destacando as seguintes:
  1. Processo: 413/2012 com despacho de concordância de 2012.03.19 do Subdiretor-Geral substituto legal do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
  2. Processo: 4/2013 da DSIRC, com Despacho da Diretora de Serviços do IRC de 2013.01.18

 

Em ambas, a informação vinculativa conclui: “ Estabelece o nº1 do art. 11º do EBF que “as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao beneficio fiscal respetivo, em tudo o que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário”. VI - Nestes termos, a revogação do art. 43º do EBF não se aplica a uma empresa constituída, nos últimos quatro períodos de tributação, numa das áreas beneficiárias, a qual poderá assim continuar a beneficiar da aplicação de uma taxa reduzida de 10% em sede de IRC até ao término dos cinco períodos de atividade expressamente mencionados na al. b) do nº1 do mesmo normativo.

 

  1. Posto isto, recorde-se que o benefício consiste, desde a sua criação, na aplicação de uma taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), reduzida, cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, respetivamente 10% nos primeiros cinco anos de atividade no caso de instalação de novas entidades e 15% nos restantes anos ou situações.

 

  1. Da análise que este tribunal arbitral faz dos benefícios fiscais relativos à interioridade, a que a Requerente alega ter direito, previstos no n.º 1, al. b) do artigo 43.º, resulta que se trata de um benefício fiscal que abrange as empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, designadas de «áreas beneficiárias» e cuja atividade principal se situe nessas áreas beneficiarias.

 

  1. São condições para usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 2), al. a): “ a) A determinação do lucro tributável ser efetuada com recurso a métodos diretos de avaliação;

b) Terem situação tributária regularizada;

c) Não terem salários em atraso;

d) Não resultarem de cisão efetuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.

 

  1. As condições são complementadas, mas não expandidas ou aumentadas, pelas normas regulamentares necessárias à boa execução previstas no Decreto-Lei nº 55/2008 de 26 de março de 2008, no seu artigo 2.º n.º 1 "as entidades beneficiárias devem reunir as seguintes condições de acesso: a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua atividade; b) Encontrarem-se em situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respetivo município; c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade; d) Situarem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias;"
  2. Este regime é finalizado pelo artigo 2.º n.º 2.º Decreto-Lei nº 55/2008 de 26 de março de 2008, que dispõe: "Considera-se que a atividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial."

 

Da previsão normativa supra descrita, resulta que o artigo 43.º do EBF define expressamente que o benefício se aplica as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, ficando a definição das normas regulamentares necessárias a boa execução a cabo do Governo, o que fez por meio do Decreto-Lei.

 

  1. O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias, o que o faz nos seguintes termos:

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

  1. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
  2. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.”

 

  1. A este preceito, é necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT,  estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

  1. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
  2. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

  1. No caso do Estatuto dos Benefícios Fiscais, admite-se uma interpretação extensiva para as normas que estabelecem os benefícios fiscais, conforme nos diz o artigo 10.º do EBF " As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva.".

 

E, nesse sentido decidiu o STA no Ac. de 15-05-2000, proc. nº 024873: " As normas que estabelecem benefícios fiscais não são suscetíveis de interpretação analógica, mas admitem interpretação extensiva. Está-se perante uma interpretação extensiva quando a solução para uma determinada hipótese não está contida no texto da lei, mas é abrangida pelo seu espírito. Está-se perante uma aplicação analógica quando a solução de determinada hipótese não se encontra nem na letra nem no espírito da norma.".

 

  1. De salientar, ainda a este propósito, a apreciação do STA, vertida no Ac. de 04-02-2003, proc. nº 026098, no qual decidiu que: "o texto da própria lei e, por outro, se necessário fosse a ele recorrer, em sede interpretativa, o espírito desta, pois, como atentamente se sublinhou na impugnada decisão judicial, mediante apelo ao sempre útil e tantas vezes decisivo propósito ou escopo legal enunciado no preâmbulo do respetivo diploma que consagrou, estabelecendo, a nova redação ao questionado preceito do CCI, O que se pretendia era, com efeito, canalizar a riqueza gerada para novos investimentos de forma a promover o crescimento do tecido empresarial e a consequente evolução do sector de modo a que a mais riqueza corresponda aumento de produtividade, postos de trabalho e crescimento económico do país."

 

  1. O Decreto-Lei nº 55/2008, de 26 de março de 2008, veio considerar no artigo 2.º, n.º 2, "que atividade principal é desenvolvida na área beneficiária, quando o sujeito tenha sede ou direção efetue nessas áreas e nelas concentre mais de 75% da respetiva massa salarial.

Seguindo a decisão do CAAD no Processo nº 18/2015, de 6 de Setembro de 2015, invocada pela Requerente:  “Trata-se claramente de uma norma/presunção de anti-abuso, com vista a prevenir situações de evasão e planeamento fiscal abusivo, dado que o artigo 2.º n. 2º, estabelece uma efetivamente uma presunção, e ao mesmo tempo pretende acautelar que empresas com sede em zonas desfavorecidas concentrem a sua massa salarial, afeto à sua atividade principal, em zonas não beneficiárias daquele benefício, que pode ser ilidida ou afastada pela AT ou pelo sujeito passivo, quando se demonstre necessário.

Os elementos do artigo 2.º n. 2, não podem ser interpretados como condições obrigatórias, ou seja, não está previsto no artigo 43.º do EBF, nem tão pouco na letra da lei do artigo 2.º n.º 2, que seja um a condição obrigatória para usufruir do benefício que o sujeito passivo tenha na área geográfica beneficiara a sua sede e direção efetiva e que disponha igualmente nessa área 75% da massa salarial ou que disponha de massa salarial. Este normativo não pode ser visto como um requisito obrigatório, porque os requisitos apenas podem (nesta situação) ser criados no âmbito da Lei do Orçamento de Estado aprovada pela Assembleia da República, como iremos verificar.

Trata-se sim uma forma de evitar um abuso ou uso indevido do benefício, no sentido de que para se determinar de forma eficiente e anti abusiva o local da atividade principal da entidade, recorre-se a sua sede ou direção efetiva e a localização da sua massa salarial.

O Decreto-Lei considera que a atividade principal na área beneficiaria é ai desenvolvida se nela possua 75% da massa salarial, trata-se desde logo de uma presunção ilidível.

Não se pode considerar que ao não possuir trabalhadores, não cumpre com um dos objetivos do benefício relativo a interioridade, que consiste na criação de emprego nas áreas beneficiárias, uma vez que esse objetivo do benefício não é exclusivo ou único, havendo outros benefícios tais como a criação de infraestruturas.

Se o legislador pretendesse que o estipulado no artigo 2.º n. 2, constitui-se uma condição obrigatória, tê-lo-ia feito no âmbito das várias Leis e respetivos Orçamentos de Estado que criaram e sucessivamente aprovaram o benefício fiscal para a interioridade, e não o faria no âmbito de um Decreto-Lei para regulamentar as normas necessárias a boa sua execução.

Nos termos da regras gerais de interpretação das lei e em especial nos termos do artigo 10.º EBF deve ser efetuada uma intenção extensiva, efetivamente o benefício abrange todas as empresas que desenvolvam a sua atividade principal na área geográfica, e não limita expressamente esse âmbito, tem de se interpretar no sentido de abranger todas as empresas que tenham ou não a sua sede ou direção efetiva, e possua ou não massa salarial nessas áreas geográficas - desde que desenvolvam a sua atividade principal na área geográfica beneficiaria.”

 

  1. É igualmente importante na concretização desta tarefa de interpretação ter em consideração as regras constitucionais de reserva de lei, uma vez que a referida Lei que criou o beneficio para a interioridade do artigo 43.º do EBF, aprovada pela Lei do Orçamento de Estado, aprovada pela Assembleia da República nos termos da alínea g) do artigo 161.º da Constituição, criou uma autorização legislativa no artigo 43.º n.º 7º do EBF, para a definição dos critérios e a delimitação das áreas geográficas, bem como as normas regulamentares necessárias à boa execução do benefício.

É da exclusiva competência da Assembleia da República salvo autorização ao governo, a "criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas" artigo 165.º n.º 1 al i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas também à determinação dos respetivos elementos essenciais enunciados no artigo 106.º da CRP, abrangendo os benefícios fiscais.

 

  1. Constitucionalmente o princípio da legalidade da administração, postula dois princípios fundamentais, (i) o princípio da supremacia ou prevalência da lei, e (ii) o princípio da reserva de lei.

O princípio da reserva geral de lei significa que determinados domínios materiais devem ser reservados à regulamentação da Lei, editada pelo parlamento. A reserva de lei em matéria fiscal atribui uma competência exclusiva à Assembleia da República ou ao governo sob autorização desta para a produção das leis fiscal que vigorarão no país.

 

  1. As normas que atribuem os benefícios fiscais, criando regimes excecionais, são uma decisão sobre a distribuição de encargos fiscais pelo que são objeto de reserva de lei. Mas as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, artigo 165.º n.º 2 da CRP. Não é lícito que uma simples norma regulamentar possa fixar inovatoriamente critérios gerais e abstratos que permitam a fixação do montante sobre o qual irão incidir.

 

  1. Perante o exposto, resulta que está limitada a interpretação do Decreto-Lei no sentido de limitar ou aumentar o escopo das condições previstas no artigo 43.ºdo EBF, porque estar-se-ia assim a cair no âmbito de criação de Benefícios fiscais, que apenas cabe a Assembleia da República, pelo que as condições de acesso ao benefício fiscal do artigo 43.º, se cumpridas garantem o acesso do sujeito passivo ao Beneficio.

E assim, nesse sentido, o Decreto-Lei nº 55/2008 de 26 de março de 2008 deve ser interpretado como uma norma que dentro da autorização legislativa conferida e que vem complementar o artigo 43.º do EBF, não podendo nesse sentido criar novos requisitos ou limitar o acesso ao benefício, para além do já previsto no artigo 43.º do EBF.

 

  1. Não estando previsto no artigo 43.º do EBF, o requisito de possuir massa salarial por parte do sujeito passivo, não pode ser interpretado o artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Lei nº 55/2008 como um novo requisitos de acesso ao benefício, mas sim como uma norma de boa execução, que presume determinado comportamento do sujeito passivo, de modo a existir essa boa execução e evitar abuso de direito. Ou seja, não se pode interpretar, no sentido de ser obrigatório para o usufruto do benefício, a criação ou possuir uma massa de trabalhadores na área geográfica, quando o âmbito dos requisitos no artigo 43.º n.º 1, é o desenvolvimento da atividade económica de natureza agrícola, comercial e industrial e de prestação de serviços, principal na área geográfica beneficiária.

Esta é a jurisprudência constante no CAAD, nomeadamente nas decisões proferidas nos  Processos nº 18/2015 de 06/09/2015, 273/2013, de 07/04/2014 e

que está também em consonância com a jurisprudência dos tribunais judiciais. Veja-se a título de exemplo a recente decisão do STA em Acórdão no processo 0335/2017, de 18/10/2017 que remete também para outra decisão do passado dia 11/10/2017, proferida no recurso n.º 1361/16, que, com a devida vénia, passamos a transcrever:

«(…) Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].

A existência de uma massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar. Em mais de 75%, na área beneficiária.

Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.

Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.

Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo, portanto, ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.

De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e que, por conseguinte, não pode ser alterada por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP.

Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.”

 

  1. Ora, se a referida “presunção” prevista no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 56/2008 pode ser afastada se o sujeito passivo demonstrar que cumpre com o requisito fundamental, que é a desenvolvimento da atividade económica principal na área beneficiaria, também a aplicação do benefício previsto no artigo 43º do EBF pode ser afastado pela Autoridade Tributária se o contribuinte não provar que exerce a atividade económica principal na área beneficiária.

 

  1. O artigo 2.º, n.º 2 complementa, e deve ser interpretado no sentido da segurança jurídica e acesso ao respetivo benefício, ou seja, presume-se que a atividade principal na área geográfica para efeitos do artigo 43.º do EBF, se verifica quando o sujeito passivo possua a sua sede nessa área e a 75% da massa salarial.

Contudo, é de crer que possa ser afastada pela Autoridade Tributária esta presunção, nas situações opostas, onde se verifique que embora o sujeito passivo possua a sua sede e massa salarial na área geográfica beneficiária,  desenvolve a sua atividade principal na área geográfica não beneficiaria ou não desenvolve a sua actividade principal na área geográfica beneficiária.

 

  1. Face à matéria de facto provada, ficou assente que a Requerente exerce uma atividade de produção e edição de programas televisivos e de entretenimento caracterizada por uma dispersão geográfica inerente aos serviços e produtos desenvolvidos, o que implica que os seus trabalhadores / colaboradores se encontrem igualmente dispersos pelo país e/ ou disponham de total flexibilidade para desenvolverem a sua atividade em qualquer parte do país durante um determinado período de tempo sendo que os custos refletem esta dispersão geográfica.
  2. Ficou igualmente provado que o sujeito passivo desenvolveu a sua atividade principal em toda a área geográfica de Portugal, mas com preponderância pelo distrito de Lisboa onde se localizam os estúdios televisivos da B… .

Não obstante, importa referir que teve uma única trabalhadora com funções administrativas e contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas em exercícios anteriores ao que está em análise nos autos, porquanto em 2013 não tem pagamentos de trabalhadores por conta de outrem. Donde se conclui que em 2013 a Requerente não dispunha de nenhum trabalhador ao seu serviço nas condições pressupostas pela lei que reconhece o alegado benefício fiscal inexistindo comprovação de qualquer massa salarial referente ao ano de 2013 no sentido que lhe é dado pelo art. 14º nº 6 da Lei nº2/2007.

 

Acresce que, a trabalhadora que a Requerente diz ter substituído a sua funcionária só apresenta recebimento de rendimentos do trabalho em 2015 e 2016, conforme documentos 9 e 10, juntos pela Requerente em anexo à PI.

 

Dos mais de 100 trabalhadores independentes que auferiram rendimentos da Requerente em 2013, apenas 4 têm domicílio no distrito de … e 1 no concelho de … .

 

  1.  Quanto à atividade de edição e produção televisiva que a Requerente diz desenvolver nos seus estúdios em … (vd. Doc. 3 e quesitos 11 e 12 da PI) ocorre basicamente a partir de 2015, até porque só em 2015 há o contrato para a aquisição destes estúdios.

A alegação da Requerente no quesito 80. da petição inicial de que toda a atividade de gestão administrativa, financeira e comercial era desenvolvida a partir da sua sede em …, não está evidenciada na contabilidade nem foi objeto de qualquer comprovação. Pelo contrário, da prova documental junta aos autos resulta o contrário, ou seja, que toda a atividade desenvolvida pela Requerente ocorre por todo o país, sem qualquer ligação especial a … . Pelo menos, repita-se, no que respeita ao exercício de 2013 em análise nos autos.

 

  1. A interpretação de uma norma que atribui um benefício fiscal tem de ser feita levando em conta a política económica que exprime e as consequências que resultarão dessa mesma interpretação. Dentro dos limites criados pela formulação do texto legal, deve ser preferida a interpretação que operará as consequências desejadas pelo legislador.

 

  1. O objetivo dos benefícios fiscais relativos à interioridade são o desenvolvimento do Interior, por meio de investimento, criação de infraestrutura e criação de postos de trabalho, não se limitando exclusivamente a criação de postos de trabalho, mas sim a um largo leque de atividades económicas. O presente benéfico visa diversos objetivos embora conexos, não são cumulativos, no sentido de que para obter o Beneficio é necessário que atividade na área beneficiaria seja obrigatoriamente desenvolvida de modo a cumprir com todos ou alguns objetivos, sendo eles: criação de infraestruturas; o investimento em atividades produtivas; o estímulo à criação de emprego estável; e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens.

 

  1. Face á factualidade provada não se vislumbra que a mudança de sede da empresa para … tenha uma relação sinalagmática com algum destes objetivos, sendo que, mesmo a existência de um contrato de trabalho não fica provada, com referência ao ano de 2013.

 

  1. Não há atas ou documentos que demonstrem que a direção comercial, financeira ou administrativa da empresa se desenvolvia a partir de … .

 

  1. Os programas produzidos e editados eram dispersos por todo o país e só a partir de 2015 existem estúdios na área geográfica beneficiária sendo que até lá existia um imóvel arrendado por € 325 / mês. Este imóvel era um rés do chão e a lista de equipamento anexa ao contrato de arrendamento celebrado é mínima e em nada está relacionada com a atividade da Requerente.

Pelo que, a Requerente não logrou provar o requisito de aplicação do benefício fiscal estatuído no artigo 43º: “1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes”.

           

Assim sendo, não se vislumbra qualquer ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, os quais correspondem à correta aplicação do regime jurídico em vigor, concluindo-se que não assistia à Requerente o benefício fiscal alegado, com referência ao exercício de 2013.

Em conformidade, o pedido arbitral terá de improceder e, em consequência, fica obviamente prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios.

 

IV - DECISÃO

 

            Nos termos supra expostos decide este tribunal arbitral coletivo:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência mantêm-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas e
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 218.411,11 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €4.284,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento, a pagar pela Requerente conforme decidido supra.

 

 

  • Notifique.

 

Lisboa, 15 - 02 - 2018

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

(José Poças Falcão - Presidente)

 

 (Maria do Rosário Anjos)

 

(Ana Teixeira de Sousa)