Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 740/2019-T
Data da decisão: 2020-09-05  IVA  
Valor do pedido: € 3.765.553,45
Tema: IVA - Ginásios; consultas de nutrição; isenção do art. 9.º, 1) do CIVA; informação vinculativa. Recurso de Revisão – art.º 696.º, f) do CPC – Decisão arbitral (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

1. Nestes autos arbitrais sob o número de processo 740/2019-T, em que foi proferida decisão de procedência do pedido arbitral formulado pela Requerente A..., SA de anulação das liquidações adicionais de IVA impugnadas, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por requerimento apresentado em 7.4.2021, veio pedir a reconstituição do Tribunal Arbitral Coletivo para efeitos da admissão e julgamento de recurso de revisão, com os fundamentos constantes das alegações e respetivas conclusões que junta.

 

O recurso de revisão foi interposto ao abrigo do art. 293.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos arts. 696.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 29.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

 

Estabelece o art. 699.º, n.º 1 do CPC, sobre a epígrafe “Admissão do recurso”, que: “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (vd. também no direito processual administrativo, os arts. 154.º, n.º 1 e 156.º, n.º 1 do Cód. de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

Em consequência, perante um requerimento inicial de recurso de revisão, há que proceder à apreciação liminar da sua admissão, sendo que se impõe a rejeição quando o Tribunal reconheça de imediato, perante o exposto nas alegações recursórias, que não ocorre motivo para a revisão por os factos alegados não preencherem os pressupostos do fundamento invocado para essa revisão.

 

2. Nos termos das alegações recursórias da Recorrente AT, a revisão requerida da decisão arbitral, com trânsito em julgado, proferida em 5.9.2020 neste processo n.º 740/2019-T, funda- se na “incompatibilidade da mesma com a recente decisão definitiva, sobre a mesma matéria, proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), a 2021-03-04, no âmbito do processo n.º C-581/19 (...) e ao qual está vinculado o Estado Português” (n.º 3 das alegações), constituindo, assim, o fundamento invocado, nos termos previstos no artigo 696.º, alínea f) do CPC, “uma decisão arbitral inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português” (n.º 33 das alegações e conclusões 2.ª e 7ª).

 

Para a Recorrente, segundo se alcança das alegações e das respetivas conclusões do recurso deduzido, a inconciliabilidade entre a decisão arbitral revidenda e o acórdão proferido pelo TJUE em 4.3.2021, no âmbito do processo n.º C-581/19, Frenetikexito, assentaria no seguinte:

-              “O Tribunal Arbitral não interpretou corretamente a lei substantiva aplicável ao caso vertente e a prova disso mesmo reside no facto de o TJUE, confrontado com processo idêntico ao dos presentes autos, ter decidido em direção oposta à inicialmente propugnada pelo Tribunal Arbitral” (conclusão 9.ª);

-              “na decisão arbitral aqui recorrida também o Tribunal partiu da premissa apontada pelo TJUE ao órgão de reenvio”, a saber “um dos tipos de serviços prestados no processo principal, a saber, o serviço de acompanhamento nutricional, era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112” (conclusões 27.ª, 28.ª e 41.ª);

-              “a decisão arbitral recorrida proferida nos autos à margem identificados, atento o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-581/19, aplicou erradamente o Direito da União Europeia, motivo pelo qual a decisão arbitral deve ser revista e substituída por outra que se mostre conforme ao acórdão proferido pelo TJUE” (conclusão 55.ª).

 

3. Porém, tendo presente que a questão da inconciliabilidade “só se produz quando a decisão a rever se opuser a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário, da decisão internacional” (vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.7.2017, proc. n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1), é manifesto em termos imediatos que não se verifica essa inconciliabilidade ou incompatibilidade e que os fundamentos invocados pela Recorrente, acima transcritos, não têm correspondência com o teor da decisão arbitral proferida nestes autos.

 

No acórdão proferido no referido processo C-581/19 o Tribunal de Justiça declarou que: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem- estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva”.

 

Sucede que, como a própria Recorrente transcreve (parcialmente) no n.º 2 e invoca no n.º 51 das suas alegações recursórias, a decisão proferida por este Tribunal Arbitral quanto à anulação das liquidações adicionais de IVA sindicadas radicou no seguinte (cfr. o respectivo n.º 28):

“Conclui-se, neste termos, que a informação vinculativa n.º 9215 facultada à Requerente, ao considerar que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável”, acolhe o enquadramento jurídico-tributário proposto pelo contribuinte em atenção à situação material descrita no pedido, sem exigência, para efeitos de aproveitamento da isenção de IVA quanto aos serviços de aconselhamento nutricional, de pressupostos atinentes à finalidade terapêutica de diagnosticar, tratar e na medida do possível curar doenças ou anomalias de saúde e da autonomização em relação aos serviços de utilização para atividade física dos ginásios, o que implica que, com as liquidações impugnadas, a AT está proceder, em relação à Requerente beneficiária da informação n.º 9215 que lhe foi prestada, de modo diferente do sentido dessa informação vinculativa, o que infringe o disposto no n.º 14 do art. 68.º da LGT e acarreta a ilegalidade das liquidações impugnadas.

Deste modo, por vício de violação de lei, por infração ao disposto no art. 68.º, n.º 14 da LGT, decorrente da não conformidade das liquidações impugnadas com o sentido da informação vinculativa prestada, procede a pretensão deduzida pela Requerente de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e dos correspondentes juros compensatórios, referentes aos períodos de imposto de 201606 a 201712, com os efeitos decorrentes, designadamente quanto à reposição do crédito de IVA no valor de €27.430,54 objeto de compensação por força das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos de 201606 e de 201607 ora anuladas.”

 

Como se observa, o critério normativo em que assentou a decisão de anulação das liquidações sindicadas, que constituiu, pois, a respetiva ratio decidendi, prendeu-se com a violação do disposto no art. 68.º, n.º 14 da LGT, decorrente da desconformidade das liquidações impugnadas com o sentido da informação vinculativa prestada, e não com a aplicação da isenção prevista no art. 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112, transposta para o Direito nacional pelo art. 9.º, alínea 1) do Código do IVA, que foi objecto da interpretação do Tribunal de Justiça no mencionado acórdão.

 

Falece, pois, em termos imediatos, a invocada inconciliabilidade entre a decisão arbitral proferida nestes autos e a decisão emitida no acórdão proferido no processo C-581/19 porquanto este Tribunal Arbitral não emitiu pronúncia sobre a interpretação do referido art. 9.º, alínea 1) do CIVA.

 

4. Não se pode deixar de observar que isto é perfeitamente claro em face da decisão arbitral revidenda.

 

Desde logo, em sede de descrição da causa de pedir, o acórdão arbitral (n.º 5) referiu o seguinte:

“Como causa de pedir, alega a Requerente que os atos de liquidação acima elencados padecem dos seguintes vícios de violação de lei:

i.             violação do disposto no art. 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), por a AT proceder a correções e liquidações adicionais de forma contrária ao especificamente pronunciado em sede de resposta a pedido de informação vinculativa;

ii. violação, pelo mesmo motivo, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do seu artigo 68.º;

iii. incorreta interpretação e aplicação do disposto na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) ao considerar que os serviços de nutrição prestados pela Requerente não são suscetíveis de beneficiar da isenção de IVA;

iv. a interpretação ilegal da norma constante do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA envolve incorreta interpretação e aplicação da norma comunitária ínsita no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.”,

 

Em consequência, o Tribunal Arbitral procedeu à delimitação do thema decidendum (n.º 10 do acórdão arbitral) nos seguintes moldes:

“O thema decidendum principal respeita à legalidade das liquidações adicionais de IVA  relativas  aos  períodos  201606,  201607,  201608,  201609,  201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705, 201706, 201707, 201708, 201709, 201710, 201711, 201712 e dos atos consequentes de liquidações de juros compensatórios, acima identificados nos quadros reproduzidos no n.º 5, em atenção aos vícios alegados de violação do disposto no art. 68.º da LGT, de violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do referido artigo 68.º da LGT, e de incorreta interpretação e aplicação do disposto na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA”.

 

Ora, o Tribunal Arbitral elucidou, seguidamente, que:

-              “em conformidade com a parte final da al. b) do n.º 2 conjugada com a al. a) do mesmo n.º 2 do art. 124.º do CPPT, cabe iniciar a apreciação jurídica pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos” pelo que: “Na decorrência do assim legalmente determinado, entende-se principiar pelo conhecimento do vício atinente ao afastamento pelos atos tributários sindicados da orientação transmitida à Requerente em sede da informação vinculativa n.º 9215 que lhe foi prestada (cfr. factos provados n.ºs V e VI), vício esse que surge configurado pelo n.º 14 do art. 68.º da LGT, segundo o qual: “A administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial” (n.º 18 do acórdão arbitral);

-              “a razão por que se deve começar por esta questão se prende com o facto de, como resulta do citado n.º 14 do art. 68.º da LGT, a informação vinculativa determinar para o caso, operação ou situação de espécie descrita pelo sujeito requerente um efeito vinculatório da Administração Tributária, pelo qual esta tem que seguir, na atuação administrativo-tributária respeitante à situação individual e concreta desse particular sujeito passivo, a orientação interpretativo-aplicativa enunciada na informação quanto ao enquadramento jurídico-tributário dos atos ou factos identificados no pedido, independentemente da efetiva adequação à normatividade legal aplicável da orientação propugnada pela Administração”, pelo que: “O ato tributário, maxime o ato de liquidação, respeitante à específica situação tributária de um certo sujeito passivo que seja contrário ou desconforme com o sentido do enquadramento jurídico indicado na informação vinculativa que lhe foi prestada padece, por força daquela determinação do n.º 14 do art. 68.º da LGT, de um vício próprio e autónomo de violação de lei que o inquina e torna anulável (cfr. art. 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, art. 2.º, al. c) da LGT, art. 2.º, alínea d) do CPPT e art. 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT), precisamente a discordância com o sentido da informação prestada” (n.º 19).

 

O Tribunal explicitou ainda, no referido n.º 19, que: “a verificação pelo Tribunal, no âmbito da impugnação de um ato tributário, do vício invocado de desconformidade com a informação vinculativa prestada ao sujeito passivo impugnante, determina per se a invalidação do ato impugnado contrário à informação, do que decorre a autonomia dessa verificação em relação à apreciação da própria correção legal da qualificação jurídico-tributária assumida pela Administração na informação emitida” e que: “a vinculação da AT à solução interpretativo-aplicativa configurada na informação prestada é assegurada pelo Tribunal mediante a invalidação do ato desconforme com essa solução, independentemente de o Tribunal considerar ou não juridicamente adequada, em face das normas ou princípios jurídicos aplicáveis, a solução sustentada naquela informação”.

 

Justamente, como acima citado, no acórdão arbitral proferido, o Tribunal Arbitral considerou procedente este vício específico e autónomo de desconformidade com o conteúdo da informação vinculativa prestada, por infração do disposto no n.º 14 do art. 68.º da LGT, tendo, consequentemente, declarado (n.º 29 do acórdão arbitral) que: “Com a procedência do referido vício fica prejudicada, nos termos do art. 124.º do CPPT e do art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, por aplicação do art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT, a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente quanto à legalidade das liquidações sindicadas e ao pedido formulado a título subsidiário”.

 

5. Deste modo, como era ab origine perfeitamente claro, o Tribunal Arbitral, na decisão proferida nestes autos, não emitiu qualquer pronúncia sobre se era aplicável aos serviços de nutrição em apreço a isenção consagrada na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

 

Não tendo este Tribunal Arbitral, na apreciação da impugnação das liquidações adicionais de IVA sindicadas, pronunciado-se sobre se os serviços de nutrição prestados pela Requerente beneficiavam ou não da isenção prevista na alínea 1) do art. 9.º do CIVA, é manifesto, aocontrário do que a Recorrente alega, que o acórdão do TJUE proferido no processo de reenvio prejudicial C-581/19 não resolveu questão de direito exatamente igual à da decisão arbitral revidenda.

 

Como tal, mostram-se, logo à partida, inexatas e manifestamente alheias aos presentes autos as afirmações da Recorrente de que o Tribunal de Justiça concluiu de forma perentória diversamente da decisão arbitral proferida nestes autos que aos serviços de nutrição em apreço não é aplicável a referida isenção de IVA (n.º 59 das alegações e conclusão 14.ª); de que na decisão arbitral recorrida o Tribunal partiu da premissa apontada pelo TJUE ao órgão de reenvio e julgada errónea de que o serviço de acompanhamento nutricional era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 (n.ºs 78.º e 79.º das alegações); ou de que o Tribunal partiu do mesmo pressuposto que o Tribunal que procedeu ao reenvio da questão para o TJUE e que esse pressuposto de que se verifica a finalidade terapêutica no caso de serviços que são meramente disponibilizados veio a mostrar-se errado (n.ºs 101 e 102 das alegações).

 

6. Não corresponde, do mesmo modo, à realidade a alegação da Recorrente de que, na decisão proferida nestes autos, “por entender não existirem dúvidas quanto à interpretação do Direito da UE na resolução da questão controvertida, o Tribunal decidiu não ser de aguardar pela pronúncia do TJUE, indeferindo assim o requerido pela ora Recorrente e proferindo o Acórdão aqui recorrido”, mostrando-se, pois, incorreta essa declaração constante do n.º 57 das alegações recursórias (cfr. também, embora em termos algo distintos, as conclusões 11.ª e 12.ª).

 

O que o Tribunal Arbitral decidiu no n.º 30 do acórdão proferido, de modo perfeitamente distinto, foi o seguinte:

“Especificamente quanto ao pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerida, refira-se que o mesmo fica igualmente prejudicado, porquanto da verificação do vício de violação de lei de desconformidade das liquidações de IVA com o sentido da informação vinculativa prestada decorre que não possui pertinência para a resolução do litígio a questão da interpretação do Direito da União Europeia sobre o enquadramento dos serviços de nutrição ou de dietética na isenção de IVA da assistência médica ou paramédica atualmente constante do 132.°, n.° 1, alínea c) da Diretiva IVA e a qualificação dos serviços de nutrição ou de dietética como “prestações que têm por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”, que poderia justificar o reenvio para o Tribunal de Justiça.

Com efeito, muito embora seja certo que, quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este está, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.º, terceiro parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, se tiver sido suscitada uma questão relativa à interpretação do direito da União perante esse órgão jurisdicional (...), isso não sucede quando a questão de interpretação do Direito Europeu não seja pertinente, por, seja qual for a resposta, ela não poder ter influência sobre a solução do litígio (...).

Precisamente in casu verifica-se a falta de pertinência da questão de interpretação do Direito Europeu, porquanto, conforme acima se explicitou no n.º 19, a aplicação do regime do art. 68.º, n.º 14 da LGT, implica de per si vício de violação de lei, independentemente da correção da interpretação do Direito nacional e europeu subjacente à informação vinculativa”.

 

7. Por fim, não se pode deixar de assinalar que a própria Recorrente acaba por admitir no seu recurso que não é coincidente a matéria apreciada pela decisão arbitral proferida nestes autos e pelo acórdão Frenetikexito do Tribunal de Justiça, pois, para além da invocação inexata da aplicação pelo Tribunal Arbitral da isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, adita ainda que a mera disponibilização dos serviços de nutrição foi omitida no pedido de informação vinculativa pelo que as liquidações em apreço não se traduziram numa violação do Princípio da Confiança Legítima e se devem ter como conformes com o n.º 14 do art.º 68.º da LGT (vd. arts. 100, 131 das alegações recursórias e conclusões 18.ª, 51.ª, 52.ª, 53.ª e 54.ª), temática esta que não encontra qualquer espelhamento no acórdão do Tribunal de Justiça, no qual não foi, evidentemente, objecto de qualquer apreciação.

 

Para além de se lembrar que, no acórdão arbitral proferido, aquela questão foi especificamente dilucidada em termos que a Recorrente inadmissivelmente desconsidera no seu recurso (vd. n.º 27 do acórdão: “a AT invoca ainda como elemento omitido no objeto do pedido da informação, mas pressuposto na resposta, que os serviços de aconselhamento nutricional seriam apenas disponibilizados e não efetivamente realizados. Sucede, porém, que a não realização efetiva dos serviços de nutrição, independentemente dos termos da relevância jurídico-tributária dessa matéria, não constitui factualidade subjacente às correções de IVA promovidas, porquanto no RIT (vd. acima facto provado n.º XVIII) dá-se conta que, de acordo com as “Condições de adesão”, caso não se realizem as consultas de nutrição previstas contratualmente, o sócio não tem direito ao reembolso dos montantes entretanto debitados respeitantes a essa parcela dos serviços prestados (cfr. também facto provado n.º XIV), mas não se alega, em termos concretos, que as consultas de nutrição faturadas não se realizaram”), o que importa destacar é que, ao fim e ao cabo, se reconhece assim que não existe coincidência entre a matéria do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça e a matéria objecto da decisão arbitral decidenda, o que liminarmente exclui a invocada, mas insubstanciada, incompatibilidade da decisão arbitral proferida nestes autos com decisão definitiva de instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português.

 

8. Por tudo o que fica exposto, acorda-se neste Tribunal Arbitral em indeferir, nos termos do art. 699.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1 do RJAT, por manifesta falta de motivo para revisão segundo o disposto na alínea f) do art. 696.º do CPC, o recurso interposto pela Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conhecendo do respectivo objeto.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de Abril de 2021.

 

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

(Fernanda Maçãs)

 

O árbitro vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro vogal

(João Menezes Leitão)

 

 

             

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e João Menezes Leitão (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

I. Relatório

1. A..., SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Avenida ...,  ..., ..., ...-... ..., ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentou em 4.11.2019 pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à apreciação da legalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios dos períodos de 201606 a 201712 no valor total de €3.765.553,45 (três milhões setecentos e sessenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos).

2. Em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b), 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 2 do RJAT, a Requerente designou, no seu pedido de pronúncia arbitral, como árbitro o Professor Doutor António Carlos dos Santos. Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como árbitro João Menezes Leitão. A requerimento dos árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro presidente a Senhora Doutora Maria Fernanda dos Santos Maçãs.

As partes foram devidamente notificadas destas designações, às quais não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

3. Nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11.2.2020.

4. Devido ao falecimento do Senhor Professor Doutor António Carlos dos Santos, a cuja memória aqui se presta respeitosa homenagem, a Requerente designou como novo árbitro o Dr. Paulo Lourenço, tendo, por despacho de 7.7.2020 do Senhor Presidente do CAAD, sido determinada a respetiva substituição como árbitro adjunto.

O Tribunal Arbitral, em atenção à substituição de árbitro vogal assim ocorrida, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 9.º do RJAT, proferiu despacho em que concluiu, por ter havido lugar apenas ao oferecimento de articulados, não se justificar a repetição de quaisquer atos processuais.

5. No seu pedido de pronúncia arbitral (a seguir, petição inicial ou PI), a Requerente pede a apreciação da legalidade dos seguintes atos de liquidação adicional de IVA e dos correspondentes juros compensatórios:

 

 

 

 

 

Como causa de pedir, alega a Requerente que os atos de liquidação acima elencados padecem dos seguintes vícios de violação de lei:

i. violação do disposto no art. 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), por a AT proceder a correções e liquidações adicionais de forma contrária ao especificamente pronunciado em sede de resposta a pedido de informação vinculativa;

ii. violação, pelo mesmo motivo, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do seu artigo 68.º;

iii. incorreta interpretação e aplicação do disposto na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA  (CIVA) ao considerar que os serviços de nutrição prestados pela Requerente não são suscetíveis de beneficiar da isenção de IVA;

iv. a interpretação ilegal da norma constante do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA envolve incorreta interpretação e aplicação da norma comunitária ínsita no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

A Requerente peticiona, então, que as indicadas liquidações adicionais de IVA sejam declaradas ilegais e que, no que concerne às liquidações adicionais de IVA respeitantes aos períodos de 201606 e de 201607, como os valores apurados de, respetivamente €15.381,72 e €12.048,46, foram, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11.9 (alterado pela Lei n.º 64/2012, de 20.12), objeto de compensação por parte da AT, seja resposto o crédito de IVA indevidamente compensado no valor global de €27.430,18, bem como que seja reconhecido o direito ao reembolso integral dos gastos suportados com a prestação de garantia que vier a considerar-se indevida.

Mais requer, a título subsidiário, para o caso de se entender que os serviços de nutrição prestados pela Requerente se encontram sujeitos a IVA, que o cálculo do respetivo valor do imposto seja considerado incluído no valor das prestações mensalmente pagas pelos clientes da Requerente, com as legais consequências, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC.

 

6. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta (a seguir abreviadamente R.) em que, convocando o exposto no Relatório de Inspeção Tributária, se defendeu por impugnação, peticionando que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado.

Requereu, ainda, a formulação de pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia ou a suspensão dos autos até ao proferimento de decisão pelo Tribunal de Justiça no âmbito do processo de reenvio prejudicial pendente sob o n.º 504/2018-T.

7. A Requerente, na sequência de despacho de 21.3.2020 da Senhora Presidente do Tribunal Arbitral para indicação dos factos que não sejam suscetíveis de prova documental, prescindiu da audição da testemunha por si arrolada na PI, pelo que, conforme despacho arbitral de 23.5.2020, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para produzirem alegações escritas, o que foi concretizado pela Requerente em 4.6.2020 e pela Requerida em 24.6.2020.

8. Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, foi designado o dia 11.8.2020 para a prolação da decisão final, o qual foi objecto de prorrogação, conforme previsto no n.º 2 do art. 21.º do RJAT, por despacho de 30.7.2020.

9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, para a apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatório impugnadas.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

Não foram suscitadas questões prévias e não se constatam nulidades.

Cabe, em consequência, proferir decisão sobre o mérito da causa.

II. Thema decidendum

10. O thema decidendum principal respeita à legalidade das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos 201606, 201607, 201608, 201609, 201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705, 201706, 201707, 201708, 201709, 201710, 201711, 201712 e dos atos consequentes de liquidações de juros compensatórios, acima identificados nos quadros reproduzidos no n.º 5, em atenção aos vícios alegados de violação do disposto no art. 68.º da LGT, de violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do referido artigo 68.º da LGT, e de incorreta interpretação e aplicação do disposto na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

Para o caso de não procedência dos vícios acima alegados, cabe apreciar a questão suscitada, a título subsidiário, sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA fundada em que, a existir IVA sobre a prestação de serviços de nutrição, então a base tributável sobre a qual incide tem em si mesma o próprio imposto que se pretende liquidar.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

III.A. Factos provados

11. Examinadas as alegações formuladas nas peças processuais das partes e a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI, quer a que resulta do procedimento administrativo (PA) junto aos autos (que é constituído pelos Documentos de Correção Único de 2016 e de 2017, pelo Relatório de Inspeção Tributária (a seguir RIT) e respetivos anexos, com 340 páginas, e pelos autos de notícia elaborados no âmbito do procedimento inspetivo), o Tribunal Arbitral, com relevo para a decisão da causa (o que implica incluir toda a concreta realidade factual necessária para a apreciação da pretensão formulada à luz das várias soluções jurídicas possíveis do litígio e excluir a factualidade inócua ou despicienda para a economia do julgamento), julga provado o seguinte elenco de factos:

I.             A Requerente é uma sociedade de direito português, constituída em 28.01.2011, que tem como atividade a conceção, desenvolvimento, exploração, gestão e manutenção de health clubs, clubes de fitness, ginásios e espaços de bem-estar físico, o comércio de produtos e serviços na área do fitness e bem-estar físico e a prestação de serviços e consultas de nutrição, que explora diversos clubes de fitness espalhados por todo o país, encontrando-se inscrita para o exercício das seguintes atividades: Código de Atividade Económica (CAE) Principal 93130 – “Atividades de ginásio (fitness)”, CAE Secundário 1 96040 – “Atividades de bem-estar físico”, CAE Secundário 2 47910 – “Comércio a retalho por correspondência ou via internet”, CAE Secundário 3 86906 – “Outras atividades de saúde humana, n.e.” (conforme certidão permanente junta como doc. n.º 5 à PI e factualidade admitida por acordo dado o conteúdo dos arts. 14, 15 e 33 da PI e as afirmações constantes do RIT, pp. 8, 13 e 20).

II.            A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime de tributação normal de periodicidade mensal, tendo, desde final do ano de 2015, em que adicionou a atividade de “Outras atividades de saúde humana, n.e.”, optado para “sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens” (factualidade admitida por acordo face ao teor do art. 33.º da PI e as afirmações do RIT, pp. 11 e 14).

III.          Com vista a posicionar-se no mercado do health and wellness e aumentar o nível de retenção e fidelização dos seus Clientes, a Requerente preparou em 2015 o desenvolvimento da nova área de negócio de prestação de serviços de nutrição (factualidade não controvertida conforme arts. 26 e 27 da PI e RIT, pp. 21 e segs.).

IV.          Para obter o enquadramento em sede de IVA da nova atividade de “serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora”, a Requerente apresentou, em Julho de 2015, à Autoridade Tributária, um pedido de informação vinculativa, conforme doc. n.º 3 junto à PI e Anexo 10 ao RIT.

V.           O pedido de informação vinculativa apresentado, conforme doc. n.º 3 junto à PI e Anexo 10 ao RIT, tem o seguinte teor, no que aqui imediatamente releva:

i) “1. ENQUADRAMENTO FACTUAL

1. A Requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, que tem como objeto social, entre outros, a exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios (...).

2. No âmbito da sua atividade, a Requerente explora diversos clubes de fitness na região da Grande Lisboa.

3. A Requerente pretende passar a prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora.

4. Nas sessões de aconselhamento serão prestados, nomeadamente, os seguintes serviços:

a)            Aconselhamento nutricional;

b)           Elaboração de um plano alimentar personalizado;

c)            Análise da composição corporal, historial clínico e modo de vida;

d)           Medições biométricas;

e)           Serviços de marcação de consultas de nutrição trimestrais através de uma plataforma

online.

5. Esses serviços serão prestados por técnicos selecionados e contratados para o efeito pela Requerente (através de contratos de prestação de serviços), que cumpram os seguintes requisitos:

a)            Licenciatura em Nutricionismo (licenciatura universitária) ou Dietética (licenciados

por politécnicos);

b)           Inscrição na Ordem dos Nutricionistas.

6. Estes serviços serão prestados nos clubes de fitness da Requerente.

7. Estes serviços serão objeto de faturação mensal / diária, outro pela Requerente aos clientes que contratem tais serviços.

8. Tais serviços permitirão à Requerente prestar serviços relacionados com o bem-estar físico e saúde, com maior eficácia e qualidade.

9. Para esse efeito, é igualmente propósito da Requerente proceder à alteração do seu objeto social, por forma a incluir serviços de aconselhamento nutricional, nos estabelecimentos que explora, por profissionais credenciados para o efeito. (...)”.

ii) “JUSTIFICAÇÃO DO CARÁCTER URGENTE

1.            A Requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, que tem como objeto, entre outros, a exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios (...).

2.            No âmbito da sua atividade, a Requerente explora diversos clubes de fitness na região da Grande Lisboa.

3.            A Requerente pretende passar a prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora.

4.            A prestação de serviços de aconselhamento nutricional garantirá, por um lado, um aumento do número de inscrições, e pelo outro, um menor número de cancelamentos.

5.            Com efeito, os serviços de nutrição nos clubes permitirão o incremento da retenção de clientes, justificável pelo maior grau de acompanhamento e maior diversidade dos serviços prestados.

6.            Os números de inscrições e de cancelamentos nos clubes de fitness explorados pela Requerente são constantes ao longo do ano, com exceção do período do Verão.

7.            É nos meses de Junho, Julho e Agosto que se verifica o maior número de cancelamentos anual, número esse muito superior ao n.º de novas adesões, resultando numa diferença negativa, tal como consta das tabelas em anexo ao documento (...).

8.            Ora, para fazer face a tal decréscimo, a Requerente carece de recorrer a novos estímulos e serviços, por forma a inverter a diferença negativa entre as novas adesões e cancelamentos, mal termine a época de férias.

9.            De facto, o mês Setembro, é um dos meses onde se verificam anualmente mais inscrições nos clubes de fitness explorados pela Requerente, conforme se poderá verificar no documento em anexo (...).

10.          Os novos serviços de nutrição, além de permitirem uma maior retenção dos clientes e conduzirem a menos cancelamentos, irão igualmente atrair novos clientes.

11.          Deste modo, torna-se essencial a aposta forte e sólida nos meses de Verão (período de férias e fim de férias), com a prestação de novos serviços, como forma de mitigar a redução de inscrições deste período e assegurar que a Requerente consegue i) fazer face às perdas dos meses de Verão, ii) angariar novos clientes, iii) oferecer novos serviços aos sócios existentes, por forma a evitar o cancelamento da sua inscrição, iv) garantir a rentabilidade anual dos clubes explorados.

12.          A confirmação urgente do enquadramento jurídico-tributário proposto pela Requerente é essencial para o projeto uma vez que a Requerente só pretende começar a prestar os referidos serviços após a pronuncia dessa Direção de Serviços. (...)”

iii) “PROPOSTA DE ENQUADRAMENTO TRIBUTÁRIO

1.            Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA (...), as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, estão sujeitas a IVA.

2.            Contudo, o CIVA prevê determinadas situações que, por diversos motivos, beneficiam de isenção em sede de IVA, pretendendo-se assim desonerar administrativa e financeiramente essas atividades.

3.            É o caso das prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas (9.º n.º 1 CIVA).

4.            De acordo com a jurisprudência comunitária, compete a cada Estado Membro definir no seu direito interno as profissões paramédicas cujos serviços estão isentos de IVA (vide Acórdão de 27 de Abril de 2006, proferido nos processos C-443/04 e C-444/04, caso Solleveld).

5.            Em território nacional, o conceito de "profissões paramédicas" acima referido é definido no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, diploma que regula o exercício das atividades profissionais de saúde e contém, em lista anexa, uma enumeração das atividades que se subsumem ao conceito.

6.            Entre as atividades reconhecidas, encontra-se a atividade de Dietética, definida no parágrafo 5 da lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/ 93, de 24 de Julho (...).

9.            Nos termos do artigo 2.º acima referido, o exercício das atividades paramédicas (e os serviços equiparados) depende da prestação por profissionais: a) com titularidade de curso ministrado em estabelecimento de ensino oficial ou do ensino particular ou cooperativo desde que reconhecido nos termos legais, b) titularidade de diploma ou certificado reconhecido como equivalente, c) titularidade de carteira profissional, ou título equivalente, emitido ou validado por entidade pública.

10.          Ora, os serviços de nutrição e dietética que virão a ser prestados pela Requerente enquadram-se nas atividades definidas no parágrafo 5 da lista anexa ao Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de Julho, e serão prestados por nutricionistas (licenciados universitários) ou dietistas (licenciados politécnicos), devidamente inscritos na Ordem dos Nutricionistas, cumprindo-se igualmente os requisitos previstos no artigo 2.º do mesmo diploma.

11.          Por outro lado, reitere-se que a isenção prevista no referido número 1 do artigo 9.º do Código do IVA tanto é aplicável ao exercício objetivo das atividades aí elencadas, independentemente de serem prestadas por pessoas singulares como a pessoas coletivas.

12.          É do entendimento da jurisprudência comunitária que as atividades identificadas estão isentas, ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades, desde que, i) estejamos perante serviços médicos ou paramédicos, e ii) que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas (vide a alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/ 00, caso Kugler, Colet. P. 1-6833, n.º 26, e ainda o já referido Acórdão do caso Solleveld). (...)

14. Por tudo, torna-se, assim, claro que as atividades a ser prestadas pela Requerente se subsumem às atividades paramédicas previstas no número 1 do artigo 9.º do Código do IVA devendo, consequentemente, beneficiar da isenção aí prevista.”.

VI. A AT emitiu, em resposta ao pedido de informação vinculativa referido no ponto antecedente, a Informação vinculativa n.º 9215, por despacho do Subdiretor-geral do IVA, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme Anexo 10 ao RIT , que foi disponibilizada publicamente no Portal das Finanças em 21.08.2015, conforme se observa do indicado Portal, a qual possui o seguinte teor que se transcreve:

OS FACTOS E O PEDIDO

1.            A requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, que tem como objeto social, entre outros, a exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios.

2.            Pretendendo prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora já procedeu, conforme se verifica pela análise à certidão permanente (cujo código facultou), à alteração do seu objeto social, tendo incluído a "prestação de serviços e consultas de nutrição".

3.            Com a implementação destes serviços a requerente tem como objetivo garantir uma diminuição do número de cancelamentos das inscrições nos clubes e ginásios que, de acordo com os dados constantes em duas tabelas referentes aos anos de 2013 e 2014, que anexa ao presente pedido, ocorrem em número mais elevado nos meses de verão, resultando numa diferença negativa entre o número de adesões e o de cancelamentos.

4.            Assim, perspetivando garantir, através da realização dos serviços de aconselhamento nutricional, o incremento da retenção de clientes, a requerente refere que estes serviços serão prestados através de profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, que detenham uma licenciatura em nutricionismo e se encontrem inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou licenciatura em dietética.

5.            Vem, assim, solicitar esclarecimento acerca do enquadramento a conferir, em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aos serviços de aconselhamento de nutrição e dietética, que pretende prestar, nomeadamente se os mesmos beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA).

PROPOSTA DE ENQUADRAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO

6.            Na proposta de enquadramento jurídico-tributário que apresenta, a requerente faz uma abordagem às normas que considera aplicáveis à questão apresentada, designadamente à alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, diploma que contém, em lista anexa, uma enumeração das atividades que se integram no conceito de profissões paramédicas, e onde se encontra elencada a atividade de Dietética.

7.            Faz, ainda, alusão a algumas fichas doutrinárias divulgadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que versam sobre a matéria em questão no presente pedido, bem como à jurisprudência comunitária vertida no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26), segundo o qual as atividades médicas e paramédicas, ainda que desenvolvidas por sociedades, beneficiam de isenção, desde que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

8.            Face ao referido, considera a requerente que os serviços de nutrição e dietética que irá prestar através de profissionais devidamente credenciados para o efeito, se enquadram na definição dada, no item 5 da Lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93, à atividade de dietética, pelo que é seu entendimento que os mesmos beneficiam da isenção consagrada na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

ENQUADRAMENTO LEGAL E ANÁLISE DA SITUAÇÃO

9.            Nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA) estão isentas de imposto as "prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas".

10.          No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.

11.          Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado "(...) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão".

12.          Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.

13.          É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

14.          A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares".

15.          A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.

16.          Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

17.          Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I- 6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

18.          Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção.

19.          Verifica-se que a requerente se encontra registada com a atividade principal de "Atividades de ginásio (fitness)" - CAE 93130 e com as atividades secundárias de "Atividades de bem-estar físico" - CAE 96040 e de "Comércio a retalho por correspondência ou via internet" - CAE 47910. Em sede de IVA, tem enquadramento no regime normal de tributação, com periodicidade mensal e com dedução integral do imposto.

20.          Atendendo a que o exercício da atividade de dietética e nutrição não consta como efetivamente exercida pela requerente, deve a mesma proceder em conformidade com o n.º 1 do artigo 32.º do CIVA que determina que "Sempre que se verifiquem alterações de qualquer dos elementos constantes da declaração relativa ao início de atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações", no prazo de 15 dias a contar da data da alteração (n.º 2 do artigo 32.º), podendo utilizar um dos meios previstos no n.º 1 do artigo 35.º do CIVA.

21.          Passando a exercer simultaneamente operações sujeitas que conferem direito a dedução do imposto suportado e operações isentas que não conferem tal direito a requerente passa a considerar-se, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto, devendo esta condição ser assinalada na declaração de alterações a entregar.

22.          Para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, deve atender à disciplina do artigo 23.º do CIVA no que respeite aos bens e serviços que utilize simultaneamente nas atividades que exerce (tributadas e isentas), devendo indicar qual o método de dedução a utilizar: método de percentagem de dedução, denominado prorata, ou o método da afetação real.

CONCLUSÃO:

23.          Face a todo o exposto, conclui-se que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto).

24.          Para o efeito, a requerente deve adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 35.º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto”.

VII.         A Requerente procedeu em 2015 às formalidades para a implementação da nova atividade de nutrição, designadamente adicionando os serviços de nutrição ao seu objeto social, acrescentando o respetivo CAE (secundário) dessa atividade e procedendo à entrega da declaração de alterações de atividade de forma a atualizar o seu enquadramento cadastral para efeitos de IVA (factualidade não controvertida conforme art. 31.º da PI e RIT, pp. 21 e segs.; cfr. ainda certidão junta como doc. n.º 5 à PI).

VIII.       No âmbito da implementação da atividade de prestação de serviços de nutrição, a Requerente estabeleceu com a sociedade B..., SA, uma parceria para a prestação dos serviços de nutrição, mediante o seguinte quadro contratual: i) contrato entre a B... e a Requerente relativo ao suporte do Master Franchising "B...", conforme doc. n.º 6 à PI; ii) contratos entre a B..., as diferentes clínicas franchisadas e a Requerente, relativos à prestação de serviços de nutrição, conforme faturas e contrato de prestação de serviços incluídos no doc. n.º 7 à PI – cfr. ainda os contratos e faturas  constantes do anexo 5 ao RIT e as asserções concordantes dos arts. 34 a 37 da PI e do RIT, p. 27 a 32).

IX.          As clínicas que operam sob a insígnia e conceito B... encontram-se licenciadas junto das entidades e organismos públicos competentes, incluindo a certificação necessária emitida pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), assim como os nutricionistas e dietistas destas clínicas, que prestam diretamente os serviços de nutrição aos clientes da Requerente, encontram-se devidamente credenciados e inscritos na respetiva Ordem dos Nutricionistas (factualidade admitida por acordo face ao teor das afirmações constantes dos arts. 38, 39 e 88 da PI e do RIT, p. 20 e 44).

X.            Nas áreas onde a B... não possui clínicas para a prestação dos serviços de nutrição, a Requerente contratualizou esses serviços com outros parceiros, igualmente credenciados, licenciados e com profissionais nutricionistas devidamente especializados e credenciados, como sucedeu, em 2016 e 2017 com os parceiros C..., Lda, D..., E..., SA,  F...- cfr. os contratos incluídos no doc. n.º 8 à PI e no Anexo 5 ao RIT, bem como a factualidade assente por acordo atento o conteúdo dos arts. 42 e 43 da PI e do RIT, p. 27).

XI.          A disponibilização pela Requerente aos seus clientes dos serviços de nutrição assenta na subscrição de uma das seguintes modalidades: i) Pacote One-off, que implica a utilização exclusiva de um Clube com acesso ao ginásio e a todos os outros serviços (exceto as aulas de grupo) durante um horário limitado, ii) Pacote One, que implica a utilização exclusiva de um clube com acesso ao ginásio e todos os outros serviços (exceto as aulas de grupo) durante um horário de livre trânsito, iii) Pacote Move, que implica a utilização de todos os clubes da cadeia A... com acesso a todas as modalidades e serviços (incluindo as aulas de grupo) durante um horário de livre-trânsito, iv) Utilização avulsa, que implica a utilização unitária (uma entrada paga avulso) com acesso a todas as modalidades e serviços (exceto aulas) durante esse dia e num horário de livre-trânsito

(factualidade admitida por acordo dado o conteúdo dos arts. 45 e 46 da PI e do RIT, pp. 21 e segs., bem como as condições de adesão contratuais juntas como doc. n.º 9 e incluídas no Anexo 3 ao RIT).

XII.         Como estratégia de fidelização dos seus clientes, nos contratos de adesão com período mínimo de 12 meses, independentemente da modalidade do pacote, a Requerente adicionou o serviço de nutrição (cfr. as asserções concordantes constantes do art. 48 da PI e do RIT, pp. 21 e segs. e condições contratuais gerais juntas no anexo 3 ao RIT e como doc. n.º 9 à PI).

XIII.        Os contratos com adesão por um período mínimo de 12 meses foram designados como contratos “com compromisso”, e incluíam os diferentes serviços prestados pela Requerente de acordo com as diferentes modalidades disponíveis (Pacote One-Off, Pacote One e Pacote Move) e os serviços de nutrição, enquanto os contratos de adesão por um período de quinze dias, designados por contratos “sem compromisso”, incluíam os diferentes serviços prestados pela Requerente de acordo com as diferentes modalidades disponíveis (Pacote One e Move), mas não compreendiam serviços de nutrição, podendo ainda os clientes da Requerente optar utilização avulsa de quaisquer serviços disponibilizados, incluindo os serviços de nutrição (cfr. as asserções concordantes constantes dos arts. 49 a 54 da PI e RIT, pp. 21 e segs. e condições de adesão contratuais juntas no anexo 3 ao RIT e como doc. n.º 9 à PI).

XIV.       Os clientes têm condições de preços vantajosos caso adiram à modalidade que inclui as consultas de nutrição, sendo que caso prescindam da modalidade com consultas de nutrição é alterado o contrato para “Adesão sem compromisso”, com quotas mais elevadas, e caso não realizem as consultas de nutrição previstas contratualmente o sócio não tem direito a reembolso dos montantes debitados respeitantes a essa parcela dos serviços prestados (cfr. cláusula contratual geral n.º 3.10 das condições de adesão contratuais juntas no anexo 3 ao RIT e como doc. n.º 9 à PI e RIT, p. 25).

XV.         As faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes que optaram por uma modalidade "com compromisso", distinguem os serviços de utilização de ginásio, sujeitos a taxa normal de IVA, dos serviços de nutrição, isentos daquele imposto, por invocação do disposto no ponto 1) do artigo 9.º do Código do IVA (cfr. cópia da fatura junta como doc. n.º 10 à PI e factualidade assente por acordo dado o teor do art. 59 da PI e do RIT, pp. 25-26).

XVI.       Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2018.../..., de 20.2.2018, realizaram uma ação inspetiva externa à Requerente respeitante aos períodos de tributação de 2016 e de 2017, de âmbito parcial, com incidência em IRC e IVA, que concluiu com o RIT de 28.6.2019, integrante do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que foi notificado à Requerente através do ofício n.º ...(cfr. RIT, pp. 1-8).

XVII.      Nos termos das conclusões do RIT, as correções técnicas apuradas em sede de IVA, por falta de liquidação do imposto, foram no montante de €889.378,81 (2016) e de €2.628.212,91 (2017) e resultaram de ter sido “detetada a existência de prestações de serviços dietéticos disponibilizados em complemento da atividade física (frequência de ginásio), sendo que as mesmas não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos, não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA, não podendo as prestações de serviços dietéticos ser separadas da prestação de serviços de ginásio, uma vez que constituem um serviço acessório, fazendo parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal”.

XVIII.     Estas correções fundamentaram-se nas considerações constantes do RIT, cujos excertos mais diretamente relevantes para os autos seguidamente se transcrevem

(pp. 20 e seguintes do RIT):

III.1.1 – Do IVA não liquidado – (prestação de serviços de nutrição)

(...)

III.1.1.1.1. Análise condições de adesão dos contratos

(...)

Conclui-se que os sócios têm condições de preços mais vantajosos caso adiram à modalidade que inclui as consultas de nutrição, na medida em que:

-              Caso prescindam da modalidade com consultas de nutrição, é alterado o contrato para “Adesão sem compromisso”, com a penalização de terem quotas mais elevadas;

-              Caso não realizem as consultas de nutrição previstas contratualmente, o sócio não tem direito a reembolso dos montantes entretanto debitados respeitantes a essa parcela dos serviços prestados

Pelo que, face às hipóteses colocadas, os sócios são contratualmente condicionados para aceitar a modalidade com nutrição incluída.

De salientar que da análise efetuada aos elementos e documentos disponibilizados pelo sujeito passivo se verificaram várias situações relativamente às quais o valor das faturas emitidas após o lançamento do serviço da nutrição mantém-se igual ao valor das faturas que só apresentavam utilização de ginásio.

O valor da fatura passou a ser repartido em 2 rubricas:

-              Utilização de ginásio com IVA liquidado à taxa normal, e

-              Nutrição, sem qualquer liquidação de IVA, justificado pela aplicação do n.º 1 do artigo 9.º do

CIVA

(...).

De acordo com tudo o que já foi referido neste relatório, nomeadamente a análise acima, e a análise efetuada no ponto III.1.1.1.1 - Condições de adesão, conclui-se que:

-              Os sócios só têm direito a consultas de nutrição mediante assinatura de contrato de adesão para

"Utilização" do ginásio",

-              As consultas de nutrição consistem num serviço adicional ao referido contrato,

-              Existem várias situações em que o valor das faturas emitidas após o lançamento do serviço da nutrição mantém-se igual ao valor das faturas que só apresentavam utilização de ginásio (já eram sócios antes do lançamento), alterando a base tributável sujeita e não isenta do IVA.

-              Os sócios têm condições de preços mais vantajosos caso adiram à modalidade que inclui as consultas de nutrição,

-              Caso prescindam da modalidade com consultas de nutrição, é alterado o contrato para "Adesão sem compromisso", com a penalização de terem quotas mais elevadas;

-              Caso não se realizem as consultas de nutrição previstas contratualmente, o sócio não tem direito a reembolso dos montantes entretanto debitados respeitantes a essa parcela dos serviços prestados.

-              Em 2017, o sujeito passivo contratualizou 53.500 consultas e debitou aos sócios 388.245 consultas.

Face às hipóteses colocadas, os sócios são induzidos a aceitar a modalidade com nutrição incluída.

Mais uma vez, fazemos referência às "Condições de Adesão" já analisadas, que foram alteradas aquando do lançamento da prestação de serviços de nutrição, sendo este serviço incluído nos "Serviços adicionais" (...), verifica-se  o caráter "acessório"  destes  serviços  de NUTRIÇÃO, relativamente ao ginásio, já que o acesso aos mesmos só é possível com existência de contrato de adesão ao ginásio/utilização e alteração (aumento) do valor da prestação de serviço ginásio caso o utente pretenda alterar o contrato no sentido de prescindir das consultas de nutrição.

(...).

As condições de adesão são bem claras, o contrato tem como objeto a utilização dos Clubes para a prática de atividades físicas e desportivas, podendo o/a Sócio/a em determinada modalidade usufruir de uma consulta de nutrição por trimestre, estando esta integrada nos Serviços adicionais, incluídos no referido contrato, quer o sócio usufrua ou não.

Conclui-se que os serviços de nutrição prestados ao abrigo dos contratos celebrados entre Sócios e A... têm um caráter acessório.

Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a respetiva prática, uma vez que a mesma é efetuada por clínicas contratadas pelo sujeito passivo que devem cumprir os requisitos exigidos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho.

Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da "Prestação de serviços de nutrição e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.

III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas

III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal

III.1.1.2.1.1 Direito comunitário

A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132°, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde. (...)

(...) a alínea c) isenta “as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do  exercício de profissões  médicas  e paramédicas,  tal  como  definidas pelo  Estado Membro em causa.

A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132° da (...) Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade "diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde" (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).

(...)

III.1.1.2.1.2 Direito Interno

(...) a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA isenta do imposto, “As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.” - FORA DE MEIO HOSPITALAR (...)

A A... isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9° do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexos 9 e 10), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.

Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pela A... à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9° do CIVA. (...)

Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:

-              Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o desempenho da função e

-              Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3°, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a "realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação” (dessa lista consta, designadamente, a atividade de “dietista").

Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1)  do artigo  9° do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em "prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde" (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).

E continua: "Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas." (...)

Ora a isenção  aqui aplicada  à Prestação  de  Serviços  de Nutrição,  com  base na alínea  1)  do  artigo 9° do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a "disponibilização" de um serviço com características de aconselhamento ao utente (implementação de um  plano  nutricional  adequado  e enquadrado  ao  estilo de  vida  de cada Sócio/a) o qual apenas ocorre no caso de o utente "procurar" esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.

Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares.

De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio não será, certamente, o de ter consultas de nutrição.

A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, que subscrevam uma modalidade de ginásio com compromisso, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).

Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.

Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art. 9° do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.

Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.

Prestação principal vs acessória

Decorre do espírito da redação do artigo 2°, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.

Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tomam-se suscetíveis de constituir operações "puramente acessórias" ou "estreitamente conexas".

(...)

III.1.1.3Da Análise dos factos

No âmbito das presentes Ordens de Serviço, (...) verificou-se que, a partir de agosto de 2016, nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes inscritos na modalidade com compromisso, para além da rúbrica "Utilização do ginásio" (atividade sujeita), surge sempre associada a rúbrica "NUTRIÇÃO", considerada pelo sujeito passivo como isenta de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.

Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Pontos III.1.1.2.1./2. - Direito Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de "Nutrição", não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132° da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).

Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18° do CIVA.

Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma quota previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Da análise às condições de adesão, o contrato tem como objeto a utilização dos Clubes para a prática de atividades físicas e desportivas, podendo o/a Sócio/a em determinada modalidade usufruir de uma consulta de nutrição por trimestre, estando esta integrada nos Serviços adicionais, incluídos no referido contrato. Pelo que não existe nutrição sem contrato de utilização de ginásio, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços de nutrição, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).

Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que os serviços de consulta de nutrição disponibilizados aos sócios, faturados enquanto uma rúbrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Fica assim demonstrado o caráter acessório da "Prestação de serviços de Nutrição", enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio numa determinada modalidade.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços de Nutrição" uma vez que, relativamente à mesma não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA.

III.1.1.4- Da informação vinculativa

No início da ação inspetiva foi-nos dado conhecimento da existência de uma "Informação Vinculativa" emanada pela Direção de Serviços do IVA (DSIVA), como resposta a um pedido que o próprio sujeito passivo efetuou junto da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) no ano de 2015 e que versa, exatamente, sobre esta temática ou seja, sobre o enquadramento a dar, em sede de IVA, ao exercício da prestação de serviços de nutrição no âmbito da atividade de ginásios.

Ora, as informações vinculativas, nos termos do art.º 68º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), têm como objeto a qualificação jurídico-tributária, incluindo os pressupostos dos benefícios fiscais, de factos já ocorridos ou de factos ainda não verificados, e aplicam-se especificamente aos atos e factos identificados no pedido e ao período de tributação em que os mesmos ocorram, resultando de questões específicas formuladas aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira especializados nas diversas matérias fiscais.

A informação vinculativa que nos foi dada a conhecer pelo sujeito passivo (Anexo 10) teve origem no pedido de enquadramento dos serviços de nutrição à DSIVA pelo sujeito passivo. (...)

Relativamente à informação vinculativa resultante do pedido efetuado pelo sujeito passivo (nº 9215), destaca-se o facto do sujeito passivo não ter espelhado no seu pedido as concretas condições para os sócios terem acesso à nutrição (incluído nos serviços adicionais do contrato de utilização de ginásio) e que esta seria sempre faturada (independentemente do serviço ser ou não prestado), o que levou a que a resposta tivesse por base o pressuposto de que, para além de observarem os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, as operações em causa - aconselhamento de nutrição preencheriam, também, o objetivo terapêutico, como tal definido na jurisprudência comunitária para enquadramento na isenção, o que, afinal, não se verifica.

Assim não podem resultar das conclusões da informação vinculativa da DSIVA a validação do enquadramento das operações dado pelo sujeito passivo, importando relevar o que segue:

QUANTO AO ENQUADRAMENTO DOS SERVICOS DE DIETÉTICA E NUTRIÇÃO,

REFERE-SE QUE: Efetivamente a atividade de "Dietética" está prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, mas esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132° da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9° do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).

Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, configurando operações  sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18° do CIVA.

Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.

Da análise às condições de adesão (Anexo 3) se retira, designadamente a partir dos pontos “1. Objeto”, “2. Modalidade de adesão" e “3.10. Serviços adicionais", que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. Com efeito, o contrato tem como objeto a utilização dos ginásios para a prática de atividades físicas e desportivas, podendo o/a Sócio/a em determinada modalidade usufruir de uma consulta de nutrição por trimestre, estando esta integrada nos Serviços adicionais, incluídos no referido contrato, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).

Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Assim, considerando a análise anterior à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos/condições de adesão, da faturação e restantes documentos, e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição (serviços dietéticos) disponibilizadas aos sócios, faturadas enquanto uma rúbrica da fatura referente à quinzena do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA à taxa normal de 23% (nos termos do artigo  18º  do   CIVA)   sobre  a “Prestação  de  Serviços  de  Nutrição" (produto  003), uma vez que relativamente à mesma não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA.

III.1.1.5. Das propostas de correção (ao IVA não liquidado e IVA dedutível)

Em virtude de o sujeito passivo ter usufruído, de forma indevida, de uma isenção de IVA que originou falta de liquidação de imposto, à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18° do CIVA, sobre as intituladas "Consultas de Nutrição", decorrente da não aplicabilidade, a estas operações, da isenção constante da alínea 1) do artigo 9° do CIVA e tendo em conta o direito à dedução regulado nos artigos 19.º a 26º do CIVA, quer o IVA liquidado, quer o IVA dedutível relacionados com esta atividade, vão ser alvo de correção nos anos de 2016 e 2017 (...).

XIX.        Na sequência das correções assim promovidas pelo RIT, a Requerente foi notificada das liquidações identificadas nos quadros abaixo, conforme documentos juntos agregadamente como docs. n.ºs 1 e 2 à PI:

 

 

XX.         A Requerente foi objeto do processo executivo n.º ...2019... e apensos para cobrança das quantias de IVA e juros compensatórios indicadas no ponto antecedente, conforme certidões de dívida juntas agregadamente como doc. n.º 11 à PI, que se dão por reproduzidas.

XXI.        A Requerente, conforme doc. n.º 12 junto à PI, que se dá por reproduzido, requereu, junto do Serviço de Finanças de Oeiras ..., a suspensão do processo de execução fiscal e ofereceu como garantia o penhor do respetivo ativo fixo tangível.

III.B. Factos dados como não provados

12. Ainda com relevo para a decisão da causa, em face das alegações produzidas pelas partes nos seus articulados, o Tribunal julga como não provado que:

A) A Requerente procedeu à prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo executivo relativo à cobrança do imposto e juros compensatórios referido nos n.ºs XX e XXI

dos factos provados (vd. a alegação constante do art. 243 da PI).

13. Não se descortinam outros enunciados de facto relativamente aos quais assuma relevância para a decisão de mérito em atenção às possíveis soluções de direito a sua consideração como não provados.

III.C. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada

14. A convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada assentou no exame dos documentos juntos aos autos com a PI e dos constantes do PA, especificamente, neste último caso, o RIT e os documentos anexos ao mesmo, bem como nas asserções fácticas admitidas por acordo ou não controvertidas vistos os posicionamentos expressos nas peças processuais e no RIT relativamente à matéria de facto, tudo conforme especificado nos pontos do probatório acima enunciados.

15. Relativamente ao facto dado como não provado, isso resultou de a Requerente declarar na PI, no art. 238, não ter prestado, até então, qualquer garantia de qualquer natureza relativamente ao processo executivo instaurado e, no art. 243.º, que se comprometia a informar o Tribunal Arbitral dos termos e valores da garantia que viesse a prestar, o que não sucedeu no decurso deste processo arbitral.

 

IV. Apreciação jurídica

a) Ordem do conhecimento dos vícios alegados

16.          Pretende a Requerente nos presentes autos, a título de pedido principal (cfr. supra n.ºs 5 e 10), a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA emitidas por referência aos períodos 201606 a 201712, e dos respetivos juros compensatórios, no total de €3.765.553,45, acima identificadas no ponto n.º XIX do probatório, com reposição do crédito de IVA indevidamente compensado no valor de €27.430,54, o que fundamenta, conforme acima indicado nos referidos n.ºs 5 e 10, na violação do disposto no art. 68.º da LGT, dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.ºs 2 e 3, alínea e), da LGT, e, por consequência, do referido artigo 68.º da LGT, e do disposto na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

17.          Nos termos do art. 124.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, “Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1), sendo que: “Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (n.º 2).

18.          Visto que, em sede de pedido principal, são imputados aos atos sindicados nestes autos, conforme acima enunciado nos n.ºs 10 e 16, vícios suscetíveis de determinar a respetiva anulação e como a Requerente, seja na PI seja nas alegações, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento, em conformidade com a parte final da al. b) do n.º 2 conjugada com a al. a) do mesmo n.º 2 do art. 124.º do CPPT, cabe iniciar a apreciação jurídica pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos.

Na decorrência do assim legalmente determinado, entende-se principiar pelo conhecimento do vício atinente ao afastamento pelos atos tributários sindicados da orientação transmitida à Requerente em sede da informação vinculativa n.º 9215 que lhe foi prestada (cfr. factos provados n.ºs V e VI), vício esse que surge configurado pelo n.º 14 do art. 68.º da LGT, segundo o qual: “A administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial”.

19.          Explicite-se que a razão por que se deve começar por esta questão se prende com o facto de, como resulta do citado n.º 14 do art. 68.º da LGT, a informação vinculativa determinar para o caso, operação ou situação de espécie descrita pelo sujeito requerente um efeito vinculatório da Administração Tributária, pelo qual esta tem que seguir, na atuação administrativo-tributária respeitante à situação individual e concreta desse particular sujeito passivo, a orientação interpretativo-aplicativa enunciada na informação quanto ao enquadramento jurídico-tributário dos atos ou factos identificados no pedido, independentemente da efetiva adequação à normatividade legal aplicável da orientação propugnada pela Administração.

O ato tributário, maxime o ato de liquidação, respeitante à específica situação tributária de um certo sujeito passivo que seja contrário ou desconforme com o sentido do enquadramento jurídico indicado na informação vinculativa que lhe foi prestada padece, por força daquela determinação do n.º 14 do art. 68.º da LGT, de um vício próprio e autónomo de violação de lei que o inquina e torna anulável (cfr. art. 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, art. 2.º, al. c) da LGT, art. 2.º, alínea d) do CPPT e art. 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT), precisamente a discordância com o sentido da informação prestada.

Efetivamente, conforme a jurisprudência tem destacado, a consequência resultante de a AT proceder em sentido diferente do definido pela informação vinculativa é a configuração de um específico vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do ato praticado (cfr. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09 e de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14: “se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o ato que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade”; vd. também, nos mesmos termos, o acórdão proferido no proc. n.º 474/2019-T deste CAAD). Como tal, a verificação pelo Tribunal, no âmbito da impugnação de um ato tributário, do vício invocado de desconformidade com a informação vinculativa prestada ao sujeito passivo impugnante, determina per se a invalidação do ato impugnado contrário à informação, do que decorre a autonomia dessa verificação em relação à apreciação da própria correção legal da qualificação jurídico-tributária assumida pela Administração na informação emitida.

O regime da informação vinculativa, atento o disposto no citado n.º 14 do art. 68.º da LGT, muito embora apenas em relação ao sujeito passivo beneficiário da informação prestada e aos atos e factos identificados no pedido (pois, como se escreve certeiramente nos acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 13.10.2016, proc. n.º

00089/11.7BEBRG e de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21, “A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objeto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objeto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial”), faz prevalecer a proteção da confiança e a segurança jurídica do sujeito passivo em causa sobre a exata interpretação da lei, razão pela qual a vinculação da AT à solução interpretativo-aplicativa configurada na informação prestada é assegurada pelo Tribunal mediante a invalidação do ato desconforme com essa solução, independentemente de o Tribunal considerar ou não juridicamente adequada, em face das normas ou princípios jurídicos aplicáveis, a solução sustentada naquela informação. Ad abundantiam, assinale-se, nesta sequência, que a ressalva final do art. 68.º, n.º 14 da LGT a “salvo em cumprimento da decisão judicial” vale, então, para os casos em que não está colocado ao Tribunal, no âmbito do julgamento de litígio concreto do sujeito passivo requerente da informação, a questão da vinculação inter-partes da Administração Tributária à informação prestada, designadamente porque o vício da divergência administrativa com a informação prestada não foi invocado no âmbito da causa de pedir da impugnação ou porque o sujeito passivo beneficiário não se adequou à solução propugnada na informação emitida.

Em suma, deve ser apreciado prioritariamente este vício específico e autónomo de desconformidade com o conteúdo da informação vinculativa prestada, já que, independentemente da própria retidão do enquadramento jurídico-tributário subjacente à informação, a procedência deste vício de violação da lei, por infração do disposto no n.º 14 do art. 68.º da LGT, implica, só por si, a eficaz tutela dos interesses ofendidos, conforme previsto nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT.

20. Aproveite-se, já agora, para assinalar que, na apreciação deste vício de desconformidade das liquidações impugnadas com antecedente informação vinculativa, se tem em conta, como quadro normativo, a redação global do art. 68.º da LGT na versão em vigor à data da emissão em 2015 da informação vinculativa n.º 9215 (cfr. facto provado n.º VI) e não a versão atual (que resultou, por último, das alterações introduzidas pela Lei n.º 98/2017, de 24.8), vigente em 2019 na data das liquidações adicionais de IVA sindicadas (cfr. facto provado n.º XIX), porquanto o princípio tempus regit actum e a aplicabilidade imediata da lei nova, de que decorre que o ato de liquidação, na sua veste de ato procedimental, se rege pela normatividade em vigor no momento da sua prática, é limitado pela necessidade, imposta pelo n.º 3 do art. 12.º da LGT, de respeitar as “garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”, o que obriga a observar as situações jurídicas materiais constituídas em momento anterior ao da prática do ato, o que in casu envolve dar a devida aplicação à vinculação administrativa resultante da informação prestada em ordem à tutela da segurança jurídica e das expetativas legítimas fundadas na regulação em vigor no momento da produção do efeito vinculativo.

Diga-se, de qualquer modo, que se isto exclui a consideração de certos enunciados normativos presentemente constantes do art. 68.º da LGT, não assume repercussão em relação ao conteúdo regulativo decisivo aqui em jogo, atinente a que a “administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada”, constante do n.º 14 do art. 68.º, já que esta proposição legal se mantém estabilizada desde a revisão operada pelo art. 107.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12.

b) A informação vinculativa prestada: objeto e vinculatividade

21.          A eficácia própria da informação vinculativa, pela qual a Administração Tributária não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, tem um âmbito de aplicação subjetivo e objetivo bem preciso: i) o sujeito interessado (n.ºs 1 e 4 do art. 68.º da LGT) que, por si próprio ou por outrem (n.º 5 do art. 68.º), formulou o pedido e ii) o objeto do pedido, ou seja, os atos ou factos identificados ou descritos no pedido cuja qualificação jurídico-tributária se pretende (n.ºs 1, 3, 8, 9, 12 e 14 do art. 68.º).

No presente litígio, dado que a informação vinculativa com o n.º 9215 foi especificamente prestada à Requerente (cfr. factos provados n.ºs IV, V e VI), para a verificação do vício invocado de atuação, com as liquidações sindicadas, em desconformidade com a pronúncia emitida na informação prestada, releva considerar o objeto do pedido, a situação fáctica, ainda que meramente suposta ou hipotética, enunciada no pedido, apurando se a res ou negotium efetivamente sobrevindo coincide ou se adequa com o quid apresentado para o qual a AT determinou especificamente, pelo seu responsum, as respetivas incidências fiscais.

22.          Conforme se indica no acórdão do TCA Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09 (seguido pelos acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21), a informação vinculativa tem “dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas”.

Deste modo, no que aqui importa, caso a situação fáctica perspetivada, que foi exposta pelo sujeito interessado no pedido formulado e que foi objeto da valoração jurídico-tributária realizada pela AT na informação prestada, não corresponda à realidade nos seus componentes relevantes em atenção ao preenchimento dos elementos integradores da qualificação jurídicotributária, designadamente porque a operação ou a matéria foi descrita de maneira incompleta ou inexata (“[a]s omissões ou inexatidões relativas aos atos, factos ou documentos relevantes para a apreciação de pedidos de informação vinculativa” a que se reporta o art. 119.º-A do Regime Geral das Infrações Tributárias) ou não foi realizada no modo indicado pelo sujeito passivo, não ocorre vinculação da AT à informação prestada por falta de “espelhamento” ou simetria entre o responsum dado ao quid e a res.

Bem se compreende, por isso, que seja fulcral para a produção do efeito vinculativo a cabal descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretende elucidar, pois, como se refere nos acórdãos do TCA Sul de 4.12.2007, proc. n.º 1740/07 e de 23.4.2008, proc. n.º 02312/08, “[e]stes elementos são essenciais ao nível do instituto da informação vinculativa porquanto, para informar e decidir em casos concretos é necessário que a descrição dos factos seja o mais clara e completa possível, até para mais tarde poder associar esse mesmo caso concreto à informação vinculativa e assim mais facilmente beneficiar dos efeitos consignados na lei”.

A vinculatividade da informação prestada ao abrigo do art. 68.º da LGT opera em face das circunstâncias e das situações enunciadas no pedido pelo sujeito passivo, valendo o enquadramento jurídico-fiscal exposto na informação estritamente em relação aos contornos descritos que se verificaram no caso concreto.

23.          Justamente, invoca a AT, na sua resposta (arts. 132.º a 139.º) e nas suas alegações (n.ºs 9 a 19), que “a factualidade descrita no pedido de informação vinculativa não descreve, nem sequer minimamente, a realidade constatada pelos SIT e que é a constante do RIT” (n.º 10 das alegações), pelo que não se pode sustentar que “a factualidade descrita no pedido de informação vinculativa é idêntica à relativa às liquidações adicionais aqui em apreço e que é a descrita no RIT” (n.º 18 das alegações), tendo em atenção “o carácter genérico das questões colocadas, bem como a omissão da referência à forma como seriam “prestados” os serviços de nutrição, o que levou a que as respostas tivessem por base os pressupostos facultados de que, para além de observarem os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, as operações em causa – aconselhamento de nutrição – seriam efetivamente realizadas e preencheriam, também, o objetivo terapêutico” (art. 133.º da R.), não tendo a Requerente facultado “a informação de que as consultas não teriam o fim de tratar e na medida do possível curar (ou até mesmo prevenir) doenças concretas dos/nos destinatários dos serviços, mas antes e sim, um fim geral de promoção de saúde e bem estar (diga-se, comum à prática da atividade física)”, “[n]em alguma vez esclareceu que os contratos de prestação de serviços de nutrição seriam “ligados” aos contratos de prestação de serviços de ginásio, sendo a validade daqueles dependente da manutenção em vigor destes” (arts. 135.º e 136.º da R.).

Note-se, a este respeito, que no RIT, conforme acima indicado no facto provado n.º XVIII, se considerou que: “Relativamente à informação vinculativa resultante do pedido efetuado pelo sujeito passivo (nº 9215), destaca-se o facto do sujeito passivo não ter espelhado no seu pedido as concretas condições para os sócios terem acesso à nutrição (incluído nos serviços adicionais do contrato de utilização de ginásio) e que esta seria sempre faturada (independentemente do serviço ser ou não prestado), o que levou a que a resposta tivesse por base o pressuposto de que, para além de observarem os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, as operações em causa - aconselhamento de nutrição - preencheriam, também, o objetivo terapêutico, como tal definido na jurisprudência comunitária para enquadramento na isenção, o que, afinal, não se verifica” e se relevou que: “Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9° do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18° do CIVA”, bem como que: “Da análise às condições de adesão (...) se retira (...) que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas”, pois “o contrato tem como objeto a utilização dos ginásios para a prática de atividades físicas e desportivas, podendo o/a Sócio/a em determinada modalidade usufruir de uma consulta de nutrição por trimestre, estando esta integrada nos Serviços adicionais, incluídos no referido contrato, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio)”.

Pelo seu lado, a Requerente, conforme consta na PI (arts. 187 a 204) e nas alegações (ponto II.A), sustenta que, no seu pedido de informação vinculativa, expôs os dados, termos, condições e objetivos dos serviços de nutrição a prestar, identificou detalhadamente os atos cuja qualificação-jurídica tributária pretendia e incluiu proposta de enquadramento tributário quanto ao regime que entendeu aplicável a estes serviços, satisfazendo o exigido no art. 68.º, n.º 1 da LGT, pelo que a AT “enquanto órgão especializado na interpretação e aplicação do regime do IVA, tinha perfeitamente conhecimento das implicações do pedido efetuado pela Requerente quanto a todas estas matérias, não podendo agora refugir-se debaixo do manto das “concretas condições para os sócios terem acesso à nutrição” ou outras” (art. 203 da PI)e, assim, “[e]stando perfeitamente ciente do regime de isenção aplicável aos serviços de nutricionismo, a sua decisão foi clara e esclarecida”, ocorre “vício de violação de lei, gerador de anulabilidade” (art. 204 da PI).

24.          O acima exposto sobre as alegações das partes deixa bem patente que a matéria relevante para apreciar o vício imputado às liquidações sindicadas de desconformidade com o sentido da informação vinculativa prestada à Requerente se prende com a adequação, ou falta dela, entre a situação descrita no pedido de informação e assumida na resposta dada e a situação fáctica ocorrida por alegada omissão da factualidade que era pertinente para a qualificação jurídico-tributária concernente à inaplicabilidade da isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA (“As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”), bem como no art. 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA (“prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas”), que esteve na base das liquidações tributárias aqui sindicadas.

Ora, segundo a fundamentação subjacente às correções técnicas realizadas em sede de IVA (cfr. as transcrições do RIT nos factos provados n.ºs XVII e XVIII), os vetores tidos como pertinentes para a recusa da subsunção dos serviços de aconselhamento nutricional realizados ou disponibilizados pela Requerente à isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e a consequente sujeição à tributação à taxa normal de IVA respeitam à necessidade de os serviços ou consultas de nutrição serem prestados com um fim terapêutico de diagnóstico, prevenção e tratamento da doença e ao alegado cariz acessório de tais serviços de nutrição por as prestações de serviços dietéticos não poderem ser separadas da prestação de serviços de ginásio, uma vez que constituem um serviço acessório, que faz parte da prestação de serviços de ginásio.

É, pois, em atenção a estes vetores, assim tidos como pertinentes para a aplicação da isenção de IVA da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que se tem que realizar a apreciação, para efeitos da deteção da obrigatoriedade para a AT da informação prestada, conforme imposto pelo n.º 14 do art. 68.º da LGT, da adequação entre a situação descrita no pedido de informação e assumida na resposta e a situação fáctica ocorrida ou pressuposta na atuação tributária final desenvolvida pela AT. Na verdade, como, nos termos das razões aduzidas na fundamentação constante do RIT (cfr. facto provado n.º XVIII), foram estes vetores respeitantes à finalidade não terapêutica stricto sensu das prestações de serviços em causa e à sua natureza acessória os elementos constitutivos dos pressupostos de facto e de direito em que a AT fez assentar as liquidações adicionais de IVA sindicadas, por indevida aplicação pela Requerente da isenção prevista na al. 1) do art. 9.º do Código do IVA, é em função deles que importa desenvolver a análise da coincidência entre o objeto do pedido assumido na informação vinculativa e a factualidade tida como relevante nas liquidações tributárias emitidas e não, evidentemente, em função de quaisquer outros elementos incidentais, complementares ou simplesmente anódinos para a qualificação jurídico-tributária definida.

Note-se, aliás, que a factualidade tida como relevante nas liquidações tributárias emitidas assume um cariz essencialmente negativo – os serviços de aconselhamento nutricional não servem uma finalidade terapêutica e não têm autonomia em relação aos serviços de utilização dos ginásios – porquanto, como se trata, no caso, de uma qualificação jurídica relevante em termos de isenção de imposto (alínea 1) do artigo 9.º do CIVA e art. 132.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA), está em jogo o preenchimento dos pressupostos tidos como pertinentes para o benefício fiscal (cfr. art. 68.º, n.º 1 da LGT e arts. 2.º, n.ºs 1 e 2 e 6.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

De tudo isto decorre que, caso as situações materiais em que a AT sustenta, enquanto elementos determinativos do enquadramento tributário, as liquidações de IVA realizadas se encontrem indicadas ou admitidas na descrição dos factos objeto do pedido da informação vinculativa, verifica-se a desconformidade com o sentido da informação prestada que determina vício de violação de lei das referidas liquidações por força da citada proposição normativa do art. 68.º, n.º 14 da LGT.

25. Segue-se, então, analisar em concreto o pedido de informação e a resposta da AT constante da informação vinculativa n.º 9215, conforme acima descrito nos factos provados n.ºs V e VI.

No que concerne à natureza e finalidade dos serviços de nutrição, indica-se no pedido que a Requerente pretende “prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora”, sendo que nas “sessões de aconselhamento serão prestados, nomeadamente, os seguintes serviços: a) Aconselhamento nutricional; b) Elaboração de um plano alimentar personalizado; c) Análise da composição corporal, historial clínico e modo de vida; d) Medições biométricas; e) Serviços de marcação de consultas de nutrição trimestrais através de uma plataforma online”, serviços estes que “permitirão à Requerente prestar serviços relacionados com o bem-estar físico e saúde, com maior eficácia e qualidade” (cfr. a descrição constante no facto provado n.º V).

Quanto ao circunstancialismo da disponibilização destes serviços, para além de se indicar que “serão prestados por técnicos selecionados e contratados para o efeito pela Requerente” e que “serão objeto de faturação mensal / diária (...) pela Requerente aos clientes que contratem tais serviços”, refere-se que se procura com a “prestação de serviços de aconselhamento nutricional” garantir, por um lado, “um aumento do número de inscrições, e pelo outro, um menor número de cancelamentos”, pois: “os serviços de nutrição nos clubes permitirão o incremento da retenção de clientes, justificável pelo maior grau de acompanhamento e maior diversidade dos serviços prestados”, “novos serviços de nutrição, além de permitirem uma maior retenção dos clientes e conduzirem a menos cancelamentos, irão igualmente atrair novos clientes”, “com a prestação de novos serviços, como forma de mitigar a redução de inscrições deste período e assegurar que a Requerente consegue i) fazer face às perdas dos meses de Verão, ii) angariar novos clientes, iii) oferecer novos serviços aos sócios existentes, por forma a evitar o cancelamento da sua inscrição, iv) garantir a rentabilidade anual dos clubes explorados”.

No mais, o pedido de informação vinculativa (cfr facto provado n.º V), reporta-se ao seguinte:

-              “os serviços de nutrição e dietética que virão a ser prestados pela Requerente enquadram-se nas atividades definidas no parágrafo 5 da lista anexa ao Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de Julho, e serão prestados por nutricionistas (licenciados universitários) ou dietistas (licenciados politécnicos), devidamente inscritos na Ordem dos Nutricionistas, cumprindo-se igualmente os requisitos previstos no artigo 2.º do mesmo diploma”;

-              “É do entendimento da jurisprudência comunitária que as atividades identificadas estão isentas, ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades, desde que, i) estejamos perante serviços médicos ou paramédicos, e ii) que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas (vide a alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, o Acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/ 00, caso Kugler, Colet. P. 1-6833, n.º 26, e ainda o já referido Acórdão do caso Solleveld)”;

-              é “claro que as atividades a ser prestadas pela Requerente se subsumem às atividades paramédicas previstas no número 1 do artigo 9.º do Código do IVA devendo, consequentemente, beneficiar da isenção aí prevista”.

26. Em face deste pedido e dos atos ou factos assim enunciados, que foram acolhidos, sem mais, na informação vinculativa n.º 9215 (cfr. na descrição constante do facto provado VI as referências a que a Requerente pretende “prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora” e que “perspetivando garantir, através da realização dos serviços de aconselhamento nutricional, o incremento da retenção de clientes, a requerente refere que estes serviços serão prestados através de profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, que detenham uma licenciatura em nutricionismo e se encontrem inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou licenciatura em dietética”), a AT afirmou explicitamente que a Dietética, que de acordo com a descrição prevista na lista anexa ao lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, “compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares" e que “a atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93”, concluindo que: “Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA” e que: “Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção”.

Destaque-se, em especial, que a única atuação imposta à Requerente nesta informação n.º 9215 respeitou simplesmente ao seguinte: “Atendendo a que o exercício da atividade de dietética e nutrição não consta como efetivamente exercida pela requerente, deve a mesma proceder em conformidade com o n.º 1 do artigo 32.º do CIVA que determina que "Sempre que se verifiquem alterações de qualquer dos elementos constantes da declaração relativa ao início de atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações", no prazo de 15 dias a contar da data da alteração (n.º 2 do artigo 32.º), podendo utilizar um dos meios previstos no n.º 1 do artigo 35.º do CIVA”.

A conclusão exposta na Informação prestada foi, então, a seguinte: “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”, sendo que, para o efeito, “a requerente deve adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 35.º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto”.

27. Pois bem, atenta a descrição realizada, julga-se manifesto que os motivos alegados como fundamento das liquidações adicionais de IVA sub judice, a saber, que os serviços de aconselhamento nutricional não se destinam à finalidade terapêutica de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde e que não possuem autonomia em relação aos serviços de utilização para atividade física dos ginásios, estão explicitamente indicados ou perfeitamente perspetivados ou admitidos no objeto do pedido sem que isso tenha excluído ou sequer afetado ou limitado, como pressupostos da isenção, a conclusão constante da informação vinculativa n.º 9215 proporcionada à Requerente de que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”.

Repare-se que, no que concerne à questão da necessidade da realização de uma finalidade terapêutica de diagnóstico ou tratamento de doenças ou de quaisquer anomalias de saúde, no pedido da Requerente se indica explicitamente que os serviços de nutrição em causa constituem serviços de aconselhamento nutricional e que nas “sessões de aconselhamento serão prestados, nomeadamente, os seguintes serviços: a) Aconselhamento nutricional; b) Elaboração de um plano alimentar personalizado; c) Análise da composição corporal, historial clínico e modo de vida; d) Medições biométricas; e) Serviços de marcação de consultas de nutrição trimestrais através de uma plataforma online”, os quais “permitirão à Requerente prestar serviços relacionados com o bem-estar físico e saúde”. Como se observa, quer pela descrição da natureza dos serviços (que não compreendem qualquer alusão ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de problemas de saúde), quer pela própria menção explícita a “serviços relacionados com o bem-estar físico e saúde”, apenas se indica um fim genérico de promoção da saúde e do bem estar físico, o que, porém, não levou a AT, na informação prestada, a reputar que isso implicava a ausência de um pressuposto necessário para a aplicação da isenção de IVA respeitante à assistência médica ou paramédica, como, agora, se sustenta na fundamentação na base das correções de IVA em apreço.

Nestes termos, ao contrário do alegado pela AT na sua R. (art. 135.º), não se pode afirmar que a Requerente não facultou “a informação de que as consultas não teriam o fim de tratar e na medida do possível curar (ou até mesmo prevenir) doenças concretas dos/nos destinatários dos serviços, mas antes e sim, um fim geral de promoção de saúde e bem estar (diga-se, comum à prática da atividade física)” – pelo contrário, é explicitamente indicado no pedido que se trata de prestar “serviços relacionados com o bem-estar físico e saúde”, portanto respeitantes às necessidades gerais de bem estar e de proteção da saúde. Do mesmo modo, não procede a alegação do RIT (cfr. facto provado n.º XVIII) de que a resposta ao pedido de informação vinculativa teve “por base o pressuposto de que, para além de observarem os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, as operações em causa - aconselhamento de nutrição - preencheriam, também, o objetivo terapêutico, como tal definido na jurisprudência comunitária para enquadramento na isenção, o que, afinal, não se verifica”.

Também no que concerne ao alegado cariz acessório ou não autónomo dos serviços de nutrição em relação aos serviços de atividade física de ginásio, não é possível acolher, como se pretende no art. 136.º da R., que não se esclareceu que “os contratos de prestação de serviços de nutrição seriam “ligados” aos contratos de prestação de serviços de ginásio, sendo a validade daqueles dependente da manutenção em vigor destes”, porquanto, se é certo que uma tal formulação não consta do pedido, é manifesto que dos seus termos resulta a evidente associação (sem aferir hic et nunc se isso envolve a qualificação jurídica como acessórios ou autónomos de tais serviços) entre os serviços de aconselhamento nutricional e a atividade física desenvolvida nos ginásios, designadamente para retenção da clientela dos serviços de exercício físico: referencia-se, com efeito, no pedido de informação, que a prestação dos serviços de aconselhamento nutricional procurava garantir, por um lado, “um aumento do número de inscrições, e pelo outro, um menor número de cancelamentos”, “o incremento da retenção de clientes, justificável pelo maior grau de acompanhamento e maior diversidade dos serviços prestados”, uma “maior retenção dos clientes e conduzirem a menos cancelamentos, irão igualmente atrair novos clientes” e que constituía uma “forma de mitigar a redução de inscrições deste período e assegurar que a Requerente consegue i) fazer face às perdas dos meses de Verão, ii) angariar novos clientes, iii) oferecer novos serviços aos sócios existentes, por forma a evitar o cancelamento da sua inscrição, iv) garantir a rentabilidade anual dos clubes explorados”.

Também aqui, perante as indicações assim expostas, na informação vinculativa n.º 9215 não se indicou, como pressuposto para a aplicação da isenção da al. 1) do art. 9.º do CIVA, a necessidade de os serviços de nutrição estarem dissociados dos contratos de utilização das instalações desportivas – pelo contrário, explicitamente se aceitou a indicação de que a Requerente pretende “prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora”, “perspetivando garantir, através da realização dos serviços de aconselhamento nutricional, o incremento da retenção de clientes” e apenas se exigiu que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”.

Anote-se que a relevância da não inclusão destes pressupostos no enquadramento jurídico definido pela informação vinculativa n.º 9215 para a aplicação da isenção de IVA aos serviços de aconselhamento nutricional nos termos apresentados pela Requerente é tanto mais significativa quanto a mesma informação explicitamente se reportou a outras condições, dado que estabeleceu que o sujeito passivo poderia beneficiar da isenção em sede de IVA nos termos da alínea 1) do artigo 9.° do CIVA desde que os serviços de nutrição sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável, e que deveria entregar declaração de alterações, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto.

Assinale-se, por fim, que a AT invoca ainda como elemento omitido no objeto do pedido da informação, mas pressuposto na resposta, que os serviços de aconselhamento nutricional seriam apenas disponibilizados e não efetivamente realizados. Sucede, porém, que a não realização efetiva dos serviços de nutrição, independentemente dos termos da relevância jurídico-tributária dessa matéria, não constitui factualidade subjacente às correções de IVA promovidas, porquanto no RIT (vd. acima facto provado n.º XVIII) dá-se conta que, de acordo com as “Condições de adesão”, caso não se realizem as consultas de nutrição previstas contratualmente, o sócio não tem direito ao reembolso dos montantes entretanto debitados respeitantes a essa parcela dos serviços prestados (cfr. também facto provado n.º XIV), mas não se alega, em termos concretos, que as consultas de nutrição faturadas não se realizaram.

Em suma, na informação vinculativa n.º 9215, para além dos elementos indicados pela Requerente, designadamente quanto os serviços de aconselhamento nutricional serem assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável e da necessidade de a Requerente “adicionar o exercício da nova atividade às que já exerce, mediante a entrega de uma declaração de alterações, nos termos do artigo 35.º do CIVA, nela evidenciando a sua qualidade de sujeito passivo misto, bem como indicar qual o método que pretende utilizar para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto”, não se fez depender a aplicação da isenção da al. 1) do art. 9.º do CIVA de outros pressupostos, como aqueles que agora são indicados como base das liquidações adicionais de IVA atinentes à satisfação da finalidade terapêutica de diagnosticar, tratar e na medida do possível curar doenças ou anomalias de saúde e à autonomização ou dissociação em relação aos serviços de utilização dos ginásios, sendo que, atentos os factos provados n.ºs IX, X, XI, XII, XIII, XIV e XV, não se deteta que a Requerente tenha promovido essa atividade de aconselhamento nutricional em desconformidade com a proposta que apresentou no pedido formulado.

28. Conclui-se, neste termos, que a informação vinculativa n.º 9215 facultada à Requerente, ao considerar que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável”, acolhe o enquadramento jurídico-tributário proposto pelo contribuinte em atenção à situação material descrita no pedido, sem exigência, para efeitos de aproveitamento da isenção de IVA quanto aos serviços de aconselhamento nutricional, de pressupostos atinentes à finalidade terapêutica de diagnosticar, tratar e na medida do possível curar doenças ou anomalias de saúde e da autonomização em relação aos serviços de utilização para atividade física dos ginásios, o que implica que, com as liquidações impugnadas, a AT está proceder, em relação à Requerente beneficiária da informação n.º 9215 que lhe foi prestada, de modo diferente do sentido dessa informação vinculativa, o que infringe o disposto no n.º 14 do art. 68.º da LGT e acarreta a ilegalidade das liquidações impugnadas.

Deste modo, por vício de violação de lei, por infração ao disposto no art. 68.º, n.º 14 da LGT, decorrente da não conformidade das liquidações impugnadas com o sentido da informação vinculativa prestada, procede a pretensão deduzida pela Requerente de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e dos correspondentes juros compensatórios, referentes aos períodos de imposto de 201606 a 201712, com os efeitos decorrentes, designadamente quanto à reposição do crédito de IVA no valor de €27.430,54 objeto de compensação por força das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos de 201606 e de 201607 ora anuladas.

c) Questões prejudicadas

29.          Com a procedência do referido vício fica prejudicada, nos termos do art. 124.º do CPPT e do art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, por aplicação do art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT, a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente quanto à legalidade das liquidações sindicadas e ao pedido formulado a título subsidiário.

30.          Especificamente quanto ao pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerida, refira-se que o mesmo fica igualmente prejudicado, porquanto da verificação do vício de violação de lei de desconformidade das liquidações de IVA com o sentido da informação vinculativa prestada decorre que não possui pertinência para a resolução do litígio a questão da interpretação do Direito da União Europeia sobre o enquadramento dos serviços de nutrição ou de dietética na isenção de IVA da assistência médica ou paramédica atualmente constante do 132.°, n.° 1, alínea c) da Diretiva IVA e a qualificação dos serviços de nutrição ou de dietética como “prestações que têm por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde”, que poderia justificar o reenvio para o Tribunal de Justiça.

Com efeito, muito embora seja certo que, quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este está, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.º, terceiro parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, se tiver sido suscitada uma questão relativa à interpretação do direito da União perante esse órgão jurisdicional (vd., por exemplo, o acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o., C160/14, n.º 37), isso não sucede quando a questão de interpretação do Direito Europeu não seja pertinente, por, seja qual for a resposta, ela não poder ter influência sobre a solução do litígio (vd., para além do citado acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o., n.º 38, o acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, n.º 21 e o acórdão de 15 de setembro de 2005, Intermodal Transports, C‑495/03, n.º 33), sendo que cabe unicamente ao juiz nacional, que é chamado a conhecer do litígio e deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estar em condições de proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (vd., por exemplo, acórdão de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk, C72/14 e C197/14, n.º 57).

Precisamente in casu verifica-se a falta de pertinência da questão de interpretação do Direito Europeu, porquanto, conforme acima se explicitou no n.º 19, a aplicação do regime do art. 68.º, n.º 14 da LGT, implica de per si vício de violação de lei, independentemente da correção da interpretação do Direito nacional e europeu subjacente à informação vinculativa.

Recorde-se, ainda, a este respeito, que o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecido no âmbito da aplicação do IVA, conforme decorre, por exemplo, do acórdão de 21 de fevereiro de 2018, Kreuzmayr, C‑628/16, n.° 46, que afirmou que “o princípio da proteção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular a quem uma autoridade administrativa criou expectativas fundadas devido a garantias precisas por ela fornecidas”.

Evidentemente, a informação vinculativa n.º 9215 prestada à Requerente, em conformidade com o disposto no art. 68.º da LGT, constitui, evidentemente, uma garantia precisa quanto ao enquadramento jurídico apresentado para a aplicação da isenção de IVA da alínea 1) do art. 9.º do CIVA.

 

d) Indemnização pela prestação de garantia

31. Por último, cabe emitir pronúncia específica sobre o pedido formulado pela Requerente de indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida.

Como é sabido, a indemnização pelo pagamento de garantia indevida encontra-se prevista no artigo 53.º da LGT, que refere no seu n.º 1 que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida”, no seu n.º 2 que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo” e no seu n.º 3 que: “A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente” (cfr. ainda art. 171.º do CPPT).

Como está bem de ver, para que se constitua o direito à indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia, para além da ocorrência e comprovação dos prejuízos incorridos, é, antes de tudo o mais, necessário que tenha tido lugar a prestação da garantia na sequência da instauração de processo de execução fiscal.

Ora, como resulta do facto dado como não provado acima no n.º 12, não ficou demonstrada a prestação dessa garantia, pelo que não se pode senão julgar como improcedente, neste processo, o pedido formulado de condenação da AT em indemnização por prestação de garantia.

V. Decisão

Termos em que se acorda neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado, pelo que se declaram ilegais os atos de liquidação adicional de IVA respeitantes aos períodos 201606, 201607, 201608, 201609, 201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705, 201706, 201707, 201708, 201709, 201710, 201711, 201712 e os atos consequentes de liquidações de juros compensatórios e se determina a sua anulação, com as legais consequências;

b)           Julgar improcedente o pedido de condenação da AT em indemnização por prestação de garantia indevida.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €3.765.553,45 (três milhões setecentos e sessenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

VII. Custas

 

As custas são suportadas pela Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, à fixação do respetivo montante.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Setembro de 2020.

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

(Fernanda Maçãs)

 

O Árbitro vogal

(Paulo Lourenço)

 

O Árbitro vogal

(João Menezes Leitão- relator)